clássico dos radialistas
texto: André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Simone Marinho | edição do vídeo: Izabel Barreto
É inquestionável que todo menino apaixonado por esportes, em algum momento da vida, narrou uma partida de futebol de botão. É dessa forma, aliás, que costumam surgir os grandes locutores. Na semana passada, a equipe do Museu da Pelada promoveu um duelo de botão entre dois dos maiores craques do rádio brasileiro: Luiz Penido e Edson Pereira de Melo, o Edson Mauro. E, é claro, que a partida contou com a narração de ambos, o que tornou o espetáculo ainda mais emocionante!
Penido iniciou a carreira de radialista com apenas 14 anos, em 1969, na Rádio Globo. Edson Mauro, que teve o nome “alterado” pelo primeiro chefe, por considerar que soaria melhor aos ouvintes, começou na Rádio Gazeta de Alagoas um pouco antes e, em 1971, por ironia do destino, se transferiu para a mesma rádio do adversário de botão. A mudança ocorreu após o locutor quebrar um galho e encantar Waldir Amaral ao narrar uma partida para a Rádio Globo na base da emergência, mas com a maestria de sempre. O palco do duelo de botão, portanto, não poderia ser outro: um auditório na própria rádio, na Glória.
Gentilmente, os radialistas aceitaram o convite do Museu da Pelada e promoveram uma resenha de alto nível e muito divertida. Para não criar ciumeira entre os times cariocas, Mauro comandou os botões do Cruzeiro e Penido defendeu a equipe do São Paulo. Pela carência de craques no presente, nada mais justo que os times fossem escalados com os melhores jogadores de todos os tempos. Antes de entrar na “arena”, Mauro benzeu-se, em seguida pegou papel, caneta e montou sua seleção celeste: Raul; Nelinho, Procópio, Roberto Perfumo e Piazza; Zé Carlos, Dirceu Lopes, Alex e Palhinha, Natal e Tostão. Seleção! Com um pouco mais de dificuldade, mas com a mesma eficiência, Penido escalou o tricolor paulista: Rogério Ceni; Cafu, Lugano, Leonardo e Nelsinho; Mineiro, Muller, Raí e Kaká; Zé Sérgio e Careca. Quem segura?
Enferrujados, há 20 anos sem jogar botão, os radialistas precisaram ensaiar algumas jogadas antes do duelo começar e o clima amistoso que reinava no auditório logo deu lugar à rivalidade e tensão assim que a bola rolou, fato que já era de se esperar pela dimensão do clássico.
Antes do apito inicial, no entanto, os craques bateram um par ou ímpar vencido por Mauro, que sairia com a bola. E o duelo não poderia ter começado de forma melhor. No primeiro lance, o comandante do Cruzeiro deu um toque para o lado e gritou para Penido posicionar seu goleiro.
– Coloque-se!
Desacreditado, o comandante do São Paulo ajeitou o “Rogério Ceni” displicentemente, sem se preocupar. Mal poderia imaginar que Mauro soltaria um balaço lá do meio-campo, com “Tostão’, e marcaria um gol de placa!
Após o tirambaço no segundo toque na bola, o tradicional grito de gol do radialista ecoou no auditório.
– BINGOO! OLHA O GOL! OLHA O GOL! OLHA O GOOOOL DO CRUZEIROO!
A narração empolgada foi com a mesma emoção que o craque costuma passar aos ouvintes de rádio, seja em jogos de menor expressão ou em batalhas memoráveis. Por falar em partidas inesquecíveis, Mauro considera a despedida de Pelé, o duelo entre Santos e New York Cosmos, como um dos momentos mais especiais de sua brilhante carreira.
– Tenho muito orgulho de ter feito o último jogo do Pelé como jogador profissional. Narrei o último gol dele. Foi emoção pura, pois “Quem viu, viu! Quem não viu, dançou!” – brincou.
O golaço de Mauro logo no início da brincadeira deixou os “torcedores” animados, na esperança de ver um duelo repleto de bolas na rede e jogadas bonitas. Contudo, até mesmo pela inatividade de ambos no futebol de botão, não foi bem o que aconteceu. Atrás do placar, Penido buscava desesperadamente o gol de empate, mas parava na muralha “Raul”. Com chutes insistentes de “Leonardo”, o radialista se irritava a cada defesa do goleiro celeste.
– Apontou, atirou… Não é possível! Já era para eu estar ganhando! – disse Penido.
Sem esconder a felicidade, o “Bom de Bola”, apelido que Mauro ganhou de Waldir Amaral, na Rádio Globo, comemorava a boa atuação do goleiro cruzeirense na partida.
– Obrigado, Raul!! Um dia eu vou contar dessas defesas para ele! – comentou
O curioso do apelido é que Mauro nunca gostou muito de jogar futebol. Enquanto os amigos brincavam, ele preferia ficar narrando as peladas.
– Eu pegava uma casca de coco, que fazia um som parecido com o do microfone, e ficava narrando os jogos. Desde pequeno gostava disso. Era um narrador de peladas.
Se os gols no auditório eram escassos, o mesmo não se pode falar dos “desentendimentos” entre os locutores. Não importa a idade, nem o nível de amizade, partidas de futebol de botão sempre geram confusões.
Finalizando de longa distância, Penido anunciava os desvios na zaga celeste, implorando por um escanteio.
– Cadê o juiz? A bola desviou na zaga mais uma vez! É escanteio!
Mauro, no entanto, nem dava espaço para a discussão e já saía jogando.
– Você tá maluco! Não bateu em ninguém! Tiro de meta!
Além das discordâncias dentro das quatro linhas, os radialistas também não chegavam a um acordo em relação ao tempo de partida. Enquanto o “Bom de Bola”, vencendo o clássico, narrava que o árbitro já tinha sinalizado o tempo de acréscimo, Penido, desesperado, gritava que o relógio marcava apenas cinco minutos.
Vale destacar que Penido foi o primeiro locutor titular da Rádio Globo sendo prata da casa. Os anteriores vieram de outras emissoras. O craque ficou 24 anos longe da Rádio, retornando em 2012 para substituir José Carlos Araújo na apresentação do programa “Globo Esportivo”.
– Voltei para a Rádio Globo em abril de 2012. Não atendi um convite, mas um chamamento do meu berço. Fiquei muito feliz! – lembrou
Mas de tanto insistir nos chutes de longa distância, o São Paulo de Penido chegou ao empate. No apagar das luzes, o radialista arriscou da intermediária com o lateral Cafu, o capitão do penta. A bola, que ia para fora, desviou num zagueiro tricolor e morreu no fundo da rede, dando início às provocações de Penido.
– GUARDOU! GOOOOOL! É DO SÃO PAULOOO! É o gol do título! O São Paulo jogava pelo empate! É campeão!
O gol marcado nos acréscimos da brincadeira lembrou um dos muitos lances em que o locutor teve a oportunidade de narrar e jamais esquecerá. Não pela plasticidade, mas pela emoção proporcionada. Foi a falta cobrada por Petkovic em 2001, na final do Campeonato Carioca contra o Vasco, que deu o título à equipe da Gávea. O gol de Neymar contra a Espanha, na final da Copa das Confederações de 2013, também está na lista dos gols inesquecíveis narrados por ele.
Edson Mauro, como era de se esperar, não deixou o gol que tiraria sua vitória passar batido e reclamou da posição do jogador do São Paulo.
– Estava impedido! Que absurdo! Não valeu!
Mas não adiantou. O gol foi validado pelo árbitro Sergio Pugliese, que imediatamente encerrou a partida. Como ocorre ao fim de todos os jogos, o clássico proporcionado pelos craques não poderia ficar sem a tradicional entrevista à beira do gramado. Enquanto Penido ainda comemorava o gol do empate, Mauro fez uma análise do duelo.
– Foi muito bom rever em campo e narrar jogadas de Raul Plasmann, o eterno goleiro da camisa amarela do Cruzeiro, que me salvou no jogo com defesas espetaculares! Foi uma emoção ímpar, marcar um gol com Tostão e transmitir jogadas de Natal, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes e outros craques que não tive a oportunidade de narrar jogos. Foi muito legal sentir novamente o clima de disputar uma partida de botão, mas quem é do ramo nunca deixa de fazer uma reclamação: o gol de empate do Luiz Penido foi roubado!
Depois de muita comemoração, o “comandante” do São Paulo, ofegante, deu atenção ao repórter e agradeceu à oportunidade.
– A brincadeira foi ótima! Me diverti muito com a ideia do camarada Sergio Pugliese. Adoro esse cara. Foi muito bom! Aproveito para agradecê-lo!
Quando os “ânimos se acalmaram”, os rivais se cumprimentaram, recolheram suas equipes e o clima amistoso estava de volta.
– Que saudade que eu estava de brincar disso! – suspirou Mauro.
– Eu não jogava há mais de 20 anos – lembrou Penido.
Na saída do auditório, os radialistas mostraram mais uma vez que a rivalidade fica dentro de campo e fizeram questão de carregar a mesa juntos, cena corriqueira para os amantes do futebol de botão.
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