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UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 54

21 / março / 2024

por Eduardo Lamas Neiva

O show de Elza Soares, com Garrincha ao seu lado cantando as músicas que compôs, fez o público do Bar Além da Imaginação delirar. Muito aplaudidos, abraçados e beijados, voltaram à mesa em que estavam. Quando todos se acomodaram, Sobrenatural de Almeida levantou a bola.

Sobrenatural de Almeida: – Ninguém falou do cachorro preto que eu pus em campo… Ele driblou até o Garrincha!

Idiota da Objetividade: – Durante Brasil e Inglaterra, um cão preto invadiu o gramado no primeiro tempo e depois de muitas tentativas, o atacante inglês Jimmy Greaves, com calma e habilidade, conseguiu pegá-lo.

Sobrenatural de Almeida: – Calma e habilidade que não teve pra fazer gols contra o Brasil.

Garçom: – Ainda bem que não era um gato preto. Cão preto não dá azar.

Sobrenatural de Almeida: – Deu pros ingleses. Garrincha até me agradeceu, sem saber que tinha sido eu, de não ter conseguido pegar o cachorro. Ele mesmo percebeu que daria azar. Depois mandaram pra ele de presente. O Mané agradeceu, mas não se deu bem com aquele cão e logo o repassou pra outra pessoa.

Músico: – Essa história de bicho em campo me lembra algumas músicas. Mas quem pode falar melhor sobre isso é o grande Rolando Boldrin.

Garçom: – Isso mesmo! Rolando Boldrin, por favor, venha ao palco.

Rolando Boldrin: – Ô, minha gente, obrigado, obrigado. Cheguei tem pouco tempo e fico muito honrado pelo convite.

Todos aplaudem de pé Rolando Boldrin.

Rolando Boldrin: – Obrigado. Vocês sabem que tem muito causo de bicho, caipira inclusive. É, bicho caipira, cavalo, mula, burrinho… Mas aqui eu vou cantar o “Futebol da Bicharada”, um cateretê do Raul Torres, que está ali e já a apresentou aqui com o Florêncio. Vamos a ela novamente. É um causo cantado.

Todos se divertem e aplaudem Boldrin ao fim da apresentação. Ele agradece, deixa o palco e vai para uma mesa para acompanhar o papo dos nossos personagens, ainda sobre a Copa de 62.

Idiota da Objetividade: – Na semifinal contra o Chile, novamente Garrincha brilhou, mas foi expulso. Ele acabou absolvido e pôde jogar a final contra a Tchecoslováquia. O Brasil derrotou os donos da casa por 4 a 2, gols de Garrincha, aos 8 e 31 do primeiro tempo, e Vavá, aos 2 e 32 do segundo tempo. Jorge Toro, aos 41 da primeira etapa, e Leonel Sánchez, de pênalti, aos 15 da etapa final, fizeram os gols chilenos.

Ceguinho Torcedor: – Foi uma vitória colossal, uma selvagem vitória. Estava tudo contra nós, rigorosamente tudo. Até os Andes tinham enfiado uma máscara até as orelhas. Jamais um time de futebol ficara tão só. Mas o brasileiro é ainda maior quando solitário. Éramos onze gatos pingados contra milhões enfurecidos. O Brasil estava só, mas novamente tinha Garrincha. Feliz do povo que pode esfregar um Garrincha na cara do mundo. Ele pôs os Andes de gatinhas, ou de cócoras, sei lá.

Garçom: – Seu Ceguinho, o senhor que não enxerga, ou melhor, enxerga pouco… ops, desculpa, o senhor que antevê tudo, parece que viu mesmo todos os jogos da Copa de 62.

João Sem Medo: – Zé Ary, a TV só passou a transmitir ao vivo os jogos da Copa do Mundo para o Brasil a partir de 1970, no Mundial do México. Em 62, os torcedores acompanhavam pelo rádio e dois dias depois é que podiam ver o videoteipe.

Ceguinho Torcedor: – Pois então, os locutores disseram que o Brasil fizera, contra a Inglaterra, uma exibição deslumbrante. Pura imaginação e, por isso mesmo, altamente voraz. O videoteipe demonstrou o contrário. Azar da imagem. A verdade está com a imaginação dos locutores. Digo mais: a imaginação está sempre muito mais próxima das essências.

Garçom: – Hoje em dia é tanta imagem o tempo todo que a imaginação está ficando esquecida…

João Sem Medo: – A criatividade em campo também.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, todo o Chile se levantou contra nós. A imprensa, o rádio, a TV, o homem de rua, as crianças. Nunca se fez um massacre psicológico tão feroz contra alguém. O futebol passou para um plano secundário. Mas o gostoso é que o escrete do Brasil em nenhum momento, antes, durante ou depois, teve medo. E já em campo apareceu um outro adversário, o mais torvo adversário: o juiz. Então, o Brasil teve de lutar contra 75 mil espectadores, contra os jornais, contra a rádio, contra a TV, contra os carabineiros, contra a cordilheira, contra tudo, contra todos e mais o árbitro.

Idiota da Objetividade: – O árbitro da partida foi o peruano Arturo Yamasaki Maldonado.

Ceguinho Torcedor: – No seu medo abjeto da multidão, no pavor de ser cuspido e malhado como um Judas em sábado de Aleluia, ele roubou com um descaro gigantesco. E no seu lúgubre cinismo, o seu sujeito só faltou apitar “hands” nos arremessos laterais brasileiros.

Garçom: – O senhor me perdoe, mas não ouvia alguém falar em “hands” desde os meus tempos de pelada na rua no subúrbio.

João Sem Medo: – Vários termos ingleses do futebol foram adotados por muito tempo no Brasil. “Hands” é mão na bola.

Ceguinho Torcedor: – Muito obrigado, João. O que esse Eichmann do apito fez com o Garrincha não tem perdão.

João Sem Medo: – Na verdade, Ceguinho, eu esperava, pela expectativa que cercou o jogo, um ambiente mais difícil do o que vi em Santiago. De queixa, queixa mesmo, só tivemos a arbitragem. Uma coisa clamorosa, como nunca havia visto em toda minha vida esportiva. O juiz era um japonesinho, disfarçado de peruano, ladrão como o diabo. Fez coisas incríveis que nem se pode contar. Anulou gol, deixou de marcar pênalti, marcou contra nós, expulsou Garrincha etc. Não fosse a extraordinária tranquilidade do nosso time, e nos teríamos estrepado de verde e amarelo. A verdade é que o jogo foi facílimo. Fácil como ninguém poderia imaginar. Basta dizer que, durante 80 minutos, Gilmar não fez uma única defesa, apesar de ter aceitado uma bola infantil. A tarefa mais árdua foi pra defesa, que não podia encostar num chileno, ainda mais dentro da área. Esbarrar num chileno por ali seria pênalti na certa. A meia cancha esteve ótima, com o Zagallo prestando um auxílio valiosíssimo a Zito e Didi. Talvez tenha recuado demais, uns cinco metros mais à frente creio que ficaria melhor. Mas foi de um coração, uma fibra, um entusiasmo impressionantes. Ele foi um dos grandes escaladores dos Andes. O ataque esteve excelente e Garrincha mais uma vez foi a grande vedete, fazendo os gols que abriram o caminho para a vitória. Vavá também esteve muito bem. Ganhou todas as disputas de cabeça, brigou como um leão, e fez dois gols ao seu melhor estilo.

Músico: – Se brigou como um leão, caro João Sem Medo, me permita  rememorar mais uma das músicas que envolve os animais no futebol. Na que me lembrei agora, “Futebol dos Bichos”, do Teixeirinha, um dos times  foi formado pelo Rei dos Animais.

João Sem Medo (rindo): – É verdade!

Músico: – Ele pode contar, ou melhor, cantar melhor e a gente ajuda aqui.

Garçom: – Venha ao palco novamente Teixeirinha, por favor.

Aplaudido, Teixeirinha vai ao palco de novo.

Teixeirinha: – Muito obrigado! Vou cantar e narrar este grande jogo entre o time do Tigre e do Leão, com participação da Mary Terezinha lá do Mundo Material novamente,

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Um gol desse não se perde!

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