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O FUTEBOL VOLTOU PARA CASA

3 / fevereiro / 2020

por Serginho 5Bocas


Faço parte, com muita honra, de uma geração de nascidos e crescidos numa época de ouro do futebol brasileiro. Cresci ouvindo os mais velhos falando maravilhas das equipes vencedoras das Copas do Mundo de 58, de 62 e principalmente da seleção de 70, aquela que foi espetacular, por apresentar beleza e eficiência numa rara e talvez única combinação perfeita de futebol arte, comandada tecnicamente pelo Rei do futebol.

 Vale destacar nesta introdução, que houve uma importante influência do húngaro Bela Gutman na forma de jogar do esquadrão brasileiro de 1958, que fora comandado pelo seu ex-auxiliar técnico no São Paulo, Vicente Feola, já que juntos venceram o campeonato paulista de 1957, quando introduziu o 4-2-4 no Brasil, que era um esquema altamente ofensivo e que ajudou os brasileiros a abrirem contagem nos títulos mundiais e deu fim em nosso famigerado complexo de “vira-latas”, salve Bela Gutman!

Depois, fui testemunha ocular da mágica seleção de 1982, comandada pelo mestre Telê Santana, que se orientava pela exaustão nos fundamentos e na busca da perfeição técnica dos craques em busca da coletividade e que traduzia com os pés o verdadeiro sentido do futebol arte. Para se ter uma ideia de como aquela banda tocava, Sócrates, que fora capitão daquela turma, dizia que era um tesão jogar com aqueles caras, para todo lado que ele olhava, tinha uma fera para trocar passes e criar coisa boa, muito boa, deixaram saudades com suas cinco partidas de enciclopédia no verão espanhol.

Depois deste breve período de fantasia, o futebol brasileiro começou a passar por uma série de transformações que não fizeram bem para os torcedores, clubes, jogadores e para a nossa própria seleção. Mesmo vencendo dois mundiais (1994 e 2002), não éramos mais os “outliers”, o ponto fora da curva, agora vencíamos de forma diferente do habitual, com muito mais transpiração do que inspiração, parecendo muito com os outros vencedores que a gente tanto desdenhava e que agora, por ironia do destino é nosso “benchmark”.

Passamos a ouvir que esse negócio de futebol arte é utopia da cabeça de um monte de velhos saudosistas. Que jogar com um cabeça-de-área ou volante mais técnico era suicídio, que fazer 1.000 gols na carreira é coisa da época que se amarrava cachorro com linguiça, que dribles eram provocações desnecessárias e a pior de todas, que gol era um detalhe, putz! Tudo passa! O tempo é o melhor remédio, apesar da turma de pessimistas de plantão que adora exaltar o fim do mundo, o futebol nunca deixou de dar algum ar da sua graça isoladamente e foi dando mesmo que a conta gotas. 

Maradona genial e a efêmera Dinamáquina marcaram na Copa de 86, Roger Milla comandou uma revolução alegre com a seleção de camarões na Copa de 1990, o São Paulo de Telê recuperou a auto estima do mestre e do nosso futebol de tão belo e vencedor que foi, o Palmeiras de 1996 que apesar de sua passagem fugaz de tão breve que foi, deu show no paulistão daquele ano, fazendo tantos gols com tanta frequência e apetite que lembrou o Santos de Pelé. Romário e Bebeto na Copa de 1994 foi como uma colherzinha de leite num copo de café de tão ralinho, mas bão demais e Ronaldo Fenômeno em 1998 atropelando os holandeses e em 2002, feito uma ave fênix renascendo das cinzas, nos davam bons sinais de vida inteligente. Ronaldinho Gaúcho, o bruxo, brincou de gastar a bola e de se divertir sem deixar de ser vencedor, sobrava na turma, mas ainda faltava alguma coisa e aos poucos o futebol, com a valentia de alguns raros representantes, foram colocando os pingos nos “is”. 

Romário fez 1.000 gols ou quase disso, não importa, mostrando que fazer muitos gols não dependia da época, mas sim da capacidade rara de colocar a bola para dentro da rede amiúde. Messi com seus dribles e mudanças inesperadas de rotas em alta velocidade, foram nos anestesiando e mostrando que o drible pode ser lindo, objetivo sem ser desnecessário. 


Mas aí veio a cereja do bolo, o Barcelona com o sistema Pep de Guardiola que em 2011 fez uma verdadeira ruptura daquilo que estávamos acostumados a pensar que era futebol. Enterrou as ideias preconizadas de futebol de resultados, propaladas aos quatro cantos do mundo por gente como Bearzot, Billardo, Parreira, Ayme Jacquet, Felipão, Marcelo Lipi e o grande mestre de todos os retranqueiros, o bem arrumado e midiático, mais conhecido como “the special one”, o português José Mourinho, em suma, o ex-jogador espanhol quebrou tudo e fez chover, desmascarando a farsa montada ao longo dos anos por vários campeões mundiais.

Guardiola fez um enorme bem ao futebol. Trouxe de volta a vitória com qualidade, com arte, com posse de bola e beleza. Nos mostrou um meio de campo sem trogloditas, com apenas um cabeça-de-área(Busquet) e 2 baixinhos habilidosos e geniais (Xavi e Iniesta) e um ataque com 3 jogadores que tinha até “pontas” e Messi, arruinando as defesas com suas jogadas e gols extraterrestres, quanta heresia! A marcação foi para o campo do adversário de forma sufocante até a bola ser deles de novo, a zaga saia jogando de pé em pé sem chutão ou ligações diretas com o ataque, o meio pensando o jogo e muitos gols, sim, os gols voltaram a ter importância, que maravilha!

Era o “tik tak” espanhol de Pepe Guardiola e ele fez questão de explicar que na sua origem, havia sementes selecionadas da Holanda de Cruyff e da seleção brasileira de 1982, um espanto para os pessimistas.

O Barcelona fez o mundo repensar o jeito certo de jogar futebol e a Europa quase toda mudou. Quem assiste aos jogos da “Champions League”atualmente, observa que é mandatório jogar do jeito que o Barça jogava.

E o que o Brasil fez para acompanhar este movimento? Nada. Continuamos a jogar nossa bolinha que já vinha murchinha faz tempo. Lento, cheio de brucutus no meio de campo, com jogadores grandões e com seus treinadores com discurso pronto, enfadonho e desalentador, se afastando cada vez mais do futebol de primeiro mundo. Para se ter uma ideia é comum ver nas transmissões da tv do nosso futebol, zagueiros e torcedores vibrando com um carrinho que joga a bola e o jogador pela linha de fundo até o alambrado e deixa pra lá de imundo o calção do marcador, quer mais pobreza do que isso?


Até que o português Jorge Jesus desembarcou por aqui e fez uma revolução sem precedentes. Antes de tudo quero lembrar que fiz críticas a ele quando escalou o Rafinha no meio de campo contra o Emelec e o manteve na partida quando tudo indicava que o melhor seria substitui-lo. Desnecessário e teimoso, mas tenho que reconhecer que o cara abalou a Gávea e o futebol brasileiro, depois deste episódio.

Jorge Jesus não inventou nada do que está nos apresentando, pois como já disse, este jogo intenso, de velocidade, de toque e posse de bola, de marcação no campo de defesa do adversário e de fome de gols, ele aprendeu com a turma de Cruyff e de Guardiola, mas pelo jeito o aluno é dos bons, só faltava os insumos, que possivelmente o Benfica nunca pode fornece-lo.

Jorge Jesus encontrou sua cara metade no Flamengo e está em lua de mel com a torcida. Possivelmente nunca teve nas mãos um elenco com tanta qualidade técnica, altruísmo e sangue nos olhos. O Flamengo em menos de seis meses, mudou da água para o vinho e vai fazer o futebol brasileiro repensar o seu modo de jogar, o cara balançou as estruturas, seus números comprovam. 

Os seus críticos mais amargos irão dizer que ele não é essa “coca-cola” toda e que só conseguiu essas proezas porque recebeu nas mãos um elenco recheado de ótimos jogadores, mas como explicar o jogo feio de seus antecessores e até mesmo de seus pares no campeonato em curso, que com raríssimas exceções, não conseguem mostrar a predileção do português pelo futebol intenso, ofensivo e com “fome” de gols, isso ele não recebeu de ninguém. 

O DNA do Flamengo é de atacar, sua torcida magnética não aguenta retrancas, mesmo que traga títulos. Jorge Jesus foi muito feliz em encontrar este ambiente favorável e soube como ninguém implantar suas ideias e conceitos.  

No brasileiro de 2019 ele venceu e bateu vários recordes históricos de performance, na libertadores da américa que ele conquistou contra o River Plate nos presenteou com outra vertente. O Flamengo teve sérias dificuldades contra um time que marca como se fosse a última partida do mundo. Galhardo deve ter rezado e decorado a cartilha de Simeone do Atlético de Madrid, pois fez seus jogadores se multiplicarem, parecem brotar da grama ou que são 15, 16 jogadores contra os 11 do adversário. Esta filosofia quase anulou o ataque fortíssimo do Flamengo, foi por pouco, para ser mais exato por 6 ou 7 minutos. Somente a persistência, o sangue nos olhos e a qualidade dos atacantes do Flamengo poderiam reverter aquela situação angustiante e o fizeram, da forma mais dramática possível, quase enfartando uma legião de torcedores.


Contra o Liverpool, na final do mundial, foi outro capítulo marcante de sua bela história, pois encontrou pela frente, um time de muita qualidade, força e acostumado a jogos decisivos. Foram eles que contra o Barcelona de Messi na semifinal da “Champions league” do último ano, reverteram uma situação que parecia sem solução, viraram um 3×0 sem a presença de Salah e Firmino, muito parecido com a forma que o Flamengo se comportou e venceu o jogo contra o River Plate.

O placar final foi a vitória do Liverpool por 1×0, que não foi surpresa para ninguém. Surpresa mesmo foi o Flamengo ter chance de vencer o jogo sem ter que prostituir sua forma de jogar, fruto das ideias do português Jorge Jesus que introduziu em apenas 6 meses no clube, uma mentalidade vencedora e ofensiva. 

Encarar um time milionário, campeão europeu, recheado de estrelas internacionais, treinado há anos pelo mesmo treinador e estando em final de temporada quando o desgaste dos jogadores é muito grande, não é coisa para amadores. Vale lembrar que foi a reedição da final de 1981, quando eles só tinham ingleses e escoceses em campo, mas já se achavam, pois na versão conhecida agora e pra lá de “interessante” dos ingleses, eles estavam bêbados e sem tesão para jogar. Quem tem dinheiro, também conta história, mas toca o enterro.

Ao término da partida, concluiu-se que qualquer um poderia ter vencido apesar da ligeira vantagem dos ingleses em chances reais de gols e que o bicho papão não era tão feio. A magnética cantou muito a paródia da bela canção de Kiko Zambianki, tentando empurrar seu time, mas faltou gol para vencer, simples assim, pois posse de bola sozinha não ganha jogo.

De Bela Gutman a Jorge Jesus muita coisa mudou, mas não a essência de quem aprecia o bom futebol e tem coragem, pois isto é intrínseco as pessoas inteligentes e de bom gosto, seja lá de qual segmento profissional elas estejam inseridas, o legal desta historia toda é que finalmente o futebol voltou para casa dos brasileiros pelas mãos de um português.

Salve Jesus!

Um forte abraço

Serginho 5Bocas

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