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O PRESENTE

24 / dezembro / 2019

por Claudio Lovato


“Quase que não consigo!”, ele diz para si mesmo, esbaforido, num sussurro de alívio, de pé no metrô, a caminho de casa. “Caraca”.

Véspera de Natal, quatro e meia da tarde, e só agora ele conseguiu tomar o caminho de casa. 

A saída apressada da seguradora em que trabalha como auxiliar administrativo. A ida de ônibus para o estádio, para a loja do clube – porque a compra tinha de ser feita lá, na loja do estádio. 

Compra parcelada em seis vezes no cartão de crédito que ele vinha cuidando de manter rigorosamente em dia desde setembro. 

Do estádio para o metrô, que chacoalha. Ele se preocupa com a sacola que tem o distintivo do clube em tamanho grande, quase gigante; cuida para que ninguém, na aglomeração do trem lotado, amasse ou rasgue ou suje aquela embalagem que, por si só, já significa muito, já é praticamente o presente.

O metrô chega à estação de todo o final de dia, e ele, saindo do vagão, olha para dentro da sacola, para checar se o conteúdo ainda está ali. (E se não estivesse? Não, ele não consegue nem por um segundo pensar nessa hipótese.) 

Na praça, a duas quadras de casa, ele sente que conseguiu, sente uma inédita onda de euforia que faz com que tenha vontade de sorrir e apressar o passo, correr.

Agora ele está quase correndo mesmo, a sacola com o distintivo do clube bem segura na mão direita, e, quando vira a esquina e vê que o menino está na porta da casa, tenta se controlar, tenta aparentar o pai que é, ou o pai que imagina ser, e então reduz a velocidade e contém o sorriso e respira fundo, mas é tudo muito forte, um fluxo de emoção potente demais, de maneira que só o que ele consegue fazer quando chega diante do menino, a menos de um metro dele, é dizer “toma, é o teu presente”, e o menino abre a sacola e de dentro dela tira uma camisa oficial do clube, o clube que aprendeu a amar indo ao estádio e vendo jogos na TV com aquele homem que está ali à sua frente, seu pai. E é nesse exato momento que, lá dentro da casa, assistindo a tudo, uma mulher – esposa, mãe – sente uma onda de profundo amor que é maior do que tudo que já sentiu na vida.

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