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O CRAQUE GLAMOUR

11 / maio / 2016

por Zé Roberto Padilha

Sou daquelas pessoas que deveria todos os dias passar pelas portas das igrejas, templos, sinagogas, entrar e agradecer. Seja virado para Meca ou Jerusalém, tenha a Bíblia, o Evangelho Segundo o Espiritismo ou o Alcorão às mãos, levantar as mãos para os céus e dizer: muito obrigado! Era um bom ponta esquerda, o Beto bom de Bola por aqui, mas que quando cheguei para fazer testes, aos dezesseis anos nas Laranjeiras, tinha Betos bons de bola às pencas. De Friburgo, Teresópolis, Mesquita, Campos e Muriaé. Fui treinando, me esforçando, abrindo mão de uma adolescência que pouco vivi fora da minha rotina de dormir cedo, não fumar ou beber, disputar a pole na subida das Paineiras com o Edinho, Toninho Baiano e o Pintinho. Muitos amigos trirrienses foram treinar no Rio. Dispensados, voltaram debaixo de um vaia silenciosa, que os marcaria para o resto da vida. Tinha vergonha desta volta, e treinava, treinava, treinava. Alcançar o título de campeão carioca juvenil, em 1970, nos ajudou a ficar. Como o Fluminense, por ser campeão, foi a base da seleção sub-20 que disputou o sul americano e o Torneio de Cannes, em 1971, fui convocado junto ao Nielsen, Abel, Marinho, Marco Aurélio e Rubens Galaxe. Campeões, na volta, encontrei o Zagalo treinando o profissional. Achou meu falso ponta parecido com o falso ponta que exerceu, e me lançou aos 19 anos contra o América, no Maracanã. Com isto, assinei meu primeiro contrato e alcancei meu sonho: ser jogador de futebol profissional. Mais que isto: do meu time de coração.


E quando ele chegou de Marselha, eu estava ali, caneta, chuteiras e uma folha de papel para pedir um autógrafo de um tricampeão do mundo.

Mas teve mais bênçãos para agradecer: jogar três Taças Guanabara seguidas ao lado de três monstros sagrados do nosso futebol. Em 1974, ao lado do Gérson, 1975, com Rivelino, 1976, coroando com Zico. Mas faltava o toque da cereja. Faltava conhecer um gênio de perto. E quando ele chegou de Marselha, eu estava ali, caneta, chuteiras e uma folha de papel para pedir um autógrafo de um tricampeão do mundo. Tinha tempo. Concentrávamos no Hotel Nacional, disputamos o Torneio de Paris, ganhamos a Taça Guanabara, o estadual, relaxei, fui deixando, e não peguei o autógrafo até hoje.


Paulo Cézar Caju foi o craque mais glamouroso que conheci.

Paulo Cézar Caju foi o craque mais glamouroso que conheci. A elegância com que deslizava pelo lado esquerdo, cabeça erguida e uma bola que não desgrudava dos pés, era acompanhada fora de campo por um bom gosto jamais visto nos campos de futebol. Trouxe da França, onde jogou por quatro anos, um guarda roupas que não havia na Bibba. Nem na New Man ou na Windsor, as lojas que ditavam as tendências em Ipanema. Chegava num Puma branco conversível para treinar, e o perfume que usava pós treino era tudo que Arnaldo Guinle sonhou um dia a aromatizar seu nobre clube,  ao erguê-lo com arquitetura inglesa, vitrais franceses, ao lado do palácio onde sua família morava. E quando a falta era na entrada da área, ele cobria a barreira com uma elegância que aos Andradas, Wendell, Renatos, só restava olhar. Pular para quê?


Muita arte, bom gosto e sensibilidade junto a uma bagagem que poucos alcançaram, era normal que PC tivesse uma biografia diferente dos outros ídolos.

Muita arte, bom gosto e sensibilidade junto a uma bagagem que poucos alcançaram, era normal que PC tivesse uma biografia diferente dos outros ídolos.  O céu e o inferno passaram ao seu lado, e sempre foi e será assim quando um negro ousar ascender socialmente no país. Millor Fernandes disse um dia, para refletirmos: “O Brasil não tem racismo porque o negro conhece o seu lugar”. Paulo Cézar Caju, meu ídolo, tratou ele mesmo de construir o seu lugar.  

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