por Eduardo Lamas Neiva
Após a música ser acompanhada com atenção por todos e até aplaudida em direção a Pelé, o compositor, João Sem Medo retoma a pelota pra voltar a falar das semifinais da Copa de 70.
João Sem Medo: – Como vocês devem estar lembrados, acertei os vencedores das semifinais. Nos quatorze prognósticos dados, acertei oito dos vencedores da primeira fase, três dos quatro vencedores das quartas – cometi o erro na partida entre Uruguai e União Soviética, e acertei os dois finalistas, Brasil e Itália.
Idiota da Objetividade: – A Itália derrotou a Alemanha Ocidental, por 4 a 3, num dos jogos mais emocionantes de todos os tempos. A partida terminou empatada em 1 a 1 no tempo normal, com os alemães empatando aos 47 minutos do segundo tempo. Na prorrogação, a Alemanha virou, a Itália empatou e fez 3 a 2, mas os alemães voltaram a empatar, até que os italianos conseguiram a vitória com gol de Rivera, aos 5 minutos do segundo tempo da prorrogação.
Ceguinho Torcedor: – Emocionante foi a vitória do Brasil. Havia em nós uma chaga já velha, senil chaga. A vitória sobre o Uruguai a tapou, não restou nem a cicatriz. E milhões de homens, mulheres e crianças beijaram a nossa doce bandeira. Os idiotas da objetividade (aponta pro Idiota da Objetividade) rosnaram: “É ridículo beijar a bandeira!”
Idiota da Objetividade: – Protesto!
Ceguinho Torcedor: – Protesto negado! Não faz mal. Vamos assumir, nobremente, o nosso ridículo. Cada povo, cada homem tem sua dimensão de ridículo. Preservemos o nosso.
Garçom: – Os críticos, os que vaiaram a seleção, deviam estar se rasgando, né, “seu” Ceguinho?
Ceguinho Torcedor: – As hienas, os abutres, os urubus…
Garçom: – O urubu nada tem com isso, “seu” Ceguinho…
Ceguinho Torcedor: – Ah, os entendidos deveriam ter mudado de ofício, imediatamente. Por que não se tornaram bombeiros hidráulicos? Deviam entender mais de desentupir pia, do que de futebol.
Idiota da Objetividade: – E na final, como todos sabem, o Brasil derrotou a Itália, por 4 a 1, com gols de Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto. Como primeira seleção a conquistar o tricampeonato mundial, o Brasil ficou com a posse definitiva da Taça Jules Rimet.
Sobrenatural de Almeida: – E o Médici não perdeu tempo e estampou em todas as manchetes: “Ninguém segura este país!”.
João Sem Medo: – Foi mesmo difícil segurar a sanha de tantas torturas e mortes nas mãos do governo dele.
Ceguinho Torcedor: – Raríssimos acreditavam no Brasil, amigos. Um deles era o presidente, que me dizia: “Vamos ganhar, vamos ganhar”. Na véspera deu o seu palpite certeiro: “Brasil 4 a 1”.
Zé Ary, percebendo que o papo penetrava na área perigosa, cortou a bola e saiu tocando rápido pra aliviar a pressão.
Garçom: – Senhores, senhores, todos aqui, aquele futebol maravilhoso merece ser visto e revisto por muitos e muitos anos, não é mesmo?
Ninguém discorda. Muito pelo contrário.
Garçom: – Vamos, então, ao telão, pra revermos todos os 19 gols da seleção de 70. Vamos lá!
All of Brazil’s 1970 World Cup Goals | Pele, Jairzinho & more! (youtube.com)
Todos ficam extasiados com o vídeo como se fosse a primeira vez que viam aqueles lances.
Músico: – O vídeo é da Fifa, com imagens perfeitas, mas a entidade não se dignou a dar os créditos da ótima música instrumental de fundo, que combina perfeitamente com aquelas jogadas e os gols. Mas descobri: a música se chama “Sambafunk”, do Drumagick, formado por uma dupla de DJs de São Paulo, JrDeep e Guilherme Lopes.
Garçom: – Ah, maravilha, Angenor! Vamos, então, voltar ao nosso papo…
Ceguinho Torcedor, mais rápido que coelhinho de desenho animado, retoma a pelota.
Ceguinho Torcedor: – Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais.
O povo do bar “Além da Imaginação” faz um alvoroço.
Garçom: – Foi um carnaval em junho! Foi muito difícil segurar tanta emoção e alegria naquele dia. Bebi todas!
Ceguinho Torcedor: – Foi a mais bela vitória do futebol mundial em todos os tempos. Desde o Paraíso, jamais houve um futebol como o nosso. Os entendidos diziam que éramos quase uns pernas de pau, quase uns cabeças de bagre. Se Napoleão tivesse sofrido as vaias que flagelaram o escrete não ganharia nem batalhas de soldadinhos de chumbo. Eu me lembro do dia em que o João Saldanha foi chamado para técnico do escrete. Tivemos uma conversa de terreno baldio. E me dizia o João: “Vamos ganhar de qualquer maneira! O caneco é nosso!”
João Sem Medo: – A nossa vibração e a minha, em particular, foi pela vitória da arte, que continua sendo, dentre as mais variadas concepções do futebol moderno, a verdadeira razão de encherem os estádios e a identificação mais sólida e decisiva do futebol do Brasil.
Ceguinho Torcedor: – Cada gol dos nossos era uma preciosidade. A cabeçada de Pelé, na abertura da contagem, foi algo de inconcebível. Ele subiu, leve, quase alado, e enfiou no canto. Vocês podem não acreditar, mas eu vi. Nunca uma seleção fez, na história do futebol, uma jornada tão perfeita como o Brasil em 70.
Garçom: – Aquele time foi o melhor que vi jogar. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino. Ainda tinha Paulo Cesar Caju, Marco Antônio, Roberto Miranda, Edu… Vamos ouvir “Pra frente Brasil”, do Miguel Gustavo, que é o hino daquela grande conquista.
Garçom: – Toda vez que ouço essa música fico arrepiado de emoção.
Músico: – Amigos, posso me meter nesta conversa?
João Sem Medo: – Claro, por favor.
Músico: – É que como sabia que hoje aqui o assunto ia ser a História do futebol brasileiro, copiei num papel duas citações belíssimas de grandes nomes internacionais sobre aquela seleção de 70, que pra mim só pode ser comparada com a de 58. O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, que era um apaixonado por futebol e dizem que jogava muito bem, escreveu o seguinte: “Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México, em 70, a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira”.
Todos aplaudem, inclusive Pelé, Félix, Carlos Alberto Torres, Zagallo, Everaldo.
Garçom: – Tem mais uma, gente.
Músico: – É, Zé Ary, tem outra citação bem bonita também, do historiador britânico Eric Hobsbawm, que escreveu o seguinte no livro “A era dos extremos – o breve século XX”: “Ninguém que tenha visto jogar a seleção brasileira de 1970 poderia negar ao futebol a condição de arte”.
Todos aplaudem, mais uma vez, e festejam todos os campeões mundiais pelo Brasil presentes ao bar “Além da Imaginação”, cantando “Pra frente Brasil”.
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Um gol desse não se perde!
Uma seleção que se tornou, merecidamente, lenda mundial do futebol!
Lembro-me de um jogo-treino da seleção brasileira na Funabem, em Quintino, um pouco antes do embarque para o México. Quase a vila onde eu morava foi até lá para acompanhar. Inesquecível!
Quanto à música, um clássico de Miguel Gustavo, mas infelizmente associado àquele período sombrio da ditadura.
Hoje, emoções mistas sobre a música e a própria conquista, apropriadas pelos militares naquela época. Mas a seleção permanece acima disso tudo!
Verdade, meu amigo, também tenho reservas com relação à música, mas ela tinha uma relação muito íntima com aquela seleção espetacular, isso não dá pra dissociar. Obrigado pelo apoio de sempre ao meu trabalho. Volte sempre. Abração.