RENOVAÇÃO JÁ
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
A convocação de Daniel Alves pode ter sido considerada justa aos chamados analistas de futebol, mas para mim ela é danosa e retrata com precisão a dificuldade, ou a falta de ousadia, em renovar esse grupo para lá de desgastado. Não vou nem falar em Thiago Silva, Gabriel Jesus, Firmino, Casemiro e Fernandinho, mas da filosofia que vem sendo usada. Essa seria uma oportunidade fantástica de investirmos em outros nomes, dar uma arejada nessa rodinha de amigos. Porque fico pensando se o Daniel Alves foi chamado novamente pela qualidade de seu futebol ou por pressão dos ‘’parças”.
Se classificar para a Copa do Mundo é a missão mais fácil da vida de um treinador. Mesmo fazendo muita bobagem os adversários são fraquíssimos e nos ajudarão a cumprir essa tarefa. O Lucas Veríssimo, do Benfica, foi a única novidade, um absurdo. É muito pouco. Se insistirmos nessa mesmice continuaremos andando para trás, sendo ridicularizados. Mas, quem levar, PC? Qualquer um que realmente sinta orgulho de vestir a amarelinha porque a verdade verdadeira é que os jogadores que atuam na Europa não fazem mais essa questão. Preferem uma Liga dos Campeões e competições regionais.
A falta de ousadia, pressão de empresários e meninos robotizados na base são ingredientes de nossa receita de insucesso. Recebi uma mensagem de Marcelo Carrara que reflete bem isso. O filho dele, de 10 anos, desistiu dos treinamentos por pressão do treinador da escolinha. Vários outros, de sete, também. Nessa idade, a garotada precisa ser totalmente livre, desenvolver suas qualidades, ser feliz. Aplicar fundamentos nessa fase é quase um crime contra o futebol-arte. No mais, quero agradecer a bela mensagem de Marcelo Fernandes, que me enviou a minha foto com Kubala, Puskás e Di Stéfano, um dos momentos maravilhosos de minha carreira.
O futebol pode ser maravilhoso, temos potencial para isso, mas não funcionamos com rédeas. Nos livrem dessas amarras e entenderão o que digo. Por fim, fico imaginando os geraldinos do antigo Maracanã, com ouvidos colados no radinho de pilha, escutando os comentaristas atuais: “O zagueiro zerou a bola, o ala amaciou, entrou por dentro, saiu por fora, fez a ligação direta e o atacante chapou a cara ou a orelha da bola em direção à bochecha da rede”. Teria cabimento um negócio desse?
RILDO, VOCÊ VENCEU
por André Felipe de Lima
Rildo era um camarada que não se entristecia ao deixar o gramado derrotado. Isso até acontecia, mas não era o normal. Verdadeira raridade. Foi o ex-lateral canhoto, na maioria das vezes, um vencedor nas pelejas que disputou, especialmente as pelo Botafogo e pelo Santos, duas máquinas de jogar bola que contaram com Rildo firme e forte em seus poderosos esquadrões dos anos de 1960. Caso perdesse o jogo, tudo bem. Rildo chegava à sua casa e procurava assistir a um filme de comédia. “Vida que seguia”, como sempre ouvira de João Saldanha. No vestiário, nunca teve medo de banho frio. Foi, realmente, um destemido. Mas aprendeu com Nilton Santos, como ele uma vez contou à Revista de Esporte, a tomar banho morno. Imagine, tomar sempre banho frio, ora! Osabonete era Phebo, o fixador de cabelos o da marca Fios de Ouro e a colônia era a Topaze, da Avon. Em cinco minutos ele estava arrumado para regressar ao lar. Ah, Rildo como você fará falta; como você curtia crianças. Quando jogava, elas o procuravam incansavelmente e felicíssimas para um autógrafo. Ele nunca deixou de atendê-las. Os sobrinhos Raimundinho e Robertinho, filhos de dona Lindináurea, que morava em Bonsucesso, que o diga. Rildo adorava os dois garotos. Cara bacana era esse tal de Rildo. Todos gostavam do seu jeitão expansivo. Não faltavam amigos na sua lista telefônica e, claro, no seu generoso coração. O “Esquilo”, apelido que recebeu pela sua constante movimentação e alegria nas partidas, jogava limpo dentro e fora de campo. Um cracaço de alma iluminada. Gostava muito do pai, o seu Antonio da Costa Menezes, com quem pescava quando era menino, e da mamãe dona Maria Judite. Sempre que podia, mandava um dinheirinho para ajudá-los. Foi assim, sem entremeios, ao longo carreira campeã, que teve o amado irmão Beroaldo como uma espécie de guia. No comecinho dela, aliás, dividia com os amigos Edson e Nagel um pequeno apartamento de dois quartos em Copacabana. Nunca reclamou do aperto. Aprendeu a superar dificuldades desde pequeno, em Recife, onde nasceu, e sob a extremosa proteção de Nossa Senhora das Graças, sua Mãezinha do Céu que, neste exato momento, deve estar abraçando o nosso querido ídolo Rildo. Vá com Deus, nosso craque. Rildo, você não morreu. Você venceu!
ELE VIU O CÉU
por Rubens Lemos
A geração do bicampeonato mundial de 1958 e 1962 pedia reformulação para o efusivo tricampeonato que parecia ganho sem que houvesse a necessidade de Copa do Mundo. Em 1966, o vexame.
A CBD organizou em 1963 uma excursão para o exterior. Daquelas lembradas por tabelas de conveniência, marcação e remarcação de jogos, escolhas de seleções tidas como barbadas sem um argumento que justificasse o otimismo soberbo.
Seriam nove partidas pela Europa e o Oriente Médio. Aimoré Moreira, comandante do bicampeonato, ajustava peças pontuais. No lugar de Didi, o Mister Futebol, entrou seu sucessor Gerson, futuro Canhotinha de Ouro.
A imprensa carioca ignorava o tempo e reclamava a ausência de Nilton Santos, 38 anos, a um ano do encerramento da carreira jogando de quarto-zagueiro. Os substitutos, Altair do Fluminense e Rildo, seu companheiro de defesa no Botafogo, decepcionaram.
O Brasil, com Pelé, Coutinho e Pepe e Garrincha contundido substituído por Dorval para completar o maior ataque da história de um clube no Santos, fez um papelão. Em nove jogos, perdeu quatro, ganhou quatro e empatou um.
Nada deu certo. O Brasil perdeu de 5×1 da Bélgica, que não tinha o menor prestígio, da Holanda por 1×0, quando ganhou o apelido de “Seleção Transistor”, pelos rádios dados pela Philips aos jogadores.
O prestígio foi abaixo da linha da vergonha na goleada da Itália por 3×0, quando, despeitados, os dirigentes brasileiros invadiram o vestiário da Azzurra para ofender o ítalo-brasileiro Sormani, autor do primeiro gol e chamado de traidor. Atuando no Brasil, Sormani jamais fora selecionado.
Houve o episódio do acidente de carro com Pelé que o tirou do empate em 1×1 com a Inglaterra, fazendo a torcida xingar o Rei 90 minutos. Pelé nunca jogou no mitológico Estádio de Wembley.
Cheia de sinais paranormais, a maldita excursão começou em Lisboa, patrícios loucos para vingar a derrota e a humilhação do Santos no mundial de 1962, os 6×2 da decisão e do baile no maior jogo da história de futebol entre times.
Eusébio fez o gol da vitória de 1×0 de Portugal numa falha de marcação do zagueiro Cláudio, do Internacional. Pelé estava naqueles dias de interruptor desligado e o goleiro adversário era o maior da história lusitana: Costa Pereira.
Português é mote de piada desde o Bispo Sardinha devorado por índios no descobrimento do Brasil. Costa Pereira andava pelo centro de Lisboa quando uma criança se desequilibra e cai da janela do prédio. Pânico encerrado no voo do “guarda-valas” formidável que segura o garoto e o encaixa junto ao peito.
Aplaudido efusivamente, Costa Pereira se empolga, quica o menino na calçada e, com ele no lugar da “esférica”, cobra o tiro de meta. O menino sobrevive para dar o arremate positivo à lenda.
Não interessa a derrota ou a péssima excursão brasileira. O que valeu a viagem foi esta foto: Pelé, sobre-humano, quase põe a cintura colada ao pescoço de Costa Pereira, numa obra de arte assombrosa.
Aos que se espantam, com razão, na cabeçada implacável do primeiro gol da Itália em 1970, quando ganha do gigante Fachetti, o lance com Costa Pereira é mais extraordinário. É espiritualista.
Pelé, no impulso, ultrapassa o goleiro a tempo de dar uma olhadinha ao céu, cumprimentar a Deus, seu inventor, alguns amigos mortos antes e descer ao universo dos comuns. Não duvide.
Preste atenção. Pelé cabeceou e fez uma visita ao paraíso. Voltou, pela graça de Nossa Senhora do Improvável. E as bênçãos do Pai Eterno. Só Pelé sobrevoou o além sem estar morto. Passeou, não ficou.
NOSSO ÚLTIMO HERÓI
por Zé Roberto Padilha
Primeiro, eles vieram nas revistas infantis. Fantasma, Mandrake e Tarzan povoavam nosso imaginário nos transportando para incríveis aventuras em que salvavam as pessoas do perigo.
O inimigo poderia ser um leão, um jacaré ou uma tribo de canibais, que atacavam aldeias e vilarejos inocentes mas que, no final, nas últimas páginas, nosso herói os vencia.
E você ia dormir levando junto o precioso senso de justiça. Eram nossos primeiros tribunos, arbitros, juízes a colocar, a seu jeito, ordem na sociedade.
Veio a televisão e trouxe o National Kid, o cinema, Super Homem, e nossos sonhos passaram a voar na velocidade da luz.
E tinha a Louis Lane, todos tinham uma Jane, uma Diana Palmer, tão lindas, para se jogar nos braços após cada conquista.
Mais tarde, já no colégio, descobrimos que para ter uma deusa daquelas, e ser carregado nos braços de um grupo agradecido, só praticando um esporte. Ser campeão, fazer o gol do título, e depois ter direito a levar pra tomar um sorvete na pracinha a sua fã mais bonitinha.
Com o tempo, perdemos nossos maiores ídolos do esporte. Guga parou, Senna se foi, João do Pulo não pulou mais, Oscar cansou e Eder Jofre parou na hora certa. Como Pelé, Zico e Garrincha.
Hoje, pelo menos para nós, tricolores, temos um herói em cena. Ao vivo, em cores, de verdade. Um daqueles últimos que fazem com que você acorde num sábado sonhando em superar um adversário mais forte do que você.
Bicampeão brasileiro, quatro jogadores convocados para a seleção brasileira, um grupo unido e afinado, só seus superpoderes dentro da grande área para nosso time se superar e bater de frente com a poderosa equipe do Flamengo.
Heróis são mesmo assim. Como o Fred. Raros, cativantes, humildes e matadores.
Estão sempre bem colocados para dominar uma bola no meio de uma zaga, favorita que seja, colocá-la mansamente no fundo das redes para manter aceso, gols após gols, o orgulho da nossa tricolorida paixão.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ADÍLIO
Desde os seis anos ele já fazia travessuras com seus rápidos pés. Adílio pulava os muros da Gávea para assistir os treinos para admirar seus ídolos, Carlinhos (1937-2015), que dominava a bola como um som afinado de um violino, a forma elegante de admirar e ouvir o som da batida de trivela de Nelsinho, ídolos do Flamengo na década de 1960.
Dos cacos após ser órfão de pai, o padeiro Sebastião Peixoto, mineiro de Três Corações, que morrera – vejam vocês! – com problemas no coração quando o eterno camisa 8 da Gávea, o “Neguinho da Cruzada” ainda era criança, no início da década de 1960.
A vida castigava e por mais que parecesse ser irresponsável foi com a morte de sua mãe, dona Alaíde, na metade da década de 1970, que o pequeno Adílio vestiu a camisa do “Responsabilidade Vida Clube” e passou a cuidar de Alexandre, Ivã e Sebastião, três irmãos mais novos, filhos do segundo casamento de sua progenitora. Adílio trocava fraldas, fazia mamadeira e passeava com extrema dificuldade no campo da vida desempenhando duas funções com maestria, sendo ao mesmo tempo “pãe” (pai e mãe) ainda jovem. Convenhamos, muito jovem! Ademais, as dificuldades nunca o abalaram a ponto de se desdobrar e dividir-se entre os afazeres domésticos e os treinos no Sete de Setembro e mais adiante no Royal, times de praia do Leblon. Foi ganhando corpo, alma, espírito, força e explosão. E com a divina trindade enraízada às veias dos braços negros corria um sangue que se tornara de forma precoce Rubro-Negra.
Chamado de ‘Pelezinho’ da Favela Praia do Pinto, travou duelos memoráveis com Júlio César ‘Uri Geller’ da Comunidade Cruzada de São Sebastião, para saber quem era mais bola. A bola, lógico, agradeceu por ser alvo da cobiça dos dois garotos que se transformariam em homens antes dos ídolos que foram. Mas ainda meninos, certa vez, chegaram no dente de leite do Flamengo e queriam usar a camisa 10 que passou a ser vestida por Julinho – chamado de forma carinhosa até hoje por Adílio – o ponteiro que entortava os laterais.
Biquinho de um, cara feia do outro, a intenção era resolver a parada no braço, mas os pés de ambos eram talentosos demais para fazê-los brigar e separá-los. Habilidoso, Brown – chamado carinhosamente por Júlio César ‘Uri Geller’, até hoje, como forma de homenagear Adílio, que sempre foi fã de James Brown (1933-2006) – virou o maior 8 do clube enquanto os dribles tornaram o outro um 11 inesquecível nas mentes e corações rubro-negros. Adílio, quando avançava em velocidade pela lateral do campo, geraldinos não viam seus pés. Apenas vultos de uma chuteira preta que escangalhou muitas defesas. Além da habilidade, tinha um pulmão invejável.
Na Seleção Brasileira teve poucas chances e foi preterido por Telê Santana em 1982, mas no clube, ganhou títulos, foi reverenciado, endeusado e cravou o nome na história do Flamengo rodando o Brasil e o mundo. Em novembro de 1988, quis evidenciar o ditado popular “o bom filho a casa torna”, mas o então técnico Telê Santana, o mesmo que o preteriu para a Copa de 1982, na Espanha, vetou sua contratação. Esteve no Alto da Glória para defender o Coritiba, mas a experiência na cidade modelo do país não foi das melhores. Sua saída do Flamengo, em 1987, foi um mistério.
Acabou jogando em times modestos do interior do Brasil, como o Itumbiara de Goiás em 1991, e no exterior, o Alianza de Lima, nas temporadas de 1991/92, que o contratou após um amistoso do Itumbiara contra o clube peruano, em Lima. Teve em Guayaquil para jogar no Barcelona, em 1989 e 1990.
Passou sendo pouco notado no Santos, do Espírito Santo, em 1991, América, de Três Rios em 1992, Avaí em 1993, Friburguense em 1994, onde conquistou o campeonato carioca da segunda divisão. Vestiu também as camisas do Bacabal, do Maranhão, Serrano, da Bahia, pelo qual conquistou o Campeonato Baiano da segunda divisão, Barreira, time do interior do estado do Rio, Barra Mansa, todos em 1995, e, por fim, tevê fôlego para se aventurar no Borussia Fuld, da Alemanha, no ano seguinte.
Terminada a epopéia nos gramados, foi para o banco orientar às novas gerações. Teve uma escolinha de futebol no campo de terra batida localizado na saída do Túnel Rebouças, na Lagoa Rodrigues de Freitas, Zona Sul do Rio. Finalmente o Flamengo resgatou-o e como técnico das divisões de base do clube que o revelou ídolo, sagrou-se bicampeão juvenil.
Com Zico, no CFZ, reeditou uma parceria desta vez fora das quatro linhas num período de cinco anos e treinou o Bahain, da Arábia Saudita. Assumiu, em 2005, o comando do time dos profissionais do Flamengo em algumas partidas, dividindo a tarefa com o ex-companheiro de meio-campo, Andrade.
Em maio do ano passado, o craque deu um susto na Nação Rubro-Negra e esteve internado em um hospital na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, com um quadro de gastroenterite e desidratação, mas aquela força dentro de campo também foi mostrada no quarto do hotel.
Nosso entrevistado para o Vozes da Bola é Adílio, que neste sábado (15) completa 65 anos. Um jogador memorável para qualquer flamenguista. Que mostrava-se presente nos momentos das grandes decisões sempre deixando seus gols, suor e muita luta pelo Flamengo.
Texto: Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Queria que nos contasse como foi o seu início de carreira?
Todo início em qualquer profissão é obscuro, né? E o meu começo não foi diferente. Particularmente, não sabia o que o futebol me daria, mas fiz minha parte me dedicando e me aperfeiçoando. O fato de ter jogado nas ruas, no futebol de salão, e na praia, me ajudou e muito para dar essa valência à minha carreira no campo. Agora o resto é a história de todo menino pobre de comunidade que chega num grande clube com o sonho de se tornar um jogador de sucesso e vencer.
E a história dos confrontos com Uri Geller, no qual você defendia a Comunidade da Cruzada de São Sebastião, e ele, a Favela Praia do Pinto. Afinal de contas, quem era o craque do pedaço?
A oportunidade de sermos jogadores de futebol fortaleceu a nossa amizade, onde não houve confronto, não teve perdedor e sim dois moleques que saíram de comunidades cariocas e realizaram o sonho de se transformar em jogadores de futebol. Nosso destino é uma coisa forte desde a ida para o Flamengo, onde aquela nossa guerrinha de criança nos confrontos entre a Comunidade da Cruzada e a Favela do Pinto, para ver quem era o melhor e coisa e tal. Mas depois disso nossa amizade se tornou uma coisa bonita e até hoje somos amigos. O legal disso tudo foi que soubemos levar nossos confrontos nas peladas de rua para o Flamengo e usamos nossa ginga e nossos dribles, aquelas coisas de criança para nossa vida de jogador profissional que nos tornaríamos. O elástico eu não sei quem inventou mas sei que foi o Uri Geller que deu esse drible e eu vi pela primeira vez. Então foi muito bom essa rixa que nos levou longe até o nosso clube de coração.
Dizem que você foi revelado por Dominguinhos, ex-atacante do Flamengo, na Usina de Talentos, na Comunidade da Cruzada de São Sebastião, no Rio, entre Ipanema e Leblon, onde sairam craques como Rui Rei, Antunes, Ernani, Júlio César Uri Geller e Paulinho Pereira. Como foi essa história?
Verdade. Ali era uma fábrica que produzia muitos talentos e depois disso veio a escola do ‘seu’ Dominguinhos. A gente, na Cruzada, formava um time e saía por aí para jogar. Mas o legal disso tudo era que cada garoto tinha um sonho de treinar com ‘seu’ Dominguinhos. Era a possibilidade desse sonho se tornar realidade. Vale revelar que o ‘seu’ Dominguinhos era marido da minha tia Cleide, e a gente tinha muita amizade, muito carinho um pelo outro. Conversávamos muito sempre atento aos bons conselhos que ele me dava.
Criado no Flamengo, clube que defendeu por grande parte de sua carreira, você atuou ao lado de Andrade e Zico, formando um dos melhores meio-campos da história rubro-negra. O que tem a dizer sobre isso?
Ah, foi maravilhoso jogar com eles. E vale salientar, apenas por curiosidade, a vogal A de Andrade, Adílio e Arthur, nem precisa dizer se deu “liga”, né (risos)? Foi tudo perfeito, maior sucesso, e os três “As” foram maravilhosos dentro de campo e honraram e muito o manto rubro-negro. Precisa dizer mais alguma coisa? Sabemos da nossa importância na história do clube. Conquistamos os maiores títulos. E, graças a Deus, somos amigos até hoje.
Apesar do grande jogador que você foi, porque apenas duas atuações pela Seleção Brasileira? Uma em um jogo não oficial contra a seleção baiana, em 1979, e a outra em 1982, quando você deu um lindo passe para Júnior fazer o gol da vitória brasileira sobre a Alemanha, partida disputada no Maracanã.
Porque faltou o principal: oportunidade! O ser humano precisa de oportunidade na vida e quando ela chega tem que estar pronto. Eu sempre estive preparado para a oportunidade, mas só joguei duas vezes na Seleção Brasileira, infelizmente. O ano de 1981, eu estava muito bem, e o Flamengo sendo campeão do mundo. Mas se eu merecia ter mais oportunidades no campo defendendo o Brasil e não tive, de coração, não posso reclamar. Apenas lamentar. Mas no futebol de salão, como era chamado na época, fui convocado para disputar o Mundial na Holanda e lembro que o meu treinador era o ‘seu’ Rui, que foi diretor do Bradesco. Lembro que estava jogando lá no Equador e quando surgiu a oportunidade de jogar e defender as cores do Brasil, fiz bonito e fui campeão do mundo de futebol de salão. E como disse, é questão de oportunidade, o mundo é feito de oportunidades. Deram-me a oportunidade de disputar essa competição, fui lá e mostrei meu valor ao lado dos meus companheiros.
O Flamengo conquistou suas maiores glórias com você em campo. Na sua opinião, vai surgir um outro Flamengo tão vitorioso como esse em que você jogou?
Nada é eterno. Fizemos história e o atual time do Flamengo também está escrevendo a sua na página no livro rubro-negro. Esperamos que eles conquistem tudo, pois quem ganham são o clube e torcedores.
Sorte sua ou das divisões de base do Flamengo não ter sido eleito para o cargo de deputado estadual nas eleições de 2010?
Falar de política é complicado, mas acho que foi sorte do Flamengo o fato de não ter sido eleito deputado estadual em 2010. Me deu mais vontade de trabalhar pelo clube, na base, e foi muito importante essa experiência.
Você deu uma entrevista à Agência Efe, em 2019, e nela contou detalhes da decisão do Mundial Interclubes contra o Liverpool. Aquele time de 1981 era movido as provocações ou era natural jogar bem e encantar?
Acho que foram os dois fatores. Fomos provocados, mas era normal a gente jogar bem. Eles eram mais fortes e mais altos e começaram a rir entre eles, achando que iriam nos ganhar. Aquilo nos motivou mais, sem dúvidas. Mas o Flamengo teve uma das maiores atuações de um representante sul-americano contra um adversário europeu na história do futebol, anotando três gols em um tempo, dois de Nunes e um meu, que sacramentaram a vitória por 3 a 0, no Estádio Nacional de Tóquio. Conseguimos mostrar para eles que, quando se trata de futebol, e quando a bola rola, tudo pode mudar. Ainda guardo as memórias daquele jogo como Zico superando toda a zaga com um passe enfiado para Nunes que conseguiu marcar o primeiro gol. O meu após uma falta cobrada da intermediária pelo Zico que resultou em rebote do goleiro deles, e o chute em diagonal do Nunes para definir a vitória. Ali, os sorrisos do início da partida desapareceram, já que os detentores do título da Copa dos Campeões (atual Liga dos Campeões), não tinham mais forças para reagir e conseguir reverter o placar.
Em 2019, mais precisamente em julho, você recebeu uma bela e justa homenagem: um busto em sua homenagem, na sede da Gávea. O que representa isso na sua vida?
Não tem como mensurar o tamanho que isso representa na minha vida. É a realização de um sonho que começou no dia em que pulei o muro da Gávea para treinar escondido no clube. Aquele busto que o Sandro Rilho batalhou para homenagear por meio de seus projetos é algo que não tem preço. Lembro quando eu e o Sandro conversamos sobre a valorização do ex-atleta em vida e ele começou a fazer alguns bustos dos campeões mundiais de 1981. A gente tem muito o que agradecer a essa iniciativa e dizer muito obrigado ao Flamengo. No dia da inauguração tive a oportunidade de mostrar para minha netinha e meus filhos e ver a alegria no rosto deles. Remeteu-me ao passado quando fui aprovado e fiz parte das categorias de base do clube em 1963.
Os leitores do Vozes da Bola vão gostar de saber quem foi o seu melhor treinador?
Eu posso responder para os leitores que todos os treinadores que tive ao longo da minha carreira foram importantes. Até porque nunca fui de questionar este ou aquele treinador, e sim, ouvir e obedecer. Sempre prestei bastante atenção nos treinamentos que faziam, nos esquemas táticos que inseriam na forma de jogar da equipe, nas preleções e nas mudanças dentro de uma partida. Todos foram importantes. Mas se os leitores quiserem saber qual treinador me deixou mais à vontade em campo e soube extrair o melhor de mim, eu posso responder sem titubear que foi o capitão Cláudio Coutinho. Esse, realmente, foi diferenciado, me chamava para conversar, fazia questão de pontuar minhas qualidades e defeitos, me mostrava com embasamento onde eu seria mais útil para o Flamengo dentro de campo. Foi muito importante a convivência e a aprendizagem com ele. Lembro que ele falava sempre para mim: “Adílio, você não pode ser bom. Não se limite. Você tem que ser o melhor”. Por isso ele foi o treinador mais marcante para mim não só no Flamengo mas na minha vida de jogador de futebol.
O que o futebol representou na sua vida?
Mudança. Representou a esperança de um menino pobre que saiu de uma comunidade daqui do Rio, conquistou as coisas com muito trabalho e conheceu o mundo jogando futebol. Acho que essa oportunidade me foi dada e agarrei com as duas mãos essa profissão de jogador profissional. Então, eu soube mudar minha maneira de viver, soube valorizar cada conquista e me dediquei ao máximo para ser bom naquilo que fiz por muitos anos. Sem falar que representou e muito saber que o meu nome está escrito na história do Clube de Regatas do Flamengo.
O Vozes da Bola entrevistou Zico e Júnior e fez a seguinte pergunta para ambos: quem foi melhor: o Flamengo de 1981 ou o de 2019? Para Adílio de Oliveira Gonçalves, quem colocava mais medo nos adversários?
São épocas diferentes, mas as duas gerações foram muito boas. Acho difícil te responder qual foi a melhor, no entanto, o torcedor e o clube foram privilegiados por terem tido gerações tão ricas em material humano. Cada um marcou sua época, não podemos negar, e o mais importante: a geração de 1981 e a de 2019, vestiram a mesma camisa, que é o manto sagrado. E digo mais, os anos de 2019 e 2020 foram maravilhosos para todos os flamenguistas. Posso dizer que foram gerações de sucesso, tanto a nossa em 1981, como essa que começou em 2019. Acho que, apesar de serem gerações diferentes, as duas merecem aplausos e conseguiram conquistar o carinho de seu torcedor, o respeito dos adversários e a admiração de quem realmente gosta de futebol.
O preconceito racial toma conta do esporte com alguns casos chatos de lembrar. Você já passou por isso? Se sim, pode nos contar como foi?
Já passei por alguns episódios, mas não vale nem a pena a gente lembrar disso ou dar espaço para isso numa entrevista tão bacana como essa. Minha mãe sempre dizia: “Meu filho, seja você mesmo e não abaixe a cabeça para ninguém!”. E assim eu fiz. Nunca me importei com isso, e sempre busquei meu espaço com o fruto do suor do meu trabalho. Mas isso é chato, e se você não tiver uma cabeça boa para encarar algumas situações, o negócio complica. Mas assim, eu mostrei a minha força na hora que tinha que mostrar e era difícil alguém me colocar para baixo com esse lance de racismo. O preconceituoso é um ser humano vazio, sem sonhos, sem metas, sem respeito e não tem valor nenhum. Essa é a verdade.
Atualmente você trabalha no departamento social do clube e é o presidente de uma Associação de Ex-Atletas, a Flamaster, que realiza jogos, visita embaixadas de torcedores em várias cidades do país e participa de eventos. Uma das funções da organização é ajudar jogadores que passaram pelo Flamengo e estão em situação de fragilidade. Pode nos falar um pouco desse trabalho que você faz à frente do Flamaster?
Exatamente. Demos uma parada agora por conta da pandemia da Covid-19. Mas é um trabalho social muito bacana que é feito aqui no Flamengo. A finalidade é poder mostrar para essa garotada as gerações de grandes jogadores que vestiram a camisa do clube. E como o Flamengo é bom, em termos, de marca, marketing e divulgação, os ex-atletas estão sempre fazendo alguma coisa para o clube. E estamos sempre ajudando colegas de profissão que necessitam de algum cuidado especial, e o Hospital São Vicente de Paulo, na Tijuca, tem abraçado a causa. Tem um plano de saúde, um cirurgião dentista, o nosso querido Doutor. Lulinha, que tem cuidado do tratamento dentário dos ex-atletas quando necessário, o Doutor. Alisson, que cuida do joelho do pessoal. Enfim, esse é o propósito do FlaMaster. Sem contar, a oportunidade de reunir e jogar com tanta gente boa de bola e de gerações depois da minha como Piá, Marquinhos, Nélio, só para citar alguns.
Sua passagem no Flamengo foi entre 1975 e 1987, quando teve a oportunidade de vestir a camisa rubro-negra em 617 partidas, o que faz de você o terceiro jogador com maior número de jogos disputados pelo clube, atrás apenas de Júnior com 876 jogos e Zico com 732. Na sua opinião, o que faltou para você com o manto rubro-negro?
Sem querer ser demagogo ou prepotente, te respondo com toda certeza que não faltou absolutamente nada. Eu me sinto realizado. E motivos me sobram para isso. Por ter jogado no Flamengo, clube pelo qual sempre fui torcedor, por ter feito parte de um grupo maravilhoso de jogadores extremamente técnicos, habilidosos, vitoriosos e unidos, de conquistar os títulos mais importantes na Galeria de Troféus que estão lá Gávea e por ter o reconhecimento dos torcedores. Agradeço muito a Deus por ter sido o jogador que fui e por ter jogado neste maravilhoso clube.
E o que você tem a falar do trabalho de Rogério Ceni no Flamengo?
Eu vejo como uma grande oportunidade para a carreira dele de treinador. Eu tenho certeza que ele vai desenvolver sua metodologia de trabalho e implantar o seu conhecimento em experiências anteriores e colocá-las em prática aqui. Já fez isso no Campeonato Brasileiro, foi campeão com méritos e vai obter grandes conquistas no clube ainda. Ele vai entendendo o que é dirigir o Flamengo, já que aqui é vencer, vencer e vencer! Mas vamos torcer para que ele faça um bom trabalho no clube.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?
Falar do isolamento social é difícil e vivê-lo mais difícil ainda. Mas esse Covid-19 me fez usar a criatividade em algumas coisas quando fiquei em casa. Ajudou-me a fortalecer os meus princípios e estreitar laços com pessoas próximas e distantes ao mesmo tempo. Mas o dia a dia nessa pandemia tem me ensinado muito. Devemos tirar lições disso tudo que está acontecendo no mundo.
Defina Adílio em uma única palavra?
Se você fizer uma pesquisa, vai encontrar esses significados para o nome Adílio: nobre e fidalgo. E é assim que posso me definir.