O RITUAL DE 15 DE SETEMBRO
por Cláudio Lovato Filho

Os familiares, os amigos e os vizinhos sabem disto: 15 de setembro é dia de celebração na casa do veterano torcedor. É dia de portas abertas e bandeirão no jardim, e todos os que podem vão visitá-lo, participando de um ritual que começa de manhã e se estende até altas horas da noite, incluindo infindáveis aperitivos, longo almoço, rememorações e declamações regadas a cervejas, vinhos e cachaças.
E nessa sempre longa e memorável festa de 15 de setembro em sua casa, o veterano torcedor abre as pastas. Ele faz isso em outras datas, eventualmente, quando quer resgatar alguma informação específica ou lustrar uma lembrança pontual, mas não com a pompa e circunstância do dia 15 de setembro. É sagrado: no dia 15 de setembro, as pastas são abertas e seu conteúdo é comentado, explicado, contextualizado.
Além das pastas, que são muitas e cujo conteúdo volta e meia recebe acréscimos, há os livros, que também são muitos, e um grande acervo de outros objetos de transcendente importância afetiva relacionados ao clube. Eles são vistos em vários cômodos da casa, mas as pastas, que constituem o epicentro de tudo, ficam apenas em um local: o amplo escritório em que o veterano torcedor, em outros tempos, redigia suas petições iniciais e preparava suas aulas da universidade.
Uma das pastas, por exemplo, contém relatos da histórica reunião dos fundadores na noite de 15 de setembro de 1903, em um hotel no centro de Porto Alegre. Há também reproduções de fotos dos primeiros times, dos primeiros Gre-Nais, em que o tricolor aplicou goleadas antológicas, e do Fortim da Baixada, a primeira casa. E a história de Lara, o craque imortal, cujo nome faz parte da letra do hino composto por Lupicínio.
Lupicínio está numa das pastas. Há uma foto, tirada no Restaurante Copacabana, na Cidade Baixa, onde o hino foi escrito. Nessa imagem, ao lado do grande compositor, aparecem o veterano torcedor (quando ainda não podia ser considerado veterano) e um grupo de amigos da sua mesma faixa etária.
Tarciso está em outra pasta. Em diversas reportagens – da Folha da Tarde, da Zero Hora, da Placar. Tarciso, o jogador que mais vezes vestiu a nossa camisa. Tarciso, que nasceu no dia 15 de setembro (obviamente não por acaso).
Alcindo, o maior artilheiro, está ali. Everaldo, campeão do mundo em 70 no México, homenageado com a estrela na bandeira, está ali.
A história do “12 em 13” está ali, no acervo do veterano torcedor. Doze títulos estaduais em 13 anos. Airton, Gessy, Juarez, Joãozinho Severiano, Milton Kuelle, Vieira, Sérgio Lopes – todos eles e todos os outros estão ali.
O time campeão gaúcho de 1977 está ali – time cuja escalação o veterano torcedor recita como um poema: Corbo; Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu e Iúra; Tarciso, André e Éder.
E os campeões brasileiros de 1981 e 1996 estão ali (os gols de Baltazar, em 81, no Morumbi, e os de Paulo Nunes e Aílton, em 96, no Olímpico, estão ali, com registros em fotos, sketches e gravuras). Os campeões das Copas do Brasil de 1989, 94, 97, 2001 e 2016 também estão ali, em amplo material.
Ali estão os campeões das Libertadores de 1983, 1995 e 2017. Renato, China, Osvaldo, Caio, César, Tita, Mazaropi, De León, Danrlei, Arce, Adilson, Dinho, Goiano, Carlos Miguel, Paulo Nunes, Jardel, Marcelo Grohe, Pedro Geromel, Kannemann, Arthur, Maicon, Douglas, Everton Cebolinha, Luan e todos os outros.
Toda a história da conquista do Mundial de 1983, obviamente, está ali. A glória selada no Estádio Olímpico de Tóquio. O time azul, preto e branco fazendo o sol brilhar em todos os quandrantes do Planeta ao mesmo tempo.
Nossos maiores comandantes da casamata – com destaque para Oswaldo Rolla, Ênio Andrade, Luiz Felipe Scolari, Valdir Espinosa, Telê Santana e Renato Portaluppi (ídolo como jogador e como técnico) – estão ali.
Fábio Koff, Hélio Dourado e Luiz Carvalho estão ali. Os maiores presidentes.
O Olímpico e a Arena, a segunda e a terceira casa, estão ali, em textos e imagens.
Logicamente, Luis Suárez está ali, e com muito material no acervo do veterano torcedor, incluindo um espetacular livro fotográfico que retrata os principais momentos da maravilhosa passagem do uruguaio pelo clube em 2023. E também já fazem parte do patrimômio documental do veterano torcedor a compra da Arena, os gols do dinamarquês Braithwaite, a volta de Arthur… A jornada prossegue.
Tudo nas pastas, abarrotadas de fotos e recortes. E nas maquetes, nos pôsteres, nas flâmulas. Nas bandeiras e nas camisas. Em fitas K7, compactos, LPs e CDs. Em fitas VHS e DVDs. Nos livros.
Celebração do passado, sim, mas não apenas isso. É também dia de reverenciar a maravilha que é a continuidade da vida; o ontem feito de desafios, aprendizados, lutas e glórias cultuado como alicerce de um presente e de um futuro em que a paixão é, e sempre será, mola propulsora e combustível; lança e escudo; poesia e canção.
Em certo momento, como sempre acontece no ritual de 15 de setembro, o veterano torcedor gremista ergue a taça e propõe um brinde a seus convivas. Quando todos estão prontos, ele então solta a voz ainda potente, devidamente amaciada pelo vinho e modulada pela emoção:
“Dá-lhe, Grêmio!”
Todos repetem e bebem, e então Lupicínio Rodrigues assume o comando (o filho mais novo do veterano torcedor sabe exatamente a hora de fazer isso acontecer, com um toque no controle remoto):
“Até a pé nós iremos/
Para o que der e vier/
Mas o certo é que nós estaremos/
Com o Grêmio onde o Grêmio estiver…”
Assim é o ritual do veterano torcedor. O ritual de 15 de setembro. Assim sempre será enquanto ele, o veterano torcedor, estiver entre nós, com sua presença agregadora, festiva e apaixonada.
CARTA ABERTA A MARIO BITTENCOURT
por Zé Roberto Padilha

Caro Presidente,
Sei que o senhor não foi formado nas divisões de base do clube, muito menos teve como mestres Zezé Moreira, Píndaro, Pinheiro e Telê Santana. Por isso, é realmente difícil explicar o que significa ver nascer e crescer, dentro de si, o amor pelo Fluminense.
Eu, e minha geração, com Abel, Nielsen, Rubens Galaxe, Cleber, Pintinho e Edinho, chegamos ao clube aos 16 anos e o deixamos aos 24. Percorremos cada vestiário, o bar do Fidelis, o cantinho do Ximbica e o Salão Nobre, com seus vitrais franceses.
Mais do que títulos, nos formamos em dignidade, respeito ao clube, aos adversários e à profissão. Jamais fomos expulsos de campo, porque fidalguia e gentileza eram lições que não se reprovavam. Além de jogadores, o Fluminense formava homens. Cidadãos de bem.
Esse legado, de Preguinho, Valdo e Denilson, é tão nobre que ainda não existe palavra que explique a você, presidente, o que é, de fato, ser Fluminense.
Por ter essa essência estampada na alma – e não em apostas, balanços ou distribuição de lucros, como na Petrobras – é que se torna impossível imaginar o Fluminense como clube-empresa. Nosso lucro sempre foi buscado dentro de campo, durante os 90 minutos. Não na venda de Luiz Henrique ou Almada, porque investidores como Textor correm atrás apenas de dividendos e acabam por desmontar um time quase imbatível, que tinha entrosamento. E entrosamento se constrói com tempo e com bola rolando, não na Bovespa.
Definitivamente, pergunte ao Pedrinho: SAF combina com RB Bragantino, onde o produto vem antes do clube. São instituições que trocam mercadorias, não jogadores, e formam atletas frios e calculistas que beijam logos, mas não o escudo.
Caro Presidente, esqueça a SAF. Dê uma volta na sala de troféus e veja o quanto minha geração conquistou por amor ao clube e respeito à camisa. Ali deixamos suor e levamos de volta gratidão e saudade.
Ser Fluminense transcende a lógica do lucro de qualquer empresa. Vai além, porque carrega paixão e tradição pelas ruas, cidades e arquibancadas de todo o país. Tente, hoje, ser diferente: em vez de se reunir com investidores em seu gabinete, vista nossa camisa e dê uma volta correndo em torno do campo.
Jamais sentirá a mesma emoção que vivi quando Rivelino, no fim da prorrogação, soltou uma bomba, venceu o América e conquistamos a cobiçada Taça Guanabara, há 50 anos, com a Máquina Tricolor. Mas perceberá um vazio, um silêncio danado à sua volta. Porque de uma SAF só saem dividendos; da torcida, envolta pelo pó de arroz, só sai amor.
Sabe por que o Flamengo jamais será uma SAF? Porque, para mudar a forma de governo de uma nação, é preciso realizar um referendo popular, como o Brasil fez nos anos 90, escolhendo entre presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia.
Mesmo sendo um principado, nobres que somos, deveríamos fazer o mesmo: convocar nossa torcida, ir às urnas e escolher nosso destino. Democratizar esse processo.
É uma pena que o senhor, que não recebeu essa energia dentro de campo, insista em acreditar que ações podem substituir essa paixão inexplicável. Talvez ainda não tenha compreendido o que Francisco Horta entendeu muito mais do que o senhor: no Fluminense, sempre foi vencer ou vencer. Nunca render ou render.
O SONHO DA ARENA PRÓPRIA
por Idel Halfen

O sonho da casa própria é um desejo que ultrapassa gerações e representa mais do que um bem material, simboliza segurança, estabilidade, independência e realização pessoal. No esporte, isso também acontece.
Apesar de tentador, não vamos nesse artigo contemplar especificamente as motivações que muitas vezes norteiam os interesses dos clubes brasileiros, entre os quais está o de proclamar que tem estádio, como se isso fosse um indicador de pujança esportiva. Vamos falar de como a “arena própria” pode contribuir para o aumento da receita e fortalecimento da marca, usando como ilustração o Los Angeles Clippers, equipe de basquete da NBA, que recentemente inaugurou o Intuit Dome, ao custo de dois bilhões de dólares e que será o espaço destinado à modalidade nos Jogos Olímpicos de 2028.
Entre os destaques da instalação em Inglewood, está uma arquibancada batizada de “The Wall” com 4.500 lugares destinados aos torcedores do time, sendo que 300 são em pé. Certamente se inspiraram na famosa “Muralha Amarela” do estádio do Borussia Dortmund.

No que tange às receitas, essas advirão das vendas de ingressos, camarotes e espaços publicitários, além do naming rights – a Intuit pagou US$ 500 milhões – e de acordos como o que fez com a Aspiration, de serviços financeiros que, segundo se especula, equivale a US$ 400 milhões.
Para os que acham que marketing se resume à geração de receitas, o artigo pode se encerrar no parágrafo acima, porém, não aconselho.
Na verdade, a parte relativa ao fortalecimento da imagem também se beneficia sobremaneira, pois, até então, a equipe jogava na Crypto.com – ex-Staples Center -, uma arena em que, mesmo com a customizações na quadra, o roxo e o dourado do Lakers são dominantes nas instalações. Além do rival, os Kings da NHL e o Sparks da WNBA mandam seus jogos lá.
A franquia que começou em Buffalo em 1970 com o nome de Braves, se mudou para San Diego em 1978 – ali passou a se chamar Clippers – e em 1984 foi para Los Angeles.
Embora nunca tenha conquistado o título da NBA, creditar o desempenho esportivo apenas à “falta da arena própria” não parece justo. Por outro lado, não deve ser descartado que uma “instalação própria” que propicie melhores experiências ao torcedor, permite a construção de comunidades e se consegue um engajamento maior, os quais, são capazes de fazer com que bons jogadores vejam a franquia como uma opção atrativa.
Afirmar que o investimento em propriedade individual é uma tendência não é errado. Nos EUA, desde 1990 se vê esse movimento, influenciado também pelo fim de alguns contratos de aluguel que as equipes tinham junto aos proprietários, muitos dos quais, o próprio município. Importante relatar que até equipes universitárias seguem esse caminho.

Contudo, mesmo reconhecendo essa migração, vemos arenas como a American Airlines Center em Dallas ser dividida entre o Mavericks (NBA) e o Stars (NHL) e o Wells Fargo Center na Philadelphia ser compartilhada por 76ers (NBA) e Flyers (NHL). Em New Jersey, o MetLife Stadium recebe os jogos de Giants e Jets, ambos da NFL, enquanto que o SoFi Stadium em Los Angeles é o estádio em que Rams e Charges da NFL, assim como o Bowl da NCAA mandam seus jogos.
Trazendo para o universo brasileiro, vemos, de fato, uma movimentação dos times em busca da “casa própria”, fato que, em tese, pode fazer sentido, desde que haja uma avaliação racional – não passional – e que a conta feche, tanto no que diz respeito às finanças como em relação ao impacto na sociedade, aqui faço menção aos recursos públicos e aos riscos de deixar sem serventia estádios já existentes.
JOGOS INESQUECÍVEIS – FLAMENGO 1 X 1 VASCO DA GAMA, EM 1981
por Luis Filipe Chateuabriand

Naquele domingo de 1981, Flamengo e Vasco da Gama fariam uma partida normal, de turno do Campeonato Carioca.
O Flamengo já tinha um time consagrado, que seria campeão da Copa Libertadores da América e do Campeonato Mundial de Clubes, logo em seguida.
O Vasco da Gama possuía uma equipe em formação, evidentemente mais modesta que a do rival.
Mas, na hora do jogo, os papéis se inverteram…
O ponta-direita vascaíno Wilsinho, também conhecido como “Xodó da Vovó”, estava em jornada excepcional.
Contrariando as expectativas, o Vasco da Gama começou insinuante, ofensivo, dominante na partida.
Foi assim durante todo o primeiro tempo.
Aos 31 minutos da primeira etapa, Wilsinho fez grande jogada pela direita e centrou para Roberto Dinamite.
O eterno Bob Dinamite chegou um pouco depois da bola, e se chocou com o goleiro Raul.
A bola sobrou, na direita, novamente para Wilsinho, que, sem ângulo e de forma absolutamente diagonal, chutou para as redes!
Flamengo 0 x 1 Vasco da Gama.
No início do segundo tempo, logo aos três minutos, Zico, com toda a categoria que Deus lhe deu, empatou o jogo.
Flamengo 1 x 1 Vasco da Gama.
Mas o jogo seguiu, o Vasco da Gama continuou superior, e poderia ter vencido.
Júnior, que estava acostumado a tomar “bailes” de Catinha, ex-ponta-direita vascaíno, tomou um “baile” de Wilsinho, o ponta-direita da ocasião.
Naquela tarde de domingo, o Vasco da Gama foi heroico.
E continuou sendo, uma vez que, na final do Campeonato Carioca, venceu dois dos três jogos decisivos, perdendo o último devido a um ladrilheiro oportunista…
Mas, naquele ano, em que o Flamengo ganhava tudo e ganhava de todos, apenas o Vasco da Gama fez, no ano inteiro, frente àquele time rubro-negro inesquecível!
A VOLTA DO ÍDOLO
por Elso Venâncio

A contratação do Romário, repatriado pelo Flamengo após a conquista do Mundial pela Seleção Brasileira em 1994, nos Estados Unidos, é considerada por muitos jornalistas a maior da história do nosso futebol. No auge, com 28 anos, o Baixinho planejou e trabalhou sua negociação.
Na pequena Los Gatos, uma vila da Califórnia, ao lado de São Francisco, o Brasil se concentrava para tentar o título da Copa do Mundo, que não conquistava havia 24 anos. Num hotel de cinco andares, sendo os três últimos reservados à Seleção, estava hospedado Luiz Augusto Veloso, presidente do Flamengo, que soube dos planos de Romário. Conversou com ele e prometeu que, se fosse reeleito, iria tentar contratá-lo.
— É fácil, presidente! Ambev, a empresa de chuteiras que tenho contrato, o fornecedor de camisas do Flamengo e o Governo do Estado. Cada um dá um milhão — explicou o astro do Barcelona, entusiasmado.
A ousada ideia surgiu num período de força do real, que empatava em valor com o dólar. Após o título mundial, Romário chegou a dar declarações demonstrando o seu desejo de atuar pelo Flamengo. Como parecia apenas um sonho, o fato passou despercebido pela imprensa.
De acordo com o estatuto do Flamengo, as eleições para presidente do clube acontecem no primeiro decênio de dezembro. No pleito de 1994, o empresário e radialista Kleber Leite venceu a disputa com Veloso. No calor das comemorações, foi perguntado se contrataria pelo menos um tetracampeão mundial. “Coloca no plural”, rebateu no ato.
Um pool de empresas se formou. Paralelamente, Romário afirmou que não jogaria mais pelo Barcelona. Estava aberto o caminho para que o Flamengo contratasse o então maior jogador do mundo em 1995, ano do seu centenário. Outro personagem do tetra, o lateral Branco também foi apresentado como reforço.
De uma hora para outra, jornalistas de todo o mundo passaram a desembarcar no Rio. Queriam saber que clube brasileiro era esse, capaz de tirar o craque da Copa do futebol europeu. Nas arquibancadas, um canto mostrava a expectativa pela estreia do Baixinho. O cantor Nelson Gonçalves estava no meio da galera e soltou a voz: “Olê-lê, olá-lá! Romário vem aí e o bicho vai pegar…”. Antes entoada pela Raça Rubro-Negra com o nome da torcida organizada, a música adaptada passou a ser cantada por todos,
Com o Maracanã fechado, o Flamengo atuou por um período na Gávea e também mandava jogos fora do Rio. Era tanta gente da imprensa cercando o Baixinho que surgiu a entrevista coletiva, causando ciúmes no técnico Vanderlei Luxemburgo: “Comigo, agora é só coletiva”.
No ano de 1995, Romário não era só a maior personalidade do futebol, mas sim a maior personalidade do país. O biógrafo rubro-negro Marcos Eduardo Neves assim definiu o retorno do ídolo: “Romário voltou para ser o Chatô, o Rei do Brasil”, numa alusão ao influente Assis Chateaubriand, maior nome da imprensa nacional entre as décadas de 1930 e 1960.