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Bangu

NAS RUAS DO RIO

Parceiro e colaborador do Museu da Pelada, Alex Belchior inaugura hoje o nosso novo quadro: “Nas ruas do Rio”. O craque contará a história de monumentos, ruas, praças, estádios e espaços em geral que tenham alguma relação com o futebol.

O pontapé inicial ocorreu no calçadão de Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro, onde está localizado um busto do craque Domingos da Guia. Inaugurada em 2004, em comemoração ao centenário do Bangu, a obra de arte homenagea um dos maiores zagueiros da história!

O CAPITÃO DO BANGU

por Sergio Pugliese


A vida de Ubirajara sempre foi pautada pela disciplina. Cresceu nos campos da Vila Militar e ali, disputando incontáveis campeonatos, aprendeu a conviver com o rigor das regras. Talvez inspirado por esses ares tenha optado pela carreira de goleiro para defender o território dos inimigos. Na grande área, sempre deu as cartas e logo cedo foi descoberto pelo Bangu. De cara, bicampeão juvenil, em 52 e 53, mas a grande mágoa, a que até hoje estraçalha seu peito, fica por conta de Feola tê-lo cortado da seleção brasileira às vésperas da Copa de 66. Nem Pelé entendeu e como consolação o presenteou com um agasalho de treino autografado. Mas apesar da tristeza, 66 foi um ano de glória com a conquista do título de campeão carioca do Bangu sobre o poderoso Flamengo. No dia do aniversário de 81 anos de Ubirajara, recordamos uma visita da equipe do A Pelada Como Ela É ao goleiro acostumado a superar obstáculos, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

– Tive momentos de glória, mas briguei por isso – contou Ubirajara Motta, em seu apartamento na Tijuca.

No Bangu realmente viveu momentos de celebridade. Viajou o mundo inteiro disputando amistosos, torneios e jogos-exibição. Orgulha-se de ter jogado no time de Moça Bonita ao lado de, entre outros, Ademir da Guia. Mas, em 71, esbarrou novamente com a decepção. Era o goleiro do Botafogo e bastava o empate com o Fluminense para o alvinegro comemorar o título. Aos 43 minutos, uma bola alçada na área e o desequilíbrio após empurrão do lateral Marco Antônio. O árbitro Marçal Filho não marcou falta e Lula, oportunista, cravou o gol da vitória tricolor. Até hoje PC Caju considera essa uma das grandes injustiças do futebol. Ubirajara ficou arrasado, mas seguiu em frente e no ano seguinte levantou o troféu da Taça Guanabara pelo Flamengo, do zagueiro Reyes, craque que inspirou o músico Robinson de Sá a batizar o filhão e fotógrafo de nossa equipe Reyes de Sá Viana do Castelo.

– Mas você tem mais pinta de jogador de basquete – acertou na mosca, Ubirajara, formado em administração e bacharel em Direito. 


(Foto: Arquivo)

O goleiro Ubirajara divertiu-se relembrando a escalação do Mengão campeão: ele, Moises, Fred, Reyes, Liminha, Rodrigues Neto, Rogério, Zé Mário, Doval, Caio e PC Caju. Timaço! Mas recordação boa mesmo foi a do confronto de 66, quando o Flamengo era o adversário do Bangu. Um jogo inesquecível! Aos 24 minutos, Ocimar marcou de falta e logo em seguida Aladim guardou o seu. A torcida do Flamengo exigia a reação, mas nada dava certo. Jaime e Itamar estavam completamente envolvidos por Aladim e Cabralzinho, e no início do primeiro tempo Paulo Borges fez o terceiro. Aí surgiu Almir Pernambuquinho, o anti-herói da decisão. Sua missão era tumultuar, forçar a expulsão do maior número de jogadores e impedir a volta olímpica do rival. Conseguiu. Foram expulsos, Ubirajara, Luís Alberto, Ari Clemente e Ladeira, pelo Bangu, e Valdomiro, Itamar, Paulo Henrique, Almir e Silva, do Flamengo.

– Parecia uma guerra! – comparou Ubirajara.


(Foto: Arquivo)

Naquele momento, em plena pancadaria generalizada, lembrou-se do pai militar e do ensinamento básico das Forças Armadas, “quando necessário será aplicado o uso da força no sentido de ser atingido o objetivo desejado”. Por isso, Ubirajara não se intimidou com a fúria desenfreada do kamikaze Almir Pernambuquinho e partiu para o confronto. Foi a primeira vez que se viu numa batalha campal, cercado de inimigos, mas a missão foi cumprida com louvor, afinal ele não podia decepcionar o tenente Dick, seu comandante e estrategista no timaço do Regimento Escola de Cavalaria (REC). Ali, como arqueiro, ganhou tudo!


(Foto: Reyes de Sá Viana do Castelo)

No Maracanã, não foi diferente e quando o árbitro Aírton Vieira de Moraes, entre “mortos e feridos”, encerrou a partida Bangu 3 x 0 Flamengo, os 140 mil torcedores reconheceram a valentia do esquadrão vermelho e branco. O técnico Alfredo Gonzales gritou “recolher!” e a tropa atendeu prontamente. Liderados pelo capitão Ubirajara, os guerreiros Fidélis, Mário Tito, Luís Alberto, Ari Clemente, Jaime, Ocimar, Paulo Borges, Ladeira, Cabralzinho e Aladim, correram para fora da arena, sumiram no túnel do maior estádio do mundo e entraram para a história.

 

OS PROLETÁRIOS DA BOLA

por Igor Serrano


O futebol como conhecemos hoje em dia tem seu cerne na Inglaterra no ano de 1863 com a fundação da Football Association e o estabelecimento das regras do esporte. Embora a entidade tenha sido fundada por membros da elite inglesa, o futebol inglês rapidamente se tornou um esporte de massa, principalmente das muitas fábricas e operários.

No Brasil, por sua vez, a religião pagã (como diria Eduardo Galeano) foi trazida graças a alguns jovens da aristocracia que foram enviados para estudar na Europa e ao regressar trouxeram livros de regras, bolas e demais equipamentos para a prática.

O que poderia ser uma importante ferramenta de integração de classes sociais em um país recém-liberto da escravidão e com pouco tempo de República instaurada, na verdade foi transformado em instrumento de segregação das camadas populares, de exaltação à elite e fomento ao racismo.

Ao confrontarem este panorama, alguns clubes tiveram grande destaque na história do futebol brasileiro. Um deles ficaria marcado para sempre, inclusive, por ser o responsável por escalar o primeiro jogador negro do futebol brasileiro: Francisco Carregal, em 1905. O nome da equipe? The Bangu Athletic Club!


Mas tal fato histórico nunca teria acontecido se não fosse o entusiasmo de Thomas Donahoe, escocês, um dos funcionários da Fábrica Bangu (localizada na então zona rural da Freguesia de Campo Grande) para fomentar a prática do futebol nos arredores fabris. Em 1904, com a autorização da Direção, foi fundado o Bangu A.C. a partir dos trabalhadores da citada indústria têxtil, prática muito comum na Europa, em especial na Grã-Bretanha, de onde vieram Donahoe e mais vinte e um ingleses.

Todo este panorama, em especial o pioneirismo da escalação de Carregal e a fundação de um clube operário em uma época de futebol dominado pela elite carioca, é contado em “Os Proletários da Bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933)” de Gustavo Santos, que será lançado na próxima sexta-feira às 19h no Rio de Janeiro (Bistrô Multifoco: Av. Mem de Sá 126 – Lapa) pela Editora Multifoco (Selo Drible de Letra).

Indagado sobre a motivação para escrever a obra, o autor declarou:

Considero que toda pesquisa histórica nasce de uma preocupação do presente, uma História de fato como ciência, não como literatura ou romance deve ter uma preocupação de um problema social em que vai se buscar elucidar tais problemas através de elementos do passado. É como se estivessem estudando elementos embrionários de um determinado corpo que se formou ao longo do tempo, e estudando esses elementos germinais permite-nos entender melhor o por quê tal corpo se configurou de tal forma, assim como os elementos do presente e do distanciamento histórico permitem elucidar fenômenos mais nebulosos da História.


Partindo dessa premissa, três fatores me levaram a essa pesquisa. O primeiro foi a inauguração do monumento a Thomas Donohoe no Shopping Bangu (antiga Fábrica Bangu), pois sempre me incomodou essa perspectiva da introdução do futebol no Brasil através dos impulsos pioneiros, de homens a frente de seu tempo que edificaram o futebolà partir “do nada” nessas sociedade, seja com Charles Miller, Oscar Cox ou mesmo Donohoe. O segundo problema consistiu na carência que verifiquei de uma abordagem marxista à história social do futebol brasileiro, pois há interpretações pelas mais diversas vias, mas nenhuma praticamente que busque compreender o futebol dentro de um contexto mais amplo da economia e do desenvolvimento da sociedade. A terceira questão foi dar uma pequena contribuição para estimular esse sentimento das raízes operárias à torcida do Bangu, contribuindo no sentido do torcedor entender um pouco mais o que moldou a identidade de seu clube, isso num contexto atual em que os diversos aspectos do futebol foram plenamente dominados pela lógica mercadológica, inclusive o ato de torcer que se esvai os ritos e símbolos, e fica apenas o consumo. A figura do consumidor substituiu o torcedor. Assim uma compreensão histórica da formação social do futebol contribui de alguma forma a analisar criticamente os problemas a que chegaram o futebol de hoje.

Falando da pesquisa em si, ela consistiu em buscar que elementos históricos permitiram que nascesse um clube como o Bangu numa conjuntura em que o futebol era um monopólios das elites, um clube operário, localizado numa Fábrica praticamente isolada do resto da cidade, e que ainda aceitava negros, poucos anos após a abolição da escravidão no país.

Para isso eu compreendi em que constituir apenas uma narrativa de micro-história do clube do Bangu durante o período seria insuficiente, então busquei compreender o Bangu num contexto mais amplo, abarcando a ligação da inserção do futebol na sociedade brasileira através penetração dos capitais ingleses no país (sendo a Inglaterra o pai do futebol com regras unificadas). Em uma conjuntura em que o Brasil saia das relações de produções escravistas para relações assalariadas e passava a formar seu capitalismo de estilo sui generis, um capitalismo dependente ao centro do imperialismo (Inglaterra, e posteriormente pós a Segunda Guerra, os EUA). Assim busquei entender o futebol sendo inserido no Brasil como um reflexo dessa lógica econômica, e a partir daí fui reduzindo a escala de observação, onde podia notar aspectos como: Que conteúdos ideológicos estavam sendo inseridos na disseminação da prática aqui no país, ou entender melhor a composição da classe operária pluri-nacional de Bangu, e depois dessa análise contextual fui fazendo propriamente estudos de caso, observando como o futebol durante todo aquele período foi um centro de eferverscência de lutas políticas e de organização de classe, tanto para a classe operária como no caso do Bangu, como no caso dos clubes das elites, em que almejavam que o futebol fosse um meio de distinção, onde se desenvolveram embates entre esses dois meios distintos, à qual qualifico como uma luta de classes. 

Depois desse segundo movimento pude retornar a escala macro, e pensar o futebol como imagem-síntese da sociedade contemporânea“.

Imperdível para todos os amantes do futebol!

ADO, DO BANGU: ‘UM PÊNALTI EM MINHA VIDA’

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Toda a família do paraibano Miraldo Câmara de Souza, o ponta-esquerda Ado, estava no estádio do Maracanã naquela noite de 31 de julho de 1985. Menos dona Doralice Câmara, mãe de Ado, uma das personagens mais emblemáticas daquela jornada futebolística. Foram todos torcer pelo rapaz, que defendia as cores do Bangu na final da antiga Taça de Ouro — a polêmica taça das bolinhas, que representava o campeonato nacional da época — contra o Coritiba. No cômodo escuro da casa em obras, dona Doralice torcia pelo filho com o ouvido colado no rádio. Relutava assistir ao jogo pela TV. Optara pelo que menos lhe faria sofrer, mas o que apenas o áudio lhe reservara foi suficiente para desenhar em sua mente a cena da dor que acometera o filho.

Ado entrou para a história do Bangu como um dos melhores jogadores que pisaram no gramado do estádio de Moça Bonita. Fato do qual nenhum conhecedor da recente trajetória do futebol carioca discorda. Alguns o elevam ao patamar de herói banguense, o que acredito ser a melhor tese, outros, em menor número, definem Ado como um craque, porém “azarado”, que, após cobrar um pênalti de forma displicente, tirou do Bangu aquele que seria o maior título da história do clube, o de campeão brasileiro de 1985.

Quase cem mil pessoas lotaram o Maracanã naquela fatídica noite para verem o Bangu disputar a final da Taça de Ouro. O time de Moça Bonita dirigido pelo técnico Moisés, ex-zagueiro do próprio Bangu, era sensacional. Do goleiro Gilmar ao ponta-esquerda… Ado.

O tempo normal terminou 1 a 1, com o Bangu dominando o tempo inteiro. Na prorrogação não foi diferente. Só dava Bangu. Mas o ataque foi ineficiente [ou a defesa do Coritiba, vá lá, com inteira justiça, muito boa]. A verdade é que a decisão foi mesmo para os penais. Na primeira série, todos os cinco cobradores de cada lado converteram seus pênaltis. Seria a vez das cobranças alternadas. Um a um, de cada time. Quem assinalasse o gol e o adversário perdesse o seu penal, levaria a taça. Gomes marcou para o Coritiba, mas Ado, o escolhido pelo técnico Moisés, chutou para fora.

O ponta-esquerda escolheu o canto certo, com o goleiro Rafael, pulando para um lado e a bola indo para o outro. Indo para fora sem resvalar a trave direita do arqueiro. Ado perdera a chance de pelo menos dormir em paz. E feliz. Talvez sob a maior felicidade que teria em toda a sua brilhante carreira vestindo a camisa do Bangu. “Me vendam, me vendam, por favor. Eu não posso mais enfrentar a torcida do Bangu. Estou arrasado, o destino não pode ser tão cruel assim comigo. Como posso voltar a encarar as crianças de Bangu, sendo o culpado pela derrota? E a minha família. Minha mãe, meu pai, a todos eu peço perdão, sei que eles vão me consolar quando eu chegar em casa, mas, na minha carreira, vai ficar para sempre esta marca. Nunca mais vai me abandonar. É terrível, não posso acreditar que esteja sendo protagonista desta tragédia.”

Tentando consolá-lo, o meia Mário, que também chorava copiosamente, abraçou-o. “Ado, vamos em frente, a nossa jornada ainda não terminou. O Bangu vai voltar a ser novamente grande no Campeonato Estadual. E nem este juiz poderá nos prejudicar desta vez. Foi ele e não você quem perdeu o jogo.”

Mário estava certo. Aquele grande time do Bangu ainda brilharia naquele inesquecível ano… e o maioral do Bangu, o banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade, decidira que Ado permaneceria no clube. Seria loucura negociar o passe de um jogador como ele. Castor estava coberto de razão.


(Foto: Reprodução)

Muitos anos depois, Ado, em entrevista ao canal SporTV, declarou: “Quando acabou o jogo eu tirei a meia, a chuteira e falei com o Moisés [técnico do Bangu] que não queria bater, pois estava sentindo uma dor no tornozelo e isso estava me incomodando um pouco. Eles escolheram o Israel para bater. Naquele momento eu pensava que eu seria o cara mais certo para bater o pênalti, pois eu estava muito confiante também. Quando eu estava chegando na bola, que eu olho pro goleiro, ele já estava caindo onde eu ia bater mesmo. “Vou virar o pé um pouquinho que ele não vai nem chegar na bola”, pensei. Só que eu virei demais. Eu tenho esse sentimento de que não dei o que as pessoas queriam de mim”. Ironia do destino foi ter sido Ado escolhido como o melhor em campo daquela decisão antológica. Mas nada atenuava a dor pela derrota.

Como descreveu o repórter Jorge Perri, o Monza de Ado dobrou a esquina da casa de dona Doralice, às três da madrugada, após a final no Maracanã. Lá o esperavam mais de 50 pessoas, que cantavam o hino do Bangu e o abraçavam. Uma cena emocionante, que levou Ado às lágrimas. Da boca da mãe campinense, que foi quem o autorizou a ir ao Madureira, quando tinha 10 anos, para dar os primeiros passos no futebol, ouviu a força de que precisava. “Meu filho, você não fez nada de que possa se envergonhar. Os seus amigos estão aí fora para mostrar que respeitam a dor. Eu sei que o destino foi cruel, mas tem sido tão bom que às vezes pode até pregar uma peça que ainda temos saldo. O que vale é a compreensão, e a amizade. Levante a cabeça e vá ao Bangu certo de que tudo que aconteceu é coisa que não se pode remediar. Eu nunca entrei num campo de futebol, mas se você quiser, eu vou até Moça Bonita para mostrar que nós sabemos encarar de frente as horas amargas.”

Apesar de todo o carinho e conforto que recebera, Ado, desgostoso, pensara em abandonar o futebol. Temia pela situação da família. Afinal, como contara à repórter Marcia Vieira, gastara por conta na reforma da humilde casa dos pais, que ficava na rua Sá Freire, 28, na zona norte da cidade, confiando piamente no gordo “bicho” que receberia caso o Bangu levantasse a taça nacional. “Tínhamos uma casa muito ruim e pensando no prêmio que o Castor prometeu, reformei-a. Quando chegou a conta não tinha como pagar. Mas pedi ajuda ao Castor [de Andrade], que foi mais que um pai e me ajudou”.

Na manhã do dia seguinte ao jogo contra o Coritiba, Ado tomou café com a mãe e a sobrinha Priscila, então com três anos, que esteve no Maracanã. Recebeu o carinho de amigos e de familiares. Em seguida, rumou para o escritório de Carlinhos Maracanã, seu padrinho. Vários telegramas chegaram a Ado. Um deles, o comoveu mais: “Um homem não se deixa vencer por um pênalti perdido. Vá em frente. Você é grande. Assinado, Pedro, seu ex-preparador físico no Madureira”.


(Foto: Reprodução)

A vida seguiu para o Bangu e para Ado. Com o Campeonato Carioca de 1985, iniciado logo após a final da Taça de Ouro, o Alvirrubro esperava retomar o caminho das vitórias. E o fez com sucesso. Embora não tenha conquistado nenhum dos dois turnos da competição, foi o time que mais somou pontos ao longo do campeonato, feito que o garantiu na decisão contra Flamengo e Fluminense. O primeiro tombou diante do forte time banguense. Com um inapelável placar de 2 a 1, o time de Moça Bonita garantira a vaga para decisão contra o Tricolor das Laranjeiras.

No dia 18 de dezembro, os dois times entraram em campo no Maracanã, com cerca de 90 mil presentes, para disputarem um jogo tumultuado. Logo aos quatro minutos do primeiro tempo, Marinho abriu o placar para o Bangu, nitidamente superior ao Fluminense. Uma a zero seria pouco. Era preciso alargar o placar para o Bangu tocar a bola, gastar o tempo, e, enfim, levar para Moça Bonita, o tão almejado troféu carioca.

Após um ataque avassalador de Marinho e companhia, Ado perdeu aquele que costumamos chamar de “gol feito” após cabecear a bola para fora do arco do goleiro Paulo Victor. Talvez Ado fizesse aquele gol e a história seria outra. Nem mesmo o clamoroso pênalti do zagueiro Vica em Cláudio Adão, não marcado pelo juiz José Roberto Wright, no final da peleja, influenciasse o resultado final do jogo. O Tricolor virara o placar para 2 a 1 e, mais uma vez naquele fatídico ano de 1985, o Bangu de Ado deixara escapar um importante título. Daquele ano, Ado guardara um único momento de prazer ao ser escolhido pela premiação “Bola de Prata”, organizada pela revista Placar, como o melhor ponta-esquerda do Campeonato Brasileiro. Além dele, os companheiros Baby [volante] e Marinho [ponta-direita] também receberam o prêmio, sendo o segundo o vencedor da “Bola de Ouro”, de melhor jogador da competição.


(Foto: Reprodução)

A história de Ado no Bangu não pode ser apenas medida pelas perdas dos dois campeonatos de 1985. Ele foi, indiscutivelmente, um dos melhores jogadores que o Bangu já teve em suas fileiras. Zizinho, por exemplo, um dos maiores craques de todos os tempos do Flamengo e também do Bangu, jamais levantou um troféu de expressão pelo clube de Moça Bonita. Mesmos assim é ídolo dos dois clubes. Ou seja, como reza o dito popular, “pau que dá em Chico, dá em Francisco”. Levando em consideração as devidas proporções do futebol de um para o outro, Ado fez tanto pelo Bangu quanto Zizinho, que — justiça seja feita — foi infinitamente melhor jogador que o ex-ponteiro. Mas Ado foi um jogador singular naquele ano. “Meu jogo inesquecível foi Bangu x Brasil de Pelotas, no Maracanã, quando fiz um gol que garantiu o time na final [da Taça de Ouro]”. Ele se esforçou [e muito!] para elevar o Bangu e colocá-lo entre os melhores times do Brasil daquela época, sendo fundamental nas conquistas da President´s Cup [1984], na Coréia do Sul, e da Taça Rio [1987], segundo turno do Campeonato Carioca.

Ado, que nasceu em Campina Grande, no dia 25 de abril de 1963, chegou ao Bangu após uma negociação com o Madureira. Em janeiro de 1984, na arquibancada do estádio Proletário, em Bangu, o patrono do clube, Castor de Andrade, durante um treino monótono do time, conversava com o técnico Moisés quando chegou Carlinhos Maracanã, então diretor de futebol. “Toma Castor, é um presente para o Bangu. Custou só Cr$ 10 milhões. No futuro, não vai ter preço.”

Castor indagou: “Afinal, Carlinhos, o que é isso?”. Como resposta, ouviu: “É o passe do ponta-esquerda do Madureira, o Ado. Já pedi a você para comprar o garoto várias vezes. Como nunca tive resposta, resolvi eu mesmo fazer esta oferta ao nosso clube.”

Castor, no começo, não levou muita fé no “presente” de Carlinhos Maracanã. O rapaz tinha 1,65 metros de altura e pesava cerca de 56 quilos. Do infantil ao profissional, os adversários de Ado debochavam do porte físico dele. Alguns o chamavam até de “caveira”. Ado respondia com um festival de dribles desconcertantes [e humilhantes]. Era esse o seu estilo.

A estreia no Bangu, segundo dados do pesquisador Carlos Molinari, aconteceu no dia 15 de janeiro de 1983, contra o Bonsucesso. O placar foi 3 a 0 para o Alvirrubro.

Entre 1983 e 1997, Ado vestiu a camisa do Bangu em 258 jogos, obtendo 123 vitórias e 85 empates e assinalando 32 gols. No jogo do Bangu contra o Americano, de Campos, disputado no dia 31 de maio de 1997, Ado encerraria sua jornada em Moça Bonita.

No período em que defendeu o Bangu, o ídolo alvirrubro também atuou no Internacional, de Porto Alegre, em 1988, e no Sporting Clube de Espinho, de Portugal, de 1987 a 1994. “O Castor tentou me trazer para a final do Carioca, mas não conseguiu. Ele se arrependeu da venda. Mas para mim foi muito bom financeiramente. Minha mulher gostava e os torcedores tinham muito carinho por mim. Fui muito feliz lá”.


Depois do Bangu, em 1997, Ado persistiu nos gramados ao jogar pelo Ceres, pela Portuguesa [RJ], no Peru, na Indonésia e pelo Campo Grande, onde, enfim, com mais de quarenta anos, encerrou sua carreira. Mas o “fantasma” do pênalti de 1985 nunca mais o abandonou, mesmo quando decidiu assumir a carreira de técnico, com passagens, inclusive, pelo futebol árabe: “Quando alguém perde um pênalti sempre tem um amigo que diz, tá vendo, é normal, os jogadores perdem… mas não é a mesma coisa. Eu não me perdoo até hoje”, declarou, com olhar marejado e voz embargada, à Marcia Vieira.

Tal como os ídolos Barbosa, Bigode, Danilo, Juvenal Amarijo, Zizinho e Ademir de Menezes, que sofreram até o último suspiro a dor pela derrota na final da Copa de 1950, Ado nunca mais conseguiu rever a cobrança daquele pênalti. Rever o seu ocaso. “Não passa… é difícil virar essa página […] Foi um dos castigos mais doídos da minha vida”.

 

 

A PELADA NO SERTÃO

texto: José Evandro de Sousa | fotos: Adriana Soares
 de Barra de São Miguel, Paraíba


Caco Velho F.C.

Caco Velho F.C.

O Esporte Clube São Miguel, time de pelada da pequena cidade de Barra de São Miguel, sertão da Paraíba, a 200 km da capital João Pessoa, resiste ao tempo reinventando-se. Fundado em dezembro de 1966, foi rebatizado em 1972, para Bangu Atlético Clube e agora, ah o tempo… virou Caco Velho F.C.

Passou a ser Bangu quando um dos seus jogadores, o Luís de Biino, foi tentar a vida no Rio de Janeiro, mas voltou após um ano, sufocado pela saudade. Antes, porém, teve a ideia de levar um uniforme novo para o seu time. Passando pela Rua da Alfândega, no centro do Rio de Janeiro, entrou numa loja de material esportivo e o único uniforme que encontrou foi o do Bangu. Gostou e a partir daquele momento o time foi rebatizado.


O craque veterano Luís de Biino, primeiro patrocinador do time paraibano

O craque veterano Luís de Biino, primeiro patrocinador do time paraibano

O Bangu carrega em sua história a essência do peladeiro que nunca desiste, mesmo com o tempo castigando as juntas e rótulas da rapaziada. Conhecido por Ferreirão, o campo era de terra e cercado, de um lado por avelós (planta nativa do sertão) e do outro por uma vista panorâmica da cidade. Ao fundo, a parede do Cemitério Municipal São Miguel Arcanjo. O piso era de terra fofa nas laterais e duro e cheio de cascalhos no meio. O vento sempre prejudicava os adversários. O Bangu era praticamente imbatível, afinal os rivais, além de enfrentá-los, também precisavam desviar-se de cabritos, jumentos e, ora e outra, de um galo de briga, que se sentia o dono do terreiro e atravessa calmamente o largo campo de terra. Padeiro e ponta-direita mais rápido da região, o baixinho Tarugo, além de fugir da violência dos zagueiros, também livrava-se com maestria dos animais. O também veloz Silvio, atacante habilidoso, certa vez ao passar por dois adversários, já próximo ao gol, precisou colocar a bola entre as pernas de um cabrito que surgiu à sua frente e pular por cima dele antes de marcar um gol apoteótico. No time também tinha Preáera, o goleiro de 1,70 que compensava a baixa estatura com agilidade e elasticidade, dando jus ao apelido, pois preá é um rato do mato muito rápido. O jovem atacante Bichinha, que não tinha medo de cara feia, chegou a atuar por alguns clubes da Paraíba, mas resolveu casar e abriu uma fábrica de confecção de calcinha. Xanga Confusão era um meia-atacante que adorava um bate bola, quer dizer bate-boca. Quando não arrumava briga com o adversário, criava confusão com os próprios companheiros. Jogar que era bom…. Cacau, atacante que garante ser o primeiro jogador gay assumido do Bangu, foi contratado pelo Treze, de Campina Grande, e hoje é casado com uma mulher e tem um filho. Tataí, lateral-direito, estilo iôiô, sobe e desce, era muito voluntarioso. Assis era um zagueiro alto, estiloso, que quando a situação apertava, resolvia com o famoso “bola pro mato”. Centroavante, Paulo era aquele peladeiro duro, ruim de cintura, guerreiro, sempre titular e irmão do presidente. Está explicado!


Robgol. Ex-Santos, Náutico e Paysandu

Robgol. Ex-Santos, Náutico e Paysandu

O Bangu orgulha-se por ter revelado Robgol (artilheiro do Náutico, Santos e Paysandu), cria mais famosa e ilustre do time e da cidade. Hoje, aposentado da bola, divide seu tempo entre Belém, onde mora, e Barra de São Miguel, onde tem os seus familiares e os amigos do glorioso Bangu.

Ah, tinha o presidente!!! Na verdade, diretor, treinador, jogador, dono do uniforme e da bola: Baieta, que apesar de seus 95 quilos, ai daquele que não tocasse a bola para ele. Com certeza, na próxima reunião de diretoria, na mesa principal do bar central, lugar de concentração na véspera dos jogos, o “cabra” correria o risco de não ser escalado para a próxima partida.

Me lembro quando tinha 16 anos, estava de férias e fui convidado para jogar pelo Bangu contra uma equipe rival, em uma cidade vizinha chamada Gravatá. Jogo fora para peladeiro é sinal de festa. Contrataram um caminhão e os jogadores iam na carroceria, juntos com torcedores e parentes, quase 50 pessoas!!! E lá ia o caminhão cruzando as estradas de terra do sertão árido da Paraíba. Só alegria!!! Quando chegamos lá me colocaram na reserva do time principal e avisaram que eu entraria no segundo tempo. Durante o jogo observei um jogador do time adversário conhecido por Pedro Pipoco, muito violento! Quando a bola passava, o jogador ficava. Ele tinha essa “habilidade” de desfazer uma jogada, mas também tinha um canhão no pé! Entrei no jogo e logo o Pedro Pipoco me deu um tapão na orelha e fiquei com medo. Então, durante a partida em que o Bangu ganhava por 1 x 0 do Gravatá, aconteceu uma falta quase em cima da linha de cal da grande área. Pedro Pipoco pegou a bola, ajeitou com carinho, tomou distância de pelo menos uns 10 metros e a torcida começou a gritar. Parecia um gladiador prestes a abater o adversário.  Pedro Pipoco correu, disparou um balaço e a bola passou por cima da barreira, do muro e acertou em cheio um torcedor que assistia a peleja em cima de um cajueiro, atrás do gol. Com o impacto da bolada, ele caiu e levou outros três torcedores junto. A partir daí, entendi porque Pedro Pipoco era temido pelos adversários e respeitado pela torcida. Ganhamos o jogo, festa na volta e o presidente prometeu bicho pela vitória. Chegando à cidade, após aquela tarde esportiva, ainda sujo de terra, pois não havia lugar para trocar de roupa nem para tomar banho, o presidente liberou cerveja, cachaça e galinha cozida.


Jogo em casa era pressão total e dificilmente o Bangu perdia, pois quando o presidente estava, costumava pressionar os bandeirinhas. Em jogos mais tranquilos, entrava para emplacar seus golzinhos, afinal de contas a camisa 9 era dele!!!

Hoje, uma nova geração brota. Com a saúde debilitada, Baieta, o presidente, passou o bastão para seu filho, Pão. Sua neta, Alice, de 12 anos, também tem futuro e vive dizendo: “prefiro uma bola do que uma boneca”.


Alice, Pão e Baieta

Alice, Pão e Baieta

Assim, o tempo passou. Hoje, o velho Ferreirão é cercado com alambrado, uma barreira contra os cabritos. Alguns atletas como Dedé, marrento e habilidoso, estão nas cadeiras cativas do velho cemitério municipal, ao lado do antigo campo. Agora, nasce o Caco Velho F.C., com jogadores do antigo Bangu, aposentados, atrofiados, mancos, com tendinites crônicas, artroses, etílicos, mas vivos.  Uma vez peladeiro, sempre peladeiro!