por Marcelo Mendez
Domingo de manhã é dia de futebol de várzea.
Dessa vez eu faria a final da primeira divisão da várzea de São Bernardo entre Divineia e Jardim do Ipê no Estádio Primeiro de Maio. Aí vem a história, aí reside toda a magia da coisa. Todas as vezes da minha vida que eu tiver que voltar nesse Estádio a emoção se apropriará de mim. Na hora me vem à mente o ano de 1980, meus 10 anos e meu velho pai:
– Filho, você vai comigo lá na Vila Euclides.
– E o que é Vila Euclides, pai?
– É um lugar aonde o pai vai lá dizer umas coisas que você precisa ouvir…
– Ué, mas por que não fala aqui?
– Porque lá, meu filho, muita gente tem o que dizer, muita gente tem o que ouvir.
Você já sabe que eu estou em greve, já te expliquei. Agora você vai comigo ver o que é uma greve…
– Ah, legal, pai!
– Tá… Mas não fala pra sua mãe!
– Tá bom, pai.
E então saímos naquele dia frio, juntos, com um segredo de amigos, sem minha mãe, dona Claudete, saber de nada, para ir lá ver o que era a tal da greve que meu pai tanto fazia e que tanto problema causava pra gente. Ah, mas adorei!
Era um tal de helicóptero voando, cavalo pra lá e pra cá, caminhão cheio de guarda e todo mundo querendo falar com meu pai. Eita, que meu velho era o cara ali no meio daquele povo todo. Tinha também um barbudo de voz rouca, que chamava meu pai de
“cumpanheiro”, que dizia que eu tava crescendo e que mandava me darem refrigerantes.
Eu só sentia falta de uma coisa, que falei de primeira pro meu pai:
– Pai, não é um campo de futebol? Por que não tem jogo?
– Hoje não dá, filho. Mas um dia, terá…
Teve. Em 2014, 34 anos depois, teve o jogo que eu tanto queria…
Em campo tivemos dois times representando duas comunidades simples, humildes, carentes da cidade de São Bernardo. Os bairros do Divineia e do Jardim do Ipê tomaram conta das arquibancadas do Primeiro de Maio, agora sem aquela tensão, sem mais ter que se preocupar se um daqueles helicópteros vai dar tiros, tocar bombas, sem medo dos cavalos passarem por cima da gente, nada disso assustava mais. No domingo de manhã, os olhos daquela gente simples olhavam para o campo de jogo para apenas torcer por sonhos, gols, tabelas, canetas e outras artes ludopédicas. Não dá para dizer que a vida está uma maravilha, melhorou um tanto.
Dá para ter um pouco de alegria, vez por outra tomar um drink diferente, em dias de festas queimar uma carne e, principalmente, hoje é possível ir pra rua reclamar das coisas que ainda faltam sem ninguém ir preso como o meu pai (de vez quando ainda vai, mas a
gente mete a boca e soltam depois…). Foi naquela manhã fria de 1980. Foi complicado mais uma vez meu velho fora de casa, mas ele sempre me dizia quando voltava, que tudo aquilo ia valer a pena um dia. Pois é…
No 2×0 que o Divineia meteu em cima do Jardim do Ipê, tenho certeza que está a afirmação do meu pai. Creio que ele ficaria feliz da vida de ver e de saber que agora Vila Euclides chama Primeiro de Maio, muito em homenagem a ele e outros tantos que não
estão mais aqui. Feliz…
No Dia dos Pais em 2014, meu velho não tá mais aqui. Cansou disso tudo em 1997, foi novo, meu pai merecia mais. Muito mais do que farei agora, mas bom, velho… É de coração.
Para meu pai, seu Mauro, dedico esta crônica. Para a poesia, dedico à lágrima que me escorre a barba agora. Para a várzea, meu agradecimento sempre.
Obrigado, querida…
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