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DIDA, O HERÓI DOS SONHOS DO MENINO ZICO

26 / março / 2017

por André Felipe de Lima


“Dilema de criança: quem escalar como craque do time de botão? O homem de hoje foi técnico de time de botão no passado. E ai daquele que negar isso. Diversão das mais sadias que enterramos no limbo de nossas memórias. Nossos filhos já não brincam mais debruçados sobre uma tábua de futebol de mesa, imitando um Jorge Curi ou um Waldir Amaral. Preferem aqueles inexpressivos joguinhos de computador, que não os permitem sonhar. Jogar botão é diferente. Sonhamos vendo — com brilho nos olhos — o time que sempre queríamos ter em nossos clubes de verdade, mas que ficará ali, guardadinho em nossa enferrujada latinha de achocolatado ou na gaveta misturado com nossas roupas. Se Pelé era do Santos, eu o tinha no meu time de botão. Se Garrincha era do Botafogo, também estava lá, firme na ‘ponta-direita’. Os dois jogavam até com Domingos da Guia, Fausto e Ademir de Menezes, craques que pesquei num passado ainda mais longínquo que o deles para montar meu esquadrão. Mas todos estavam no meu escrete. Para o meu time não havia relógio, calendário que fosse… meus craques eram ‘contemporâneos’.

“Nos idos de 50, deve ter acontecido algo parecido com um menino cujo nome é Arthur, que ouvia do pai, José Antunes, que o Flamengo tinha um jogador fora de série. E o pai emoldurava os comentários como se estivesse irradiando uma jogada in loco: ‘Bola com fulano, que passa a cicrano e… gol! Gol lindo, senhores…’. O filho o ouvia encantado e desenhava em sua mente como não teria sido aquele lance, ao vivo, em pleno Maracanã. O garotinho não teve mais dúvidas. Era preciso trocar a estrela do seu time de botão. O novo ‘camisa dez’ deveria se chamar Dida, o craque do Flamengo do pai e também do seu coração.


(Foto: Arquivo Museu dos Esportes)

“Os anos passaram, Arthur cresceu e se consagrou no Flamengo como o Zico, um mito igual ao seu ídolo do passado, Dida, o camisa dez de milhares de escretes de botão Brasil a fora.

“Mas — para o já mitificado Zico — Dida era o maior. Cresceu idolatrando-o. Se estava no Maracanã com o pai, ia ao estádio mais por Dida que pelo Flamengo. Seu Antunes costumava contar a todos que Zico, ainda no berço, não disse nem “papai” nem “mamãe”. A primeira palavra que pronunciou foi, sílaba a sílaba, ‘Di-da’. Quando o craque decidiu o tricampeonato carioca de 1955, após liderar o Flamengo na vitória de 4 a 1 sobre América, na noite do dia 4 de abril de 1956, Zico tinha pouco mais de um ano. A paixão veio, portanto, do berço.”

Este texto abre a biografia do craque Dida que estará no volume da letra “D” da enciclopédia Ídolos-Dicionário dos craques do futebol brasileiro. O inesquecível ídolo do Zico e de todo rubro-negro que se preze completaria hoje 84 anos.

Dida foi um jogador magistral. Um dos maiores que o Flamengo já teve. Para muitos, antes de Zico, somente Zizinho e Domingos da Guia estavam no mesmo patamar de idolatria. Nem mesmo Leônidas da Silva, tão badalado após a Copa de 1938, foi tão cultuado quanto Dida, que seria o camisa dez da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958 se no meio do caminho não aparecesse um moleque extraordinário chamado Pelé.

Dida foi muito criticado por não ter jogado tudo o que sabia nos primeiros momentos daquela Copa. O próprio Leônidas da Silva o criticou ferozmente a ponto de Nelson Rodrigues sair em defesa do craque do Flamengo, sobretudo após ele marcar seis gols na goleada de 8 a 0 do Flamengo sobre o Olaria, no campo da Gávea, no dia 22 de agosto de 1958.

No dia 30 de agosto de 1958, assim Nelson Rodrigues escreveu sobre Dida e respondeu, sem eufemismos, ao despeitado Leônidas da Silva:


“O placar do Flamengo é de assustar: — 8 x 0! Essa abundância numérica significa que o rubro-negro submeteu o Olaria a um metódico, a um meticuloso, a um hediondo massacre. E o patético é que não foi um time, uma equipe, que construiu o escandaloso placar. Foi um homem, um único e solitário homem que desandou a fabricar gols a torto e a direito. Esse homem chama-se Dida e eu o apresento aqui como o meu personagem da semana. Na véspera, ou seja, sábado, um outro craque enfiara quatro.

“Refiro-me a Didi que, funcionando na frente, na área, acabou com a Portuguesa. Conquistou quatro tentos de antologia. Dida, porém, fez mais: — meia dúzia e, ontem, nenhuma força humana ou divina conseguiria destruí-lo. Muita gente há de pensar que Dida abusou, que não devia ter feito tanto, que podia ter-se limitado aos dois, aos três, ou, como Didi, aos quatro. Mas a verdade é que o aparente exagero tem sua íntima lógica irredutível. De fato, Dida andou passando mal na Copa do Mundo. Na Suécia, o locutor Leônidas apanhou o microfone para dizer horrores a seu respeito. E vamos e venhamos: — fora da pátria, o sujeito é mais sensível, mais vulnerável. Qualquer restrição que se lhe faça soa como uma bofetada.


(Foto: Arquivo Museu dos Esportes)

“E, além disso, nada enfurece tanto como a injustiça. Qualquer paralelepípedo sabe que Dida é um jogador de alta qualidade. Perguntem a uma zebra do jardim zoológico: — ‘Dida é um perna-de-pau?’. E a zebra responderá, com uma ênfase tremenda: — ‘Absolutamente! Absolutamente!’. Pois bem: — só Leônidas achou de arrasar Dida como se este fosse um bonde. Disse, entre outras barbaridades, que ele não podia nem jogar num time de primeira divisão. Falei em injustiça e repito: — deslavada injustiça! Só hoje, passado o impacto da Copa do Mundo, é que se compreende a ferocidade de Leônidas. Craque do passado, ele quer ser ainda ‘o maior’. Sofre com os ‘diamantes negros’ ou ‘brancos’, ou ‘morenos’ da atualidade. A glória alheia, em futebol, o ofende e humilha. E, por isso, meteu o pau em Dida. Era como se dissesse: — ‘Ah, meus tempos, meus tempos!’.

“E o fato é que Dida jogou apenas uma vez na Suécia e voltou de lá amargurado. E, aqui, havia quem perguntasse: — ‘Será que Dida acabou?’. Muitos julgavam sentir, nas suas últimas atuações, um certo desgaste. Suas velhas características pareciam diluídas. E eis que, ontem, contra o Olaria, o homem voltou a ser ele mesmo.

“Viu-se na Gávea um Dida em plenitude, comendo a bola como nos seus instantes mais puros e triunfais. Dirá alguém que o Olaria não é grande adversário. De acordo. Longe de mim considerar o Olaria um escrete. Mas uma goleada impõe-se por si mesma, torrencial e irrefutável. Como raciocinar, como argumentar contra a histeria numérica dos 8 x 0? E se atentarmos em que foi Dida, unicamente Dida, o autor de seis dos oito gols, então compreenderemos que estamos em face não de um ex-Dida, mas do próprio. Não há dúvida, amigos. Despontou com a sua furiosa velocidade, e mais: — com a capacidade de invadir, de penetrar, de cortar, de envolver e de fuzilar. Mas creiam: — o que o inspirava não era apenas o sadismo de um gol atrás do outro. Ele enfiava um gol, e depois outro, e mais outro, como se quisesse fazer uma afirmação para si mesmo. Queria sentir-se um Dida integral e não tenhamos ilusões: — foi cem por cento Dida.

“Qualquer jogador de futebol, do virtuose ao perna-de-pau, tem suas panes, suas depressões. Dida estaria numa dessas angústias. Mas quem, depois de meter seis gols, não há de sentir-se um triunfador, com um certo charme cesariano, uma certa aura napoleônica? Sim, depois de ontem, Dida baniu de si mesmo, até o último vestígio, o drama da Suécia.

“Quando soou o apito final, o aspecto do grande jogador era algo patético. Tinha o olho rútilo e o lábio trêmulo. Que os outros times tratem de pôr as barbas de molho! Dida voltou a ser Dida e para sempre Dida.”

Reforçando o que escreveu Nelson Rodrigues, Dida será para sempre um dos mais carismáticos ídolos da genealogia rubro-negra. Zico, na manhã deste domingo, certamente acordou mais feliz. É aniversário do seu eterno herói, o grande Dida.

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