por Rubens Lemos
Enquanto estava na flor da forma, Garrincha nunca foi o otário inventado por maus jornalistas e historiadores. Para conhecê-lo sem a menor ingenuidade, basta ler a definitiva biografia escrita por Ruy Castro, um craque.
Garrincha tapeava treinadores na proporção com que entortava laterais. Colegas que imaginavam constrangê-lo, recebiam de revide um rato morto dentro da chuteira.
É duvidosa, portanto, a frase de Garrincha durante a comemoração da vitória de 5×2 na decisão do título mundial de 1958, quando teria dito, ainda segundo irresponsáveis da memória, “que a Copa era mixuruca porque não tinha segundo turno”.
Garrincha, malandro-mor, transou com suecas fugindo da concentração e deixou um filho por lá. Sua tragédia pessoal calibrada pelo álcool não tem nada a ver com esperteza ou tolice.
Tomando por verdadeira a menção de Mané à rapidez de uma Copa do Mundo, ele estaria feliz com a absurda decisão da Fifa de aumentar para 48 seleções o total de participantes já na próxima edição em 2026, elevando o número de jogos para intermináveis 104 confrontos. Botsuana, Trinidad e Tobago e o Afeganistão podem ir se animando com mais uma medida financista e demagógica da madrasta do futebol.
Pelo modelo anunciado, serão 12 grupos de quatro seleções cada classificando-se duas para o mata-mata com 32 equipes. Até a decisão, os finalistas terão disputado oito partidas, uma a mais do que a versão atual. Aparentemente, nenhuma discrepância. Mas a superlotação trabalha contra o bom nível dos jogos.
As Eliminatórias Sul-Americanas perderão o sentido, posto que o limite de classificados deve chegar a, no mínimo, seis. A Venezuela, eterno saco de pancadas e a abominável Bolívia, podem começar a se preparar para a fase final. Na Europa, onde é comum seleções tradicionais, caso da Itália no ano passado, passarem vexame sendo desclassificadas, sobrará espaço.
Copa do Mundo, de verdade, era com 16 times, como no tempo de Garrincha, que ganhou duas jogando demais, dentro desse contingente. Os triunfos de 1958, 1962 e 1970 devem ser mais valorizados, porque logo de cara, o escrete nacional enfrentou paradas duras.
Em 1958, pegou de saída a Áustria, que venceu por enganosos 3×0, a Inglaterra, com a qual empatou por 0x0 e a União Soviética, vencida e desmontada por econômicos 3×0 porque o técnico Vicente Feola foi praticamente obrigado a por em campo um líder – Zito e dois caras que decidiam: Pelé e Garrincha que se juntaram ao genial meia-direita Didi.
O Brasil classificou-se e encarou a retranca do País de Gales, salvando-se com um gol sobrenatural de Pelé, aplicando uma meia-lua no gigante da zaga e batendo no cantinho do goleiro: 1×0 e foi goleada. Depois, repeteco no placar de 5×2 contra França e Suécia e a primeira taça Jules Rimet conquistada.
Em 1962, sufoco pela contusão de Pelé no segundo jogo contra a Tchecoslováquia(0x0), após um modesto 2×0 no México. Um passinho para fora da grande área de Nilton Santos após um pênalti claro, permitiu a virada contra a Espanha(2×1). Garrincha, motivado pela escultura corporal da cantora Elza Soares, jogou por ele e por Pelé, garantindo o bicampeonato.
Com 16 seleções, passamos vergonha na Inglaterra, ganhando sem convencer da Bulgária(2×0) e tomando duas sovas de 3×1, da Hungria e de Portugal, voltando para casa na primeira fase. Foi a maior bagunça de todos os tempos desde a bola de capotão.
No tricampeonato, começamos apanhando da Tchecoslováquia para desfilar no Estádio Jalisco, virando para 4×1. Acabamos com a banca da campeã do mundo, é, a Inglaterra surgiu logo no começo da guerra, num gol sensacional criado pela inteligência de Tostão, a supremacia de Pelé até o chute de Jairzinho(1×0). O Brasil venceria o Peru(4×2), o Uruguai(3×1) e a Itália(4×1), na Copa do Mundo cujo sinônimo foi o Rei.
Excesso diminui a emoção, privilegia a mediocridade e acomoda os favoritos. Garrincha jogaria a Nova Copa desde que abastecido de robustas cabrochas, estoque pesado de cachaça e rejuvenescido aos seus 25, 26 anos, quando ninguém o parava. Nem os babacas que inventam balelas para ridicularizar alguém que era o Charles Chaplin do Drible.
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