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MENOS, CLAUDINHO

por Zé Roberto Padilha


Você não sabe, menino, o tamanho do vazio que a camisa 10, e seus protagonistas, deixaram no imaginário da gente.

No auge do futebol-arte, nas décadas em que o mundo se colocava aos nossos pés, só tinha direito de vestir a camisa com o mesmo número de sua majestade quem era diferenciado.

Goleiros defendiam, zagueiros marcavam, o cabeça de área protegia, pontas abriam e os centroavantes definiam. Era sempre assim.

Mas quando a bola alcançava os pés do Zico, do Eduzinho, Falcão, Ademir da Guia, Roberto Rivelino, Tostão, até alcançar Ronaldinho Gaúcho, a magia surgia daquela vestimenta sagrada.

Tiravam da cartola uma cavadinha, um elástico, uma caneta, uma paradinha na cobrança do pênalti e até bicicletas. Eles garantiam as nossas gratificações porque atraiam às bilheterias milhares de torcedores.

Bons jogadores como eu, Mario Marques, Arthurzinho, Paulinho, até o Zinho, que éramos 11 ou 8, só tínhamos direito a colocar a 10 nas equipes que defenderíamos no final da carreira.

De repente, em meio à escassez, que possibilitou aos repatriados Diego, Hernandez e Nenê voltarem a vesti-la, quando desembarcaram de volta sonhando com a 8 ou 16, surge no Bragantino uma revelação.

E todos nós, as viúvas saudosas, viramos nosso olhar ansioso para vê-lo jogar. Contra o Fluminense, ajeitamos a poltrona, colocamos vinho na taça e nos preparamos para apreciar sua genialidade.

Na minha opinião, você merecia era uma coça. Se seu treinador fosse cascudo, não um inseguro Barbieri, você nem voltaria para o segundo tempo. Enquanto seus companheiros se matavam, você dava uma letra e errava. E mesmo não acertando nenhuma, dava outra letra e errava.

E aos 43 do segundo tempo, em meio a busca desesperada do Fluminense pelo empate, fez outra gracinha no meio campo, roubaram sua bola e igualaram a partida dentro de sua casa.

Menos, Claudinho, filigranas inúteis e mais jogadas talentosas eficientes à frente. E respeito pela entrega dos seus companheiros.

Palavras de quem torce para que você jogue tudo o que disseram. Palavras de quem jogou ao lado do Gerson, do Zico e do Rivelino e aprendeu de perto uma máxima:

A arte é tão simples quanto sublime. Mas a ela só terão acesso os humildes.

MARACANÃ, 71 ANOS

por Paulo-Roberto Andel


A primeira cena que me lembro de estar no Maracanã foi em 1974. Era o fim do jogo, à noite e olhei fixamente para o antigo placar em 0 x 0. Não lembro do jogo, mas muito provavelmente era o meu Fluminense contra alguém.

Pelas décadas seguintes, ele foi minha casa, meu pedaço de felicidade, minha sensação de cidadania. Eu acreditava num Brasil feito o Maracanã, onde o pobre e o rico podiam se abraçar para comemorar um golaço.

Vi alguns de seus maiores jogos, na verdade muitos. Vários com bem mais do que 100 mil pessoas. O Maracanã já foi o lugar onde o povo carioca se encontrava.

É claro que quando você vai a centenas de jogos, verá seu time ganhar e perder muito. O futebol é assim. Eu ainda via os times dos outros: quando descobri que a geral era baratinha, tripliquei o número de jogos no estádio. America e Bangu? Eu estava lá.

Depois de 2010, tudo mudou. Colocaram um outro estádio no lugar do Maracanã, gourmet, para selfies e deslumbrados em busca de fama. Só que você não frequenta uma casa por quarenta anos à toa, e a força daquele lugar é tão grande que nem os inimigos do chamado “futebol moderno” resistem.

Nos últimos tempos, só as ornamentações cabem na arquibancada. Vivemos tempos de guerra com a pandemia. O Maracanã virou uma sessão de TV, quando ela transmite. Mas ainda há o que procurar em meio aos escombros retrofitados da história.

Como se fosse num sebo, procuramos velhos craques, histórias inesquecíveis, bordões de rádio, vozes impressionantes e bandeiras, fogos, pó de arroz, papel higiênico, sinalizadores. Procuramos jogos de meio século que parecem ter sido ontem. Procuramos heróis permanentes e anônimos, restinhos de glória, apoteoses da pequenina felicidade.

O Maracanã das preliminares, da rodada dupla, do eco nos alto-falantes com Victorio Gutemberg dizendo “SU-DERJ IN-FORMA”. Dos gols apoteóticos, dos títulos imortais, do drama e da morte, mas também da vida.

Tomara que um dia o Maracanã volte de verdade. Para muitos de nós, ricos ou pobres, brancos ou pretos, gordos ou magros, velhos e jovens, ele foi o grande rio que passou em nossas vidas. O Rio.

@pauloandel

VIVA A HOLANDA

:::::::: por Paulo Cezar Caju :::::::


A crise é mundial e afirmo isso após assistir alguns jogos da Eurocopa. Falo com tristeza, afinal é na Europa que meu controle remoto vem estacionando há alguns anos, uma forma de fugir da mediocridade em que se transformou o futebol brasileiro. Mas a notícia não é 100% ruim porque as minhas seleções favoritas, Holanda e Bélgica, continuam me agradando muito. Treinada por De Boer, a Holanda, ao contrário do Brasil, nunca abandonou sua essência mesmo após não se classificar para uma Copa do Mundo. Sou fã de Rinus Michels, que criou essa forma de jogar, chamada por muitos de “Futebol total”.

Na verdade, eu deveria ter trauma dessa seleção holandesa, de 74, pois nessa Copa do Mundo perdi um gol contra eles que poderia ter mudado nosso destino. Mas perdemos para um grande time, como Rensenbrink, Neeskens e o genial Cruyff, sucessor de Rinus. Na Euro, de 1988, Rinus foi eleito pela FIFA como o melhor treinador do mundo e brindado com o título comandando um grupo espetacular, com Rijkaard, Van Basten E Gullit. Seguirei torcendo por eles e pela Bélgica. Também acredito na Itália de Mancini, bem mais leve e ofensiva, na França de Didier Deschamps e tenho que parabenizar a Ucrânia de Shevchenko, mas a Inglaterra me decepcionou.

Mas, na verdade, o grande show que a Eurocopa vem dando é na educação e civilidade. Não se ouvem gritos da área técnica, xingamento aos árbitros, simulações e violência em campo. No Brasil, a ausência de público expôs a qualidade das comissões técnicas, uma vergonha. No fim da partida entre Vasco x Brasil, os técnicos quase saem no tapa. Mas alguém vai dizer que na Segundona só se salvam os bons de briga, os que não se intimidam. Também falam isso da Libertadores. E é por conta dessa filosofia que nos afundamos cada vez mais. Tem que vencer o que jogar mais bola!

Sobre a seleção, sem comentários, ruim de doer, mas a mídia prefere dizer que Tite segue com 100% de aproveitamento, como se isso fosse um feito extraordinário, nenhuma crítica, só afagos. Pelo menos os times do Nordeste seguem bem na Copa do Brasil e no Brasileirão. Se o campeonato terminasse hoje o Fortaleza seria o campeão! Tenho sonhado com um time do Nordeste vencendo o Brasileiro e um africano levando a Copa do Mundo. Acorda, PC!!! Pior que acordei e dei de cara com Palmeiras x Corinthians. Santos x Juventude também foi de doer e não vou nem comentar de Cruzeiro x Goiás…meu Deus, onde está esse maldito controle remoto? Por falar em comentar, tive que ouvir um dos “analistas” dizer que a Holanda tinha perdido a intensidade, mas seguia tentando fazer a leitura do jogo, entrando pela diagonal. Deixa pra lá!!

PRA QUE COPA AMÉRICA?

por Marcelo Mendez e Paulo Escobar


Canto Torto 1

A América do Sul nunca foi longe demais pra mim.

Os amigos do Pai, os livros, as músicas e nossa puta vida de sofrimentos mútuos. Mas desde sempre, Sudaca. No futebol tambem foi assim.

A minha mais tenra lembrança de nossos embates vai para 1979. O Brasil foi a Assunção pra enfrentar o Paraguai naquela que ficou conhecida como “A Batalha do Chaco”. O Paraguai, liderado por Romerito, Nuñes, Cabañas enfrentaria nosso time precisando vencer pra seguir na Copa América. 

Outros tempos.

Ligado na tv, naqueles tempos, em transmissões internacionais, antes dos times, a gente torcia para o sinal de tv. Fazer uma transmissão do Paraguai para o Brasil era uma aventura. Às vezes o sinal vinha, às vezes chegava atrasado, às vezes não vinha! Naquela noite, em preto e branco, veio. O ótimo time Paraguaio nos venceu por 2×1. Eu tinha 9 anos.

Vendo a festa do povo Paraguaio não fiquei triste. Vi muito. Poderia falar de dezenas de confrontos épicos dessa competição que sempre foi ignorada por aqui. Poderia falar de Mar del Plata 1987 na noite que o Chile de Letellier, Basay e Pato Yanez nos meteu um 4×0. Ou da amassada que o Brasil deu na Argentina em 1989 com Maradona e tudo. Mas não…

O assunto agora é outro, porque tem que ser outro. Porque somos a América do Sul e aqui, as coisas da nossa puta vida se dão dessa forma, donde a normatividade muitas vezes não explica as coisas. Ou talvez eu não saiba explicar, não sei. Dessa parte em diante vem a outra ponta da Sul América pra falar pra vocês. Para cantar a PaloSeco, o canto torto do velho poeta que por aqui passou, então fiquem atentos: 

O canto torto pode cortar a carne de voces…

Canto Torto 2

Como dizia Eduardo Galeano, que talvez sempre escreveu tão bem quem somos como latinos, que o europeu nos olha e não consegue nos entender. Por conta de nossa diversidade, pluralidade, intensidade e como sabemos nos levantar e sobreviver a tanta desgraça que nos assola.

O futebol não pode ser desligado do meio que o cerca, não pode ser indiferente, ou alheio ao que acontece. Essa bolha que muitos jogadores vivem ou essa amnésia que sofrem muitos depois de saírem dos meios onde cresceram, não pode ser parte do cotidiano do esporte.

O país beira as 500 mil mortes, sim o meio milhão de pessoas que morreram vitimas da covid no último ano e meio quase. O futebol não é serviço essencial e mesmo assim a bola não parou.

E uma Copa América não é necessária, não é importante, e não pode ser um espetáculo que busca acobertar o genocídio patrocinado pelo presidente. Mas é isso que vemos de novo, o futebol a serviço do acobertamento político, não é fato novo na América Latina, vide o serviço prestado pelo futebol em ditaduras.

A seleção brasileira perdeu a chance histórica de se colocar do lado do seu povo, de tomar posição diante das mortes e misérias que vivemos. E não é somente o assediador do presidente da CBF o problema, mas a estrutura política e do futebol como um todo.

Jogadores perderam mais uma vez a oportunidade de saírem da alienação, e talvez com sua posição colocar em xeque a estrutura do futebol brasileiro. Mas não podíamos esperar algo diferente, de pessoas que acham que futebol e política não se misturam, sendo que a posição indiferente e de covardia que tiveram foi política também.

A Copa América que foi já tão esperada por nós em tempos anteriores, hoje é motivo de desgosto, não deveria de ter acontecido, não há necessidade dela neste momento. O futebol não pode desfilar encima dos corpos daqueles que se foram, e não pode achar que está acima da sociedade e suas questões. 

Quantos corpos ainda terão que ser enterrados para que alguns se indignem ou se revoltem com a situação? Quantos ainda veremos partir para que estes jogadores pensem e sejam mais humanos e menos produtos? Como querem a simpatia de um povo que não representam? 

Esta Copa América será lembrada por ter sido jogada em um país onde as 500 mil mortes estarão sendo uma realidade enquanto a bola rola, sem vacinas para todos, sem um auxílio digno, e onde os jogadores serão os palhaços do circo político montado por um presidente que despreza a vida.

SÓCRATES, O MAGRO DA BOLA

por Serginho 5Bocas


Brasileiro até no nome, Sócrates nasceu em 1954 e faleceu em 2011. Deixou para seus fãs, neste curto período de vida, uma enorme saudade e um imenso legado, construído com gols, passes, jogadas de calcanhar, muita inteligência dentro e fora dos gramados, entre outras virtudes desta figura imortal do futebol brasileiro.

Sócrates foi, sem dúvida nenhuma, um dos mais genuínos exemplos de que o futebol é um dos únicos esportes que não se exige um biótipo único e definitivo para se sobressair, lugar comum na maioria das outras modalidades esportivas. Magríssimo e com pés pequenos, ainda assim conseguia sobressair em um esporte de forte contato físico, com toques de primeira, dribles, gols e muita inteligência. 

Começou a carreira em Ribeirão Preto, no Botafogo local, onde muito jovem e escondido de seu pai, já exibia toda a sua arte, apesar de seu físico impensável para a pratica do futebol e das aulas da faculdade de medicina, que quase sempre impediam que ele pudesse conciliar com os treinos e os jogos do campeonato.

Logo cedo ganhou a alcunha de doutor, uma alusão a um misto de sua escolha em estudar a faculdade de medicina somada a sua ótima técnica e habilidade num campo de futebol que o distinguia dos seus companheiros. No Botafogo de Ribeirão Preto, foi monstro, dando inúmeras assistências ao grande parceiro Geraldão, que foi o artilheiro na campanha do Paulista de 1974, e sendo ele próprio o artilheiro do Campeonato Paulista de 1976. Também foi campeão do primeiro turno do Paulista de 1977, mesmo treinando pouco, mas sempre jogando muito, era como se ele fosse um motor de Ferrari num fusquinha, tal a sua extrema qualidade para um clube tão modesto. 


Jogou muita bola no Corinthians, onde foi um dos maiores ídolos e viveu sua melhor fase, conquistando três títulos paulistas. Também jogou na Fiorentina, no Flamengo, no Santos e na seleção brasileira, confirmando o que se esperava dele. Fez história com a camisa amarela pela sua inteligência dentro de campo e pela liderança que o tornou capitão da fantástica seleção brasileira da Copa de 1982. 

Não foi “só” isso que o Magrão fez, ele reinventou a jogada de calcanhar no futebol. Nunca antes, nem depois alguém foi capaz de reproduzir com tanta maestria esta jogada. De calcanhar, ele deu passes maravilhosos e inesperados, fez gols e deixou sua marca indelével.

O treinador Claudio Coutinho não quis saber dele em 1978, mas voltou atrás nas convocações de 1979 e logo viu o tamanho da burrada de não tê-lo levado. Com a sequência de jogos com a amarelinha, perceberam que tinha muita qualidade para jogar “parado” como centroavante, tinha talento demais reprimido para entregar no campo todo e foi deslocado para a parte cerebral da cancha, o meio dd campo. Sábia decisão, pois assim foi possível usufruir de todo o talento daquele fenômeno.


Impossível esquecer seu gol de empate contra a U.R.S.S. na estreia do Brasil na Copa do Mundo de 1982, ou ainda do primeiro gol do Brasil contra a Itália naquela fatídica partida desta mesma Copa, que nos eliminou tragicamente. Vale ressaltar a frieza e a categoria para escolher o canto entre Zoff e a trave, tendo a capacidade de bater na bola sem dar a mínima chance de defesa para o goleiro italiano.

No entanto e apesar de toda a bola que ele jogava, deixou uma lacuna em sua carreira que foi não ter conseguido se sagrar campeão do mundo, seguindo os passos de sua geração.

Talvez os mais jovens, ao assistirem os jogos reprisados daquela época, imaginem que ele era fácil de ser marcado em razão de seu frágil físico e de sua pouca velocidade. Ocorre que ele compensava essas deficiências usando a inteligência que lhe era peculiar, tocando a bola de primeira, evitando choques com zagueiros mais fortes, chutando e cabeceando com extrema categoria e qualidade, antevendo as jogadas.

Digo e repito sem sombra de dúvidas que, apesar de não cuidar do corpo, de abusar do cigarro e da bebida, foi um dos maiores jogadores brasileiros (e mundiais) de todos os tempos, pois na sua época, muita gente boa não teve a menor chance de jogar na seleção, pelo simples fato de que havia um Doutor dono daquela camisa oito amarela. 

Quantas saudades do Magrão, fique com a luz de Deus meu ídolo. 

 

 

Um forte abraço

Serginho5bocas