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TORQUATO NETO, ADILSON CEVÔ E A FÁBULA DO GOL PERDIDO

3 / julho / 2017

por Marcelo Mendez


Torquato Neto

Domingo frio na minha ida para várzea. Uma manhã diferente.

Sob o espesso céu cinza e gelado do Parque Novo Oratório, caminhava eu rumo ao ponto do trólebus munido de fones e um som do John Lurie nos ouvidos. No bolso, um livro de crônicas do Torquato Neto e ouvindo “Chaucer Street” enquanto meu ônibus não vinha, comecei a reler Torquato Neto pela milésima vez.

Torquato…

Foi tudo na vida; jornalista, poeta, cronista, compositor, visionário e louco. No meio disso tudo ainda encontrou tempo para ser genial. Entre as suas ótimas provocações, uma me veio à mente enquanto pensava no jogo entre D.E.R x Comercial que eu cobriria pela Copa Uniligas. Disse Torquato, certa vez:

– Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar.

Já disse algumas vezes que o papel do cronista é nada menos do que o risco. A possibilidade de sair de casa e ver a Ilíada de Homero, e sair de casa e ver também o nada. Seja como for, vendo um ou outro, a crônica terá que sair, a história deverá ser contada, porque ela está aí, justamente aí onde o Torquato sugeriu:

Na necessidade de recriar as dificuldades. De não ter medo. De ter direito assegurado ao berro. Na várzea isso não falta, as histórias pipocam aos borbotões. Domingo ultimo, por mais que o contrário insistisse em prevalecer, a história se fez presente de maneira deliciosamente inesperada.

Vejamos então o jogo:

Era de uma pobreza técnica absurda e ululante!

Os times, tomados pelo frio Siberiano que fazia no campo do bairro Alves Dias em São Bernardo, nada queriam com o encanto, nem de longe estavam preocupados com a imortalidade que a várzea pode dar, tampouco corriam com aquela fúria do esfomeado ante uma coxa de frango, com os desejos de fome de um menino virgem apaixonado diante das imortais pernas de Angela Muniz em pornochanchadas insuspeitas, não!

Não!

Eles queriam apenas o óbvio.

Dentro da obviedade burocrática reinante, apenas empatavam em um 1×1 chocho. Nada demais acontecia. O Comercial de Ribeirão Pires, mais humilde, mais comportado, recuava suas linhas enquanto o D.E.R de São Bernardo, recheado de contratações com que há do melhor da várzea local, atacava, pressionava. No segundo tempo, com a força da entrada de seus reforços conseguiu a virada, primeiro com Max, segundo com Adilson Cevô, o craque. Recheado de todas as bolas do mundo Cevô seguia a risca o tratado burocrático e óbvio daquele domingo. Jogava e se consagraria decerto. Isso se não fosse a várzea.

Eis que vem a bola do fundo e Cevô está sozinho, de frente com o gol. Um metro de distância entre ele e as redes. Era empurrar, meter o quarto gol e se consagrar. No entanto, nesse momento, veio o berro do Torquato, veio a crônica, veio ela para o cronista que correu o risco…

Cevô, o craque, debaixo do gol, mete o pé na bola e joga ela às nuvens!


(Foto: Custodio Coimbra)

Sim! Foi um gol perdido de maneira vergonhosamente linda! Uma típica barbeiragem e nos pés do craque. Perdeu!

Foi um momento épico no estádio. O técnico de queixo caído, o vendedor de amendoim estático, o torcedor incrédulo, o mesário estupefato, as beatas de São Bernardo em choque; Ele perdeu! Grosseiramente, Cevô perdeu um gol feito, tal qual o maior dos grossos. Como perna de pau que não é Cevô perdeu um gol, mas salvou a crônica do domingo. Obrigado, Cevô!

Eu e Torquato Neto o louvamos por isso…

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