por Cláudio Lovato Filho

Um dia desses, fim de tarde, vi a gurizada jogando bola na rua.
No meio da rua.
Pedras fazendo as vezes de traves.
Eu vinha do mercado, carregando sacolas; parei.
Eram uns nove, dez garotos, de dez, onze anos de idade.
Pés desacalços, a disputa eufórica pela bola.
“Faz tempo que o senhor não vê isso, né?”, perguntou um sujeito que se aproximou de mim.
“Faz”, respondi. “Faz bastante tempo”.
O sujeito, ainda jovem, devia ser familiar de algum menino ali, talvez um tio, não perguntei.
“A gente está querendo fazer mais isso aqui”, ele disse.
“Que bom saber disso”, falei. “Que bom”, repeti, e fiquei mais um tempo ali, em silêncio, observando a cena.
Então segui meu caminho, andando num canto da calçada, colado às casas, para não atrapalhar o jogo.
Fui embora me perguntando quando aquilo se perdeu, quando as criançada deixou de jogar bola na rua.
E me perguntei, mais uma vez na minha vida, o que isso significou de perda para o futebol e para a infância.
O futebol e a infância.
Na rua.
Longe do encaixotamento das quadras esportivas dos condomínios e clubes sociais.
Sem o filtro limitante e distorcido da tecnologia e sua realidade virtual.
Apenas a realidade lúdica ao vivo e a cores, emocionante como só ela pode ser.
A bola, o asfalto, o meio-fio.
Faça chuva ou faça sol (melhor com chuva.)
A cidade.
O bairro.
O local de pertencimento (que não prende; ao contrário: liberta para o mundo, para a vida).
Um gol.
A gritaria, as risadas, a discussão.
A alegria e a liberdade ensinando o drible aos pés.
E deflagrando uma paixão.
Paixão que ajuda a definir uma identidade.
Uma verdade.
A verdade mais essencial.
O ser de onde se é.
O ser quem se é.
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