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CRAQUE DOS GRAMADOS E DOS ESTÚDIOS

28 / dezembro / 2017

por Mateus Ribeiro


Ana Thais Matos é jornalista esportiva, e atua tanto no estúdio quanto no gramado.

Desde criança, sempre gostou de praticar esportes. Tempos depois, resolveu trocar os tênis e chuteiras pelo microfone.

Uma profissional competente, de opiniões firmes e concretas, Ana Thais foi extremamente solícita e cordial, e concedeu uma entrevista para o Museu da Pelada. Falamos sobre o ambiente machista do futebol, sobre a participação das mulheres no jornalismo esportivo e demais temas que devem ser abordados.

Confira no bate papo abaixo um pouco mais da história de Ana Thais Matos:

Vamos começar falando um pouco sobre o início de tudo. Como e quando surgiu a vontade de trabalhar com jornalismo esportivo?

Eu entrei na faculdade mais velha (com 23 para 24 anos), e no primeiro ano eu trabalhava em outra área, que não tinha nada a ver com jornalismo. No fim do primeiro ano eu fui encaminhando o que eu faria (iria pra cultura, política ou esportes). A oportunidade no esporte surgiu antes das outras, com a possibilidade de ser estagiaria no jornal Lance!, mas era apenas pra cobrir a rodada (quartas-feiras e fim de semana), e aí começou a trajetória no esporte, editoria que estou até hoje.   


Você sofreu algum tipo de “resistência” por parte de amigos ou familiares pelo fato do ambiente do futebol ser extremamente machista?

Resistência nenhuma, amigos e familiares sempre me apoiaram porque sabiam que eu era do esporte desde criança. Sou ex-jogadora, não com muito talento, mas somei mais de 10 anos entre beach soccer, futsal e futebol de campo. Também joguei vôlei.

Não faz muito tempo, a participação de mulheres na grade esportiva de emissoras de TV e rádio era mínima. Eram raras as apresentadoras de jornais ou programas esportivos, e fora isso, a participação de mulheres em debates se resumia praticamente em assistentes de palco que liam e-mails. Hoje, a evolução é notável (e constante), visto que em quase todo debate temos uma mulher participando ativamente. Sabemos que o caminho é longo, mas você acha que um dia a participação feminina no jornalismo esportivo será do mesmo tamanho que a masculina?

Difícil falar sobre o futuro, e eu não vejo tanta evolução, não. Vivemos um momento de transição e voltamos às origens do que já aconteceu nos anos 70 e 80 com Regianne Rither, Claudete Troiano e outras. O que fazemos agora em 2017 não é surpresa. Mulher sempre teve como repórter, apresentadora e comentarista, mas como toda sociedade, somos poucas em tudo. Mas isso vai mudar, não sei a proporção e não sei o tempo.

Qual você considera seu maior momento no jornalismo? E o mais difícil?

Meu maior/melhor momento no jornalismo foi a cobertura dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016. Meu inglês não é muito bom, então foi um desafio conviver 17 dias na Arena do Vôlei de Praia – um esporte dominado por americanos e brasileiros. Mas foi o melhor momento, era a Disney dos esportes.

O mais difícil são os ataques em estádios de futebol em todo Brasil pelo fato de eu ser mulher. Não só comigo, mas com todas as companheiras de profissão.

Ainda falando sobre o jornalismo esportivo em geral: de tempos para cá, a onda “engraçadinha” vem ganhando um espaço muito grande, em um tempo curto. Pessoalmente, acho que as coisas passaram um pouco dos limites. E você, qual sua opinião sobre tudo isso? Acha que é um caminho sem volta?


Depende do que é ser engraçado. Hoje a mídia tradicional passa por uma crise de identidade (na minha opinião), ela ainda não entendeu se tem que manter os mesmos comentaristas e narradores falando sempre as mesmas coisas, e pra um consumo interno, ou se vai expandir e falar pra quem não tem tempo de assistir TV para formar opinião. Nesse vácuo surgem os engraçadinhos e os youtubers. Existem canais ótimos e comunicadores ótimos, que contribuem demais para o debate – Bolívia do Canal Desimpedidos é o meu preferido, ele fala sério de uma forma objetiva que faz o moleque em casa pensar. Ele não humilha ninguém para omitir opinião, faz culto à imagem (valorizando jogadores antigos e novatos) e eu acho que é o melhor comunicador para futebol no ano – nas mídias não tradicionais. Fora isso,  existem apenas discussões muito rasas, o que é o futebol e o esporte no Brasil e no mundo. Vale a pena ser engraçado? Sim, muito, mas não vale a pena faltar com respeito. Eu não preciso humilhar um argentino para ser engraçada, e também não preciso levar ao pé da letra se Renato Gaúcho foi ou não melhor que Cristiano Ronaldo.

As pessoas dizem “nossa o futebol tá chato, não pode brincar mais”. Pois é, trago verdades. Não pode. Não pode chamar de bicha, não pode chamar negros de macacos, mulheres de vagabunda e por aí vai. O esporte é de inserção e não de exclusão.

Você imagina que um dia o futebol feminino possa ser valorizado no Brasil? Acha que os clubes e investidores irão abrir os olhos e se importar com as milhares de jogadoras sem incentivo espalhadas pelo Brasil?


Quero acreditar que sim, mas não vejo movimentação para isso. Precisaríamos tornar a liga mais competitiva, e conseqüentemente, mais rentável. Mas dá para fazer futebol feminino bom e sem passar na TV também, uma coisa não está ligada a outra. Se os clubes optarem em abraçar o futebol feminino como uma modalidade competitiva, tudo vai melhorar. Tem que investir na parte física e nas categorias de base, para que lá na frente, com 16, 20 anos, as garotas de 10 anos hoje tenham condições físicas de jogar de igual para igual com as norte americanas por exemplo. Antes de pensar na TV, temos que pensar na estrutura básica do esporte.

Uma das coisas que mais me incomoda e deprime no futebol atual é toda essa loucura financeira em transações de jogadores. Qualquer jogador hoje é negociado por quantias estratosféricas. Você acha que um dia essa roda vai enguiçar? Ou a tendência é que esses valores sejam cada vez mais absurdos?


Essa roda vai e volta, hoje se conta numa mão os clubes com dinheiro no Brasil e com possibilidade de pagar dívidas futuras. Mas a estrutura é viciada, existem clubes de deixam de pagar impostos, mas aí ganha títulos em um ano e passa dois no desespero, depois retoma de novo. Existem clubes que gastam dinheiro sem avaliar o produto, parece quando eu compro uma calça no shopping, pago uma fortuna, aí uma amiga me levou pra conhecer o Bom Retiro e eu descobri que a mesma calça sai 80% mais barato. Brinco com essa comparação, mas o dinheiro sai do meu bolso, num clube de futebol sai do clube ou patrocinadores. Aí as pessoas passam, e o clube fica. Mas fica como?

Vamos ser sinceros, todos nós sabemos que os profissionais da imprensa torcem por algum time. Vocês costumam brincar uns com os outros quando o time de um ou outro perde?

Internamente sim.

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