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DICÁ

7 / janeiro / 2019

por Rubens Lemos


O futebol virou um desafinado coral de jovens brutos. Mergulho no redemoinho da  infância e relembro Dicá, tão esquecido e melhor do que todos de agora.  Negada exceção. Sim, batia falta tão lindamente  quanto Zico, Zenon do Guarani e Corinthians, Roberto Dinamite e Rivelino. Chutava com a parte interna do pé direito, a bola viajava em parábola e morria no ângulo do goleiro. Dicá raramente errava uma cobrança. Os adversários tinham por ordem expressa dos seus técnicos evitar faltas na entrada da área.

Dicá punha as mãos na cintura, dava dois passos, descia o peitoral e tocava levemente na bola. O passeio aéreo era lento, belo e agonizante. Goleiros grandes tipo  Jairo, do Corinthians, se esticavam inutilmente. Outros, ótimos como Leão do Palmeiras e Raul do Cruzeiro ou o mediano Waldir Peres do São Paulo ficavam plantados, esperando que a bola não chegasse até a trave. Imóveis, resignados, evitando saltos decorativos.

Em torno do talento cerebral de Dicá, girava o time mais charmoso daquela segunda metade dos anos cabeleira, das camisas Volta ao Mundo e das calças boca de sino. A Ponte Preta de Campinas assombrava o Brasil com seu jogo ofensivo comandado por um camisa 10 de inteligência enxadrista de tão serena.

Dicá dava as ordens, apontava os caminhos, fazia os lançamentos, chutava forte quando era preciso, devagar e com sutileza sempre. Luz de plasticidade no meio-campo de raça e disciplina tática, composto pelo volante Wanderley, tarimbado e campeão brasileiro pelo Atlético Mineiro, e o correto Marco Aurélio, que também sabia trocar passes com qualidade nota seis.

A Ponte Preta transformava o seu estádio, o Moisés Lucarelli, num campo de batalha insuperável. Ninguém vencia a Macaca. A Ponte Preta era o Vasco de São Paulo, com seu uniforme preto e branco com listra cruzando a camisa.


Seu ano prateado foi 1977. Uma campanha impecável levava todos os especialistas a apontá-la campeã paulista pela primeira vez, ultrapassando o Trio de Ferro formado por Corinthians, Palmeiras e São Paulo e o decadente Santos de Fernando Narigão, Totonho e Toinzinho, sofrendo os três primeiros anos de viuvez de Pelé.

A Ponte Preta contava com três jogadores da seleção brasileira que seriam convocados para a Copa do Mundo da Argentina no ano seguinte: o goleiro Carlos, e os zagueiros Oscar e Polozzi. Seu ataque tinha a rapidez dos pontas Lúcio Bala e Tuta e a irreverência do polêmico artilheiro Ruy Rei, revelado pelo Flamengo nos tempos de Zico na escolinha.

O destino começava a castigar a Ponte Preta e tirar de Dicá, o direito de usar uma faixa exclusiva de campeão paulista. Na Portuguesa, dividiu com o Santos o título de 1973 por erro na contagem dos pênaltis pelo irrequieto árbitro Armando Marques. Em 1977, o Corinthians parecia ungido pelo carisma transcendental do técnico Oswaldo Brandão e pela força da Fiel torcida esperando há 23 anos por um campeonato.

A Ponte Preta venceu quatro vezes o Corinthians durante os dois turnos. Na pontuação final, foram para a decisão. O Corinthians venceu a primeira e seria campeão na segunda partida, um domingo com 140 mil pessoas superlotando o Morumbi.

O Timão abriu o placar com o ponta Vaguinho  e o estádio celebrou em alegria contida. Botijões de gás usados para encher balões haviam explodido antes da partida e ferido dezenas de torcedores. A comemoração antecipada do Corinthians azedaria: Dicá, de falta, parecia encestar no basquete, empatando a partida. Ruy Rei virou e forçou o jogo extra.


O Corinthians foi campeão com o gol de Basílio, o predestinado. A Ponte Preta tinha melhor time e o camisa 10. Dicá jogava pelo meio-campo inteiro do Corinthians naquela decisão: Ruço, Luciano e o heroico Basílio.

A Ponte Preta nasceu sem a obstinação pela glória. Perdeu de novo em 1979 para o Corinthians e em 1981 para o São Paulo. O título – um que fosse – teria sido  uma maravilha. Numa cobrança de falta. Em reverência ao craque Dicá.

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