MESTRE OLDEMÁRIO TOGUINHÓ
por Elso Venâncio, o repórter Elso

Um dos mestres, dos maiores nomes do Jornalismo Esportivo, foi Oldemário Toguinhó. No Jornal do Brasil, cobriu 10 Copas do Mundo. Eraldo Leite, da Rádio Tupi, campista e botafoguense como Oldemário, também atingiu essa marca, sendo homenageado pela FIFA durante o último Mundial, no Catar.
Repatriado pelo Flamengo após o tetracampeonato nos Estados Unidos, em 1994, Romário chegou ao Rio de Janeiro e resolveu ‘abandonar’ a seleção. Na verdade, queria apenas ‘dar um tempo’, curtir a idolatria alcançada desde que trouxe de volta à Copa do Mundo ao Brasil. Disciplinador, Zagallo preferiu não mais convocá-lo. Isso mesmo, passou a não chamar, simplesmente, O MAIOR JOGADOR DO MUNDO.
Não demorou muito e o ‘Baixinho’ mudou de ideia. Queria voltar, sim, a vestir e honrar a amarelinha. O camisa 11 não era a maior personalidade do futebol, mas, sim, do país. Desde que ganhou a Copa, voltou a jogar no Brasil, onde era tratado feito ‘Rei’.
Várias convocações feitas e Romário sempre fora. Num belo dia, o jornal O Globo abriu a seguinte manchete:
‘Romário continua fora’.
No JB, o contrário:
‘Romário volta à seleção’.
Zagallo entrou na sala de imprensa da CBF e sanou a dúvida:
“Romário está convocado.”
Toguinhó ficou imóvel, com sua inseparável pochete preta sob o braço. Acompanhou a coletiva e foi para a redação. Aplaudido de pé pelos companheiros, murmurou:
“O que é que é isso?” – baixou a cabeça e chorou copiosamente. Um choro tenso, de alegria, por mais um dos incontáveis furos de reportagem de quem ganhou dois ‘Prêmios Esso’, o ‘Oscar’ do Jornalismo, por suas matérias espetaculares.
Oldemario foi compadre de Pelé. Tornou-se padrinho de crisma de uma das filhas do “Rei”. Era comum o Jornal do Brasil e também o Estado de São Paulo, onde o jornalista colaborou por mais de 30 anos, pedirem opiniões dele sobre seu melhor amigo, Pelé.
“Pode colocar” – respondia na hora. “Não jogo a Copa de 1974. Dinheiro não é tudo!”
Oldemário antecipava e Pelé confirmava. Toda e qualquer declaração.
Noutra primeira página histórica, o JB estampou:
“Pelé vai jogar no Cosmos.”
O faro indomável de repórter o levou a fazer curso de fotografia. Assim, nos jogos da seleção, Oldemário ficava atrás do gol, com colete de fotógrafo, de onde conseguia extrair exclusivas com o técnico e vários jogadores.
Aprendi muito o vendo trabalhar e escutando seus conselhos:
“Garoto, tenha um carinho especial com o roupeiro e os massagistas. Eles sabem tudo”.
Atento a todos os detalhes, nos jogos Touguinhó usava pequenos fones de ouvido para escutar a Rádio Globo. Ainda tinha uma curiosa superstição: chegava à Tribuna de Imprensa do Maracanã sempre com o jogo em andamento.
Oldemário Vieira Toguinhó, o grande cronista e apurador de notícias do futebol brasileiro, nasceu em Campos dos Goytacazes no dia 8 de novembro de 1934. E nos deixou, aos 68 anos, vítima de parada cardíaca, em 20 de janeiro de 2003 – coincidentemente, 20 anos após a partida do principal parceiro dentro de campo de Pelé, Mané Garrincha, porque fora das quatro linhas a dupla de ouro do ‘Rei’ era Oldemário. Com sua saída de cena precoce, Touguinhó deixou um enorme vazio no Jornalismo!
Saudades eternas!
ZICO, fagner, emoção
por Rubens Lemos

O clip do Fantástico bateu recordes de audiência naquele domingo de fevereiro. Vestíamos o coração do amarelo da seleção de 1982, a última do balé-bola, e surgiam Raimundo Fagner com a sua voz indolente de mar nordestino e o melhor jogador brasileiro, Zico, camisa 10 daquele timaço de Telê Santana, tão luminoso em virtudes quanto tenebroso nos poucos e fatais defeitos.
Nem havia para nós, meninos, o menor indício do que seria Paolo Rossi e sua companhia assombrosa dali a cinco meses no gramado do Estádio Sarriá, vitória italiana por 3×2, de um jogo que o tempo me ensinou: nem sempre é o Brasil que perde, os adversários também ganham e a Azzurra era brilhante.
Aos 29 anos por fazer, Zico estava no fio da forma, na flor do encantamento. E Fagner interpretava minhas quimeras e paixões inocentes desde uns três anos antes, meu pai colecionava seus discos de vinil.
Zico e Fagner lançavam um compacto, uma versão pequenina do LP, com a marcha de carnaval Batuquê de Praia. Fagner cantava, Zico dava caneladas vocais.
Letra menos que inofensiva: “Não é qualquer carnaval, não é qualquer litoral, que faz a minha cabeça não, não é qualquer fuzuê não é qualquer não sei quê, que vem bater no meu coração, tem que ter um quê, pode ser você, que rebola a saia e faz um fuzuê, no batuque de praia.” Importante era a dupla, cada qual campeoníssimo em sua arte.
A Globo mostrava imagens de Zico fazendo, uma, duas, três embaixadinhas na areia de Itapararica(BA) e inventando outro truque impensável, senão nos estupendos.
Tocava a bola com o peito do pé e a envolvia no ar, por baixo da perna, num repente ilusionista, até apará-la novamente no lugar onde iniciou a jogada. Impressionante o repertório de Zico.
No dia seguinte, um personagem de minha infância, aqui e acolá presente na coluna, juntava a patota ao seu redor, todo mundo boquiaberto.
Em menos de 24 horas, o craque de nossa rua, Flávio Tércio, imitava o lance de Zico nos detalhes sumários. Ele era nosso Zico presencial. Todos à sua volta, deslumbramento puro.
A infância é a melhor parte e a mais triste da vida. Quando a vivemos, queremos deixá-la, quando envelhecemos, imploramos para reencontrá-la, joelhos postos sobre migalhas memoriais indescritíveis. Feito as lembranças, de Zico e Fagner na televisão e a do meu amigo craque, original como uma joia, sem falsificação.
Na terça-feira, 12 de abril, terminei de assistir a uma série na Paramount e, por acaso, sintonizei a Band no Programa do Faustão. Sinto náuseas da TV aberta brasileira, raramente assisto qualquer programa, dentro do ritual diário de desgraças que me fazem implorar pelo mergulho de volta no redemoinho do tempo.
Poderia parecer prece, mas a fé é guardada a destinatários de maior importância afetiva e psicológica. Ainda nas comemorações dos 70 anos de Zico, feitos dia 3 de março, ele e Fagner se apresentavam. Fagner cantando canções dele e de outro poeta, Gonzaguinha, morto novo, em acidente de carro.
Faustão ressaltando o que todo o ser humano de mediano entendimento sabe decorado: que Zico, muito mais que um artesão das quatro linhas, sempre foi um homem decente, de caráter intocável, admirado por todos os (normais) que o viram atuar.
Fagner relembrando episódios de uma amizade de cinco décadas. E a emoção mexendo comigo. Zico de pernas mais arqueadas, ao fundo o telão com fotografias suas na seleção brasileira, no Flamengo e no Kashima Antlers, do Japão.
Ao fim do quadro com o Faustão, Zico puxa o disquinho com Batuquê de Praia. Ele e Fagner tabelam versos. Vou repassando em segundos os dias mais felizes, em pé, de pijama, abobalhado.
Ridículo? Talvez. Valeu por Fagner, por Zico. De voleio, a recordação de Roberto Dinamite, que completaria 69 anos no dia seguinte. Dinamite falecido dia 8 de janeiro. Meus heróis estão morrendo. Dinamite, saudade e inspiração para uma melodia de Fagner, com Zico, o rival mais parceiro, tabelando.
ALdAIR, O SOBERANO DA ZAGA
por Luis Filipe Chateaubriand

Quando se pensa em um zagueiro que transborde classe, é em Aldair que se pensa!
Em primeiro lugar, Aldair era ótimo no desarme – qualquer atacante que tentasse passá-lo, encontrava uma “muralha” pela frente.
Em segundo lugar, Aldair era excelente na antecipação – capaz de ter leitura de jogo que lhe permitia ver o momento em que o lançador ia fazer o passe e chegar na frente do atacante que ia recebê-lo.
Em terceiro lugar, Aldair tinha excelente posicionamento – capaz de se colocar na área de uma forma a um só tempo exata e eficaz.
Foi assim, então, que Aldair se tornou um excelente zagueiro, seja no Flamengo, seja no Benfica, seja na Roma ou seja, ainda, na Seleção Brasileira.
Aldair, o gênio da zaga!
“Bahêa, Minha Paixão – Primeiro Campeão do Brasil”
por Nestor Mendes Jr.
O zagueiro é um dos destaques do Capítulo 3, que trata da conquista do primeiro campeonato brasileiro, em 1959/1960

Henricão — Henrique dos Santos — zagueiro e último remanescente da esquadra do Esporte Clube Bahia de 1959 — o primeiro campeão do Brasil — é um dos destaques do capítulo 3 do livro “Bahêa, Minha Paixão – Primeiro Campeão do Brasil”, do jornalista Nestor Mendes Jr., lançado em dezembro do ano passado.
“Não acreditávamos no título, porque jogávamos contra o Santos de Pelé — o melhor time do mundo de todos os tempos. Não éramos melhores individualmente, mas sobrávamos em preparo físico. E união: embora brigássemos muito, em campo éramos todos unidos, com o único objetivo de vencer”, contou Henricão, o “Gigante de Ébano” que, durante dez anos, de 1957 ao começo de abril de 1967, tomou conta da zaga do Tricolor — campeão baiano seis vezes, campeão do Norte/Nordeste e primeiro campeão do Brasil.
Com 320 páginas, capa dura, no formato 28,5 x 28,5, o livro de Nestor Mendes Jr. conta a saga do Esporte Clube Bahia desde a sua fundação, em 1º de janeiro de 1931, até a temporada de 2021, quando o clube completou 91 anos de existência. “O projeto gráfico é do designer Alan Maia; a capa é de Fábio Domingues (do BBMP!), sobre belíssima foto de Ulisses Dumas. A obra está dividida em nove capítulos, abarcando a história da fundação, as 90 temporadas de 1932 a 2021, os títulos brasileiros de 1959 e 1988, os grandes rivais, os grandes jogos, a torcida – subdividido com as histórias do hino e do manto tricolor – e o último capítulo, o nono, dedicado à luta pela democracia”, explica Mendes Jr.
Segundo o autor, duas “preciosidades” são apresentadas em “Bahia, Minha Paixão”. “Pela primeira vez, o torcedor do Bahia — e o público de um modo geral — irá ver uma fotografia colorida da primeira formação do Esquadrão, em 1931. Foi um trabalho minucioso e delicado de restauração e colorização feito pelo estúdio da artista paulista Marta Rajabally — que também aplicou a mesma técnica na foto do primeiro campeão brasileiro, na decisão Bahia 3×1 Santos, no Maracanã, em 29 de março de 1960. É algo inédito e o resultado ficou extraordinário”, exulta o escritor.

*SOBRE O AUTOR*
Apaixonado pelo Esporte Clube Bahia, Nestor Mendes Jr. nasceu em São Sebastião do Passé, Bahia, em 27 de novembro de 1962. Formado em Jornalismo, pela Universidade Federal da Bahia, e em Direito, pela Universidade Católica do Salvador, trabalhou em diversos veículos de comunicação da Bahia, como A Tarde, TV Bahia, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Bahia Hoje, Rádio Sociedade, Rádio Educadora e como repórter free lancer do Jornal do Brasil. Já autuou no marketing político de 18 campanhas eleitorais. É autor de “Elixir”, de 1984; “Bahia Esporte Clube da Felicidade – 70 Anos de Glórias”, de 2001; e “Nunca Mais! – 25 anos de Luta pela Liberdade no Esporte Clube Bahia”, de 2014.
HENRICÃO: A LENDA VENCEU O TEMPO
por Mauro Ferreira
O tempo tem a estranha mania de querer apagar a memória e tentar roubar da história suas mais preciosas lembranças. Primeiro campeão brasileiro de futebol, Henricão, zagueiro da equipe do Bahia de 1959, ainda guarda retalhos dos três jogos da final contra o Santos. É o único vivo do time. Em sua casa, na bucólica Miguel Pereira, interior do Rio, um gramadinho bem tratado cuida de manter viva a tal história que o tempo insiste em dar fim: é o ESTÁDIO HENRICÃO.
“Dorval, Mangálvio, Coutinho, Pelé e Pepe”. A linha de ataque do Santos permanece viva e é citada infinitas vezes pelo senhor de 89 anos, carioca nascido no Méier e criado na Pavuna. Também não esquece os títulos de campeão baiano e vai contando nos dedos, um a um: “campeão, bicampeão, tricampeão, tetracampeão e pentacampeão”. É como se do conforto de seu sofá erguesse cada uma das taças.
Lembra pouco dos jogos, mas está gravada na memória as noitadas pelas boates, bares e casas de shows de Salvador, Santos e Rio de Janeiro junto com os jogadores do Santos. Sim! Farra com os adversários depois do jogo. Independente do resultado, havia que se celebrar o futebol. De preferência, com música e dança. Arte pura.
Aos poucos, a fala trôpega do início da entrevista dá lugar a uma voz firme, de malemolência bem carioca e passa a contar as histórias que ainda lembra: “Ganhamos do Santos lá”. “Marcar o Pelé? Impossível”. “Mas, ele gostava de uma música e de uma farra”, conta sem esconder o sorriso moleque.
É, a música trai o tempo. Com ela, revive pedaços da sua história, canta com o filho, rege o filho, pede mais volume no violão e uma lágrima desce do olho direito junto a um sorriso feliz. Expande o olhar para além da sala de sua casa. Reconta, pra si mesmo através da música, sua própria história. Volta a lembrar dos três jogos finais – final que só acabou no ano seguinte, em 29 de março de 1960. Três a dois Bahia, na Vila Belmiro, dois a zero Santos, na Fonte Nova (ambos os jogos em dezembro de 1959) e três a um pro Bahia, em pleno Maracanã com público superior a 20 mil pessoas.
Era uma terça-feira, aniversário da cidade de Salvador.
Ali, no templo do futebol, há 63 anos, o tempo perdia mais um jogo. Mais uma lenda nascia naquele dia. Atende pelo apelido de Henricão, o Madeirada.
