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VALEU, MUSEU!

por Guilherme Careca


Hoje, faz quatro anos que o Museu da Pelada nasceu para relembrar a essência do nosso futebol aos que viram e aos que não viram os áureos tempos do esporte no Brasil. Nasceu da cabeça, mãos, pernas e pés de um tarado ou de um inveterado pelas peladas e histórias do futebol chamado Sérgio Pugliese, da coluna do Globo “A pelada como ela é”.

Lembro claramente da primeira vez que fui ao Maraca com 10 anos, quase 150 mil na arquiba e a final do Carioca entre Botafogo e Fluminense, no dia 27 de julho de 1961. Levado, entre tantas vezes, pelo “Seu Waldyr”, vascaíno que prezava pelo bom futebol e adorava uma pelada aos domingos na Rua Heber de Bôscoli, em Vila Isabel. Assim continuei, sendo levado também por outro vascaíno “Seu” Hilton e, aí sim, pelos botafoguenses portugueses da família Rodrigues, Domingos e Belchior, e que era dividida por outros tantos vascaínos. Depois, já adolescente, ia com a galera de BE (Boca de Espera, onde ficávamos no portão 18 a espera de um ingresso sobrando) ou pular o muro. Época maravilhosa! 

Esse saudosismo só pra lembrar, como era maravilhoso ver um futebol melhor, repleto de craques até nas partidas preliminares. Nesta época, víamos inclusive os jogos dos adversários.


Atualmente, fico pensando que memória desse fraco futebol de hoje terão as crianças, adolescentes e marmanjos no futuro. Para começar, o Maraca é tiro, porrada e bomba, futebol de baixa qualidade e poucos craques.

Só me resta parabenizar e agradecer ao Museu da Pelada, pois, não só trouxeram meus ídolos à torna, como possibilitaram minha aproximação com os craques PC Caju, Afonsinho, Nei Conceição, Carlos Roberto, Jairzinho, Gerson, Nilson Dias e Amarildo! Posso dizer que meus ídolos viraram meus amigos.

Graças ao Museu da Pelada, hoje posso dizer que tenho ídolos. E a juventude de hoje, quais serão seus ídolos do futebol no futuro?

 

A PIRÂMIDE INVERTIDA DE REMUNERAÇÃO

por Idel Halfen


Os que acompanham o noticiário esportivo já devem ter reparado que grande parte das demissões dos técnicos de futebol traz como justificativas a “insatisfação” do elenco. Nesse contexto até suspeitas de boicotes fazem parte das suposições. 

Querer que num ambiente repleto de pessoas não exista nenhum tipo de insatisfação chega a ser utópico, contudo, é inadmissível que as eventuais contrariedades venham a contaminar o ambiente profissional, ainda mais quando isso ocorre de forma voluntária, deixando explícita a insatisfação através da falta de empenho e de situações conflituosas. Atos extremamente lamentáveis que deixam evidentes os princípios e valores de quem os comete. 

Todavia, mesmo reconhecendo a fragilidade de personalidade dos que se utilizam de tais artifícios, temos que reconhecer que no futebol a estrutura organizacional dá margem para que tais incidentes ocorram com relativa facilidade e frequência.

Antes de detalhar as razões que nos levam a considerar o “futebol” fora do padrão, vale entender o conceito de uma gestão de cargos e salários.
É fato que o processo de busca pelo desenvolvimento profissional costuma ter como um de seus alicerces a hierarquia, o que faz com que os cargos mais altos também sirvam como meta e estímulo, contudo é fortemente recomendável que a estrutura de cargos guarde estreita relação com a remuneração. Vale lembrar que grande parte das insatisfações advém das inevitáveis comparações que são feitas tanto internamente quanto externamente no ambiente corporativo, daí a necessidade de se instituir políticas que permitam uma proporcionalidade justa e coerente entre cargos e salários. Tal advento serve não apenas para minimizar as prováveis sensações de injustiça, como também para instituir um aspecto motivacional ao colaborador, além, é claro, de reforçar os desenhos hierárquicos.


Voltemos então ao futebol e veremos uma pirâmide invertida norteando os cargos e salários, reparem que o salário de grande parte dos jogadores costuma ser maior do que o do técnico, o qual hierarquicamente está numa posição acima e comanda os jogadores. O técnico, por sua vez, tem uma remuneração superior à do diretor de futebol, que é seu superior imediato. Este diretor responde ao presidente que por exercer um cargo estatutário nada recebe.

É claro que a remuneração não deve ser vista como o único fator para se exercer autoridade, se assim fosse estaríamos ignorando o conceito de liderança, mas também não podemos desprezar que na maioria das organizações a hierarquia está ligada à remuneração.

No caso dos técnicos a relação fica ainda mais desequilibrada pela maior facilidade de desligá-lo quando comparada à que se tem com os jogadores, ou seja, como a multa pela rescisão é função da remuneração os custos são mais baixos quando se demite quem ganha menos, isso sem falar que é menos complexo desligar uma pessoa do que várias.

Encontrar soluções para a correção desse problema no futebol não me parece viável sob o prisma de cargos e salários, entretanto, a possibilidade de minimizá-lo passa também pela área de RH, mais especificamente pelo recrutamento & seleção e pela avaliação de desempenho. Ainda assim, não acredito que seja algo factível, visto ser improvável que os clubes venham a contratar por aspectos que não sejam estritamente técnicos e/ou que sofram a influência de empresários, lembrando que dentro do modelo que rege os clubes brasileiros nem o presidente é recrutado e sim eleito.

DO MARACANÃ A BOMBONERA, E VALENTIM FICOU RICO

por André Felipe de Lima


“É sopa fazer gols nos argentinos”. Tanto é verdade que o autor da frase, um centroavante brasileiro, um dos melhores que o Botafogo já teve, tornou-se um dos maiores ídolos do Boca Juniors em todos os tempos. Torcedores portenhos, e seja de qual clube fosse, idolatravam-no em Buenos Aires. Paulo Valentim era uma unanimidade na Argentina. Dizia ter saído de General Severiano porque “venceu pelo cansaço” o embate com os cartolas. A oferta do Boca era tentadora, e no Alvinegro sua vaga de artilheiro já estava começando a ser ocupada por um ponta de lança paraense e muito bom de bola, que acabaria se tornando o maior goleador (até hoje insuperável) da história do clube: Quarentinha. Havia também o Amoroso, outro excelente centroavante, que também sabia fazer gols pra chuchu. Mas Valentim era a vedete, sobretudo após o extraordinário título de 1957, quando marcou uma saraivada de gols na final contra o Fluminense. Perdê-lo seria o ocaso, temia o pessoal em General Severiano.

Foi Paulo Amaral quem bateu o martelo. Virou-se para Valentim e disse que no Botafogo não dava mais e que ele, Valentim, estava psicologicamente perdido para o time. Também, pudera. As luvas de dois milhões meios de cruzeiros eram quantia absurdamente alta para os padrões do futebol da época. Naturalmente que Paulo Valentim já não pensava mais em Botafogo. Mas o Botafogo ainda pensava nele.

Brandão Filho, diretor de futebol, também ouviu o treinador atentamente e foi bater um papo com o Valentim. Derradeiro empenho para que permanecesse no clube. Tentativa em vão. O jogador conversou em seguida com o vice-presidente Sérgio Darci e, depois, com o presidente Paulo Azeredo, de quem conseguiu, após muito chororô do certola, a liberação para jogar pelo Boca. Na última semana de junho de 1960, Valentim e sua esposa Hilda (ela mesma, a famosa Hilda Furacão) embarcaram para a capital da Argentina, com mala, cuia e, claro, gols.

A primeira abordagem do Boca aconteceu em março de 1960. Valentim estava em excursão com o time do Botafogo, viajando pelos gramados da América Central. Hilda enviou uma carta ao marido, na qual escrevera que um emissário do Boca baixara na casa deles querendo convencê-lo de que jogar pelo Boca valeria muito a pena.


O mesmo camarada não se deu por vencido. Permaneceu no Rio de Janeiro até que o Paulo Valentim desembarcasse no Galeão. Foi esperá-lo, de campana, no aeroporto para convidá-lo, pessoalmente. Valentim disse que por menos de dois milhões de luvas e 70 mil cruzeiros mensais não haveria jogo. Mas houve um pouco mais. O salário saltou para 75 mil e Valentim e Hilda teriam confortável casa garantida em Buenos Aires, onde já o esperava o brasileiro Edson dos Santos, um dos melhores zagueiros da história do América e que já vestia a camisa do Boca.

Passou a ouvir inúmeras vezes pelos campos da Argentina a musiquinha que se tornou célebre cada vez que marcava um gol: “Tim, tim, tim, gol de Valentim”. Cada gol que fazia valia, literalmente, uma moeda de ouro, que lhe era presenteada pelo presidente xeneize Alberto J. Armando. “Se soubesse que ganharia tanto dinheiro na Argentina para lá já me teria transferido há mais tempo.”

Valentim foi embora, ser gauche na vida. Ficou riquíssimo em Buenos Aires, perderia toda a fortuna depois, essa é, contudo, uma outra (e triste) história. Mas, certamente, seu coração jamais deixou de ser alvinegro. Coisas do futebol.

***

SOBRE PAULINHO, LEIA TAMBÉM A CRÔNICA “O DIA EM QUE PAULINHO PERDEU O MEDO”, PUBLICADA EM MARÇO NO MUSEU DA PELADA:

O DIA EM QUE PAULINHO PERDEU O MEDO

TÚLIO MARAVILHA, NÓS GOSTAMOS DE VOCÊ

por Luis Filipe Chateaubriand


É raro ver, no futebol, uma identificação perfeita entre um clube e um jogador. Evento mágico, denota que aquele personagem é o cara certo no lugar certo.

É, sem dúvida, este o caso de Túlio e Botafogo! 

Casamento perfeito, mágico, indescritível, em que a personalidade do jogador e a do clube se encaixam perfeitamente, como poucas vezes se viu no futebol.

Túlio jogou em diversos clubes, brasileiros e estrangeiros, alguns deles gigantes, como Corínthians e Fluminense. E até na Seleção!

Mas, quando se lembra de Túlio, é do Túlio do Botafogo.

O Túlio do Botafogo campeão brasileiro de 1995, título mais importante do clube nos últimos 50 anos. Time fantástico, de jogadores fantásticos, como seu companheiro de ataque Donizetti, o Pantera, dirigido pelo excelente técnico Paulo Autuori. 

Mas com uma estrela solitária na frente – a estrela de Túlio.

Túlio era irreverente. Não uma irreverência prepotente, marrenta, soberba. Mas sim uma irreverência ingênua, brincalhona, divertida. Não era tudo ou nada, mas “Túlio ou nada”. Não estava tudo bem, mas “Túlio bem”. O jogador cearense Silas, recém-chegado ao clube – de pernas tortas, bigode e orelhas de abano – não era o Silas, recebeu de Túlio o mítico apelido de Gavanildo: pernas tortas de Garrincha, bigode de Valdir e orelhas de Iranildo.

Assim era o bem-humorado Túlio.

Mas, para além do bom humor, existia um artilheiro nato: o que se posicionava na área de forma inteligente; o que via a bola chegar e definia o lance com extrema rapidez; o que tinha incrível frieza na hora de concluir em gol; o que, quando o lance exigia, ainda driblava o zagueiro, para o gol se tornar mais escancarado; o compenetrado até enviar a bola às redes… para só depois disso aderir a uma grande brincadeira.

Brincou demais. 

E a torcida, extasiada, repetia: “Túlio Maravilha, nós gostamos de você! Túlio Maravilha, faz mais um para a gente ver!”

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.

RACISMO COMO CARTA NA MANGA: MAL AMADOS BEM ARMADOS

por Brenno Carnevale


No último dia 10 de novembro testemunhamos mais um episódio odioso de discriminação racial nos estádios de futebol.

Em Minas Gerais, um “torcedor” indignado com a atuação dos agentes de segurança que supostamente fecharam uma saída de emergência disparou a seguinte frase contra um deles: “olha a sua cor”.

Discriminação racial escancarada e afrontosa, mas, infelizmente, não surpreendente.

Na verdade, a fase oral do racismo, isto é, quando as palavras de ódio e discriminação são efetivamente proferidas, revela-se apenas a ponta do iceberg.

Muito antes do grito repugnante, o racismo e a discriminação já se encontram consolidados na estrutura mental e comportamental daquele que se julga mais puro.

Conclui-se, então, lamentavelmente, que os racistas existem em muito maior quantidade do que somos capazes de ouvir.

Em outras palavras: existem muitos racistas que nunca xingaram um negro de macaco (para usar um triste e corriqueiro exemplo de racismo escancarado), mas que nem por isso deixam de ser racistas.

O racismo, muito antes de ganhar a forma de voz e xingamento, se encontra enraizado nas estruturas mentais e nas perspectivas e formas de ver o mundo.

No Brasil, que vive o mito de país miscigenado com a fantasia (quiçá intencional) de povo cordial, o racismo funciona como verdadeira carta na manga.

É o super-trunfo do prestígio social.

Se o garçom, o porteiro, o pedreiro, o faxineiro, o segurança, a diarista, o advogado, o motorista, o policial, o professor, o jornalista, o médico, o engenheiro (e tantos outros) fizerem tudo de acordo com a vontade de seus “senhores”, a relação será amistosa, respeitosa e, quem sabe, até amigável.

Mas o conforto de muitos brancos está em suas estruturas mentais de superioridade.

No primeiro interesse não satisfeito dos arianos “donos do poder” ou no primeiro deslize daqueles que os servem, é sintomático o pensamento e o comportamento que coloca os outros na condição de inferioridade e de seres dignos de desprezo.

É o mantra criminoso: “Tinha que ser negro/preto”, tatuado na mente doente de muitos mal amados, mantra este que ganha a roupagem de uma enorme miscelânea de comportamentos odiosos, desde a forma de olhar até o ruído de cortar qualquer coração que ainda se digne de assim ser chamado, ruído bem simbolizado pela famigerada frase: “olha a sua cor”.

Olhar a cor do outro e percebê-lo como um igual é um ótimo exercício de cidadania.

Olhar a cor do outro para não enxergá-lo ou fazê-lo como argumento de superioridade é um dos crimes mais odiosos que uma sociedade pode testemunhar.

Em um Brasil em que os mal amados estão bem armados, é tempo de tornar o racismo, com todas as suas formas odiosas, uma carta definitivamente fora do baralho.