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AMIGOS AMIGOS, ELIMINADOS À PARTE

por Zé Roberto Padilha

Na Copa de 90, fomos eliminados pela Argentina. Alemão, companheiro no Napoli de Maradona, poderia ter parado com falta sua arrancada no meio-campo. E não fez. Apenas o cercou. Maradona deixou Caniggia na cara do gol e fomos eliminados.

Contra a Croácia, Casemiro poderia ter feito o mesmo, parado Modric com uma falta no meio-campo. Mas apenas cercou o seu ex-companheiro de Real Madrid. E ele pode puxar o contra-ataque que resultou no gol de empate.

A história é implacável. E se repete. Contra imagens, não há argumentos. Só lamentos.

Amigos amigos, eliminados à parte.

AINDA SOBRE FUTEBOL, APEDREJAMENTOS E REFLEXÃO

por Paulo-Roberto Andel

Foto: Alex Ribeiro

Nesta manhã de domingo triste – meu amigo Caninha se foi -, parei para ler perfis diversos, admiráveis e desconhecidos, todos teorizando sobre a Copa do Mundo. Especialmente os que tentaram fazer um mergulho, digamos, mais intelectualizado sobre o tema.

Para meu gosto e análise pessoal, entre desabafos e decepções naturais, também li um festival de besteiras sobre o assunto. Besteiras colossais, aliás.

O futebol não é apaixonante apenas no Brasil, mas no mundo todo. A Copa do Mundo para a Terra. É um fato. E quem nutre paixão pelo esporte mais popular do planeta não é “alienado” nem vive de “ilusão” por conta dos sentimentos que desenvolveu. Muitas vezes o futebol é bálsamo para aliviar as pancadas diárias na sofrida vida brasileira.

Para quem viveu o Maracanã de verdade até 2010 e vive o esporte, explicar essa paixão no Brasil não é simples. Há uma enorme complexidade em torno do tema, que teorias acadêmicas distantes não dão conta de cobrir. O que dá para dizer é que foi uma febre nos primeiros 25 anos do século XX que nunca mais passou.

Portanto, falarei aqui como o que sou: um torcedor. É apenas o meu relato pessoal e só.

Embora sempre tenha pertencido à maioria pobre da população brasileira, tive uma criação digna, passando por boas escolas, tendo como estudar. Passei muitas dificuldades, mas caminhei até à universidade pública, bem ao lado do Maracanã, para minha alegria

Durante boa parte da minha vida, 25 anos, vivi no bairro mais misturado do Brasil: Copacabana. Lá, vi e conheci de tudo, porque todas as classes sociais interagem de alguma forma, com a quase exceção de parte dos milionários da Avenida Atlântica. Havia interação na escola pública que frequentei, no grupo de escoteiros que fiz parte por muitos anos, mas o único lugar em que realmente sentia integração total era no futebol – de praia, da vila onde estudei, da quadra que alugávamos com trocados no Corpo de Bombeiros.

Quando meu pai começou a me levar ao Maracanã, logo percebi que as pessoas não eram exatamente iguais às de Copacabana (e olhe que lá era tudo misturado). Havia uma mistura única. Várias vezes, ele comprava na bilheteria ingressos extras, três ou quatro, e distribuía para os garotos que pediram dinheiro para comprar um. Eles pulavam enlouquecidos, felizes, se abraçavam e subiam a grande rampa do Maracanã com suas roupas simples, às vezes sem chinelos e isso me emociona porque me leva a mais de quarenta anos atrás.

Eram crianças alienadas ou crianças de posse e total vivência de sua única alegria?

Os melhores momentos de minha vida com meu pai foram no Maracanã, sentado ao lado dele, espremido numa multidão. Cheio de pessoas diferentes, de todos os jeitos, de todas as cores, de todas as classes. Juntos, lamentamos grandes gols dos adversários e comemoramos muito os nossos. Vimos lindos espetáculos de bandeiras e muito, muito pó de arroz no ar. Não era só o jogo, mas chegar cedo, ver a multidão se aproximando, mais de cem mil pessoas pobres e ricas, pretas e brancas, gordas e magras, gays e heterossexuais, todas reunidas em torno do gramado para apreciar arte, num tempo em que tínhamos craques a granel.

Vendo um filme arrebatador, ou uma peça espetacular de teatro, ou ainda um show no inesquecível Canecão, você chegava a quinhentas, mil ou duas mil pessoas reunidas. Por vários motivos, nestes palcos sagrados e fundamentais, não havia a devida mistura social da cidade do Rio. No Maracanã, sim, e com cinquenta ou setenta vezes mais gente. Dá para compreender a dimensão? Isso a cada domingo durante quase sessenta anos, desde 1950.

Gostaria de lembrar que dois dos maiores atores brasileiros de todos os tempos eram completamente apaixonados por futebol: Sérgio Britto e Ítalo Rossi. Se fosse fazer uma lista de músicos, passaria o dia escrevendo, então rapidamente me lembro de João Nogueira, Cartola, João Gilberto e Ciro Monteiro, só para começar.

No Maracanã a gente se sentia gente de verdade, integrada, mesmo que o próprio estádio tivesse sido construído com certos apartes – casos da geral e da arquibancada, por exemplo -, mas eles não deram certo. Ali se vivia o único local do Rio de Janeiro onde o riso, o grito e a lágrima do homem pobre tinham o mesmo tamanho do cidadão rico. O único local. Nem o Carnaval, outro palco espetacular, tinha tanta oferta a preços populares.

Completamente louco por futebol, passei a ler todos os jornais possíveis em casa diariamente. Isso me levou às notícias políticas, de cotidiano, da cidade, de arte e cultura, isso com doze anos de idade. Foi o futebol que abriu espaço para meus outros interesses culturais, que não são poucos – vão de Estatística a botequins. E muitos anos depois de estar com meu pai de mãos dadas no Maracanã, foi o futebol que me abriu as portas para ser um escritor publicado, e consequentemente podendo publicar duas dezenas de livros sobre outros assuntos, no que sou eternamente grato.

Monstros sagrados das letras como Eduardo Galeano, Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros celebraram o futebol em suas obras. É impossível crer que o fizeram por alienação.

Por outro lado, como em qualquer estrato da sociedade, o futebol carrega problemas em seu entorno e até mesmo nas vísceras. Há quem prefira abominá-lo por isso. Eu prefiro procurar nele o que tem de melhor e, na minúscula parte que me cabe, criticar e denunciar o que considero errado e injusto.

O futebol me deu sensação de pertencimento a grupos, me trouxe amigos, me fez ir a veículos de rádio e TV ao vivo que eu jamais imaginaria. O futebol me permitiu passar horas conversando com personalidades como Gilberto Gil e Maria Bethânia. Conheci lugares, viajei e mergulhei tanto em estádios confortáveis como em verdadeiros muquifos para ver jogos com milhares de torcedores ou uns cinco, dez.

Anos depois de publicar meus primeiros livros, passei a produzir obras de outros escritores, em vários casos de futebol. É alienação ou produção?

Por fim, gostaria de dizer o seguinte: o Brasil não vai melhorar em nada porque a Seleção Brasileira é eliminada da Copa do Mundo e então o povo “retorna à realidade”. Diferente de criticar a atuação, apedrejar o futebol não acrescenta nada ao grande debate que todos esperam para que o país saia desse lodaçal. Pelo contrário: o futebol é um dos grandes símbolos da identidade brasileira e deve ser valorizado.

É certo que alguns jogadores famosos estão desalinhados da realidade brasileira e parecem despreocupados com seu povo. Só que eles passam e o esporte fica. Aí está há mais de 120 anos fincado no coração dos brasileiros. E é bom que se diga: mais de 90% dos jogadores de futebol no Brasil não ganham dois salários mínimos mensais.

Tanto faz se é numa arena moderna ou num campinho minúsculo. O futebol une as pessoas, integra, gera convivências e afetos e, num país onde mais de 70 milhões de pessoas oscilam entre a precarização e a miséria, muitas vezes ele é o único momento de alegria – às vezes até de paz. Podem ter certeza: em muitas vezes, o caldo social brasileiro não entornou de vez porque lá estava o futebol ajudando a acalmar os ânimos, em muitas esferas.

Em vez de posts empolados e com teorias confusas, muitos intelectuais contribuiriam para a discussão sobre futebol fazendo exatamente o que fazem com suas temáticas preferidas: pesquisando e estudando em vez de chutar – muito mal, por sinal.

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Paulo-Roberto Andel, escritor e estatístico carioca, é autor/coautor de aproximadamente 40 livros físicos e digitais sobre futebol, poesia, crônicas, humor e política. Edita o site Panorama Tricolor, o blog otraspalabras!, colabora com o Correio da Manhã e o Museu da Pelada. Sobre o Fluminense, seu time de coração, publicou 20 livros.

constelação de ídolos na terra do chuvisco

por Walter Duarte

“Festa no interior”. Diria eu nessa importante incursão do Museu da Pelada pelos ares da planície Goytacá em Campos RJ. Tivemos a gratíssima satisfação de receber o mestre Sérgio Pugliese e seu fiel escudeiro, o craque cinegrafista, Daniel Planel, na festa anual dos ex-atletas do Americano FC, organizada pelo intrépido Jaílton. A AEXCANO (Associação de ex-jogadores do Americano), mais uma vez, mostrou a importância da união dos jogadores que marcaram época no clube, com a participação de membros da torcida organizada. Um final de semana de reencontros e de recordações das belíssimas fases do Americano e também das participações dos clubes campistas no Campeonato Brasileiro e Carioca, além da eterna rivalidade entre Americano e Goytacaz.

Na véspera do evento principal, como “aquecimento”, estivemos na casa do nosso ídolo, lateral-direito Totonho, sempre generoso, onde ocorreu a tradicional peixada preparada com “requinte” pelo zagueirão Capixaba Giovane. Na verdade, um encontro desejado há tempos junto à equipe do MP.

Ficamos muito felizes em rever e entrevistar o ponta esquerda Sérgio Pedro, o lateral-esquerdo Valdir, hoje radicado em São Paulo, o eterno cabeça de área Índio, os zagueiros mineiros Luciano ” buchecha” e Silvano, os atacantes Eduardo Orçai, Renê e tantos talentos presentes que passaram pelo Alvinegro Campista. No sábado a festa continuou a todo vapor na sede Campestre do IFF, e retornamos ávidos ao local para celebrar com outros craques, entre goles de chopp, boas risadas e sentimentos fraternos.

Tivemos também a grata presença do Disson, Marcelo Almeida, Souza, Afrânio, Oliveira (ex-Bangu), o ponta direita ” ensabuado” Amarildo e os goleiros consagrados Geraldo e Gato Felix. Notada também a chegada de um dos maiores jogadores de Campos, na minha opinião, Paulo Roberto. Ao final da manhã tínhamos a impressão que aquela resenha, não terminaria nunca pelas histórias e experiências de cada um. Houve tempo também para uma rápida entrevista com o habilidoso ponta esquerda Marcinho, cria da casa e o zagueiro Paulo Marcos, que jogou no Internacional de Falcão e Cia, Campeão Brasileiro de 79. Sem dúvidas que essa foi uma das grandes jornadas do MP neste ano, motivo de orgulho de todos nós.

Uma viagem no tempo, desbravando os limites do nosso alegre futebol. Para mim uma satisfação inenarrável de resenhar com aqueles que foram meus primeiros ídolos de infância. Personagens que refletiam a força do futebol do interior, revelador de craques.

Valeu demais !!!

***Nossos sinceros agradecimentos aos amigos Sergio Pugliese, Daniel Planel, e equipe do MP pela grande cobertura no Norte Fluminense, e todo reconhecimento dispensado aos nossos craques do passado. Minha consideração também ao parceiro Carlos Alberto “Patinho” pela ajuda logística (nosso produtor a partir de hoje). E ao Jailton que continue com essa energia contagiante para realizações desses eventos.

O MENINO E A BOLA

por Victor Kingma

O menino joga bola
No pequeno terreno baldio
No recreio da escola
No campo, na beira do rio

Chuta bola no jardim
Quebra o galho da roseira
Até o jogo chegar ao fim
No espinho da trepadeira

Joga bola na praça
Chuta a bola no canteiro
Às vezes quebra a vidraça
Do vizinho encrenqueiro

Chuta bola na calçada
Joga bola na rua
Com o pé faz embaixada
No braço, o ídolo tatua

Como joga esse menino
Debaixo de chuva ou de sol
Que lhe reserve o destino
Ser um jogador de futebol

NÃO SUBESTIMEM UMA LENDA

por Zé Roberto Padilha

Se não fosse a idolatria que o cerca, conquistada dentro de campo pelo talento e obstinação, ninguém prestaria a atenção em Portugal.

Sua seleção, modesta, representa o pouco interesse que seu campeonato nacional desperta na imprensa internacional. De tão pouca repercussão, não foi capaz de seduzir nenhum grande craque a atuar no Porto, Sporting ou Benfica.

Portugal não ganhou nenhuma Copa do Mundo. Um jogador seu, porém, ganhou a Bola de Ouro da Fifa por cinco vezes. Nao há precedentes. Com exceção de Eusébio, nenhum outro foi sequer lembrado pelo bronze. Não é pouca coisa.

Tudo isso incomoda, causa ciúmes, beicinhos nos anonimatos.

Agora, para aparecer debaixo dos holofotes que só ele, Messi, Mbappe e Neymar são capazes de atrair, seu treinador o coloca no banco de reservas diante de uma seleção limitada tecnicamente, como a Suíça. E goleia.

Mais do que isso, com 4×0 no placar, aos 20 do segundo tempo não atende aos apelos do estádio, do mundo, das crianças que só assistiam essa pelada de luxo por sua causa. E só o coloca nos minutos finais com a intenção de puni-lo.

Esse cidadão, treinador de Portugal, não está punindo Cristiano Ronaldo. Está vendendo um show dos Beatles sem o Jonh Lennon porque este insurrecionou. E pune não a ele, mas os amantes da boa música, do bom futebol, que estão cansados da mesmice e das limitações das novas gerações.

Depois dos que torceram contra a Argentina e para que a contusão do Neymar fosse mais séria, a mais idiota das atitudes tem sido torcer para que a Copa sofra a ausência de um das suas maiores atrações.

Um ídolo não se faz da noite para o dia. Muito menos, conseguem apagar seu brilho da noite para o dia.

Essa Copa do Mundo ainda vai falar muito pouco sobre Portugal. Mas sobre Cristiano Ronaldo, motivado e mordido, vão ter que reservar muito espaço para lhe exaltar.

E pedir desculpas.