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AMÉRICA, JOÃO CABRAL E EU

10 / janeiro / 2020

por Leandro Paulo Bernardo


No encerramento de 2015, os olhos do mundo futebolístico ficaram abertos para a decisão do mundial interclubes entre Barcelona e River Plate. Lógico que também estava aguardando esse embate, a eterna luta quixotesca sul-americana contra os “moinhos de ventos” europeus. Todavia, o quê provocou as minhas legendas oculares foi uma simples notícia vinda do Recife.

O tradicional América apresentou o seu elenco de 2016 em sua tradicional sede na estrada do Arraial, local que por muito tempo está alugada a um colégio particular e que viveu momentos de angústia com o leilão da sua sede, à qual chegou a se adquirida por uma rede de lojas de eletrodomésticos e posteriormente embargada pela justiça. Torço incondicionalmente pelo Santa Cruz, mas qualquer notícia do mequinha e sua sede causa um imenso valor simbólico em mim. O maior torcedor do clube, o escritor João Cabral de Melo Neto, faleceu em 1999. Nesse ano estava prestando o meu primeiro vestibular e todos os professores “cravavam” que iria cair alguma questão sobre o autor no vestibular.

Eu tinha saído da zona da mata com quinze anos de idade para tentar “ser Doutor” na capital. Com um grande sacrifício dos meus pais, meus dois irmãos e eu morávamos em um pequeno apartamento alugado na rua do Príncipe. Graças às aulas de literatura no colegial, passei a associar minha “batalha” com as poesias dos gênios pernambucanos. Li o poema do primo de João Cabral, Manoel Bandeira e logo pensei; Esse cara teria inveja de mim, pois moro na rua do Príncipe, vizinho da rua do Lazer e do Sossego, paralelo com a rua do Sol e da Aurora. Apaixonei-me pela obra “canavieira” do meu conterrâneo Ascenso Ferreira e pirei ao conhecer a “morte e vida Severina”.

No colégio identificava-me com o pessoal da mata, do sertão e do Cariri cearense, que lutavam por suas vidas futuras e mesmo com a severidade do vestibular, possuíamos uma determinação do “Severino”. Eu tinha um amplo conhecimento desportivo, porém não me identificava com o curso de Jornalismo (achava que seria a personificação do “gauche” do Drummond), então optei pela vida profissional na área de saúde. Eis que o local da minha prova seria no colégio Dom Vital em Casa Amarela, à qual necessariamente teríamos que passar pela Estrada do Arraial. Dentro do ônibus coletivo senti um imenso simbolismo ao passar pela sede do América, parecia um adeus, uma transição do menino que respirava futebol para um homem que transformaria os sorrisos das pessoas.

Venci aquele vestibular (com uma questão de física baseada num lance do Rivaldo) e a luta acadêmica, tornei-me Odontólogo, mas o futebol ainda pulsa em minhas veias. Recentemente passei a escrever para alguns sites de futebol, tenho zilhões de histórias mesmo sem ser formado em jornalismo. Talvez a alma daquele menino que amava a Supercopa e as transmissões da Band, junto com aquele adolescente que descobriu a literatura e a outra versão do futebol com o Grandes Momentos do Esporte tentem balançar o pensamento desse dentista adulto.

Tenho roteiro para cinema, livro pronto, histórias para contar…tudo sobre futebol. Mas o mundo ainda precisa do meu labor, especialmente na bicentenária Brejo da Madre de Deus, da qual João Cabral descreveu em um belo poema sobre a trajetória do Rio Capibaribe, assim como o futebol ainda precisa do amor e da poesia erradiado por clubes como o América. João Cabral de Melo Neto sonhava em ver seu mequinha grande novamente, talvez ao recuperar sua sede, o clube possa novamente sonhar. Em junho de 2015, a sede do América foi classificada como um Imóvel Especial de Preservação (IEP). Com isso, o prédio do clube centenário de Casa Amarela não poderá ser demolido ou sofrer alterações que modifiquem sua estrutura original.

Dentro de campo o clube está na segunda divisão estadual. Em 1990 disputou pela última vez uma série B… só que era a nacional Ficou num grupo com meu Santinha, Central de Caruaru (cidade à qual resido atualmente), do maior clube da região quilombola; Capelense (próximo da linda Quebrangulo de Graciliano Ramos) e dos menestréis CRB e CSA. 

Boa sorte ao mequinha, que seus sonhos possam ir além das margens do Beberibe e do Capibaribe, consiga navegar por mares nunca antes navegados. Que os caminhos da estada do Arraial tenham ainda o seu verde irradiando os horizontes para Casa Amarela. Sua luta possa ser um novo “Dom Quixote” para um futebol atual sem poesia, sem cor, sem sonhos, sem lares afetuosos.

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