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GANHAR E PERDER

10 / agosto / 2020

por Paulo Roberto Melo


Aquele Vasco e Flamengo de abril de 1986 tinha todos os ingredientes para ser diferente. Não pelo jogo em si e o que ele representava, a final da Taça Guanabara daquele ano. Gosto de lembrar que até meados da década de 90, ganhar a Taça Guanabara tinha realmente um sabor de título para as torcidas do Rio de Janeiro. Portanto, era mais um jogo em que os rivais históricos decidiriam umtítulo.

A diferença daquele Vasco e Flamengo estava nos personagens. Dentro de campo, dois jovens despontavam como candidatos a ídolos dos dois times, dividindo a paixão de suas torcidas, acostumadas a venerar Roberto Dinamite e Zico. Esses dois jovens eram Romário e Bebeto. Artilheiros cheios de talento, campeões pelas seleções de base e um futuro brilhante, que seria coroado pelos gritos de Galvão Bueno, na Copa dos Estados Unidos: “É tetra! É tetra!”

Fora de campo, os personagens éramos meu irmão mais velho e eu. Por conta de um casamento terminado, meu irmão havia voltado a morar conosco e tentava se adaptar à rotina de ex-casado vivendo na casa dos pais. Parte dessa rotina era voltar a frequentar o Maracanã. Por isso, ficara acertado que iríamos àquela final da Taça Guanabara de 1986, entre Vasco e Flamengo.

O interessante é que naquela semana que antecedeu o jogo, minhas lembranças recuaram nove anos no passado. Eu, com onze anos, era louco para ver no Maracanãzinho um evento chamado Disney on Parade. Era um desfile dos principais personagens da Disney, que povoavam minha imaginação. Pois bem, naquele ano de 1977, meu irmão prometeu me levar ao tão sonhado desfile.

Então, numa noite de quarta-feira, lá fomos nós rumo ao Maracanãzinho, encontrar Mickey, Pateta e cia. Quando chegamos à bilheteria do ginásio, a decepção: os ingressos haviam se esgotado. Meu desapontamento foi grande. Não ver o Disney on Parade naquele ano, significava ter que torcer para que no ano seguinte eles viessem de novo ao país, o que não era uma certeza. Vendo minha tristeza, meu irmão sacou um plano B:

– Vamos ao Maracanã! Estão jogando hoje Flamengo e Internacional!

Criado em sólidas bases vascaínas, estranhei a solução apresentada e exclamei:

– Vamos ver jogo do Flamengo?!

Foi então que ele explicou, tentando me convencer, que muitas vezes ele, meu outro irmão e um grupo de amigos iam ao Maracanã ver jogos do Fluminense, apenas para ver o Rivelino jogar. E veríamos naquela noite, jogadores como Zico, Carpegiani, Júnior, Falcão, Batista e outros. Como o apelo do Maracanã sempre foi muito forte para mim, aceitei, e trocamos os bonecos da Disney, pelo desfile dos craques que jogavam no Brasil. O jogo foi um amistoso e o placar final de 1×1 refletiu o equilíbrio dos dois elencos. Um detalhe foi marcante para mim: pela primeira vez eu vi um gol do Zico!


Voltando a 1986. Aquele Vasco e Flamengo foi tenso, como, afinal, todos o são. Meu irmão e eu estávamos na arquibancada atrás do gol, no local ocupado pela Força Jovem. E víamos um Vasco excessivamente recuado, confiando nos contra ataques puxados por Mauricinho e Romário. O primeiro tempo acabou 0x0, e meu irmão consumiu um maço de cigarros inteiro, tal o nervosismo em que se encontrava.

Logo no começo do segundo tempo, o lateral Paulo Roberto bateu uma falta, cruzando para a área. Muitos jogadores dos dois times disputaram a bola, mas ela sobrou para Romário, que fazendo jus à alcunha de “gênio da grande área”, chutou de bate-pronto e fez 1×0. Festa de três personagens daquele jogo: Romário, meu irmão e eu.

O outro personagem, Bebeto, passou a tentar de tudo buscando o empate. Deslocava-se por todos os lados do campo, chutava de todas as distâncias, dava passes, mas de nada adiantou. Quase no final do jogo, Mazinho deu um chutão pra afastar o perigo da área do Vasco e encontrou o rápido Mauricinho, que puxou o contra ataque e lançou Romário. O craque tocou na saída do goleiro Zé Carlos e decretou  a vitória do Vasco: 2×0! Explosão de alegria na arquibancada! Meu irmão, que já havia devorado outro maço de cigarro, me abraçou e juntos éramos a expressão da felicidade naquele domingo de abril de 1986.

Nove anos separaram os dois episódios que narrei neste texto. Episódios de vitória e derrota. 


Perdi o Disney on Parade, mas ganhei, ao ver grandes craques de Flamengo e Internacional, naquele Maracanã de 1977. No ano seguinte, vi o desfile no Maracanãzinho, levado por uma prima.

Como vascaíno, ganhei um título sobre o Flamengo, naquele Maracanã de 1986. Ganhei, vendo um Romário jovem, imbatível na corrida e mortal nos arremates.

Meu irmão não namorava; casava. Logo, foi um homem de muitos casamentos desfeitos. A cada término acontecia uma volta pra casa. Dessa forma, tenho a sensação de que ele entrou e saiu da minha vida diversas vezes. Era como se eu o ganhasse e o perdesse constantemente. Como a bola que vai e vem numa partidade futebol.

No jogo da vida, eu o perdi em 2014, quando um câncer o levou. Por outro lado, desde então o ganhei para sempre junto a mim, pois ficou comigo seu carinho, sua amizade e uma saudade que às vezes teima em doer.

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