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andré felipe de lima

BATISTA, UM ÍDOLO PARA O ORGULHO DE DONA BELMIRA

O Internacional o tem como um de seus maiores jogadores na história. Não é para menos. Ao lado de Falcão e Jair (o “Príncipe Jajá”), Batista formou uma das melhores meias canchas que o Colorado teve em todos os tempos e que foi decisiva para o tri brasileiro (e invicto!) em 1979. Conheça um pouco da história do craque, que faz anos hoje.

por André Felipe de Lima


Dª. Belmira, enfermeira aposentada, estava exultante. Seu único filho, João Batista da Silva, que criou sozinha, com todo esmero, estava de volta a uma Copa do Mundo. A de 1982. Sofrera tortuosos meses vendo-o padecer por conta de uma grave contusão, ocorrida um ano antes. Muitos o achavam acabado para o futebol.

O Internacional, clube de Batista, não o queria mais. Logo o Colorado, para quem o bravo volante dera tantas alegrias e títulos de campeão. Sem o reconhecimento devido dos ingratos cartolas do Beira-Rio, Batista foi para o Grêmio. E foi vestindo a camisa tricolor que voltou à seleção brasileira. Quem não o deixou imerso na depressão foi Dª. Belmira.

Órfão de pai, Batista recebeu todo o cuidado de Dª. Belmira. Ela chegou a abandonar a profissão, no começo dos anos de 1960, para educar o filho, cujo maior prazer na infância era atazanar os gatos da vizinhança, em um bairro pobre de Canoas, a 15 km de Porto Alegre. Ela conseguiu e fez do garoto levado uma grande profissional. Um vencedor. Essa foi a trajetória que Dª. Belmira desenhou para Batista. A estrada de um campeão.

Reconhecidamente campeão e bom de bola, mas boêmio, o que desagradava muitos técnicos, com os quais conviveu ao longo da carreira. Mas Batista respondia em campo com um futebol que encantava treinadores como Rubens Minelli e Telê Santana (1931–2006), considerados “cascas-grossas” por muitos jogadores, devido à rigidez e disciplina que empregavam.

De Telê, com quem se indispôs durante a Copa do Mundo de 1982, na Espanha, Batista ouvia elogios que poucos receberam no futebol da década de 1980: “Ele (Batista) conseguiu unir dois estilos: o forte, programado e persistente, com o criativo, malicioso e colorido”. Um ano antes da Copa de 82, o jornalista João Saldanha, ex-treinador do Escrete Nacional, em 1969, espinafrou Batista, aconselhando Telê a não levá-lo para o Mundial, da Espanha. “É um bêbado”, rebateu Batista.

O craque – para uns, rebelde, para outros, apenas um camarada decidido – nasceu no dia 8 de março de 1955, em Porto Alegre. O Internacional lançou-o em 1974, sob o arguto olhar do treinador Rubens Minelli, mas foi no antigo Cruzeiro da capital gaúcha que Batista deu os primeiros passos no futebol, em 1971.

Antes de se tornar um dos maiores volantes do Brasil, o Inter o experimentou na lateral direita. Mas a propalada versatilidade garantiu a Batista a vaga de titular, em 1975, no meio-campo do Inter após a transferência de Paulo César Carpegiani para o Flamengo.


Marcador implacável – Maradona que o diga durante a Copa na Espanha… – e armador primoroso, o meia foi um dos ícones, ao lado de Falcão, Jair Prates, Mário Sérgio, Dario, Valdomiro e Elias Figueroa, do Internacional das décadas de 1970 e 80.

O futebol de Batista encantava. Forte e habilidoso, era o volante dos sonhos de muitos cartolas brasileiros. E, por pouco, em 1978, não aportou no Parque São Jorge, numa transação em que o Corinthians emprestaria Zé Eduardo e Cláudio Mineiro ao Inter para ter o craque gaúcho. Os dirigentes do Colorado, sabiamente, rechaçaram a proposta do clube paulista.

Com a camisa do Inter, foi campeão brasileiro em 1975, 1976 e 1979. Foram quatro títulos gaúchos (1975–76, 1978 e 1981) e um vice-campeonato da Taça Libertadores da América (em 1980), quando o Inter foi derrotado pelo Nacional do Uruguai, do centroavante Victorino.

O declínio no time do Rio Grande do Sul começou em 1981, quando sofreu uma grave contusão, após partida contra o Sport Club do Recife, realizada no dia 5 de abril. Merica foi o seu algoz, quebrou-lhe a perna, embora Batista tenha dito na época que o volante do time pernambucano não tenha sido desleal, o que os cartolas gaúchos discordaram.

Os mesmo dirigentes, curiosamente, segregaram Batista, que estava parado por mais de seis meses. O contrato não foi renovado e Batista se revoltou com o desprezo dos cartolas. “Alguns dirigentes só valorizam o atleta enquanto ele está jogando. Quando se machuca, passa a ser esquecido e tem pouco reconhecimento. Isso é injustiça.”

Antes de se machucar, Batista foi sondado pela Internazionale de Milão, que pagaria a fortuna de um milhão de dólares para tê-lo. Os dirigentes do Inter, sobretudo o presidente José Asmuz, esnobaram a proposta.

Vingança ou não, com o passe disponível na Federação Gaúcha de Futebol, Batista arrumou as malas e embarcou para o Estádio Olímpico, do arquirrival Grêmio que, convenhamos, teve no recém-empossado presidente do clube, Fábio Koff, um habilidoso estrategista de marketing.

Mas propaganda não ganha jogo e tampouco títulos. “Depois que estava tudo acertado com o Grêmio, um conselheiro do Inter, contrário à transação, me ofereceu o dobro para que eu não fosse para o rival, e sim jogar em qualquer outro clube, menos o Grêmio”. Koff desembolsou 163 milhões de cruzeiros. Um dos mais altos negócios do futebol brasileiro na época. Batista queria permanecer no Inter, mas dizia, publicamente, que a diretoria do Colorado o tratava com indiferença. “Foi uma barra pesadíssima. E não é fácil ficar tanto tempo sem receber salários. Sabe de uma coisa? A grana estava acabando.”

Tortuosa troca de camisa – E a barra foi mesmo pesada. Com Asmuz insuflando a torcida, Batista chegou a ser ameaçado de morte. Dª.

Belmira, a mãe superprotetora, não deixou o filho fraquejar. Impetuosa, peitou a diretoria do Inter e até xingou um cartola do clube, quando ouviu deste que Batista estava “liquidado, morto e sepultado”, caso fosse para o Grêmio. Ela ficou vigilante ao lado do filho para que não cedesse às ameaças do Inter e não aceitasse a proposta do São Paulo, que tentava seduzi-lo com um cheque em branco. “Meu time não é o Grêmio, nem o Inter, é o João Batista. Para onde ele for, vou junto. Me preocupo muito com ele, sim, e sofro bastante com seus problemas. Afinal, se eu não cuidar bem dele, quem vai cuidar?”

O volante foi titular do Grêmio, vice-campeão brasileiro em 1982, diante do Flamengo de Zico. De qualquer forma, foi com aquela derrota para o rubro-negro carioca, por 1 a 0, com um gol de Nunes, que o Grêmio iniciou a sua gloriosa jornada rumo à Tóquio, onde se consagraria campeão do mundo em 1983.

Mas foi com suas atuações no Grêmio que Batista deu a volta por cima e começou a pleitear regressar à Seleção brasileira. “Quem fizer qualquer lista para a Espanha, não esqueça de mim, porque eu sou de briga e vou estar lá”, disse ele, novembro de 1981, quando ainda se recuperava da grave contusão, tratando-se na Escola Superior de Educação Física do Exército, no bairro das Urca, no Rio de Janeiro.


O vaticínio de Batista foi preciso. Ele foi convocado por Telê Santana para a Copa do Mundo de 1982, contrariando muitos desafetos, que o achavam acabado para o futebol. Era a sua segunda Copa. Havia sido convocado em 1978, por Cláudio Coutinho, para o torneio na Argentina.

Após o fracasso da seleção, no Mundial de 82, e a perda do campeonato gaúcho para o Inter, começou a ruir o casamento com o Grêmio. Logo após o Gre-Nal decisivo de 82, inconformados gremistas o abordaram em seu Alfa-Romeo preto e quase o agrediram. Novamente Batista se defrontava com uma oposição ferrenha. “Se eu conseguisse ganhar um pouco menos noutra profissão, largaria o futebol, e nem me importaria de ser um cara obscuro”.

A imprensa pegava no seu pé. Chamavam-no de mascarado e vedete. Irritado, não quis mais falar com os jornalistas. Diante de tantas críticas, dizia que desejava sumir por um ano. Era um craque incompreendido. Suas virtudes, aos olhos da imprensa e da torcida, ficaram em segundo plano.

Concluída sua passagem sem títulos no tricolor dos pampas, Batista seguiu, no início de 1983, por indicação do treinador Rubens Minelli, para o Palmeiras, que pagou 280 milhões de cruzeiros pelo seu passe. Mas o que ninguém esperava é que o jogador ficaria apenas cinco meses no Alviverde, período em que disputou apenas 14 jogos, com seis vitórias e sete empates, marcando dois gols.

O passe do jogador foi adquirido pelo Grupo de Apoio ao Presidente (GAP), formado por poderosos empresários palmeirenses, liderados por Márcio Papa. A turma endinheirada pagou 200 mil dólares ao Grêmio, manteve Batista, por empréstimo de seis meses, no Palmeiras.

A estreia foi em um jogo realizado em um sábado à noite contra o Bahia, pelo Campeonato Brasileiro. Exatos 47 mil 702 palmeirenses foram ao Morumbi para ver uma goleada de 4 a 0.

Em junho, a Lazio viu-o durante jogos da Seleção na Europa e pagou um milhão de dólares para tê-lo com a camisa azul celeste do clube romano. A expectativa da crônica esportiva italiana era de que Batista chegasse ao mesmo nível de Falcão, o líder da arquirrival Roma. E a de Batista, claro, que a Lazio fosse tão forte como a Roma, ambos sob um nível de rivalidade com a qual se acostumou no Rio Grande do Sul, entre Inter e Grêmio.

Por conta da fragilidade do time da Lazio, a estada no futebol italiano foi difícil. Batista estava acostumado com títulos, a maioria deles com o Inter, clube do qual, apesar da despedida pouco amigável, tornou-se ídolo histórico.

Na Itália, nada de flores. Chegara a um clube que acabara de retornar à primeira divisão italiana e que, já na temporada seguinte, estava ameaçado de novo rebaixamento. Além deste incômodo, também o importunava na Itália a fama de indisciplinado e notívago – um deleite para os paparazzi e jornais sensacionalistas, que insinuavam casos com modelos locais.


Mas o craque deu a volta por cima em poucos meses. E até a braçadeira de capitão conquistou. O bastante para que renovassem seu contrato e permanecesse por mais dois anos na Lazio. As contusões insistiam, contudo, em atrapalhá-lo. Culpa de uma suposta vida desregrada e de pouca preparação física? Para agravar sua situação, o time italiano não engrenava no campeonato nacional.

O time acabou novamente rebaixado, em junho de 1985. Em função disso, Batista recebeu um indesejável prêmio: o de pior jogador brasileiro da temporada. As incômodas críticas da imprensa italiana desgastaram Batista, que quase deixou a Itália. A Unione Sportiva Avellino acreditou nele. Em outubro de 1985, meses depois do vexatório rebaixamento da Lazio, Batista teve o passe emprestado ao time da comuna sulista italiana, que se encontrava na primeira divisão. Ficou apenas uma temporada. Em julho de 1986, foi devolvido à Lazio. Permaneceu inativo durante alguns meses, pois o clube italiano não o queria mais, mas reteve seu passe. O jogador desejava voltar ao Brasil, especialmente para Porto Alegre, onde mantinha uma invejável mansão.

Nenhum clube esboçou esforço para contratá-lo. Batista ficou praticamente todo o ano de 1987 longe do futebol. Somente em outubro daquele ano, quando, enfim, a Lazio concedeu-lhe o passe-livre, surgiu uma luz no fim do túnel. O ex-jogador Marinho Peres, que treinava o Clube de Futebol Os Belenenses, de Portugal, telefonou para o amigo Baidek, que se preparava para trocar o Grêmio pelo futebol português, e este indicou Batista para o técnico.

E Batista foi mesmo para o Belenenses. Ficou por lá durante uma temporada e retornou ao Brasil para jogar pelo catarinense Avaí. Participou de apenas duas partidas, concluindo ser hora de parar. E, assim, em 1989, um dos maiores volantes do futebol brasileiro pendurou as chuteiras.

Pela seleção brasileira, Batista teve uma performance satisfatória. Estreou no dia 5 de abril de 1978, em Hamburgo, na vitória por 1 a 0 sobre a Alemanha, após substituir Rivellino durante o segundo tempo de jogo. Conquistou a confiança do treinador Cláudio (Pêcego de Moraes) Coutinho (1939–1981) e foi convocado em maio para a Copa do Mundo na Argentina, sendo titular da equipe durante toda a competição. Dali em diante fez parte de todas as convocações até o Mundialito, em janeiro de 1981, no Uruguai. Durante o jogo contra a Argentina, o zagueiro adversário Daniel Passarela o atingiu com violência. Recuperou-se rapidamente, mas, em abril, sofreu novo revés: a entrada de Merica, que o afastou do futebol durante o resto do ano.

Em 1982, foi à Copa na Espanha, mas ficou praticamente na reserva de Toninho Cerezo. Inconformado com a reserva, iniciou pela imprensa um bate-boca com o técnico Telê Santana. Antes, porém, fez uma grande partida contra a Argentina (3 a 1 para o Brasil), sem deixar Maradona respirar em campo. Mas a imaturidade do craque argentino, que na época não tinha mais de 21 anos, prevaleceu. Bastou uma entrada violenta de Maradona em Batista, e o jogador estava fora daquele que seria um dos mais trágicos jogos do Brasil em Copas do Mundo: contra a Itália, no estádio Sarriá.

A rusga com Telê era intensa: “Tenho brios e razões para não deixar barato a injustiça que cometeram comigo naquela Copa de 1982. Foi a minha grande chance e eu tinha perspectivas otimistas quanto à sorte do Brasil. Em 1986, estarei com 32 anos e praticamente em fim de carreira, talvez até radicado no futebol europeu.”

Batista até retornou à seleção, pelas mãos de Carlos Alberto Parreira, em 1983, mas nunca mais sentiria prazer de participar de uma Copa do Mundo.

Quando encerrou a carreira, em 1988, decidiu afastar-se cinco anos do futebol. Nesse período, casou com Mayone, com quem teve duas filhas. A família passou a ser sua inabalável prioridade. A renda, durante os cinco anos incógnito, vinha da administração dos imóveis que mantém em Porto Alegre, onde vive com a família. Deflagrou uma carreira de técnico (comandou os juvenis do Inter, em 1994), mas desistiu dela, ainda no começo, para assumir uma nova faceta profissional: a de comentarista esportivo, em um canal de TV a cabo.

Batista foi singular. Ídolo incontestável, independente acentuada fama de rebelde. (José Luiz) Carbone, ídolo colorado, volante de estirpe, que se preparava para abandonar a carreira, viu aquele garoto magrinho, jogando uma barbaridade no time infanto-juvenil do Inter: “Está ali um dos jogadores de maior futuro deste clube”. Ele acertou em cheio. O menino Batista, líder do Inter, campeão da Taça São Paulo de Juniores, de 1974, cresceria vigoroso. Craque de bola. Ídolo do Inter.

DEVO AO RÁDIO O AMOR PELO FUTEBOL

por André Felipe de Lima


O rádio me fez amar o futebol. Não tenho a menor dúvida disso. Sou um homem convicto, portanto, e de uma geração que assistia ao futebol na TV raríssimas vezes. Sou também de uma época (e ando repetindo muito isso em cada frase que digo…) onde não havia contrato milionário entre clubes e emissoras. Ao vivo, na velha Telefunken P&B , e para valer, só mesmo jogos de Copa do Mundo. Clássicos, como Vasco e Flamengo, por exemplo, eram raros ao vivo. Só rolavam na telinha quando estava em jogo um troféu da Taça Guanabara ou do campeonato carioca. Sem TV, eu vibrava com as transmissões radiofônicas dos jogos e sempre curtia, horas mais tarde, na TVE, o videoteipe completo do jogo que ouvi e, de quebra, os gols do Fantástico na indefectível voz do Leo Batista, com o notório patrocínio da cachaça Tatuzinho. Quem não se lembra do jingle? “Ai, Tatu, Tatuzinho, me (sic) abre a garrafa e me dá um pouquinho…”. Um verdadeiro “paraíso” do jogo de palavras que poucos anos depois, na faculdade de jornalismo, estudei nas divertidíssimas aulas de linguística do genial mestre André Valente. Aliás, quem nunca leu de autoria do Valente “A linguagem nossa de cada dia”, que leia. É uma viagem deliciosa pelo nosso idioma. Um encanto. Mas como estávamos falando, o meu amor pelo futebol nasceu com o rádio. Esse amor começou tímido, jogando bola com a minha surrada camisa do Vasco, da marca Hering, mas foi crescendo, crescendo, crescendo a cada jogo que ouvia pelo rádio. Acho que a maioria das partidas pode ter sido a maior pelada do mundo, mas eles, os locutores, faziam daqueles jogos “verdadeiros jogões”, como dia desses comentou o amigo Márcio Carneiro. Podia ser um Vasco e Mixto (é com xis mesmo… entenda-se isso), isso pouco importava. Empolgava-me mesmo manter o ouvido colado no rádio e depois tecer entusiásticos comentários com os colegas do colégio na manhã seguinte: “Meu irmão, que jogaço o de ontem do Vasco contra o Mixto…”. Éramos inocentes, ingênuos, mas saudavelmente românticos e com uma capacidade para sonhar que hoje sinto falta nas novas gerações que vivem o seu tempo, é verdade. Um tempo de velocidade, de apelo midiático sem precedentes, de novas e impressionantes tecnologias. Tempos de uma acessibilidade à informação que eu jamais tive quando jovem, mas também tempos de artificialidade. Por isso acredito que a minha geração, a do meu pai e a dos meus avós amavam mais o futebol, porque o rádio nos permitia sonhar mais com o clube, seus brasões e ídolos. Vejam vocês. Hoje em dia, um time é campeão e o torcedor não invade mais o gramado para comemorar com os jogadores. Estes, por sua vez, também são o reflexo dessa artificialidade de que falo. O juiz apita o final da peleja e a comemoração não é efusiva como aquelas que presenciamos nos anos de 1970 e de 80, e isso citando somente as que presenciei no Maracanã ou nas raríssimas transmissões ao vivo pela TV. A festa era impressionante. Revejam, por exemplo, o fim daquele jogo decisivo do Corinthians contra a Ponte Preta, em 1977, e comparem com as “comemorações” de finais dos anos de 2000 para cá. A constatação é óbvia. Amávamos mais o futebol. Vibrávamos mais. Cantávamos mais. Aquilo que o passado roubou de mim era o futebol que o rádio me ensinou a amar. Ah, Jorge Curi; ah, Waldir Amaral, que saudade de vocês…

A HISTÓRIA DO TRÁGICO FOLIÃO DJALMA

No Sport, Vasco e Bangu, o ponta Djalma fez sucesso. Arisco, ele seduziu todos os treinadores com os quais trabalhou. Não chegou a ser propriamente um ídolo do Expresso da vitória cruz-maltino, mas no Sport sim. Conheça um pouco mais sobre o craque e seu triste destino em um carnaval carioca.

por André Felipe de Lima


Ponteiro direito, Djalma Bezerra dos Santos, recifense nascido a 19 de dezembro de 1918, iniciou a carreira no Sport Clube Recife no final dos anos de 1930. Ainda jovem integrou o time principal do Sport que derrotou o Santa Cruz no jogo inaugural do estádio da Ilha do Retiro, no dia 4 de julho de 1937, com vitória de 6 a 5 do esquadrão rubro-negro. Foi titular do time rubro-negro que excursionou pelo sul e sudeste do País com grande desenvoltura, em 1941 e 42. O sucesso foi tão intenso, que muitos craques do rubro-negro pernambucano não voltaram para Recife. Zago e Ademir de Menezes ficaram no Vasco; Pirombá, no Flamengo; Magri, no América, e Pinhegas, no Fluminense. Foram onze vitórias, dois empates e apenas quatro derrotas em jogos disputados no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Enquanto Ademir trocou o Vasco pelo Fluminense em 1945, Djalma resistiu no futebol pernambucano até 1943, sendo tricampeão estadual com o Sport em 1941, 42 e 43.

Djalma seguiu para o Vasco em 1944 para assumir a ponta-direita do time de São Januário. Ao formar o ataque do Vasco em 1947, com Maneca, Friaça, Lelé e Chico, o atacante conquistou o campeonato carioca e ajudou o quinteto a entrar para história do futebol no Rio. O ataque vascaíno marcou 40 gols em apenas 10 partidas e escreveu nos anais do campeonato carioca uma das maiores goleadas da era profissional no estado: 14 a 1 no Canto do Rio. O Vasco terminou a competição de 47 com sete pontos a frente do Botafogo e Djalma foi considerado pelo rival rubro-negro Zizinho como a peça chave do esquema do treinador vascaíno Ondino Viera. “Já em 1945 surgiu o 4-3-3, criado no Vasco da Gama pelo treinador Ondino Viera. Ele recuou para o meio-de-campo o ponta-direita Djalma. Estava sacramentada a função do ponta-de-lança”, como narra Kleber Mazziero, na biografia de Ademir da Guia.


Em 1949, Djalma, igualmente ao zagueiro argentino Rafanelli, trocou o Vasco pelo Bangu, último clube da carreira do ponta pernambucano, que morreria, de forma trágica em uma terça-feira de carnaval. Djalma acompanhava as irmãs Ivone e Dulce dos Santos no baile carnavalesco dos casados, na sede da Associação dos Empregados no Comércio, na tarde da segunda-feira. Em meio às marchinhas, um folião pisou no pé de Dulce.

Houve discussão, e Djalma tomou as dores da amiga. Cerca de 20 comparsas do rapaz que batia boca com Dulce e Djalma partiram para cima do craque e o espancaram. Djalma sofreu um corte profundo na face direita.


O craque foi socorrido no pronto socorro, teve alguns pontos no rosto e liberado em seguida para retornar a folia, no Centro da cidade. Às 22 horas, Dulce sugeriu que deveriam ir à residência dela para que trocassem de roupa para outro baile. Ao chegarem, a fechadura havia emperrado. Uma vizinha sugeriu que Djalma tentasse entrar no apartamento da amiga, no segundo andar, descendo por uma corda de persiana estendida pela janela do apartamento do terceiro andar.

O peso do corpo de Djalma foi demasiado e o jogador caiu, de pé, na marquise, mas desequilibrou-se e caiu na rua, batendo com a cabeça no meio fio. O levaram novamente para o hospital, mas Djalma não resistiu e morreu às 13h30, do dia 2 de março de 1954.

DA PROFECIA DE BRANDÃO, EIS BASÍLIO E, ENFIM, UM TÍTULO

Não há Libertadores, Mundial de Clubes ou Brasileirão que supere em emoção aquele título de campeão paulista de 1977. Para o corintiano, aquela conquista é a mais emblemática, a mais próxima da essência corintiana, que se traduz em duas palavras: alma e superação. E o herói naquela noite histórica no Morumbi foi Basílio, o aniversariante do dia. Conheça um pouco da trajetória deste grande ídolo alvinegro.

por André Felipe de Lima


“Oswaldo Brandão era espírita, kardecista. Ele disse para mim: ‘Esta noite eu tive um sonho. Na mensagem, Neguinho, disseram que você vai fazer o gol’.”

A profecia do velho Brandão foi precisa. O Timão acabou com um jejum de campeonatos paulistas que durava desde 1954, e Basílio entrou para história com o gol que assinalou contra a meta do goleiro Carlos, da Ponte Preta, no dia 13 de outubro de 1977. Final: 1 a 0, e uma das maiores festas que São Paulo já presenciou.

“Na hora, foi correr para o canto do campo, fazer uma oração e esperar pelos abraços dos companheiros. Deus tinha me escolhido. Podia ter sido Vaguinho, naquele primeiro chute, podia ter sido Wladimir, na cabeçada, mas tinha que ser eu porque Deus me tinha escolhido. Deus é uma pessoa estranha e que gosta de fazer as coisas sempre na hora certa. Deixando que eu fizesse o gol, ele estava me dando chance de responder a algumas pessoas que criticavam minha presença no time do Corinthians, dizendo que eu nunca fiz o necessário para justificar minha contratação e também de acabar de lavar a pequena mágoa que eu ainda guardava do clube”, confessara Basílio ao repórter José Maria de Aquino.

João Roberto Basílio nasceu na Casa Verde, bairro da Zona Norte de São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 1949. O início, contudo, foi como centroavante do Cruz da Esperança, um time de peladeiros do bairro onde nasceu e foi criado. Gente da Portuguesa de Desportos que andava pelas bandas da Casa Verde viu Basílio e gostou do que viu. Ainda adolescente, Ipojucã, ídolo histórico do Vasco, percebeu que o garoto era bom de bola e o ensinou muito do que Basílio mostraria anos depois nos gramados. O gol de 77, inclusive, garantiu Basílio ter sido inspirado nos ensinamentos de Ipojucã, como narrou ao repórter Paulo Escobar, em entrevista (https://www.museudapelada.com/basilio) o Museu da Pelada. “Foi um atacante alto, mas com domínio e qualidade com a bola.”

Em 1964, o futuro “neguinho” do Brandão já estava no Canindé. Lá conviveu com craques da estirpe de Leivinha e Ivair. Contentava-se com a reserva, o que era plenamente plausível. Levou um tempinho para ser titular, o que aconteceu somente em 1969, quando Leivinha debandou para o Parque Antarctica para escrever uma bela história de gols infindáveis no Palmeiras.

“Meu pai era marceneiro e a gente tinha que se virar para sustentar a casa. Comecei a trabalhar numa loja, mas não durei um mês. Como eu queria continuar treinando nos infantis da Portuguesa, o dono da loja sentiu que não ia dar certo e eu fui embora. Mas passei direto dos infantis e juvenis para os profissionais, e comecei a ganhar dinheiro, bem na hora certa.”

Basílio aprendeu tudo direitinho com os seus mestres. Ainda garoto, foi campeão pela Lusa da Taça São Paulo e do Campeonato Paulista, ambos os torneios disputados em 1973. Aliás, a final do Paulistão daquele ano foi, no mínimo, surreal. A Portuguesa teve que dividir o título com o Santos, tudo por causa de um equívoco do árbitro Armando Marques (1930–2014), que, durante a decisão por pênaltis entre os dois times errou a contagem de cobranças do time da Vila Belmiro e declarou o Santos campeão. Os jogadores da Portuguesa deixaram o gramado e os cartolas do Canindé trataram de botar a boca no trombone. A Federação reconheceu a falha do árbitro e dividiu o título entre os dois clubes.

Antes das conquistas de 1973, mesmo não sendo um jogador com estilo refinado, ou seja, no genuíno significado do termo, um craque, Basílio despertou o interesse do Corinthians em 1972. Mas ainda não era a hora de pisar no Parque São Jorge, o que só aconteceu, por incrível que pareça, na madrugada do dia 4 de março 1975, uma quarta-feira, após uma manobra ágil do presidente corintiano Vicente Matheus, superando a oferta dos cartolas santistas, que também queriam ver Basílio na Vila Belmiro.

Enfim, o Corinthians tentaria fazer de Basílio um substituto à altura do ex-ídolo Roberto Rivellino que, dias antes, se transferira para o Fluminense, seduzido pela oferta do dirigente tricolor Francisco Horta. Missão, no mínimo, incômoda para Basílio, que, mal a tinta do contrato havia secado, já estava escalado pelo então técnico Sylvio Pirillo (ex-ídolo do Internacional de Porto Alegre, Flamengo e Botafogo). O jogo foi contra o Fluminense, de Rivellino e Carlos Alberto Torres, no Pacaembu. O Timão saiu de campo derrotado por 2 a 1, mas a forra viria em 1976, com juros e correção monetária, na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, quando a torcida corintiana invadiu o Rio de Janeiro e tomou conta da metade do estádio do Maracanã para ver a “Máquina” das Laranjeiras tombar diante de Basílio e a trupe alvinegra. Um jogo que marcou uma das maiores invasões de torcida de outro Estado ao Rio de Janeiro. A Zona Sul da cidade estava vestida de preto e branco. E este cronista, menino na época, estava na Rua Paula Freitas, em Copacabana, e se recorda bem da festa dos torcedores que, entre merecidos goles de cerveja na birosca da esquina, brindavam à inesquecível façanha. Uma epopeia da qual Basílio foi protagonista. Aliás, o meia é o que Nélson Rodrigues definiria como um indefectível predestinado. O cara não falhava nunca e tampouco a santa intuição de Oswaldo Brandão.

O redentor – Logo que foi contratado pelo Corinthians em 1975, o jogador concedeu uma entrevista ao jornalista João Bosco, de “A Gazeta Esportiva”, em que disse que “a sua luta na Portuguesa foi sempre obter um título para enterrar definitivamente o tabu que persistia desde 1936”. Vaticínio cumprido.


“Agora vim para cá (Corinthians) na mesma situação. Tenho certeza de que nossa luta não será inglória. Vamos acabar com esse negócio de fila. (…). Tenham certeza, torcedores corintianos, de que vamos lutar por isso. Será minha gratidão pela maneira com que fui recebido aqui. Quero ser campeão.”

Missão de gente como Basílio é, geralmente, árdua, penosa. Tudo sempre conspira na contramão. O que não falta na História são exemplos iguais ao dele.

Por pouco Basílio não seguiu outro rumo: a Vila Belmiro. Mas o destino era mesmo o Parque São Jorge. Jogar no Corinthians já é um desafio do tamanho de um bonde. Ainda mais quando se é contratado para substituir Rivellino, estreando justamente contra o Fluminense, para onde o Garoto do Parque se transferiu. O jogo, realizado no Pacaembu, no dia 6 de março de 1975, terminou 2 a 1 para o time carioca, com um gol do ex-craque corintiano.

Mas logo no primeiro ano de Timão, um susto. Basílio sofre parada respiratória durante um jogo contra o América FC, de São José do Rio Preto. Viriam, contudo, outras intempéries.

Em 1975, fratura no perônio, durante um jogo contra o Remo, do Pará, deixou Basílio em segundo plano no Timão. Iniciou a temporada de 1977 na reserva. Do banco, viu o time estrear no Campeonato Paulista que o consagraria na final contra a Ponte Preta. O pé-direito, motivo de seu ocaso, foi também motivo de glória. “Muitas vezes, ele reclamou desse rótulo de jogador de uma partida só, achando-se injustiçado. Mas, no fundo, ele sabe que, por esse feito, sua caricatura estará para sempre tatuada na pele alvinegra”, escreveu Bruno Chazan.

“Quando vi a bola pulando e se oferecendo para meu pé-direito, pensei rápido ‘É agora ou nunca! Vou entrar rasgando, que ele (o goleiro Carlos) não pega’. Vi a bola estufando e foi uma loucura. Até hoje ainda sinto a bola tocar no meu pé. Jamais vou esquecer aquele dia”. As duas camisas daquela final e um pedaço da rede que balançou com o seu gol estão devidamente guardados por Basílio.


O querido “Neguinho” do Brandão ainda fez parte do time que anunciou Sócrates como o maior ídolo do Corinthians em todos os tempos e que seria campeão paulista em 1979. Basílio vestiu a camisão do Timão em 253 jogos, marcou 29 gols e ainda se deu ao luxo de fazer um contra. Mas ninguém se lembra disso. E nem é preciso.

A epopeia no Corinthians chegou, contudo, ao fim. Uma operação de menisco e consequente queda de rendimento em campo. Em 1981, foi emprestado para o CA Juventus, após chatear-se com a diretoria, que não o aproveitava no time e tampouco lhe dava o passe livre. E olha que nesse ínterim, entre o Parque São Jorge e a Mooca, recusou em 1980 uma proposta do norte-americano Fort Lauderdale Strikers. Preferiu ficar ao lado da mãe, que faleceu em 1984. Ambicionou o passe-livre, mas os cartolas do Corinthians não lhe deram ouvidos. Em 1983, uma rápida passagem pelo Nacional AC e, em 84, o final da carreira no EC Taubaté.

O ex-ídolo não fugiu à regra. Como a maioria dos jogadores, não conseguiu deixar os gramados. Foi convidado para ser técnico dos times de base do Corinthians em 1983. Em muitas ocasiões, foi treinador interino do time principal até 1992. Nas idas e vindas, que duraram quase dez anos, dirigiu o Timão em mais de 100 partidas.

PINHEIRO, O MAIS TRICOLOR DOS ZAGUEIROS TRICOLORES

por André Felipe de Lima


Caso escale um hipotético “time dos sonhos” do Fluminense e ouse vetar o nome do zagueiro Pinheiro da “súmula”, o torcedor tricolor, este nobre lustrado da arquibancada, estará cometendo um sacrilégio que o levará às chamas infernais, e sem caminho de volta e muito menos sem a ajuda de arcanjos e querubins que possam reconduzi-lo ao céu. Talvez o mágico cronista de indissolúvel e eterno amor pelo Fluminense, o nosso e de mais ninguém Nelson Rodrigues, diria algo assim. Pinheiro é o mais sublime dos beques que apareceram nas Laranjeiras, onde aportou com 17 anos contados de vida. Sim, João Carlos Batista Pinheiro chegou ao Fluminense em 1948. Antes disso, apanhou de cipó do pai porque este não o queria como jogador de futebol. O garoto era duro na queda e frequentava as peladas quase que diariamente e sem medo das palmadas e cipoadas do progenitor intolerante. Foi goleiro, centroavante, mas era mesmo a zaga de área a sua vocação. Ainda bem. Foi ali, defendendo a meta do goleiro Castilho (outro imortal tricolor) que Pinheiro tornou-se sublime. Não havia treinador que o ignorasse. Zezé Moreira, por exemplo, foi certamente o que mais o amava. No memorável título carioca de 1951, Pinheiro foi sua voz em campo. O zagueiro mandava e desmandava, comandava e ditava tudo o que deveria fazer o “onze” tricolor. Resultado: um troféu atrás do outro. Pelo Fluminense, Pinheiro conquistou o Pan-Americano e a Taça Rio de 1952, o Torneio Rio-São Paulo de 1957 e o de 1960. Além do campeonato carioca de 1951, Pinheiro também conduziu o Fluminense ao título em 1959. Com a seleção brasileira, foi titular na Copa do Mundo de 1954, na Suíça. Tornou-se treinador, e dos bons. Na decisão da outrora charmosa Taça Guanabara, na edição de 1973, recebeu um bilhete desaforado de um cartola dizendo quem deveria escalar. Pinheiro, obviamente, ficou injuriado. “P” da vida, ele mandou ao gramado o time que tinha em mente e mandou às favas o tal dirigente. O Fluminense bateu o Flamengo por 3 a 0, mas Pinheiro alertou aos bravos comandados: “Ganhamos o título, mas perdi meu emprego”. E foi isso o que aconteceria logo no dia seguinte, com o maior zagueiro tricolor da história cedendo o lugar para Duque.

Pinheiro estaria completando 90 anos neste 13 de janeiro de 2022. O bravo morreu no dia 30 de agosto de 2011, no Hospital Pan-Americano, na Tijuca, onde esteva internado durante dias. O câncer o derrotou. O atual treinador do Fluminense, Abel, foi zagueiro como ele e também treinado pelo Pinheiro no passado já bem remoto. “Foi um dos grandes homens que conheci e meu mestre no futebol. Devo tudo ao Pinheiro”, disse Abel logo que soube da morte do ídolo, cujo legado esta aí, para crédulos e incrédulos, mostrando que a bola de futebol tem o poder de tornar homens mais dignos na vida, como foi o Pinheiro do Nelson, do Chico, do João. De você, afortunado tricolor.