por Zé Roberto Padilha
Acabara de chegar das Paineiras onde melhorava meu tempo na subida dos 5 km. Todo feliz por chegar ao lado do Pintinho e do Edinho, morava no Humaitá e perguntei orgulhoso ao meu espelho em 1972: “Será que existe um ponta esquerda que corra mais do que eu?” Ele respondeu: “Sim, seu nome é Dirceuzinho e joga no Coritiba.”
Não desisti. Continuei a treinar forte, tomar vitaminas, dormir cedo e era sempre o primeiro da fila nos exercícios físicos. Certo dia, dois anos depois, alcancei em 1974 na planilha de Carlos Alberto Parreira 3.120m em 12 minutos do Teste de Cooper. Muitos jogadores do elenco tricolor sequer alcançaram a marca dos 3 km. Me sentindo um queniano, retornei ao espelho, já morando na Rua do Catete, e ele novamente baixou minha bola: “Sim, Dirceuzinho, já no Botafogo, alcançou 3.475m. Recorde brasileiro entre jogadores de futebol.”
Aí veio nosso primeiro duelo num clássico vovô, e ele aconteceu por todos os lugares do campo, onde a bola estivesse. Até a primeira metade da década de 70 o camisa 11 enfrentava o camisa 2, Garrincha com a 7 enfrentava Joãos com a 6, e o 9 ficava entre a zaga dos números 3 e 4, esperando que o 10 viesse detrás e decidisse a partida. Eram vários duelos à parte, em locais específicos dentro de uma mesma partida de futebol. E era estranho para mim, e para o Dirceuzinho, diante de tamanha correria, duelar em locais nunca antes defrontados. “O que será que este ponta esquerda está fazendo por aqui?”
Peladeiros nas derrotas, polivalentes nas vitórias. Deste jeito, fomos buscando com nossos pulmões espaços no futebol-arte. Acabamos sendo motorzinhos da mesma máquina de jogar futebol, eu em 75, ele em 76. Nossa missão era a mesma: cobrir o Marco Antonio, depois o Rodrigues Neto, e liberar o PC, o Rivellino e o Edinho para atacar os adversários. Fomos bicampeões cariocas. Mas as seguidas contusões não me permitiram mais tentar alcançar seu tempo, sua bola: fui para Recife defender o Santa Cruz, ele alcançou a seleção brasileira. Desta vez o espelho bateu o martelo em Boa Viagem, era um reflexo bonito de frente para o mar: “Dirceuzinho, realmente, fora bem mais longe do que eu!”
Já não era mais meu adversário. Era seu fã. Cada convocação sua alimentava dentro de mim um estímulo que nos ajudou a continuar a profissão diante da perda dos meniscos, dos tornozelos fraturados, de uma hérnia inguinal rompida. Se não machucasse tanto, pensava no cotidiano do departamento médico, poderia continuar me espelhando, buscar seus feitos como buscava seus tempos, quem sabe, um lugar melhor na história do futebol brasileiro.
Um tempo depois, o espelho se quebrou. Dirceu José Guimarães, nascido como eu em 1952, precocemente, nos deixou. Hoje, ao acordar e escovar os dentes, por instante vi refletido, infelizmente esquecido, o tamanho da sua importância para o nosso futebol. Três Copas do Mundo, terceiro melhor jogador do planeta em 1978. Daí peguei a caneta e tratei de lhe fazer justiça, pois em matéria de gratidão e respeito a sua obra, pensei, ninguém vai ser mais rápido do que eu. Que saudades, parceiro!
0 comentários