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GÊNIOS E DENGOSOS

6 / maio / 2020

por Rubens Lemos 


Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, a seleção brasileira do jornalista João Saldanha, o João Sem-Medo, venceu os seis jogos e humilhou os adversários em campanha indiscutível. O Brasil cintilou em todas as partidas, marcou 23 gols e sofreu apenas dois. Eram as Feras escaladas tão logo convocadas.

Santos, Botafogo e Cruzeiro formavam a base do escrete e o entrosamento era de orquestra. Colômbia, Paraguai e Venezuela levaram bailes em ritmo de Bossa Nova ou Jovem Guarda, Roberto Carlos explodindo em discos de ouro. Os bolachões de couro cintilavam nos pés de um time espetacular, que seria modificado por Zagallo um ano depois e também dava seus shows. 

Saldanha, sondado ou convidado pelo presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, definiu logo seus 22 titulares e reservas para evitar pressões que viriam e o jogariam no fosso das conspirações. 

A exigência da convocação do atacante Dario, goleador e perna de pau, foi apenas pretexto para servir a cabeça de Saldanha em bandeja de segunda categoria. Ele caminhava para o heroísmo de trazer o tricampeonato sendo adversário radical do Regime Militar. Saldanha militava no clandestino Partido Comunista e provocava os generais. “O presidente escala o ministério e eu escalo a seleção”. Ninguém atiçaria o General Médice assim, à toa.

Enquanto esteve técnico, Saldanha viveu o delírio de comandar com liberalismo e firmeza o creme do futebol nacional. No dia 10 de agosto de 1969, em plena tensão, o melhor comentarista brasileiro de todos os tempos, deixou ecoar sua anarquia. O gramado do Estádio Universitário de Caracas não passava de um chiqueiro disfarçado. Caía um temporal.

No primeiro tempo, as Feras rebolavam. Pelé dava um drible a mais, Gerson virava o jogo de um lado a outro, Edu humilhava o lateral-direito com fintas recorrentes. Carlos Alberto Torres, o capitão, parecia gripado, sem avançar um milímetro até o ataque. Termina o primeiro tempo no impensável 0x0.

Os jogadores caminham ao vestiário e Saldanha esbraveja:

– Porra nenhuma de vestiário!  

Pega a chave e joga fora. Os jogadores, com uniforme imundo, sentam no meio da grama parca e Saldanha deixa chover sem que ninguém pudesse beber um copinho de água:

– Tá vendo aquele 3, Tostão? Aquilo é um padeiro, apontava para o zagueiro Freddy Ellie. E você, Crioulo? Vai deixar o número 5 achar que é Beckenbauer?, rugia o treinador e jornalista. Eles não jogam nada e vocês não querem porra nenhuma! 

No segundo tempo, ajuizados, os canarinhos enfiaram 5×0, três gols de Tostão e dois de Pelé, restabelecendo a lógica e a ordem natural da hierarquia boleira. Gerson brincou: “Gostou, chefe?” Saldanha ainda fumaçava: “Na próxima sacanagem, eu mando voltar todo mundo e jogam os reservas”.

Aquele time era espetacular. Felix; Carlos Alberto Torres, Djalma Dias (Pai de Djalminha, ex-Flamengo, Guarani, Palmeiras e La Coruña), Joel Camargo e Rildo (que viria para o ABC em 1972); Piazza e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. 

Na Copa, competente, Zagallo mudou a zaga, com Brito e Piazza, escalou Clodoaldo de volante e formou um ataque só de camisas 10 nos seus clubes: Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino. Saldanha caiu de pé.

50 anos e meses depois, o Brasil é novamente convocado. Pelo diplomata Tite, uma agressão à memória de Saldanha. Sem autoridade, sem esquema tático, sem admitir que não temos jogador de qualidade, trata seus pupilos com mimo, dengo, frescura. É advogado dativo do menino Neymaaaaaaaaaarrrrrr!

Na lista de Tite, nenhum teria vez na pior entre todas as seleções, a de 1990, com o abjeto Lazaroni. Mas o gaúcho Adenor protege a garotada, blinda cada um dos que desfilam marrentos de fones de ouvido e cabelo espetado. A chave do enigma é a profusão de craques do passado. O complemento, o dengoso Tite e seus mascarados que podem, pela primeira vez, tirar o Brasil de uma Copa do Mundo.

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