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A NOITE EM QUE VOAMOS

por Zé Roberto Padilha

Donos de um excelente preparo físico, que nos fazia competir pela liderança nas corridas de longa distância, lembro sempre de uma partida do Santa Cruz em que eu e nosso lateral-direito, Carlos Alberto Barbosa, ao entrar em campo resolvemos combinar algo inusitado.

Único. Tanto que nunca mais experimentei algo parecido e ainda tinha muita lenha para queimar. Algo assim como:

– Vamos aprontar esta noite a maior das correrias?

Deveria ser a noite em que os problemas ficaram em casa. Só a chuteira, macia, entrava em campo. E como uma luva. A noite anterior, com certeza, fora a melhor dormida. A alimentação? Deveria estar no equilíbrio perfeito para o corpo ser colocado à prova daquele jeito.

E, durante os 90 minutos, nós voamos por todos os cantos daquele impecável gramado do sagrado José do Rego Maciel. Não lembro quanto foi o jogo, só da saúde e disposição que ostentávamos para correr daquele jeito.

E foi inesquecível. Pobre coitado do lateral que me marcava e do ponta esquerda que ousava acompanhá-lo.

Lembro sempre dessa passagem quando percebo um torcedor xingando um jogador.

– Mas que porcaria! Não está jogando nada. Deve estar de sacanagem…

Será que não sabem, e o Luiz Roberto também, que dentro de uma camisa consagrada existe algo mais do que um atleta? Que, muitas vezes, não vai poder jogar tudo o que sabe para lhe fazer momentaneamente feliz.

E esse desempenho não é alcançado todos os jogos porque que ele, torcedor, mal sabe que o filho do seu camisa 10 estava com febre. A esposa, aflita, demorou a voltar da farmácia para lhe dar notícias.

A coxa ainda dói do tostão, e o contrato ainda não foi renovado. Tem muitas partidas em que as asas não abrem porque não são pássaros que entram em campo. São gente.

E elas muitas vezes não conseguem levantar voos para alcançar a glória passageira como se eterna fosse. Por mais que cresça a Inteligência artificial, haverá sempre um ser humano, com IPTU, IPVA para pagar, entrando em campo dentro de uma camisa de futebol.

GOL DE BARRIGA, 30 ANOS

por Paulo-Roberto Andel

Tudo está vivo demais na memória: o velho Maracanã com mais de 100 mil pessoas, um clássico imortal, feras da Seleção como Branco e Renato, monstros como Romário, estilistas como Djair. E um clássico que ficou lembrado para sempre.

O Fla x Flu que decidiu o título carioca de 1995 estava escrito nas estrelas. Não era a final, mas o último jogo do returno em sua fase octogonal. Parecia realmente programado para a história.

No fim deu Fluminense: 3 a 2, naquela que para muitos foi a decisão mais eletrizante da história do Mário Filho. Um jogo de enlouquecer. No primeiro tempo o Flu esmagou o Fla em plena chuva, fez 2 a 0 e podia ter feito outros dois. Depois que Branco acertou um balaço no travessão cobrando falta, o Fla reagiu loucamente, fez dois gols que lhe garantiam o título e levou a massa rubro-negra à loucura, esperando uma provável virada no marcador. Havia ainda mais de dez minutos para o fim da partida, só que o Fluminense não desistiu e chegou à vitória imortal com o gol mais inusitado de sua história – o de Renato Gaúcho, marcando de barriga. Os minutos finais foram enlouquecedores, com Flamengo e Fluminense fazendo do Maracanã o Coliseu de Roma. Ao término do jogo ensopado de emoção, as torcidas aplaudiram o espetáculo que, até aqui, foi único. Desde então, o Rio teve grandes clássicos e decisões emocionantes – vide a de 2001 com o gol de Pet -, mas nenhum jogo tão intenso quando o definitivo quanto o Fla x Flu de 25 de junho de 1995.

Trinta anos depois, o mundo e o Maracanã mudaram. Não há mais clássicos com 100 mil torcedores, nem a geral enlouquecida. Ver o melhor jogador do mundo no campeonato carioca virou sonho. Mas as imagens de 1995 são páginas eternas do livro dos dias do Fluminense, do Rio e do Brasil. Quatro Fla x Flus na competição, três vitórias tricolores e a última que vale por uma vida inteira. Viva os heróis tricolores de 1995, que podem ser representados por um ícone do Fluminense, que conquistou seu único título justamente neste jogo inesquecível: Ézio, melhor dizendo, Super Ézio.

Livros foram escritos, filmes foram produzidos, a internet contém todos os registros, inclusive a integra da partida. Tudo isso é de arrepiar, mas ainda é pouco para descrever o que foi o 3 a 2 do gol de barriga. Foi algo que só se vive uma vez e se carrega para sempre no coração. O jogo dos jogos.

@p.r.andel

OS FLAMENGUISTAS E OS BRASILEIROS MERECEM ESTA ALEGRIA

por Wesley Machado

Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Nesta extraordinária Copa do Mundo de Clubes estamos resgatando nosso sentimento de orgulho das nossas equipes e deixando de achar que os europeus são melhores que nós.

O pouco que acompanho do Campeonato Inglês por conta do Arsenal, time que torço na Inglaterra, percebo que não existe esta propalada superioridade.

Na última sexta-feira o Flamengo perdia de 1 a 0 para o Chelsea, da Inglaterra, que tinha como seu melhor jogador em campo o ponta português Pedro Neto, autor do gol do time bretão.

Mas o Flamengo foi Flamengo.

O ídolo Bruno Henrique entrou no lugar de outro ídolo, o bem marcado Arrascaeta.

BH27 fez o gol de empate, o que incendiou a torcida rubro-negra na Filadélfia, que começou a cantar “Vamos virar, Mengô”!

E eis que o Fla, no abafa, consegue a virada com Danilo em assistência de Bruno Henrique, que decidiu o jogo em três minutos.

O terceiro gol é marcado pelo garoto Wallace Yan, que também havia entrado na etapa complementar.

Placar final: Flamengo 3 x 1 Chelsea.

Méritos para o técnico Filipe Luís, que mexeu bem no time.

Eu não seria hipócrita em dizer que torci para o Fla, mas ao ouvir os gritos de “Mengooô” lembrei do que sempre penso após uma vitória do rival: todo mundo tem direito de ser feliz.

Se o meu Botafogo ganhou uma partida histórica na quinta de feriado contra o campeão da Europa, PSG, por que o Flamengo não poderia também vencer um time europeu neste sextô com muito pagode?

Os flamenguistas e os brasileiros merecem esta alegria.

NOVENTA MINUTOS

por Marcos Vinicius Cabral

Noventa minutos. Tudo se ganha e se perde em noventa minutos.

Em noventa minutos morrem pessoas e nascem outras. Pais recebem o abraço dos filhos e o “Sim” é dito no altar no casamento.

Em noventa minutos o apito do árbitro é ouvido tantas e tantas vezes. O eco da vitória assombra a torcida adversária. Isso porque são apenas noventa minutos.

Luta, persistência, talento, entrosamento, obediência tática… tudo preenche e cabe naqueles noventa minutos.

Comumente acontece nesse espasmo do tempo as alegrias e tristezas de um esporte que sangra a nossa alma e rasga de fora a fora o nosso coração.

Tudo isso, inadvertidamente, são os noventa minutos quando os músculos do corpo não obedecem mais o cérebro. A emoção brota, embora a frieza ainda esteja sido semeada há bem pouco tempo atrás.

Ninguém escapa desses nuances de humor e raiva, da bipolaridade extravasada que são tais os noventa minutos.

Ninguém!

Jogadores são separados dos craques e surgem os gênios que decidem. Tudo, absolutamente tudo, cronologicamente naqueles sagrados noventa minutos.

Quisera eu, na minha contumaz insignificância de torcedor, ter a percepção que a vida de quem torce, se descabela e sofre não dura mais do que noventa minutos.

Ah, futebol… meu amor por você não se limita a apenas noventa minutos.

FILIPE LUÍS SEPULTA VIÚVAS DO JJ

por Elso Venâncio

A primeira edição da Copa do Mundo de Clubes mobiliza torcedores no Brasil e no exterior, como sempre aconteceu na versão do torneio para seleções. O brasileiro, que esfriou o interesse pela Seleção nos últimos anos, faz movimentos com seus clubes que remetem aos anos 1980/1990, quando as ruas eram pintadas e a multidão se reunia para torcer pelo Brasil. 

A volta do intercâmbio internacional valoriza nossas marcas, e, com as boas atuações, adquirimos o respeito dos torcedores e analistas mundo afora. Este novo Mundial vai refletir positivamente na Seleção Brasileira, que no ano que vem igualará o seu maior jejum sem conquistar a Copa do Mundo (1970-1994). Nosso último título mundial foi em 2002, na Copa do Japão e da Coreia do Sul. Já se passaram quase 24 anos…

É conversa fiada a insinuação de que os clubes da Europa não estão levando a sério a disputa. Isso também vale para o argumento de que estariam sendo prejudicados por estarem no fim da temporada. As Copas do Mundo de seleções quase sempre são disputadas nesta época do ano. Alguns velhos pessimistas fazem questão de dizer: “Eles têm colocado reservas em campo”. Na verdade, quem tem elenco roda o time, como faz no Flamengo o Filipe Luis. É um técnico moderno, corajoso, que se preparou para a profissão, sepultando as eternas viúvas do português Jorge Jesus.

No confronto entre clubes brasileiros e europeus, temos mais vitórias. O Vasco mostrou a sua força em 1957, quando venceu o Real Madrid por 4 a 3, na final do primeiro Torneio Internacional de Paris. “Los Merengues” eram considerados o maior esquadrão do mundo, já tendo se sagrado bicampeões da Liga dos Campeões da UEFA (1955-56 e 1956-57). Nos anos seguintes, o Real chegaria ao pentacampeonato na maior competição da Europa, feito até hoje inigualável, garantindo também os títulos de 1957-58, 1958-59 e 1959-60. Na partida contra o Vasco em Paris, porém, o astro argentino Alfredo Di Stéfano foi anulado por Brito, que tinha 18 anos incompletos. 

Era comum os grandes clubes brasileiros conquistarem os títulos de torneios disputados no exterior. Foi assim com o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha, o Palmeiras de Ademir da Guia, o Flamengo de Zico…

Nosso futebol sentiu um baque quando Pelé parou de jogar, em 1977. Pelé não era só o Rei do Futebol, mas uma entidade dos gramados. Já no final dos anos 1980, com o fim das excursões e dos grandes torneios internacionais (Paris, Teresa Herrera, Ramón de Carranza e outros), ficamos carentes dos confrontos com os famosos clubes da Europa.

A partir de 1995, a  Lei Bosman favoreceu o poderio financeiro das equipes do Velho Continente. Contudo, o Brasil segue como o único país com cinco Copas do Mundo conquistadas, além de ser o maior exportador de talentos. Apesar disso, para chegarmos ao tetracampeonato, em 1994, precisamos deixar a arte de lado, jogando pelo resultado e apostando em Bebeto e Romário, os dois maiores atacantes do mundo na época. Desde então, outros técnicos brasileiros passaram a imitar o esquema usado por Carlos Alberto Parreira, mantendo os seus empregos, e alguns conquistaram títulos dessa maneira. Por isso, a concorrência dos treinadores de fora é importante. Com a volta do intercâmbio internacional, há sinais de um futuro melhor para o país do futebol.