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Rio de Janeiro

INTERVENÇÃO NA FEDERAÇÃO DE FUTEBOL

por José Roberto Padilha


A violência contra o futebol transcende as ruas, favelas, presídios e alcança estádios abandonados pelo interior. Com a falta de espaço para desenvolver sua arte, sem oportunidades para mostrar seu talento, milhares de adolescentes, matérias primas do nosso melhor produto de exportação, vagam hoje pelas ruas procurando uma escolinha de futebol. E não encontram. A eles, expostos à ociosidade e ao tráfico de drogas, e são milhares entre os 92 municípios, só resta fazer um teste em Xerém, onde a fila está na subida da serra. Ou comprar um bilhete de loteria e ser sorteado para ter dois minutos para mostrar sua bola na peneira do Ninho do Urubu. Quem sabe um bilhete influente para treinar meio tempo no Vasco? A sorte de conhecer alguém nas divisões de base do Botafogo.

O descaso da Federação de Futebol do Rio de Janeiro é tamanha com o interior do nosso estado, eterno berço dos grandes craques do nosso futebol, como Mané Garrincha, que há uma década dezenas de clubes, sem incentivo ou apoio, fecharam seus departamentos de futebol. Aqui em Três Rios, como em Barra Mansa, Araruama, Teresópolis, amantes e abnegados da bola foram até onde suas prefeituras aguentaram. Isto é, suportar anos de uma terceira divisão que ninguém sabe que existe para alcançar patrocinadores, taxas de arbitragem caríssimas para disputar uma segunda divisão que nenhuma rádio, ou jornal, noticia. Oito anos como secretário de esporte e lazer de Três Rios, e só vi membros da federação por aqui quando de suas reeleições, buscando votos, promovendo jantares. Depois….mal nos recebem. Só enviam taxas, suas e da CBF, e são pródigos a punir, suspender, cassar filiações. Jamais ajudar. Ou estender as mãos.


A violência também é contra o lazer e o entretenimento. Sem ter no cardápio do final de semana uma ida aos estádios, o futebol do interior vai perdendo espaço para o Rugby, para um palco que se arma e recebe a Anitta, monta um Parque de Diversões que estraga sua grama, Rodeios cuja boiada invade a grande área e estraga o gol. Futebol, ao vivo, não tem preço. Tem emoção, tradição e outros ingredientes que o Show do Intervalo jamais conseguirá captar por melhor que seja o seu pacote premiére.

Por isto, em nome dos meus netos, já que meus filhos não tiverem as oportunidades que tive de me tornar um atleta profissional, primeiro defendendo o meu América FC local, peço, como ex-atleta, treinador de futebol e jornalista que seja feita uma intervenção também na FERJ. Que ocupem sua sede, afastem seu presidente como afastaram o Pezão, o Crivella, e espalhem tropas pelos estádios de futebol do interior e lhes devolvem a vida. E a esperança.

Eduardo, Felipe e Gabriel, os meus netos, sonham em jogar no PSG. E no Real Madrid. Mas só poderão fazê-lo no Playstation. Na vida real, só se uma tropa federal lhes reabrir o curso primário, o Estádio Odair Gama, do Entrerriense FC, a preparação secundária, no Estádio Tiezão,do América FC, ambos fechados pelas saudades que temos de Octávio Pinto Guimarães, que era nosso Darcy Ribeiro. E do Dr. Eduardo Augusto Vianna da Silva, o Caixa D água, que era Leonel Brizola. Estes, sim, amavam o interior, acendiam refletores dos CIEPS da bola. Dignificavam o futebol como um todo, não apenas o da capital, e transformavam sonhos dos meninos fluminenses em realidade.

MICHEL, O LEÃO DA ARENA

por Anderson Gonçalves


Considerado uma das principais peças do time comandado por Renato Gaúcho, o gremista Michel, de 27 anos, precisou lutar muito para alcançar os dias de glória. Órfão de mãe, abandonado pelo pai, o craque passou a ser criado pelos avós maternos Ivonete e José.

Assim como os grandes talentos do futebol brasileiro, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, na Favela da Kelson’s, no Complexo da Maré e desde novo teve que aprender a driblar as dificuldades e marcar gols contra a desistência. Vale destacar, no entanto, o apoio dos avós, principais responsáveis por manter aceso o sonho do pequeno de se tornar um daqueles homens que tanto acompanhava na televisão.


Seus primeiros chutes na bola foram no próprio campo de terra batida na Kelson’s, onde aos 15 anos já jogava no meio dos adultos, enfrentando entradas violentas nas peladas que rolavam todos os domingos pela manhã. Vestia a camisa do Renegado, por onde conquistou seu primeiro e inesquecível título, e como em todo campeonato que se preze, os campeões levaram uma quantia em dinheiro e converteram em uma churrascada com refri e cerva.

Diferente dos tempos atuais, no Grêmio, nos campos de terra batida na Kelson’s, Michel gostava de atuar como meia-atacante.Sua referência era o Berg (exjogador da Portuguesa-RJ) e o Nem (outro peladeiro bom de bola).

Hoje, com o sonho realizado, Michel é quem ajuda a família a ter uma vida melhor. Tirar os avós da comunidade da Penha, onde cresceu, é tarefa praticamente impossível. Mas orgulha-se em dar conforto para aqueles que fizeram de tudo por ele, porque a realidade era complicada. O jogador não esconde que os recursos eram parcos e, por vezes, chegava a treinar com fome.


Cristão, Michel reconhece que toda glória conquista até aqui é permissão de Deus. Para quem não acompanha e acha que a vida sempre lhe sorriu, precisa conhecer a trajetória do menino que superou uma série de desafios para se firmar. Hoje ele colhe os frutos plantados anos atrás.

Da Kelson’s para o Grêmio, Michel, o Leão da Arena!

VIDA LONGA

por Ruy Castro

Não se passa um dia sem a notícia do fechamento de um estabelecimento tradicional: um sebo particularmente rico de livros em francês, um café que vivia cheio de gente, um hotel que já hospedou uma seleção campeã do mundo (a do Uruguai, em 1950), uma banca de jornais que servia cafezinho aos clientes e até uma poderosa loja de artigos esportivos no quarteirão mais caro de Ipanema. Por trás de cada história, a fuga da clientela e do dinheiro e a quebradeira a que levaram o país.


Ao mesmo tempo, não se sabe do fechamento de farmácias, bancos e templos evangélicos, nem de lojas de colchões, de móveis de carregação ou de artigos de casa e vídeo. Por sinal, são elas que ocupam os espaços onde até há pouco se abrigava aquele comércio tão simpática e necessário. Não que essas novas lojas, tão arrogantes, não possam existir. Mas quem precisa de quatro farmácias da mesma rede num único quarteirão? Em outros países, as prefeituras controlam esse abuso.

Por isso, quando se sabe que uma livraria no Rio está completando 19 anos não é caso apenas de soprar velinhas, mas de soltar foguetes. É o que acontece hoje, dia do aniversário da Folha Seca, na rua do Ouvidor, coincidindo com o de são Sebastião, padroeiro da cidade. Quando Rodrigo Ferreira a abriu, em 1998, sua proposta era audaciosa: uma livraria “carioca”, especializada em livros sobre o Rio, música popular e futebol. Desde quando um país em eterna crise comporta tanta especialização?

Mas Rodrigo se impôs e sua presença injetou a felicidade naquele trecho da Ouvidor, entre 1º de Março e Travessa do Comércio. Surgiram botequins, restaurantes, rodas de samba e de choro, tornando-o um dos quarteirões mais deliciosos do velho Centro.

Não se entende mais o Rio sem a Folha Seca. Vida longa a essa livraria, que faz tão bem à cidade.


Texto publicado original na Folha de São Paulo em 20 de janeiro de 2017.

VAI’NBORA, NÃO. PLEASE!

por Mauro Ferreira


Vai passar. 

O tempo apaga tudo, é senhor da razão, é isso e também aquilo. Diz-se. No entanto, você se foi e não prometeu voltar. E a dor é profunda, daquelas que jamais vai parar de doer. Por oito anos esperei sua chegada. Supus, inclusive, que não viria. Ou, se viesse, traria problemas, uma certa ciumeira poderia atrapalhar bastante o relacionamento. Sua única promessa era ficar por 17 dias. Ficou os 17. Nem um a mais, nem um a menos. Mas ô 17 dias! 


Começou reclamando das acomodações, e com razão. Na pressa misturada com ansiedade, dei uma vacilada. Depois… Depois foi ficando intenso, a paixão aumentando o desejo, o desejo revirando os olhos, e, de tanta intensidade, a paixão virou amor. Um amor cúmplice. Amor tão grande como se fosse um planeta enclausurado numa pequena cidade.

Sério, você viu a festa que fiz na sua chegada? Preparei cuidadosamente para que fosse grandiosa, diversa, eloquente, alegre, chique e mínima. A grandiosidade de uma pétala. Confessa, você achou o máximo. Pode confessar. Depois dali, daquela festança que teve até fogos de artifício, fui mostrando todos os meus cantos e até – perdão pela marra – os encantos. Perdão de novo, mas sou assim porque não consigo esconder as belezas e a simpatia. É meu. Está no meu DNA.

Mas você também é um encanto. Daqueles arrebatadores. Enquanto eu reino no microcosmos, você se utiliza de todas as cores e bandeiras, da força e da delicadeza, da lágrima e do sorriso. E mistura tudo isso pra dirigir todos os olhares em sua direção. E faz o mundo se derreter. Alguns já desfrutaram da sua beleza, mas nenhum, nenhum foi como eu. Por acaso alguém levou você para mergulhar numa piscina verde? Alguém já disse pro mar dar uma forcinha e alimentar uma baia poluída com águas fresquinhas, só pra você velejar? E remar naquela lagoa de visual exuberante e ainda com um Cristo empoleirado em cima daquele pico, de braços abertos como se águia fosse? Foi uma benção, fala sério.

Como os outros, ofereci medalhas aos que mais se destacaram da trupe trazida para cá. Mas, pra ser diferente, em vez de raminho de flores, estilizei uma sandália havaiana, a enchi de cores e distribui. Fiz um boneco serelepe, meio tudo, meio nada, com o meu sorriso estampado na cara. Dei vida a ele, como se Gepeto fosse. Traquina, uma hora fez o raio, noutra deu cambalhotas e até se meteu no meio de umas brigas estranhas. Além da vida, também dei um nome. Nome de poeta. E você levou Vinicius para compor sua coleção. 


Os dias foram passando, seus olhos com um brilho mais intenso a cada um deles. Lá, naquela chamada de Princesinha do Mar, vivemos dias muito intensos, energéticos, Red Bull. Nos jogamos na areia e depois nadamos por horas. Passeamos do Leme ao pontal. Andamos de bike pela floresta, num parque único no mundo. E ainda mostrei algumas de nossas mazelas, quando um puliça foi morto a dois passos de uma boca de fumo, dentro de uma das mais famosas de nossas favelas. Ou quando mostrei um presidente não tão presidente assim, logo na festa de abertura, dando a ele o direito de falar uns segundinhos e demonstrar logo no início que a gente também vaia gente que não é simpática. Tudo isso para você ver exatamente como eu sou, meus defeitos e minhas muitas enormes virtudes. Já falei, sou marrento como qualquer carioca, perdão.


E você, moça bonita, também foi me derretendo. Brincando com meus sentimentos. Chegou a me fazer torcer até por juiz, tamanha a loucura e o amor que tomou conta da gente. Um amor daqueles de não se largar mais. Pois é, mas foi chegando o fim dos tais 17 dias. Muitos da sua trupe já não queriam mais sair daqui. E nem você. Nem você. Mas, mesmo apaixonada por mim – e eu por você, confesso – você se foi. No último dia, esperneei, bufei forte, sopros de mais de 100 quilômetros, misturados a um choro que durou o dia todo. Mesmo assim, com muita tristeza, fiz outra festa para sua despedida. Com direito a desfile de escola de samba, mesmo não sendo época de carnaval.

De todos com os quais você se relacionou, nenhum tem sobrenome. Nenhum. Portanto, ninguém pode lhe prometer sobrenome num pedido de casamento. Eu posso. E por todo esse amor construído em 17 dias eu lhe peço em casamento. Casamento sem direito à dissolução. Eterno, mesmo se não durar. 

Ah, Olimpíada, vai’inbora não, please!

Do seu,

Rio de Janeiro.