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UM AMOR DE MARACANÃ

24 / novembro / 2016

por João Carlos Pedroso


Eu tive um Maracanã só meu. Você e a torcida do Flamengo, diria um leitor precoce, doido para abandonar estas linhas antes que termine o primeiro parágrafo. Calma aí, mermão!

Não, eu não estou sendo poético, possessivo ou nostálgico. É só descrição literal. E isso foi quando toda semana tinha quase 200 mil lá dentro para ver um jogo. Mas eu conseguia ficar com aquilo só para mim, em domingo de clássico, acreditem.

Meu pai foi jogador de futebol e depois foi trabalhar no Maraca, na parte elétrica, apesar de quase nada saber do assunto. Era meio uma aposentadoria informal para alguns boleiros cariocas, os mais azarados (pela dureza) e sortudos (por ter uma alternativa) ao mesmo tempo, via Adeg (sim aquela do lendário “Adeg Informa”, das narrações antigas). Saudades da Guanabara…


Mas enfim, meu pai trabalhava no estádio, mas também fazia “frila” nele. Nos jogos dos fins de semana, mexia os pauzinhos para integrar de forma quase permanente um grupo chamado quadro móvel, composto por funcionários que recebiam um extra para atuarem naqueles dias. E me levava na garupa, assim como meu irmão mais novo. Normalmente, ou um ou outro, para facilitar as coisas, mas tinha vezes que íamos os dois.

Chegava cedinho, antes do almoço, e ficava na sala do pessoal da elétrica, embaixo da arquibancada. Eu só quicava lá, nem sentava direito. Tinha que começar uma espécie de ritual: sair da sala, subir a rampa de acesso com o coração quase saindo pela boca. Com os passos de moleque gordinho e que amava tanto, mas tanto o futebol, eu ia subindo a rampa e, quando chegava lá em cima (escute-se um Ooooooooooooooh com coral de anjos) via aquela coisa mais linda. O Sumaré, a grama verdinha, os degraus de cimento… e mais nada. Ninguém. Só eu. Estava deserto e adormecido o gigante do Maracanã…

O bordão é de Waldir Amaral. Futebol era rádio, Campeonato Carioca era muuuuuuito mais legal que Brasileiro (até porque era possível ganhar), era Waldir Amaral e Jorge Cúri, um tempo cada – e Jornal dos Sports, rosa e soltando muita, mas muita tinta. Futebol era aquela arquibancada vazia e só minha.

Nem durava tanto tempo assim, apesar da ilusão de eternidade. No gramado, começavam a aparecer funcionários retocando o cal, aparando e molhando a grama, checando as redes. Na arquibancada, os primeiros vendedores de mate, biscoito de polvilho e Geneal, dividindo as mercadorias, e os chefes das torcidas organizadas (na época, muito mais simpáticas do que assustadoras), preparando a festa, as faixas, as bandeiras. E eu, sempre.

Foi dessa maneira que conheci Zico (e Geraldo, meu maior ídolo nessa época), o fabuloso time do América de 74, Roberto Dinamite, a máquina de Rivelino e um Botafogo que, se não brilhava, tinha em Marinho Chagas uma estrela que se bastava. Foi assim que vi Pelé jogar, uma vez só, mas fazendo gol, contra o Vasco, também em 74.

Via também preliminares com promessas de craques geniais, a maioria não realizada. Estava lá desde cedo, via tudo e tudo era bom. Mas nada era capaz de superar a primeira visão do estádio e aquela sensação de posse, de ser o primeiro de outros 200 mil, uma espécie de semente da paixão. Tem hora que esqueço, mas fui uma criança muito feliz…

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