UUUUUUUUUUHHHHHHH!
(Botões em campo)
por Paulo-Roberto Andel

O futebol é minha única chance de abraçar meu passado. Pode ser na arquibancada, na TV e nos botões. A gente volta a ter doze ou treze anos com o mundo pela frente. Nossos ídolos são de verdade, todos ativos e na ponta dos cascos. Todo domingo é dia de celebrar jogadas lindas, inesperadas e a onomatopeia mais importante do Maracanã, gritada em momentos de perigo: “UUUUUUUUUUHHHHH!”
Joguei alguns amistosos de botão com meus amigos neste sábado no trabalho. Foi um dia muito bonito. Imaginem vocês que as traves vieram de São Paulo e estavam encaixotadas há mais de 20 anos, jamais utilizadas.
Para quem foi garoto no meu tempo, jogar botão é sonhar com avanços de Nelinho pela direita – com seu chute devastador -, ou Edinho ganhando de cabeça uma disputa na área. Vale meio de campo com Afonsinho, Deley e Tita, vale ataque com Cláudio Adão e Romário, vale lançamento de Rivellino para o imortal Roberto Dinamite. Wendell voa e manda a corner com a mão esquerda. Leão voa e encaixa firme. Todos esses craques, de carne e osso, podem ser marcados e anulados por personalidade de galalite ou vidrilha que nunca existiram fora das quatro linhas no Estrelão: heróis e vilões como Porrão, Farsa, Porradeador, Suculento e outras nobres criações infantis.
Ah, botão. Uma vez eu comprei o Polozi. Amaral era um monstro. Todo mundo tinha um Moisés ou um Abelão para espantar os adversários, Geraldo também. Dura Lex, sede Lex, no America só Alex. Sócrates era o rei no meio, assim como Ademir da Guia e Dicá e Falcão. E Pita. E Adílio, Zico, Pintinho, Mendonça. Deus do céu! Ainda tinha o Pedro Rocha, pessoal!
Eu prefiro o dadinho, mas o pessoal gosta de bolinha de feltro, de pastilha, tanto faz. Cada um celebra seus heróis da mocidade como gosta. A mesinha de compensado verde é o Maracanã ou o Morumbi ou o Mineirão, todos lotados de gritos, cantos, bandeiras, fogos, arquibancadas de concreto e uma magia difícil de ser compreendida por quem não a viveu, entre os anos 1970 e 2000. A magia de um país que, com todas as suas dificuldades, era feliz aos domingos com bolinhas indo e vindo nos gramados, quando éramos os melhores do mundo e ninguém tinha dúvidas disso.
Pense em Ademir da Guia fazendo um lançamento maravilhoso para Zé Sérgio ou Edu Bala, ou o Rei Reinaldo tabelando com Marcelo. Não se esqueça do Santa Cruz com Ramon, Nunes e Fumanchu, nem do Bahia com Osni, Beijoca e Jésum. Por um segundo, o futuro é o sonho de reviver o passado, até a próxima matada do dadinho ou quicada da bolinha.
“No paaaaaauuuuuuuu”, gritou o velho Silvio Luiz de algum lugar da nossa memória afetiva. Pode ter sido um chutaço de Marcelinho Carioca, de Neto e até do uruguaio Martin Taborda. Uma bomba que explode e nos sugere emoção. Ah, botão!
@p.r.andel
EDINHO, O ZAGUEIRO CAMISA 10
por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Ari Lopes

Vibrei como se fosse tricolor, quando Edinho deu uma ‘agulhada’ na bola e despachou o ataque da Polônia, aos 32 minutos do segundo tempo. Àquela altura, jamais imaginaria que a sequência daquela jogada terminaria em um belo gol do próprio camisa 4, zagueiro titular e capitão da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do México, em 1986.
Sabia que aquela Seleção havia herdado traços de mágica de quatro anos atrás, pois era comandada pelo mesmo mago do ‘Escrete Canarinho’ injustiçado pelos ‘Deuses da Bola’ na ‘Tragédia de Sarriá’, em Barcelona: Telê Santana!
Mas, ao vir Careca tocar de calcanhar após receber aquela ‘agulhada’ de 40 metros dada pelo zagueiro em negociação com a Udinese-ITA para voltar ao futebol brasileiro, e esperar o momento certo para dar o passe de costas na passagem de Edinho, pulei como um apaixonado torcedor em plena arquibancada do Maracanã num domingo de clássico.
Edino Nazareth Filho, como nos seus tempos de pelada nas ruas de barro, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, quando ainda atuava como centroavante, dominou de direita, deu um corte seco de esquerda para tirar de uma só vez o beque e o goleiro polonês, e com uma batida firme de direita transformou um gol numa pintura que poderia ser eternizada numa tela de Da Vinci, de Michelangelo, ou do espanhol Pablo Picasso. Mais emblemático que o gol é a expressão de Edinho: ele sai pulando, gritando, e de braços abertos à procura de um abraço da arquibancada ou de alguém perdido na sua infância.

O gol, que até hoje é lembrado pelos amantes do futebol, teve início, meio e fim pelos pés de um craque tricolor que pagou um preço muito alto por fazer parte de uma geração de jogadores que arrastavam multidões aos estádios em uma época que o futebol, diferente do que é praticado hoje, era mais talento e menos físico.
O resultado daquele confronto ocorrido numa tarde de segunda feira ensolarada de 16 de junho, no Estádio Jalisco, pelas oitavas de final da Copa do México, foi um passeio. Edinho não apenas fez o gol, mas foi um dos melhores da equipe ‘Canarinho’ e colocou o craque Zbigniew Boniek no bolso.
Sob o comando de Telê Santana, o Brasil mais uma vez não ganhou a Copa do Mundo daquele ano. Caiu nas quartas de final para a França de Michel Platini. Mas, Edinho, preterido nos gramados espanhóis em 1982, mostrou a injustiça que o treinador mineiro cometera ao relegá-lo à reserva de Luizinho.
O hoje senhor Edino Nazareth Filho, que celebrou 70 anos em 2025, tem muitas histórias para contar sobre as poucas e boas que aprontou com as chuteiras nos pés nos gramados da vida. Cria das peladas dos campos de barro da Zona Oeste do Rio, transitou entre Campo Grande e a Praça Seca, em Jacarepaguá, até colocar seus pés nas areias do futebol de praia da Zona Sul, onde ainda adolescente foi aprovado com louvor entre o Leme e o Pontal, marcando ponto e muitos gols, principalmente entre os postos 1 e 3 de Copacabana.
Entre uma onda e outra nas areias de Copacabana, acabou sendo seduzido pelas quadras de futebol de salão do Fluminense, nas Laranjeiras, para onde foi convidado a fazer um teste, em 1968. Logo depois, já trocava a areia e o cimento das quadras pelo gramado de Álvaro Chaves. Fez história atuando nas categorias de base do Tricolor até estrear nos profissionais em 1973. Integrou um dos maiores e melhores elencos do Fluminense, a Máquina Tricolor de Rivellino e companhia.
Anos depois, foi convocado por Claudio Coutinho para jogar a Copa do Mundo de 1978, na Argentina. Mas, para surpresa dos torcedores e analistas esportivos, Coutinho o convocou como lateral-esquerdo, desbancando nomes como Junior, Vladimir, Pedrinho e Marinho Chagas, todos titulares em seus clubes, no Brasil.

Outro feito de Edinho, além de ser o ultimogênito da ‘Máquina Tricolor’, time que teve a vocação para a eternidade, foi ter sido o primeiro jogador a erguer o troféu da Copa do Brasil, pelo Grêmio, em 1989. As atuações com a camisa do tricolor gaúcho o credenciaram a pôr os pés na Calçada da Fama do Grêmio.
Mas o que nem um rubro-negro, assim como eu, esquece, é que Edinho alugou o passe para o Flamengo no começo de 1987 e, ao lado de Leandro, formou a zaga campeã da Copa União.
Edinho está na minha seleção de todos os tempos. Foi, sem sombra de dúvidas, um baita zagueiro que foi privilegiado pela capacidade técnica que tinha dentro de campo.
Uma pena que um jogador como Edinho, não tenha tido a chance de ser campeão pela Seleção Brasileira em algum momento. Apaixonante, o futebol é ao mesmo tempo injusto para alguns craques. Edinho foi um desses injustiçados.
JOGOS INESQUECÍVEIS – GUARANI 2X1 VASCO DA GAMA, EM 1978
por Luis Filipe Chateaubriand

Nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1978, Guarani e Vasco da Gama “mediram forças”.
De um lado, um clube carioca recheado de títulos, glórias e ídolos.
Do outro, um clube menos conhecido, do interior de São Paulo.
No primeiro jogo, no Estádio Brinco de Ouro da Princesa, o “Bugre” decidiu o jogo em dez minutos corridos.
Aos 47 minutos do primeiro tempo, Bozó cruzou da esquerda e, em uma infelicidade, Orlando Lelé jogou contra o próprio gol.
Aos nove minutos do segundo tempo, Renato “Pé Murcho” fez mais um gol.
Com a vitória por 2 x 0 no primeiro jogo, o clube verde de Campinas foi tranquilo para o segundo jogo, no Maracanã.
Mas o Vasco da Gama, e toda sua tradição, ainda era o favorito para se classificar à final, diante de mais de 100 mil pessoas.
Surpresa das surpresas…
Eis que, já aos sete minutos do primeiro tempo, o jovem Careca passou a bola para Zenon, da intermediária, chutar de forma eficaz, no ângulo.
Vasco da Gama 0 x 1 Guarani.
Mas o show dos meninos de Campinas continuaria…
Aos 21 minutos do segundo tempo, Zenon, em uma cobrança de falta perfeita, cravou novo gol bugrino – o goleiro Mazaropi, estatelado, nem teve como pular na bola.
Vasco da Gama 0 x 2 Guarani.
Aos 36 minutos do segundo tempo, Dirceu, de fora da área, ainda descontou.
Vasco da Gama 1 x 2 Guarani.
Mas, para os cruz-maltinos, já era tarde.
O Guarani confirmou a vitória nos dois jogos e foi à final, onde foi superior ao Palmeiras e conquistou seu primeiro – e único – título de campeão brasileiro.
Mas essa é outra história.
EU PERDI, ELE GANHOU
por Zé Roberto Padilha

Quando era técnico do Sub-20 do Fluminense, tentava jogar com dois pontas abertos. Nada desmonta a defesa adversária mais do que aquele pontinha habilidoso que alcança a linha de fundo e coloca bola de frente para seu centroavante.
No estadual, quando fazíamos as preliminares em jogos nas Laranjeiras, Neném, na ponta-direita, era a maior atração. Um show à parte. Um ano depois vim comandar o time da minha cidade, o Entrerriense FC, e o classificamos para a primeira divisão, em 1995.
O Fluminense nos emprestou seis dos atletas que formei. Pedi o Neném e me recusaram.O sub-20 tinha disputado a Copinha e, segundo o supervisor, Paulo Alvarenga, Neném tinha aprontado na competição. Nunca fiquei sabendo do motivo.
Certa noite, me ligou, de um orelhão em Copacabana. Em litígio com o Flu e sem perspectiva.
– Me leva pra Três Rios, professor. Estou precisando muito!
Ai me coloquei no seu lugar. O que ele faria no Rio sem jogar, aos 19 anos, sem clube e sem futuro? Tentei muitas vezes e Paulo Alvarenga recusava liberar o empréstimo.
– Vai atrapalhar seu trabalho! – insistia.
Por mais que alcançasse nosso objetivo, vencendo a divisão intermediária e indo para a primeira divisão, aquele telefonema, de um garoto humilde implorando um acolhimento para ter abrigo, futuro e desenvolver sua arte, roubara meu sono.
Nem sei como conseguiu, mas o destino assumiu, a partir daí, as rédeas de sua vida. Foi jogar na praia e se tornou o maior de todos. O Rei. Campeão Mundial, melhor jogador de Futebol de Areia do Mundo, maior artilheiro do Brasil, com 337 gols marcados pela seleção brasileira.
Nunca mais nos vimos. E la se vão 30 anos que lhe entreguei a camisa 7 e ele nos concedia um espetáculo à parte. Ontem, porém, me ligou. Vem a Três Rios, sábado, nos visitar. Treinador da seleção do Catar de Beach Soccer, Neném vai nos conceder esse prazer.
Uma pena que não seja para defender a camisa 7 do Entrerriense FC. Que caberia como uma luva, mas certamente o impediria de ter o mundo aos seus pés descalços, dribles insinuantes a alcançar um improvável e vitorioso reinado.
OBRIGADO, PROFESSOR
por Zé Roberto Padilha

Professores são mesmo assim. Deixam lições definitivas na vida da gente. Mas quando são do futebol, e giram, são nômades em razão dos resultados, não os encontramos para agradecer “a professorinha” que permaneceu fincada na escola do interior.
A esse da foto, Paulo Nascimento, que nos treinou no Americano FC, não o vejo há 41 anos. Mas suas lições foram definitivas. Como as do Parreira, Sebastião Araújo, do Pinheiro. E como eu gostaria que esse texto chegasse até ele. Pois nunca pude dizer o meu muito obrigado.
Disputava o estadual da primeira divisão com a camisa 10. Sergio Pedro corria por mim o que corri por Gerson, Zico e Rivellino. No Americano descobri, mesmo com três cirurgias no joelho esquerdo, tornozelos fraturados e uma hérnia inguinal rompida, que sabia jogar bola direitinho.
Ao me ver treinando, sofrendo os impactos dos gramados duros em nossa preparação, retirou-me do campo e me apresentou a um vício que nunca mais me livrei: a natação.
No começo, os jogadores reclamavam e tal “privilégio” debaixo do sol de Campos. Eles de chuteiras, eu de sunga. Mas no domingo, voava. E daí sossegavam. Graças a natação, puder jogar mais três anos e nos manter em cena, saudável até a quarta cirurgia. A da aposentadoria.
Ainda hoje, nado quase todos os dias. E pude manter um hábito saudável, a prática esportiva, ao adotar um esporte que não traz mais impacto às articulações comprometidas.
Obrigado, Professor Paulo Nascimento. Você nem imagina a importância das suas lições na minha vida