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SOLICH X FLÁVIO COSTA

por Elso Venâncio

O Fla-Flu decisivo de 1963, época que o Campeonato Carioca se destacava como a competição mais importante do país, detém o recorde mundial de público entre clubes: 194.603 pagantes, fora os penetras de sempre. Frente e frente estavam os rivais e desafetos: Flávio Costa, comandando o Flamengo, e Fleitas Solich, no Fluminense.

Flávio nasceu em Carangola/MG. No Flamengo, se tornou um lateral raçudo, mas com pouca técnica, recebendo o apelido de “alicate” por conta dos seus carrinhos, que nem sempre visavam a bola. Já o paraguaio Solich, um meia clássico, começou no Nacional de Assunção e fez sucesso no Boca Juniors, onde foi tetracampeão argentino.”El Maestro” estreou com 18 anos na Seleção Paraguaia, tendo disputado quatro edições do Campeonato Sul-Americano, atual Copa América. Líder nato, costumava acumular as funções de jogador e técnico por onde passava.

Como treinadores, tanto Flávio Costa quanto Fleitas Solich foram tricampeões estaduais pelo Flamengo. Flávio o fez em 1942, 1943 e 1944, no primeiro tri da história rubro-negra. Solich igualou o feito em 1953, 1954 e 1955, já na era Maracanã. Reconhecido por Zagallo como seu mestre no futebol, o”Feiticeiro Paraguaio” é o segundo técnico com mais jogos à frente do Flamengo: 504. Só fica atrás do próprio Flávio Costa, com as suas 765 partidas.

Considerado um treinador linha dura, Flávio Costa foi contratado pelo Vasco para domar as feras do Expresso da Vitória. Trata-se do maior esquadrão da história cruzmaltina, até hoje um dos maiores do futebol mundial, marcando época de 1944 e 1953. Foi comandando esse timaço que Flávio conquistou o Sul-Americano de 1948, equivalente à Copa Libertadores da América. Também dirigiu a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950, deixando escapar o título mundial na histórica derrota para o Uruguai. Apesar do trauma, seguiu em atividade, alcançando o status de ter oito títulos cariocas: cinco pelo Flamengo (1939, 42, 43, 44 e 63) e três pelo Vasco (1947, 49 e 50). Como primeiro campeão do Maracanã, o Vasco teve o direito de escolher o lado da sua torcida na arquibancada. Também constam no currículo de Flávio Costa passagens por Portuguesa-RJ, Santos, São Paulo, America, Bangu, Colo-Colo (do Chile) e Porto (de Portugal). 

Fleitas Solich, por sua vez, encerrou a carreira podendo se orgulhar de ter lançado os dois maiores artilheiros do Flamengo em todos os tempos: Dida e Zico. Dirigiu a Seleção Paraguaia, na Copa de 1950 e no título sul-americano de 1953, e também a Peruana, além de ter sido cotado para comandar a Brasileira no Mundial de 1958. Entre os clubes, trabalhou em vários, incluindo Flamengo, Corinthians, Palmeiras, Fluminense, Atlético Mineiro, Bahia e Real Madrid (da Espanha). 

Na decisão do Carioca de 1962, o lendário Flávio Costa colocou Gérson para ajudar Jordan na marcação de Garrincha. Após o Flamengo perder o título para o Botafogo (do técnico Marinho Rodrigues), Flávio discutiu com Gérson, ocasionando a saída do Canhotinha de Ouro para o rival campeão.

No Fla-Flu de 1963, o Maracanã entupido de gente fazia lembrar a Copa de 1950. O Flamengo, dono da melhor campanha, chegou para o clássico com a vantagem de ser campeão com o empate. Flertou com a derrota num lance em que Escurinho, na grande área, tentou encobrir Marcial. Muitos tricolores ficaram de pé, já vibrando, mas se calaram diante da defesa do goleiro rubro-negro. Marcial ainda segurava a bola quando o árbitro Cláudio Magalhães apitou pela última vez. Melhor para o Flamengo (e também para Flávio Costa, campeão diante de Fleitas Solich).

ERA TUDO NOSSO

por Paulo-Roberto Andel

Perto das nove da noite, Copacabana fervilhava por volta de 1982. No entanto, a areia da praia ficava quase toda livre por um motivo curioso: não havia luz na orla. As pessoas praticavam os esportes até quando era possível enxergar alguma coisa.

Geralmente saíamos da casa do Fred, na Figueiredo Magalhães. Eu, Fred, às vezes o Ricardinho. Noutras, o Marco Antônio. Ou qualquer amigo de bobeira disposto a chutar bolas imperdíveis ou fazer gols na famosa trave do Juventus, time orgulho do bairro e do futebol de praia. Se conseguisse o quarteto, o ideal era jogar dupla de praia com dois goleiros. Se não desse, a solução era individual: cada um dava cinco chutes a gol e se preparava para defender outros cinco.

Como já disse, a praia estava deserta às nove da noite. A gente gostava daquilo, um futebol solitário, a trave, o mar, o murmúrio das águas do Atlântico Sul. O Fred gostava mais de ser goleiro, eu preferia chutar em gol. Então embarcávamos no campo dos sonhos, tentando imitar os craques que jogavam naquele tempo. Um chute de efeito era do Éder ou do Nelinho, peritos no assunto. Uma cabeçada de zagueirão? Edinho. Uma arrancada pela esquerda: Júnior ou Pedrinho. Aliás, Júnior foi nosso vizinho a vida toda, também craque do Juventus e não saía da Figueiredo, além de ter uma loja de artigos esportivos na Siqueira Campos.

Goleiros eram Raul, Paulo Victor, Leão. O Fred gostava do Birken Meyer, que jogava no Cosmos (!) de Nova York.

Uma bola na trave, na forquilha. Outra triscando. A gente imitava a torcida no Maracanã: “UHHHHHHHHH”.

Às vezes aparecia um ou outro garoto perdido querendo jogar a de fora. Não chegava a ser raro, mas o horário não ajudava muito.

Dez da noite. Batia a escuridão. De longe a fina linha retangular sugeria o que realmente era. Tentávamos acertar o gol. Fred era pesado e grande, mas voava e espalhava. Ricardinho também. O Marco era bom mas era baixinho, então buscar o ângulo era uma alternativa. Fui um goleiro razoável no máximo. Fiz o que pude.

Em certo momento a gente desistia. O breu tomava tudo. Luzes, só nos faróis que cruzavam a avenida Atlântica a passeio ou em busca de emoções diferentes na orla mais famosa do mundo. A gente se olhava, mal falava e estava tudo entendido: vamos voltar outro dia. Pegávamos os chinelos e tchau. Ah, claro, e a nossa bola de 27 gomos, pois alguns já tinham caído.

Hora de voltar para casa. Onze da noite, mais de duas horas de futebol no escuro. A gente descia boa parte da Figueiredo Magalhães. Geralmente eu carregava a bola, mas ela não era minha. Embaixo do condomínio Camões, a galera do Juventus se espremia num boteco. Duas quadras depois, o Marco Antônio virava à esquerda pela Barata Ribeiro. Eu e Fred íamos até o Shopping dos Antiquários, onde estávamos em casa. O Ricardinho andava mais um pouco, cruzando o Bairro Peixoto. Fizemos isso algumas dezenas de vezes juntos e fomos felizes. Afinal, para garotos de treze e catorze anos, o futebol é o mundo e mais: ainda tínhamos um futuro imenso pela frente – a Copa da Espanha, o Torneio dos Campeões, o Campeonato Carioca, era muita coisa: Edinho, Cláudio Adão, Junior, Adílio, Zico, Tita, Luisinho, Moreno, Leandro…

A bola. A bola. O inesquecível silêncio na beira do Atlântico Sul, o céu de duas mil estrelas, a Copacabana dos anos 1980. Nosso Maracanã era de areia.

Onde estão meus amigos?

@p.r.andel

JUSTIÇA COM A SELEÇÃO SUB-20

por Zé Roberto Padilha

Quando o Brasil foi goleado pela Argentina, na estreia do Campeonato Sul-Americano, a imprensa esportiva recheou suas páginas com duras críticas. Aos jogadores e ao técnico Ramon Menezes.

Eu não fui exceção, também critiquei o total desentrosamento da nossa zaga, completamente envolvida pelo ataque argentino.

Desde aquela derrota, porém, a seleção brasileira foi se recuperando. Se superando em campo. E à medida que vencia seus adversários. as notícias iam desaparecendo. Na mesma proporção. A quem interessa mesmo as boas notícias?

Domingo, o Brasil alcançou o título e espaços mínimos foram concedidos à seleção. O caderno de esportes de O Globo, na segunda, simplesmente ignorou a conquista. Deu destaque de página inteira a João Fonseca, e no verso uma entrevista com Alexander Zverev.

Os patrocinadores do Rio Open investiram forte para ocupar cada veículo de comunicação. E conseguiram ofuscar o título dos nossos meninos.

Uma tremenda injustiça a toda a nossa seleção que deu a volta por cima. E, mesmo assim, vão desembarcar no Galeão sem a cobertura que mereciam.

Somos alimentados diariamente por más noticias. Mesmo Fachel e Silvana, simpáticos toda vida, desde cedo nos abastecem com as ações de traficantes, engarrafamentos nas vias de acesso ao Rio e tiroteio nas Linhas Vermelha e Amarela.

Nesse instante, um Sargento foi executado em Bangu e uma delegacia foi invadida. O helicóptero de Genilson Araújo segue atrás de uma bala perdida e desvia sua rota em locais onde ONGs realizam ações voluntárias em prol de comunidades carentes.

Soube também que o Padre Marcelo Rossi iniciou uma campanha para distribuir cestas básicas a muitas famílias no complexo do alemão. Só que não teve tiroteio, agressões, roubos e violências. Apenas boas ações.

E a quem interessa parar para ler e assistir as boas ações? Os fãs de Bruce Willis, de Jonh Wick, como eu?

O Ibope nem mexe.

ÍDOLO DE ZICO

por Elso Venâncio

O ídolo de Pelé foi Zizinho. Com 16 anos, o futuro Rei do Futebol estreava na Seleção Brasileira contra a Argentina, em 1957, pela Copa Roca. No fim do jogo, encontrou Zizinho no hall de entrada do Maracanã.

— Seu Zizinho, sou seu fã. Aprendo com o senhor e imito suas jogadas — disse Pelé.

— Garoto, você aprendeu demais — retrucou, sorridente, o Mestre Ziza.

Zico, por sua vez, idolatrava Dida, um meia alagoano veloz, que jogava com a camisa 10 e por muitos anos foi o maior artilheiro do Flamengo. Goleador nas décadas de 1950/60, com 244 gols, só foi superado pelo próprio Zico, que marcou 509 nas décadas de 70/80.

Quando garoto, o maior ídolo da nação rubro-negra corria nas peladas no bairro de Quintino, onde nasceu, dizendo aos outros meninos que era Dida. “Eu queria ser o 10 do Flamengo por causa do Dida”, confessaria mais tarde.

Levado pelo pai, Seu Antunes, Zico tinha oito anos quando viu Dida jogar contra o Corinthians, em 1961, pela decisão do Torneio Rio-São Paulo. O Flamengo venceu por 2 a 0, no Maracanã, com um gol do ponta Joel e outro de Dida, o craque do jogo.

Mais do que realizado no seu sonho de defender o clube do coração, Zico teve o auge da carreira no início dos anos 80, quando conquistou três Campeonatos Brasileiros, uma Copa Libertadores da América e um Mundial de Clubes. Isso sem falar nos tradicionais torneios na Europa, como o Troféu Cidade de Palma de Mallorca, que já havia conquistado em 1978, com seu Flamengo desbancando o Real Madrid na final, e o bicampeonato no Ramón de Carranza, em 1979 e 1980.

Revelado pelo CSA, Dida também construiu uma louvável galeria de títulos no Flamengo. Virou lenda ao marcar quatro gols contra o America, na vitória por 4 a 1 que garantiu o segundo tricampeonato estadual do clube, em 1955. Também conquistou o Campeonato Estadual de 1963 e teve a honra de ser campeão do mundo pela Seleção Brasileira, em 1958, na Suécia, atuando como titular na vitoriosa estreia contra a Áustria, por 3 a 0. Pelé estava contundido, após ser atingido deslealmente pelo lateral Ari Clemente, do Corinthians, em amistoso no Pacaembu, três dias antes do embarque para a Copa.

Craque do Flamengo por nove anos, Dida se desentendeu com o treinador Flávio Costa e acabou negociado com a Portuguesa de Desportos. Ficou por lá em 1964 e 1965, antes de também se tornar ídolo do Atlético Júnior, de Barranquilla, na Colômbia. Ao pendurar as chuteiras, se tornou auxiliar-técnico, nas categorias de base do Flamengo.

Edvaldo Alves de Santa Rosa, o Dida, faleceu no dia 17 de setembro de 2002, vítima de insuficiência hepática e respiratória. Em 2020, foi eleito o quarto maior ídolo da história rubro-negra por jornalistas de “O Globo” e “Extra”.

MAURO SANTA CECÍLIA

por Paulo-Roberto Andel

Poeta esplêndido, letrista que chegou a milhões de pessoas (“Por você” com Barão Vermelho, “Amor pra recomeçar” com Frejat), parceiro de craques e craques da música, gravado de Sandy & Junior a Ney Matogrosso, meu amigo Mauro Santa Cecília ainda tinha o sobrenome mais bonito do mundo.

Alvinegro em todos os continentes e galáxias, Mauro era apaixonado pelo melhor do nosso futebol. Quantas e quantas vezes não conversamos sobre feras como o goleiro Wendell, o lateral esquerdo Marinho e o estupendo Paulo Cezar Lima? Muitas. O coração botafoguense de Mauro enaltecia seus craques da casa, mas ele reverenciava o bom futebol: Sócrates, Falcão, Zico, Pintinho e Joãozinho também temperavam as conversas com suas jogadas geniais. A Máquina Tricolor, a Academia palmeirense, o Expresso da Vitória. Resenhas gloriosas.

Ninguém melhor do que o próprio poeta para desenhar as melhores frases, versos e palavras. Assim disse Mauro em 01/12/2024:

“Um dia histórico, um jogo épico. Depois do início inacreditável, a coragem do técnico Artur Jorge em manter a mesma equipe e não fazer a substituição óbvia de tirar um atacante e botar mais um defensor. E o time, com um a menos a partida inteira, se estabilizou e segurou a onda jogando com dignidade. Terminamos o primeiro tempo vencendo por 2×0 com participações decisivas do Luís Henrique, eleito o craque da competição. No segundo tempo o Atlético-MG melhorou, fez um gol, mas não resistiu à melhor equipe da temporada, que fechou a tampa com um gol no finalzinho de Júnior Santos, o artilheiro do campeonato e que era remanescente do fiasco de 2023, assim como nosso capitão Marlon Freitas. O Botafogo não havia conseguido o título da Libertadores nem com times que traziam nomes como Garrincha, Nilton Santos, Didi, Zagallo, Amarildo, Gérson, Paulo Cezar Caju e Jairzinho, do final dos anos 50 até 70. É um título que não tem nada a ver com o mental frágil ou a síndrome de sofredor imputada ao botafoguense. Foi o triunfo de um investimento bem feito com a formação de um elenco excelente e a contratação de um ótimo treinador. Como disse o John Textor, a frase “tem coisas que só acontecem ao Botafogo” ganhou um novo significado. Foi com dificuldade, mas foi inteiramente justo. Agora é comemorar muito e, mais leve, continuar atento porque a faixa do Brasileirão ainda pode pintar no nosso peito. O Botafogo faz um ano mágico em que, bem estruturado, se coloca de vez entre os melhores do país e do continente. Rolaram lágrimas de felicidade. Ontem foi escrita a página mais apoteótica do glorioso clube da estrela solitária. Que venham outras de tamanha importância. Fogão, eu te amo! Saudações alvinegras.”

E, por fim, em 10 de dezembro, seu poema definitivo traduzindo o glorioso 2024 botafoguense.

“AMOR EM PRETO E BRANCO

Quem diria depois de um ano tão difícil
E que teve um início espetacular
Dois mil e vinte e três é pra ficar pra trás
Problemas emocionais botando em risco

Fazendo o vexame se transformar em mito
Mas agora tudo mudou virando a chave
Nós somos campeões de forma inquestionável
Projetando quem sabe um horizonte lindo

Defesa, meio-campo e ataque coesos
Um time pra ficar gravado na memória
E sem esquecer da qualidade do banco

Um comandante que já começou sem medo
De nos conduzir a um patamar de glória
É bem assim o meu amor em preto e branco.”

Craque das letras e dos versos, Mauro Santa Cecília era completamente apaixonado pelo seu Botafogo e o futebol em geral. Ainda cedo demais, ele acabou de partir e já deixa uma saudade enorme, feito aqueles prefixos das rádios que ecoavam no velho Maracanã dos anos 1970.

@p.r.andel