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ARTIME E O GOL COMO MELHOR AMIGO

2 / dezembro / 2019

por André Felipe de Lima


Os torcedores do Nacional de Montevidéu ficaram mal acostumados com os gols em profusão que o grande ídolo Luis Artime assinalava no começo dos anos de 1970. Gols que inclusive renderam ao arquirrival do Peñarol muitos títulos.

É natural que a paixão cega os mais afoitos. Que para defender o ídolo, alguns torcedores beiram às raias do inverossímil. Isso tudo é compreensível. Mas afirmarem que Artime marcara mais de mil gols, com o milésimo em um jogo contra o Peñarol, é um exagero inaceitável.

Mito. O argentino Artime sequer passou dos 300 gols oficiais em toda a carreira. Não há, porém, como negar que o Peñarol sofreu horrores com ele. Foram 16 jogos, com 10 vitórias do Nacional, seis empates e 10 gols de Artime.

Mas quem era esse craque tão badalado pelo torcedor uruguaio, que também fez sucesso defendendo o River Plate, o Independiente e o Palmeiras?

Artime não era um atacante alto, mas foi exímio cabeceador. A habilidade não era o forte do “trombador” Artime, mas fazia muitos gols. Por onde passou, deixou sua marca de artilheiro.

Foi quatro vezes goleador do campeonato argentino, duas pelo River Plate, em 1962 e em 1963, marcado 25 gols nas duas temporadas, e outras duas pelo Independiente, em 1966 [23 gols] e em 1967 [11 gols], ano em que conquistou o seu único campeonato argentino.

Estreou no Nacional no dia 16 de agosto de 1969 diante do Danúbio, em jogo válido pelo campeonato uruguaio. Marcou dois dos três gols na vitória de 3 a 0. Não há dúvidas de que Artime viveu seus melhores momentos na carreira defendendo as cores do Nacional, clube com o qual conquistou três campeonatos uruguaios, em 1969, 70 e 71, sendo artilheiro das três competições nas quais assinalou 24, 21 e 16 gols respectivamente. Foi também campeão da Taça Libertadores da América e do Mundial Interclubes, em 1971.

Na fase de grupos da Libertadores, o Nacional precisava derrotar o Penãrol para seguir adiante. No dia 30 de março, os dois times entraram em campo. O Peñarol saiu na frente no placar. Mas nos últimos cinco minutos do segundo tempo, Artime apareceu. Fez um gol e, logo em seguida, sofreu um pênalti convertido por Mujica. Dali para frente, o Nacional fez uma bela campanha até o jogo final, no dia 9 de junho, contra o Estudiantes de La Plata, com gols de Espárrago e [claro] Artime.

O desafio seguinte seria o inédito título mundial já conquistado pelo rival, o Peñarol. E Artime novamente mostraria sua importância histórica para o Nacional.

Por pouco o Mundial Interclubes de 1971 não foi disputado por conta da grande confusão na final da edição do ano anterior, disputada na Argentina entre o Estudiantes e o Feyenoord, da Holanda,

O Nacional vencera a Libertadores em 1971, mas havia um impasse na Europa. O campeão continental, o Ajax, da Holanda, recusou-se a jogar a final contra o Nacional. Diante disso, a Uefa decidiu indicar o vice-campeão europeu, o grego Panathinaikos.

Nos dois jogos decisivos do Mundial, contra o Panathinaikos, Artime marcou três gols: 1 a 1, na Grécia, e 2 a 1 para o Nacional, em Montevidéu. O Nacional tinha um timaço. Para os mais antigos, o melhor da história do clube. Jogavam lá o goleiro brasileiro Manga, Ángel Brunell, Juan Masnik, Luis Ubiña, Julio Montero Castillo, Juan Carlos Blanco, Luis Cubilla, Ildo Enrique Maneiro, Víctor Espárrago, Luis Artime e Juan Carlos Mamelli.

O saldo no futebol uruguaio não poderia ser melhor. Até hoje Artime se mantêm como o sexto maior goleador da história do Nacional, com 158 gols, e o oitavo da história da Taça Libertadores, competição na qual dividiu a artilharia em 1971 com o compatriota Raúl Castronovo que defendia [vejam só a ironia] o Peñarol. Os dois marcaram cada um 10 gols.

Luis Artime iniciou a carreira no Independiente de Junín, e, posteriormente, com a recomendação de Osvaldo Zubeldía e “Coco” Luis Alberto Mannini transferiu-se para o Atlanta, em 1958, quando atuou ao lado daquele que para muitos foi o melhor time da história do clube, que contava, entre outros, com Errea, Gatti, Clariá, Griguol, Bettinotti, Gonzalito e Guenzatti.

Mas foi no River Plate, a partir de 1962, que Artime tornou-se craque renomado. Em 1965, antes, portanto, de ir para o Independiente, Artime teve o passe cedido por meio ano ao Real Jaén, um clube da terceira divisão do futebol espanhol. Retornou ao River para deixá-lo em definitivo em 1966, sem conquistar títulos, mas mostrando-se um goleador extraordinário. Marcou 71 gols pelo clube.


No Independiente, Artime não só manteria o posto de artilheiro, mas conquistaria o seu primeiro título Argentino, em 1967. No clube “Rojo” formou um ataque avassalador com Raúl Emilio Bernao, Raúl Armando Savoy, Héctor Yazalde e Aníbal Tarabini. Uma turma da pesada que mantém até hoje o recorde de pontos corridos na era do profissionalismo no futebol argentino, com 86,67% dos pontos disputados. Foram 15 jogos, com 12 vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para o San Lorenzo. No Independiente, Artime marcou 45 gols em 72 jogos.

No período em que esteve no clube “Rojo”, Artime teve mais oportunidades na seleção argentina. Disputou a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966, chegando às quartas de final. No ano seguinte, jogou a Copa América, competição da qual foi o principal goleador da Argentina, com cinco gols.

Com o escrete argentino, Artime manteve excepcional média de 0,96 gol por partida, em 25 jogos.

Luis Artime nasceu em Mendoza, na Argentina. A data de seu nascimento é 2 de dezembro de 1938. Inexplicavelmente, quando chegou ao Brasil em julho de 1968, para defender o Palmeiras, informaram à imprensa paulista que Artime teria nascido no dia 25 de novembro de 1941.

Ficou pouco tempo no Parque Antártica [até julho de 1969], mas tempo suficiente para se sagrar ídolo da torcida ao lado de Ademir da Guia na “Academia”. Segundo os pesquisadores Celso Unzelte e Mário Sérgio Venditti, Artime vestiu a camisa do Palmeiras em 57 jogos, com 32 vitórias, 13 empates e 48 gols assinalados [mais uma média sensacional do craque] e conquistou o “Robertão” de 1969, a Taça de Prata que equivale ao que é hoje o campeonato brasileiro.

Uma de suas grandes façanhas aconteceu vestindo o manto verde, no dia 16 de janeiro de 1969. Artime marcou os cinco gols da goleada de 5 a 0 no Rapid Viena.

Em julho de 1969, o craque foi brilhar no Nacional, onde permaneceu até o dia 3 de maio de 1972, quando disputou seu último clássico contra o Peñarol. Saiu de campo ovacionado após marcar os três gols da vitória de 3 a 0 sobre o rival. Artime trocaria o Nacional pelo Fluminense.

Nas Laranjeiras, a diretoria do Tricolor movimentava-se para montar um time forte. Trouxera Artime, em maio de 1972, e Gerson.

Com a chegada de Artime para ocupar a vaga de Flávio Minuano, Gerson arriscara um vaticínio. O “Canhotinha” afirmara que ganhar jogo com aquele time do Tricolor seria “mole”, que ele, Gerson, receberia a bola do volante Denílson, lançaria a pelota ao ponta-direita Cafuringa e correria para abraçar Artime, que na certa faria o gol. Não foi bem assim. Artime reclamava, em entrevistas, que era boicotado pelos colegas, o Fluminense acabou em 14º lugar no campeonato brasileiro de 1972 e foi mal no campeonato carioca.

Quando Artime chegou ao Fluminense, o primeiro jogador a boicotá-lo foi o ponta-esquerda Lula, como assinalara o repórter Marcelo Rezende, doze anos depois da efêmera passagem do jogador argentino pelas Laranjeiras: “Lula deixou claro que não gostava dele, de seu salário mais alto que dos demais e da badalação que se armou em torno do seu nome. Resultado: só lhe cruzava bolas erradas. E boicotou-o tanto que quando o argentino foi embora tinha marcado, em 12 meses, apenas um gol. E seu passe custara nada menos que 100.000 dólares [cerca de um milhão de cruzeiros, na época].”

Lula sempre negou haver atrito com o argentino: “Artime é nosso amigo, só que não deu sorte aqui”. A verdade era inexoravelmente decepcionante para Artime, que perdia gols fáceis. Acabou no banco de reservas, por determinação de um insatisfeito treinador Pinheiro. Pediu um “tempo” à diretoria do clube e, simplesmente, escapou dez dias das Laranjeiras para, supostamente, curar “problemas estomacais” e ver como estavam seus negócios na Argentina: uma metalúrgica, uma financeira e uma loja de eletrodomésticos. “Em quinze anos de futebol, em todos os clubes que passei, nunca deixei de ser o artilheiro. Não sei o que está acontecendo comigo.”

Considerado “velho” para futebol, o craque argentino não rendeu no Fluminense como nos tempos de River Plate, Independiente, Palmeiras e Nacional. Em outubro de 1972, a diretoria do Tricolor já esboçava uma despedida para o jogador.


O ex-técnico da seleção brasileira e radialista João Saldanha entrevistou Artime para um programa de rádio. O craque confessou ao “João sem medo” que a maioria dos gols que assinalara na carreira acontecia porque errava o arremate tanto com o pé quanto com a cabeça. Pensava num canto e a bola era disparada no outro. Para quem não acredita em milagres…

Artime deixou as Laranjeiras no final de 1972, devolveu ao clube parte das “luvas” que recebeu e foi imediatamente repatriado pelo Nacional, onde sempre fora “rei”. Lá, o ídolo encerrou a gloriosa carreira recheada de gols, em 10 de fevereiro de 1974, quando o time enfrentou o Olímpia, do Paraguai, pela Taça Libertadores da América. Artime deixou sua marca, após balançar as redes do time adversário, e, no vestiário, após a partida, anunciou que aquele era o seu último gol na carreira. Ponto final da brilhante trajetória de um dos maiores goleadores da história do futebol sul-americano.

Se os gols que marcou foram “sem querer”, pouco importa. Eles alegraram estádios e deram títulos aos clubes por onde passou Artime, que hoje goza sua merecida aposentadoria em Buenos Aires, mantendo uma rede de lojas de material esportivo.

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