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A PELADA À FANTASIA DE NILTON SANTOS

5 / fevereiro / 2016


A "Enciclopédia" Nilton Santos em três momentos de descontração no Carnaval.

A “Enciclopédia” Nilton Santos em três momentos de descontração no Carnaval.

A MINHA PELADA DA ILHA

Por Nilton Santos (* texto extraído do livro “Veteranos do Zumbi”)


“Em 1965, quando já não jogava mais futebol profissionalmente, andei fazendo algumas partidas pelo time de uma colônia de pesca da ilha, o Z-1. Numa dessas, conheci o pessoal do Zumbi e eles me convidaram para fazer parte dessa pelada.

Primeiramente, fiz questão de pedir alguns esclarecimentos: onde eles jogavam, como eram as regras do jogo e, um item importante – eu só joguei na defesa para ganhar dinheiro e, já que estava voltando para Ilha, teria que jogar no meio campo para frente. Além deles concordarem com essa minha exigência, me ganharam logo quando disseram que lá não tinha juiz. Todos apitavam e prevalecia o bom senso. Assim comecei a fazer parte da pelada da Ilha, depois pelada do Zumbi.

Os jogos eram aos sábado, às quinze e trinta, e não tinham hora para terminar. Só acabavam quando já era noite e a gente não enxergava mais a bola. Eu chegava cedo na Ilha, passava na casa do Franz, na do Gato e na do Udinho e, juntos, íamos comer um peixe frito com um caju amigo lá na Freguesia, outro bairro da Ilha. Eu sempre tinha o cuidado de chegar antes do horário previsto. Primeiro, por respeito aos outros, e depois por não querer que eles abrissem um precedente para mim, tendo que fazer uma substituição para que eu pudesse jogar. Dizia sempre a eles que ali, eu não era um campeão do mundo e sim um simples peladeiro. Tinha que conseguir a minha própria vaga.

O campo era num terreno baldio, ao lado da casa do Huascar. Toda vez que a bola caía na casa dele um gritava: “olha o que você fez, Huascar” (que era para mãe dele não brigar). Depois fomos jogar no campo do Cocotá, mais tarde no campo do batalhão Humaitá, dos Fuzileiros Navais. Hoje em dia (*), a pelada continua, agora com a direção do Mario Duarte e a supervisão do Jorge Ferreira, na área de lazer da Varig, com nome mais sofisticado de Veteranos do Zumbi.

Nós ficávamos sentados no campo conversando, dando tempo para que todos chegassem e a pelada pudesse começar. Como eu havia parado de jogar recentemente é claro que todos ficavam mais a minha volta, curiosos com as histórias do futebol profissional. Ao final, e era o melhor da pelada, os times, vencedor e perdedor, se confraternizavam num barzinho tomando uma cervejinha com tira-gosto, com exceção do querido e saudoso Biguá – zagueiro – que só tomava leite gelado. O Biguá era baixinho, forte e troncudo. Não era muito determinado e chutava muito forte. Por isso,foi apelidado pelo Hugo Gambá de “toco de amarrá burro”. Quando ele estava perdendo e a pelada acabava, ele sempre dizia: – acabou? Logo agora que eu ia fazer o meu gol? – Nós podemos jogar até amanhã de manhã que o seu gol não vai sair, respondia o Hugo, puto, gaguejando: – “mais qui… mais qui ele não joga nada. Mais qui .. mas qui ele é um toco de amarrá burro”!

Outro fato formidável era o duelo dos irmãos Franz x Irineu. Eles só gostavam de jogar um contra o outro. Eram muito habilidosos e por terem consciência disso disputavam pau-a-pau o troféu de quem é o melhor. Mas se, por acaso, algum de nós tocasse em um deles, o outro imediatamente deixava de ser adversário para ser o maior defensor da raça.


Turma dos Veteranos do Zumbi em época de Carnaval!

Turma dos Veteranos do Zumbi em época de Carnaval!

Sábado de carnaval, fazíamos uma pelada à fantasia. Todos jogavam vestidos de mulher. Me lembro que o Paulinho Russo vinha sempre de Carmem Miranda. Ele era baixinho e vinha vestido com uma mini saia, uma bem criada barriga de fora,colares e maquiagem. Um turbante sensacional, bem espalhafatoso, complementava seu traje. Eu me vestia, na maioria das vezes, por ser mais fácil, de havaiana, colocando duas laranja para formar o busto. Os mais novos, em geral, nunca apareciam nesse dia. Eu costumava dizer que era porque eles não se garantiam.

Nessa pelada, como em todas da Ilha, existiam grandes jogadores que não chegaram a ser profissionais mas jogavam muito bem. Vale a pena ressaltar que na pelada da Ilha existia uma mistura muito grande. Tinha médicos, engenheiros, oficiais militares, pescadores, advogados, operários, não importava, todos tinham em comum o gosto pelo futebol.

Por eu falar demais dessa pelada, o Geraldo Romualdo, do Jornal dos Sports, um dia propôs fazer uma matéria comigo na Ilha. Fomos no meu carro e ele ia registrando tudo o que acontecia. Depois de pegar o pessoal da pelada e passarmos na Freguesia para comer um peixe, chegamos ao campo. Passado um pouco, fui a um matagal que tinha próximo ao campo e ele perguntou o que eu fazia lá. Respondi que estava trocando o calção. Geraldo ficou indignado e disse: – você é muito cínico, é um campeão do mundo, como é que pode jogar num campo desse e trocar de roupa no mato? Eu apenas ri. Como podia fazer diferente, se lá não tinha vestiário?

Nós podíamos levar convidados e eu sempre levava alguém. O Pampolini foi uma vez comigo e ficou por lá durante muito tempo. O Chico Anísio e o Paulinho da Viola também passaram por lá várias vezes. O Espezim Bermuda Neto, que foi comentarista da Rádio Globo e mais tarde juiz de futebol, era nosso companheiro também. Só que na pelada ele era goleiro. O Bob, que jogou comigo no Botafogo, foi e ficou. O Brito era outro que nas férias do Vasco sempre ia lá. Enfim, tinha o grupo dos permanentes e o grupo dos esporádicos.

Ao longo desse tempo, presenciei várias alterações nas equipes – algumas vezes, porque as pessoas saíam do Rio para outras cidades e até para o exterior, como foi o caso Franz, na Argélia; outras vezes, por problemas de saúde e também por simples renovação. O legal é o espírito do grupo: primeiro jogam os pais que vão aos poucos, trazendo os filhos. Depois, os genros, que, por sua vez, trazem os amigos. Assim, vão se perpetuando as amizades e uma pelada maravilhosa. Prova disso, foi a chegada do Cação, (com o Jorge Ferreira ainda jogando), trazendo depois o genro Manoel, o Fernando e o Xerife. O mesmo aconteceu com o Jonjoca, que trazia o Ratinho só para distribuir as camisas e as bolas, mas quando faltava alguém ele entrava para jogar. E, coitado, nunca conseguiu agradar. A derrota do time era sempre culpa do Rato. Todos esses, de quem me lembrei aqui, eram rapazes, meninos perto de muitos de nós. Mas sempre respeitavam a todos, chegavam a chamar alguns de senhor. O Cação com o Jorge, era um fato à parte, muito engraçado. Toda vez que o Cação pegava a bola, o Jorge gritava: – vai Cação, meu filho! ou – Boa, Cação, meu filho!  Ele ficava danado e a gente se divertia com o Jorge. Uma vez o Cação chamou o Hugo, com todo o respeito, de Seu Gambá… – mas qui, seu gambá???

Depois vieram o Pedrinho Tostão, o PC, sei lá se estou confundindo a ordem, mas a ordem dos fatores não altera o produto. O importante é que lembro de cada um de uma maneira. Pela característica de jogar, por ser um amigo mais próximo, por ter me ajudado a sair de alguma enrascada, enfim do jeito carinhoso e saudoso que tenho para cada um deles. Ao final do ano sempre havia uma festa de confraternização e os chefes do comitê organizador eram o Zé do Armarinho e o Jorge Ferreira. Mais tarde veio o Mario Duarte, que passou a fazer parte também dessa comissão hoje assumida integralmente por ele. Em 1983, quando eu disse que ia sair do Rio para Uberaba, eles organizaram uma homenagem linda para mim, fizeram inclusive uma camisa especial com o meu retrato estampado. Convidaram o Gérson Canhotinha e o Pampolini – que jogaram -, o Zizinho e o Sabará que foram apenas para me homenagear. Ao final da pelada, tivemos um jantar com discurso e tudo, quando ganhei um troféu, que é uma bola, com o logotipo da pelada, fazendo uma declaração de amor para mim:

“Mestre Nilton: hoje eu realizei o sonho de todas as bolas do mundo: ser só tua para sempre. Obrigada, meu amor”.

A pelada da Ilha, como sempre prefiro me referir, ao invés de Veteranos do Zumbi, foi muito importante para mim. Trabalhava a semana inteira esperando o sábado chegar, ir para a Ilha, jogar, brincar e rever os amigos. Hoje ela é a agradável lembrança de um tempo maravilhoso que infelizmente passou. O que ficou foi apenas a recordação carinhosa dos que já se foram e a amizade dos que permanecem vivos. Mesmo aqueles que, como eu, estão afastados dos Veteranos do Zumbi somente fisicamente.

Quando posso vou visitar o pessoal lá no campo da Varig. Chego a levar um susto quando pergunto: quem é aquele ali? E alguém me diz: é o filho do Carlinhos, ou o filho do Mario, ou filho do Manoel, do Fernando. É, essa vida não nos deixa mesmo esquecer que envelhecemos. Noutro dia, eu estava jogando com o filho do fulano. Hoje, os filhos é que são os pais.”

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