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DANILO, 100 ANOS: PARA O AMÉRICA SEMPRE HEI DE TORCER

2 / dezembro / 2020

por André Felipe de Lima


“Ele tinha um dom que eu gostaria de ter e nunca consegui ter: o dom de ouvir. Ele ouvia mais e falava menos. Esse dom é o mais difícil do mundo para mim. Ele era muito dócil. Danilo era uma pureza de pessoa. Fazia toda a diferença. Foi um craque como atleta, como treinador e como pessoa.” — Alex, ex-zagueiro e capitão do time do América campeão da Taça Guanabara de 1974, dirigido por Danilo Alvim. 

Após muito treinar em General Severiano, convidado pelo amigo Nilton Santos, enquanto não resolvia o impasse com a diretoria do Vasco, Danilo Alvim finalmente conseguira dar um rumo ao seu destino. O próprio Nilton Santos tentava convencê-lo de que o Botafogo era o clube ideal para ele. Gentil Cardoso, o técnico alvinegro, achou a ideia excelente. Ter Danilo no seu time era o sonho de qualquer treinador naquela época. O Vasco estava reticente. Não desejava liberar Danilo para o rival. Aceitava outro caminho para ele, porém: Portugal, onde receberia, ou jogando em Lisboa ou no Porto, 15 contos de ordenado. Mas Danilo ouviu o amigo Nilton Santos e decidiu transferir-se, em outubro de 1954, para o Botafogo, que achou o valor de seu passe caro demais, mas prevaleceu o aval de Carlito Rocha. Antes, no entanto, encontraram uma fórmula: Danilo jogaria por um clube de outro estado durante uma temporada e receberia uma espécie de “passe livre”, recurso, como frisou João Máximo, impraticável anos depois. Danilo deixou o estado da Guanabara e seguiu para o Fonseca, clube de Niterói, capital do estado do Rio, mas retornou a General Severiano. Disputou duas temporadas pelo Alvinegro e ainda recebeu convites do Bonsucesso e Olaria. Preferiu, todavia, o de vendedor de carros. Talvez não saísse de sua mente a vaia que recebera da torcida do Botafogo após ser substituído em um jogo. Ele e outros dois craques do Vasco, Maneca e Ernani, faziam parte do empreendimento com carros. Como não conseguiu esquecer o futebol, Danilo retornou aos gramados.

“Fiz duas excursões à Europa, aprendi muita coisa, de maneira que, dando volta por cima de tudo, achei que a coisa realmente certa seria ir pensando em outra maneira de ganhar a vida. Com essa ideia fixa na cuca, topei ser treinador. Levou-me a isso uma desinteligência com Zezé Moreira. Vendo que entre ele e eu o Botafogo jamais optaria por mim, procurei o do dr. [Adhemar] Bebiano e pedi que me liberasse de uma vez. Foi um diálogo curto e proveitoso. Quando a gente é criança — expliquei ao dr.Bebiano — tolera-se até mau humor. Mas quando já se é maduro, fica mais difícil de suportar a carga.”[1]

A imprensa também teria uma parcela de culpa para Danilo abandonar a carreira de jogador:[2] “Fui para o Botafogo e, à época de Zezé Moreira, tive desgostos com a imprensa. Cheguei a realizar boas partidas e quando ocorria de não ter felicidade em qualquer jogo era ‘malhado’ impiedosamente. Achei que aquilo era um desrespeito, inclusive ao meu passado, e resolvi parar.”

No Botafogo, a relação animosa com Zezé Moreira fomentou lendas, como a narrada exaustivamente por Sandro Moreyra[3], que acabou se tornando “fato”. Durante um treino, Danilo recebeu uma bola e ouviu o grito de Zezé Moreira: “Abre na direita, rápido, para o Quarentinha!”. Danilo ignorou o treinador, que irritou-se: “Pronto, ficou sem jogada”. Como resposta, Danilo deu um drible curto no marcador e chutou a bola no alto do gol, sem defesa para o goleiro. Após o lance, virou-se para Zezé e emendou, batendo na própria testa: “Não perdi não, ainda tinha uma aqui.”

Danilo chegou ao Uberaba, de Minas Gerais, para acumular as funções de jogador e técnico. O Príncipe definia a situação como “extremamente desaconselhável”, como confessara a Geraldo Romualdo da Silva, ou seja, jogar e treinar simultaneamente o time. Os cartolas mineiros “choraram” para pagar um pouco mais pela dupla função. Era pegar ou largar. Sem Danilo, os jogos teriam pouco público. Com a estrela em campo seria completamente diferente. E foi até certo tempo.

O Santos do amigo Jair Rosa Pinto visitou o time de Danilo para um amistoso, no dia 11 de maio de 1956. O primeiro tempo terminou 1 a 1 e Danilo resolveu calçar as chuteiras e jogar a segunda etapa, levando o Uberaba ao empate. Embora seu nome não conste na ficha[4] técnica fornecida pelo departamento de memória do Santos, Zizinho teria entrado em campo também, para defender o Uberaba do amigo Danilo. Era um jogo de festa. “Senti que podia ser útil ao time. O problema estava justamente no meio-campo, com Zizinho praticamente sozinho. Por outro lado achei que era uma boa jogar ao lado do Mestre Ziza e contra o Jair, meu companheiro e amigo de muitos anos.”[5]


No fim do jogo, Danilo foi abraçado por Zizinho e disse a Jair que aquela era sua última partida, mas não contou o que só a família sabia: a perna direita não dobrava completamente desde o acidente. Era o “segredo”. Muitos anos após aquele jogo, Jair, que mal se lembrava do amistoso, respondeu a repórter Aristélio Andrade[6] que somente Fausto dos Santos poderia ser comparado a Danilo como maior centromédio da história do futebol brasileiro. “Uma vez um jornalista, garoto que estava começando — como é que vocês chamam? Bem, um foca —, chegou para mim perguntando qual o maior jogador de meio-campo que já vi. Olhe bem, que não me incluí. Disse: Fausto dos Santos e Danilo Alvim. Aí, o garoto olhou pra mim, insistindo: ‘Melhores que Didi e Gerson?’ Não aguentei, mandei o garoto praquele lugar. Por isso não dou mais entrevista pra ninguém. Só tem ignorante…”. Ademir de Menezes que o diga: “Era um craque perfeito. Um fora de série. Os meus rushes ficaram famosos, mas quem dava o passe perfeito na medida exata, em profundidade, de curva para iludir a defesa adversária, era Danilo. Palavra de honra: jogada no meio-campo, bola com Danilo Alvim lançando para mim em velocidade, era meio gol. Diziam que a gente já entrava em campo ganhando de 1 a 0, e era mesmo. A jogada do Danilo era mortal. Cito um exemplo dessa gana de Danilo para ganhar um jogo. O Flamengo estava vencendo por 2 a 0, e Danilo desesperou-se. Passava pela gente dizendo que o Flamengo não era de nada. Que o Vasco tinha um timaço que podia estar perdendo de 5 a 0 e ainda virar o jogo. Antes de terminar o primeiro tempo, ele marcou o primeiro gol do Vasco. Veio com a bola debaixo do braço, para colocar na marca, e olhou para mim: ‘Eu não disse?’. No vestiário, repetiu o que havia dito em campo. Voltamos e demos uma goleada de 5 a 2. Foi o dia em que queimaram a camisa do Jair. Tudo por causa do Danilo.”[7]

Após aquele jogo contra o Santos, Danilo ficou somente como treinador do Uberaba, na mesma época em que lá chegara o veterano ponteiro Braguinha [ex-Cruzeiro e Botafogo]. Fez algum sucesso no clube do interior de Minas Gerais, que lhe rendeu um convite do presidente do Cruzeiro, Manoel de Carvalho, e para lá partiu. Embora com a vitoriosa estreia de 1 a 0 em cima do rival Atlético, no dia 19 de janeiro de 1958. Mas o time ainda não tinha as estrelas que brilhariam anos depois no futebol brasileiro, como Tostão e Dirceu Lopes. A passagem por Belo Horizonte durou pouco tempo. Alegara que a esposa e o filho tinham muita saudade do Rio de Janeiro. Ele também. “Não aguentei a barra. Voltei ao Rio e ingressei no São Cristóvão.”

Embora convidado por Nelson de Almeida, dirigente do São Cristóvão, Danilo não teve um começo tranquilo no clube da rua Figueira de Melo. Além de o time ser tecnicamente fraco, o salário era baixo e a situação financeira de Danilo não era lá essas coisas. Amargara prejuízo com um negócio para produção de flâmulas e ganhava pouco como vendedor de uma concessionária de carros chamada Gastal, onde também trabalhavam Maneca e o ex-goleiro Ernani, amigos dos tempos de Vasco, e com o salário que recebia por um emprego no Ministério da Agricultura. Danilo sempre ponderava com os cartolas que trabalharia de graça para o São Cristóvão caso não precisasse de dinheiro para sustentar a família. Mas Danilo precisava.

DOCE E VITORIOSA AVENTURA NA BOLÍVIA


Dirigentes do Bahia queriam levá-lo para Salvador. Danilo até toparia, mas os baianos não aceitaram a contraproposta de 500 mil cruzeiros de luvas e 70 mil mensais. Sem contar a multa rescisória de 100 mil cruzeiros que o Bahia teria de pagar para tê-lo no comando do time tricolor. Danilo contou, entretanto, com um fato que sempre considerou objeto da sorte naquele instante: um convite do coronel Wilson Carvalhal, que presidia o América, para uma excursão do São Cristóvão pela América do Sul. O gesto de Carvalhal foi singular, e lá foi Danilo embarcar na aventura futebolística. Seu futuro estaria selado nela.

A campanha durante a excursão à Bolívia não poderia ter sido melhor. Em La Paz, Danilo ouviu várias propostas para que permanecesse no país. A mais especial e irrecusável partiu da Federação Boliviana de Futebol: dirigir a seleção nacional que iria disputar o campeonato sul-americano de 1963. Mas havia um empecilho burocrático no meio do caminho. O governo local exigia que treinador estrangeiro ostentasse um diploma. “Foi um abacaxi. Me machuquei todo. Quem me salvou do pior foi o presidente da CBD. Com o respeito de que desfruta em qualquer parte, consultado sobre minha pessoas, o dr. João Havelange não hesitou em informar que eu estava perfeitamente capacitado a realizar honesto trabalho na Bolívia. De lambujem, ainda me deu um documento valioso, atestando que se responsabilizava por meu comportamento em La Paz.”[8]

Foram oito meses em La Paz. Um trabalho árduo, mas que rendeu ao Danilo uns bons trocados, e merecidos. No começo, alguns sustos, como as duas derrotas para o Paraguai em uma competição sem muitas pretensões. Os placares das pelejas [3 a 0 e 5 a 1] se desdobraram em uma desconfiança sem precedentes. Danilo, ainda com pouca estrada como técnico, já não era mais visto com bons olhos pelos bolivianos. As críticas eram incessantes. Mas, só Deus sabe, o Príncipe manteve-se no cargo e a redenção estava a caminho.

O campeonato sul-americano sediado pela Bolívia começou tumultuado. Os bolivianos queriam jogar na altitude, mas sofreram acirrada resistências de brasileiros, argentinos e, sobretudo, uruguaios, os campeões da edição anterior do campeonato, em 1959, ano em que foram realizados dois torneios continentais. O outro ganho pela Argentina.

De cara, o Uruguai boicotou a competição. O Chile já não ia mesmo por conta de um imbróglio político com a Bolívia, mas Brasil [com a pecha de bicampeão mundial] e Argentina mantiveram-se na tabela, porém com escretes secundários. Apesar da descrença quase coletiva em relação ao torneio, um título da Bolívia era improvável. Quase inverossímil, consideravam muitos.

Na estreia, os bolivianos encararam os equatorianos, tão acostumados quanto eles à altitude. O placar foi 4 a 4. Mas Danilo não se abatera. O time mostrou garra. Nos jogos seguintes, a afirmação ao derrotar a Colômbia [de virada] pelo placar de 2 a 1; o Peru por 3 a 2 e depois o Paraguai por 2 a 0. O embate seguinte seria contra os argentinos. A Bolívia saiu na frente no placar. A Argentina empatou, mas os bolivianos fizeram o segundo gol. A primeira etapa não havia acabado e os argentinos empataram novamente. No segundo tempo, o juiz marcou um pênalti favorável à Bolívia, mas o goleiro Andrada, o mesmo do milésimo gol do Pelé e ainda bem jovem, pegou. Para a Bolívia, o empate seria um desastre. Teria de derrotar o Brasil no jogo seguinte para manter as chances de ser campeã. Mas havia ainda tempo para a surpresa. Poucos minutos, sim, poucos minutos, mas havia esperança e tal garra que tanto Danilo exaltava em seus pupilos. Castilho, que marcara o primeiro gol da Bolívia, cobrou rapidamente um córner. Camacho recebeu a pelota e assinalou o gol redentor. Aos bolivianos um empate com o Brasil naquela tarde de domingo, 31 de março de 1963, em Cochabamba, no estádio Félix Capriles, estava de bom tamanho. Decidiram ir para cima. Chegaram a fazer 5 a 2. O placar final foi 5 a 4, com um show à parte de um de seus maiores ídolos em todos os tempos: o “El maestro” Victor Augustín Ugarte, remanescente da Copa de 1950 e com 37 anos, que fizera dois gols no jogo. “O árbitro não influiu no resultado do nosso jogo com o Brasil. Apenas o pênalti [quinto gol boliviano] foi mal marcado, mas o juiz disse que consignou a má intenção de Procópio, que entrou de carrinho e quebrou em dois pontos a perna de Alcocer. Eu mesmo fiquei admirado com a marcação do pênalti, porque a falta foi fora da área. Isto, entretanto, não influiu, pois àquela altura ganhávamos de 4 a 2 e dominávamos inteiramente a partida.”[9]


O que parecia um sonho transformara-se na mais pura, cristalina e convicta realidade. “Futebol não é só técnica. Ela é apenas a base, o fundamental para o jogo. Mas existem certos detalhes importantes. A raça é indispensável, a catimba também. Quando se dirige um time de limitações técnicas, você tem que admitir certas apelações dos seus jogadores e organizar a retranca feroz. O negócio é vencer, vencer sempre.”[10]

A Bolívia não tinha nenhuma tradição no futebol. Entrava e saía dos torneios continentais invariavelmente nos últimos lugares. Mas naquele ano foi diferente. Foi campeã sul-americana, em casa, desbancando Brasil, e Argentina, tradicionais e eternos bichos-papões. Danilo conquistara com aquela desacredita seleção, porém heroica, a maior conquista de sua carreira como treinador. Danilo foi campeão com direito à vitória sobre o Brasil bicampeão do mundo, feito para poucos na época. Inesquecível. Após o jogo, jogadores e membros da comissão técnica do Brasil o carregaram em triunfo. Era a glória. Algo surreal. Membros de um time derrotado em uma final carregando em festa nos ombros o técnico do time campeão. O “Príncipe” tornara-se rei. Porém ainda mais memorável foi ter como seu auxiliar o filho Carlos Alberto, que tinha somente 12 anos de idade. O garoto era o Mercúrio, o Hermes do time, encarregado de levar os recados de Danilo aos jogadores em campo. “Foi o campeonato mais difícil de minha vida”. Não foi para menos. Ao chegar à Bolívia, ouviu da imprensa local impropérios. Danilo chegou à capital boliviana para acabar com a mordomia dos indisciplinados jogadores, cujo estado físico era, como afirmara Danilo, “desolador”. Estavam todos mal alimentados, obesos. O treinador foi rígido e fez valer sua palavra, sempre, o que incomodou alguns jogadores e jornalistas, em geral. “Chegaram, inclusive, a me chamar de impostor, de vigarista”, declarara Danilo, em entrevista ao repórter Márcio Guedes[11], anos depois daquele jogo épico contra o Brasil. Aos jogadores bolivianos, a disciplina imposta por Danilo rendeu a eles muito mais que somente o título inédito e até hoje único na história do país. O salário de todos foi aumentado, cada um ganhou do governo uma casa de presente no bairro de Obragen, que passou a se chamar bairro dos Campeões Sul-Americanos, e receberam 21 milhões de pesos bolivianos, que equivaliam a cerca de um milhão de cruzeiros na época.

DE VOLTA AO SEU PRIMEIRO GRANDE AMOR: O AMÉRICA

A missão boliviana foi vitoriosa e estoicamente conquistada. Embora com proposta e convite do presidente da Bolívia, Vitor Paz Estensoro, para que permanecesse no país, Danilo concluíra ser hora do regresso ao Brasil. Uma vontade dele próprio e um ardoroso anseio da esposa Zelinda e do pequeno Carlos Alberto. Os três desembarcaram no final de março e logo na primeira semana de abril de 1963, Danilo, após uma conversar com Renato Estelita, assinou contrato para treinar o Botafogo. Meses depois do título continental, Danilo, já treinador do Botafogo, foi submetido a uma cirurgia[12] para corrigir um desvio secundário no braço direito, fraturado em Lima, no Peru, durante um treino especial que realizava com os goleiros do Botafogo, que se preparavam para enfrentar o Alianza de Lima. “Atrás do gol estavam alguns meninos cooperando conosco e, em um certo momento, um deles jogou uma bola para mim. Fui tentar dominá-la, mas pisei sobre ela, caindo de mau jeito”. A operação foi realizada pelo médico Lídio Toledo, na Casa de Saúde São Geraldo, dias antes de um clássico contra o Flamengo.

Antes da seleção boliviana, Danilo treinou o São Cristóvão [1961, quando o Bahia também o queria] e depois da estada em La Paz passou por Botafogo [1963], Uberlândia, Remo, São Bento [de Marília], CRB [Maceió], ABC [Natal] e Itabaiana [Sergipe], este último com o qual foi campeão estadual em 1981. Foi três vezes campeão com o Remo — onde aportou em 1969 e logo conquistou um fã incondicional: o então ministro da Educação e torcedor do Remo Jarbas Passarinho, que além de ter o filho Jarbas Junior no time juvenil do clube, era fã do Danilo desde os anos de 1940 e responsável para que treinador recuperasse seu emprego no Ministério da Agricultura, que havia perdido por conta da constante ausência devido ao compromisso com o futebol—, uma com o CRB — onde esteve em 1972 — e outra com o ABC. Volta e meia estava no Rio em férias, no apartamento que mantinha no Flamengo, zona sul do Rio. Após essa jornada vitoriosa por clubes do norte e do nordeste, o Príncipe decidira, em janeiro de 1974, retornar ao reino que o revelara. O América o aguardava, e Danilo estava ansioso por voltar às origens. Aceitara o convite do presidente do clube, o coronel Wilson Freire Carvalhal, com quem jogou pelo América quando ainda era juvenil. “Gente boa em que se pode confiar. Não é por nada, não, mas meu compromisso é unicamente com ele”, referia-se assim ao amigo Carvalhal.

O desafio não era somente amoroso. Danilo precisava recuperar a autoestima de um time, de um clube, que, como escrevera Oldemário Touguinhó[13], o América tinha um “estranho medo da vitória”. Logo nos primeiros jogos o técnico percebera isso. Não se conformava.

“Assim não é possível. Esse time precisa se mentalizar para vencer um jogo. O que não pode é entrar em campo, dominar o adversário e, no final, ficar torcendo para tudo acabar mesmo num empate. Vou conversar seriamente com todos os jogadores e tentar fazer com que eles se libertem desse medo de vencer. É preciso ter coragem e partir para liquidar o adversário. Caso contrário, não adianta possuir grandes cartazes na equipe, se ela não tem alma para a vitória. Sei bem o que é ter medo de não perder e por isso vou ajudar o meu time a acabar com esse problema”. E Danilo, como um profeta de si mesmo, atingiria sua meta, e não seria diferente. O momento era especial. O time era muito forte, realmente. Havia uma aura extremamente positiva no ar a ponto de a elegante Dona Mary Belfort Duarte, irmã do ídolo eterno e fundador do América, Belfort Duarte, decidir se integrar à torcida e acompanhar todos os jogos. O filho de Danilo, Carlos Alberto, também estava bastante confiante. O rapaz, que estava prestes a se formar em educação física e adorava a profissão do pai, haja vista seu desempenho como “auxiliar” de Danilo no campeonato sul-americano de 1963, torcia pelo América. Queria ser treinador um dia igualmente ao pai. A cada jogo, roía unhas e chegava a chutar paredes a cada lance mais emocionantes dos jogos do alvirrubro sob o comando de Danilo.


Flávio Costa integrou a comissão técnica no papel de supervisor. A preparação física ficou por conta de Luís Carlos Quintanilha. Danilo tinha, portanto, uma retaguarda respeitável. Queria levar para o clube alguns cobras do ABC de Natal, clube que treinara anteriormente e que deseja mantê-lo a todo custo. Na lista, o craque Alberi o lateral canhoto Anchieta e o artilheiro Jorge Demolidor, mas não havia dinheiro para isso. O América estava com o cofre vazio.

Em seguida, para arrumar uns trocados, o clube fez uma excursão à Colômbia, onde Alex foi o grande destaque. O América estava bem arrumado para o campeonato nacional. Nos treinos, Alex era insuperável. Tecnicamente, um craque. Grande zagueiro. Fisicamente, ninguém era páreo para ele. Danilo comumente levava os jogadores para uma corrida matinal de três quilômetros de distância nas Paineiras. Alex fazia o percurso em 14,5 minutos, deixando o restante do grupo comendo poeira. “Eu ia e voltava correndo”, diz ao Museu da Pelada o ex-zagueiro e capitão daquele timaço do América Alex Kamianecky.

Mas domar as feras do América não era fácil. Danilo ingressou em um clube endividado e com os cofres praticamente vazios. Os salários estavam atrasados viviam atrasados, motivo de insatisfação de todos, especialmente do centroavante Luisinho Lemos, o que mais demonstrava contrariedade com a situação, inclusive recorrendo à imprensa. Mas Danilo estava convicto de que a opção pelo América era a melhor. Em maio, o Sport sondou-o, mas Danilo rechaçou a proposta apresentada a ele pessoalmente por Ivan Moura Fernandes, enviado do clube pernambucano ao Rio. Apesar dos atrasos salariais e o desânimo coletivo entre os jogadores, acreditava que o clube e o time dariam a volta por cima no semestre seguinte.

Na primeira semana de setembro, a diretoria pagou um dos três prêmios atrasados a cada um dos jogadores. Mesmo assim isso não abrandou os ânimos. Durante da preleção do vice-presidente de Futebol, Álvaro Bragança, no campo do Andaraí, ninguém escondia a insatisfação. Era véspera de um jogo importante contra o São Cristóvão. Na verdade, os jogadores falaram muito mais que o cartola. O curioso disso tudo é que aquele time do América não perdia. Jogava com ímpeto todos os jogos do primeiro turno, a Taça Guanabara, e com toda pinta de campeão. “Cheguei várias vezes a dizer ao Danilo que eu não queria mais ser capitão porque estava difícil a situação. O salário do clube atrasava muito e toda reclamação vinha para cima do capitão, que era eu. Aí, eu falava para todo mundo: ‘: ‘Vamos ganhar para termos direito de cobrar, de depois reivindicar. Se perdermos, vai ser pior’. Sem a vitória, ficaríamos sem as gratificações, que às vezes era maior que o próprio salário. Eu era muito sincero”, recorda Alex.

Mas nem mesmo a bucólica concentração do América no sítio Taquara, em Petrópolis, parecia acalmar a rapaziada, que, na manhã seguinte após a confusa reunião com Bragança, desceu a serra para encarar o São Cristóvão e vencê-lo de 3 a 0, com dois gols de Luisinho Lemos e um de Gilson Nunes, com Flecha jogando uma barbaridade e sendo responsável das jogadas que culminaram no primeiro e no terceiro gol, e o juiz Carlos Costa deixou de dar três pênaltis claros para o América: um em Luisinho, outro no próprio Flecha e o terceiro em Edu. O América do Danilo parecia insuperável.


Aquele jogo[14] foi, talvez, o divisor de águas. Lusinho, que tanto pleiteava um aumento, conseguiu um incremento salarial. Na folha, receberia os 5 mil cruzeiros e por fora o combinado com os dirigentes: mais 3 mil. O jogo só não foi bacana para um jogador: Madeira, do São Cristóvão, que após uma dividida com Bráulio fraturou perônio. Mas Danilo ainda teria que acalmar Flecha, o mais tenso daquele time, que brigara com Gilson Nunes no jogo seguinte, contra o Madureira[15]. Danilo chamou os dois num canto e explicou que o América seria o campeão. Ambos entenderam o recado do treinador. Faltava pouco. Era bater o Olaria e depois a final, contra o Fluminense. O time da rua Bariri foi superado. Placar magro, como o do jogo contra o Madureira. Um insosso 1 a 0. Igualmente ao jogo anterior, Lusinho salvou a pátria com um gol aos 35 minutos da segunda etapa. Orlando Lelé foi expulso no começo do segundo tempo. O risco de não entrar em campo contra os tricolores era grande. Danilo estava bastante preocupado, mas confiante. E o dia contra o Fluminense viria. Do lado dos tricolores, o técnico Parreira vivia um desafio: a contusão de Gerson na coxa esquerda. O médico Durval Valente não conseguia diagnosticar com precisão a extensão do problema. Sem Gerson, que daria lugar a Silveira, bater o América representava missão bastante difícil. E havia outro problema: o ponta Zé Roberto também estava fora da final. Do lado do América de Danilo Alvim, a confiança, sobretudo após a absolvição de Orlando no Tribunal de Justiça da Federação Carioca. O lateral havia sido expulso no jogo contra o Olaria por ter quase batido em um bandeirinha. Conhecendo o famoso “Lelé”, o bandeirinha correu sério risco. Um dado curioso: o voto de minerva que garantiu Orlando na final partiu do juiz José Maria da Mota, torcedor do Fluminense. “O América pode ser um clube acostumado a perder títulos, mas esse time, não. Rogério foi tricampeão no Coritiba e jogou depois no Ceub; Orlando, no Santos e também no Coritiba; Gilson Nunes conquistou títulos pelo Vasco e pelo próprio Fluminense, enquanto Flecha, Ivo e Bráulio, ainda recentemente, conquistaram campeonatos no Sul. E isso sem contar com o técnico do time”[16]. Danilo era um esperançoso. Parecia o Danilo do Vasco e da seleção brasileira. O espírito do “Príncipe” jamais o abandonara, e contra o Fluminense recheado de estrelas somente uma haveria de brilhar mais intensamente, a de Danilo, que comentava em entrevistas e aos mais chegados ter visto poucas vezes um time tão tranquilo na véspera de uma decisão. Mas Danilo, por considerar seu time bastante ofensivo pelas pontas, temia dois pontos do esquema do Parreira: os avanços dos laterais Toninho [pela direita] e Marco Antônio [pela esquerda]. Mas prevaleceu o seu esquema tático e o talento de seus comandados. Durante todo o primeiro tempo só deu América. Aos 11 minutos, aproximadamente, Gerson fez uma falta boba em Edu bem na entrada da área. Reclamou. Disse que não fez, que saltou na bola e que a cabeceou com os braços abertos e que Edu caiu e gritou. Para O Canhotinha de ouro, o juiz José Aldo Pereira “embarcou” na manha do Edu e acabou reconhecendo o erro logo em seguida ao lance e à reclamação imediata de Gerson. “Bom, eu sou humano e tenho direito de errar”. Gerson teria rebatido assim, segundo o Jornal dos Sports[17]: “Bom, está certo. É lógico”.


O “choro” do Gerson de nada adiantou. Orlando, que por pouco não ficou de fora, pegou a pelota, preparou-a e chutou-a. Foi um chute violentíssimo, com a bola quicando pela grama. Indefensável para um aturdido Félix, que até tentou interceptá-la. Gol do América, para quem o empate bastaria para ser campeão. Aos 22 minutos da etapa inicial os refletores se apagaram, mas sem consequências porque a noite ainda não se avizinhara. Foi nesse momento da peleja que o Fluminense deu seu primeiro chute em gol, com Gil. Veio o segundo tempo. O Tricolor, que até ali estava invicto na Taça Guanabara, precisava reagir. Precisa ser campeão. Ao América um simples empate bastaria. Escalado na última hora, Gerson jogava no sacrifício, contido, tímido ao extremo até mesmo para receber as bolas e armar as jogadas talvez receoso em agravar a contusão. Não estava fácil. A torcida empurrava o time. Eram quase 100 mil pessoas no Maracanã. Era mesmo um jogaço. Emocionante a todo instante. Pressionado o tempo inteiro, o América explorava os contra-ataques. Quase fez o segundo gol. Na arbitragem, José Aldo Pereira, indicado minutos antes do jogo, bem como os bandeirinhas Luís Carlos Félix e Valquir Pimentel, cometeu um erro aos 14 minutos do segundo tempo. Marcara impedimento de Luisinho quando este entrava livre para assinalar o segundo gol do América. Aos 19 minutos, Danilo tirou Edu e colocou em campo Renato. A mudança não agradou Edu, que vinha bem no jogo, e também não surtiu efeito algum. O Alvirrubro foi levando a partida com inteligência tática. Havia a mão do Danilo ali, sem dúvida. O treinador pegou um grande time, recheado de craques, mas sem autoestima. Após o apito final do juiz, a grande festa. América novamente campeão. O Maracanã inteiro aplaudia. Tricolores, resignados e educados, reconheceram a alegria que envolvia aquele time. O grande time campeão do Danilo Alvim, o “Príncipe”.


No vestiário, o sorriso misturava-se ao choro. Tudo pela alegria. Havia champanhe e muitos torcedores engalanados com a camisa rubra ou mesmo a bandeira do clube. A Taça Guanabara era incessantemente beijada por todos. Danilo estava emocionado. Dizia a todos ter sido um dos jogos mais emocionantes e sofridos de sua vida. Queria abraçar seus jogadores, mas era difícil. Danilo era o mais assediado por todos que se espremiam no vestiário.

Danilo apostara tudo naquele jogo. Ele chegara à sede da Rua Campos Sales no começo do ano alertando que o América deveria deixar de lado o “medo de ser campeão”. Todos se doaram. Um deles foi o zagueiro Alex[18]. Jogou na com a cara, coragem e dores no tendão de Aquiles do pé direito. O pé estava anestesiado. “No final do jogo, porém as dores eram tão fortes que nem si como consegui ficar. Foi o coração que não me deixou sair”. Alex foi um das unanimidades para Danilo. Outros craques, nem tanto. Por pouco Danilo não sacou Luisinho Lemos do time antes dos jogos finais da Taça Guanabara de 1974. Revelou[19] esse propósito dias depois de ser campeão. “Chegou um momento que precisamos nos desfazer de dois ou três atacantes. Dentre os quais Luisinho, ainda sem posição definida, pois, ora atuava na meia, ora na ponta, e agora ele é isso que estamos vendo. Dá para entender?”. As dificuldades de lidar com jogadores do elenco por pouco não comprometeu tudo. “Longe dos olhos dos fanáticos é mais fácil trabalhar. Trabalha-se com mais liberdade. Tínhamos uma penca de jogadores temperamentais no elenco. O Flecha, por exemplo. Devagar, sem apertar demais a disciplina, fomos conseguindo o que desejávamos.”[20]


Danilo foi brilhante. Seu esquema neutralizou Gerson, que estava fisicamente mal, e os avanços dos dois laterais tricolores, Toninho pela direita e Marco Antônio pela esquerda. Essa era a jogada mortal do Fluminense. Mas nem tão “mortal” assim para Danilo. A rapidez de Edu, Luisinho Lemos e Bráulio deixou a zaga adversária atônita. Assis e Brunel erraram muito na tentativa de pará-los. Para Danilo, não foi difícil armar o esquema contra o Fluminense. “Esquema difícil de armar é o de conseguir dinheiro para pagar os jogadores”, teria dito ele, segundo o cartunista Otelo Caçador[21].

“O Danilo tinha o grupo na mão. Ele tinha um dom que eu gostaria de ter e nunca consegui ter: o dom de ouvir. Ele ouvia mais e falava menos. Esse dom é o mais difícil do mundo para mim. Ele era muito dócil. Danilo era uma pureza de pessoa. Fazia toda a diferença. Foi um craque como atleta, como treinador e como pessoa. Tinha muita admiração pelo Danilo pela maneira dele ser. Meigo, carinhoso com todos. O ‘não’ dele era tão suave que você tinha de aceitar. Ele era uma liderança e uma pessoa que praticamente fez sucesso em tudo. Era super-humilde. Tinha simpatia, sabedoria. Ele era demais”, elogia Alex.

Para o capitão daquele grande time alvirrubro comandado por Danilo, o América sofreu todas as oposições possíveis, algumas até mesmo desleais, para que não fosse o campeão carioca de 1974. “Não tinha jeito. A arbitragem era demais. A gente entrava em campo e o presidente da federação [antiga Federação Carioca de Futebol] falava que o América ‘não podia ser campeão porque não ia dar renda’. Os jogadores [no caso, Orlando Lelé e Geraldo] que jogaram no América e depois foram para o Vasco comentaram isso”. Na entrevista ao Museu da Pelada, Alex se referiu ao jogo contra o Vasco realizado no dia 18 de dezembro de 1974, que terminou 2 a 2. Era a segunda partida do triangular decisivo do campeonato carioca que também incluía o Flamengo. O juiz da peleja foi Arnaldo Cézar Coelho, tendo como auxiliares os bandeiras Luis Carlos Félix e José Roberto Wright, os três muito criticados pelos sucessivos erros no jogo. A partida era a segunda do triangular decisivo. O Flamengo, que derrotara o América por 2 a 1 na primeira partida decisiva, terminaria campeão ao empatar em 0 a 0 com o Vasco no jogo seguinte.

A PERFEIÇÃO EM DANILO


Danilo campeão como treinador deveria ser uma rotina após aquela magistral conquista. “Ele merecia uma sorte melhor como treinador. Era uma pessoa fora de série. É que ele era muito puro. Não pode ser muito puro não. Não pode ser muito verdadeiro não. Ele não sabia dizer um ‘não’. Ele era muito humilde”, resume Alex, para quem Danilo tinha uma visão ampla da importância do técnico para um time de futebol e a humildade necessária para reconhecer o que aprendera com quem trabalhou quando era jogador. “Quando estive na Bolívia, encontrei um senhor que disse para mim que Danilo foi um dos maiores jogadores que ele tinha visto jogar. Ele era perfeito”, completa Alex.

 “Técnico não é Deus”, dissera uma vez ao ainda jovem repórter Arnaldo Niskier[22]. Danilo também dizia que de Gentil Cardoso extraíra o jeito de dialogar e de Flávio Costa o sentido de comando, amor e disciplina. Mas a importância da estratégia aprendera com Ondino Vieira. “O brasileiro só entende de futebol com o barulho da festa. Como festa significa vitória, ocorre que todos nós, técnicos de futebol, só temos alguma importância enquanto ajudamos o time a ganhar. Em tudo é assim. Inclusive na seleção.”[23]

O ano de 1976 seria o derradeiro no América. O clube não vinha bem no campeonato carioca. A campanha no primeiro turno foi abaixo do esperado. Alguns jogadores, inclusive remanescentes do título da Taça Guanabara de 1974, queixavam-se de Danilo, como Ivo, por exemplo, que, embora respeitando Danilo, não aceitava a reserva e reclamava de saber de decisões sobre a escalação do time somente pelos jornais. Em junho de 1976, um grupo de mais de 100 conselheiros do América, liderado por Silvio Vereza e Sergio Dias, entregaram ao presidente do clube, Wilson Carvalhal, um manifesto[24] pedindo o afastamento de Danilo, que acabaria substituído pelo supervisor Admildo Chirol[25], e de toda a comissão técnica. Além deles, partiram em seguida Flecha e Luisinho Lemos. Estava desfeito o grande time do América, e Lucio Lacombe, então diretor de futebol, procurava encontrar “culpados” para o ocaso do time. Danilo seria um deles: “Há dois anos o América era dirigido por Danilo Alvim e a amizade que ele fez com os jogadores acabou por destruir sua autoridade. De técnico ele passou a amigo dos jogadores. Acho que sua substituição devia ter acontecido bem antes. Danilo só foi demitido após o penúltimo jogo da fase. Contra o Vasco, o time foi dirigido por Admildo Chirol. Uma vitória deixaria o América no chamado grupo forte, até mesmo um empate o classificaria, desde que Olaria ou Goitacás perdessem”. Quanto ao Danilo, já estava bem longe, treinando o Londrina.

UM MINISTRO DA DITADURA O IDOLATRAVA


O “Príncipe” voltaria ao América para uma breve passagem em 1979. Em cinco anos, ou seja, de 1974 a 79, Danilo passou cinco vezes pelo América. Ao todo, ele dirigiu dezenove times até 1984, quando encerrou a carreira no Flamengo do Piauí e com uma aposentadoria mixuruca que conseguiu quando ainda treinava o Remo. Danilo peregrinou bastante como técnico. Certa vez — como narrou Otelo Caçador[26] —, ele treinou um time, cujo nome jamais revelara aos jornalistas, e que era, digamos, muito pobre. Quando chegou ao clube, assustou-se porque lá não havia departamento médico. “Mas não há um departamento médico? Como vocês cuidam da saúde dos jogadores?”, indagou Danilo ao presidente do “paupérrimo” clube. “Para que gastar dinheiro com departamento médico? Temos uma caixinha de ‘band-aid’ e, aqui, qualquer problema de saúde é resolvido com ela”, respondeu o cartola ao treinador.

No clube paraense, Danilo chegou a ser demitido porque viajava muito para o Rio. Mas a decisão foi revogada devido à influência de ninguém menos que o então ministro Jarbas Passarinho, cujo filho, Jarbas Junior[27], foi levado por Danilo para o time profissional do clube paraense. Uma mão lava a outra.

Com o futebol, o craque do passado ganhou relativamente pouco. Muito abaixo do que merecia pelos serviços inestimáveis prestados à história do futebol nacional. Em 1977, ele e Danilo Alves, então técnico do Botafogo, chegaram a ser sócios em um armazém. Mas o negócio durou muito pouco tempo. O que ganhou com o futebol rendeu um apartamento no Flamengo e outro em Copacabana, que acabou cedendo aos pais. Nada mais. Desde que encerrara a carreira de jogador, mudara o comportamento. Era arredio e até mesmo dos amigos se afastara. “Ele sentiu muito quando deixou de ser estrela e passou a se esconder dos amigos”, revelara Flávio Costa[28], que foi quem deu a primeira chance da Danilo em um escrete carioca quando o treinava no campo do América e estava sem centromédio após a contusão de Zarzur. Costa mirou Danilo, que ainda era um garoto recentemente egresso dos juvenis, e o convidou para entrar em campo. “Ele possuía duas coisas: muita raça e a classe que lhe valeu o título de Príncipe. Era pau para toda obra: jogador de esquema, de resolver problemas dentro do campo improvisando jogadas, jogador capaz de desequilibrar uma partida. Nos meus 50 anos de futebol, poucos vi tão completos como ele.”[29]


José Lins do Rego[30] escreveu em 1953, ou seja, três anos após o maracanazo, que Danilo era tarimbado e sabia contar histórias, facetas que permitiam aos novatos enxergá-lo como se fosse um “pai de santo”. “Sabe coisas demais para merecer a confiança dos dirigentes”. Talvez tenha sido esse o motivo para Danilo não emplacar de vez na carreira de técnico. Era esclarecido e um líder nato entre os jogadores, reivindicava “bichos” e salários justos. Isso sempre incomodava dirigentes pouco ortodoxos. Danilo amava, acima de tudo o futebol, e, talvez aí resida seu principal ensinamento como craque e ídolo que foi e excelente treinador: “Digo para os meus comandados que o principal não é jogar futebol, mas gostar de jogar futebol. São muitos os exemplos de elementos que jogam futebol somente como meio de vida e não como prazer, não amam a profissão que abraçaram. Estes nunca chegarão a ser grandes jogadores.”[31]

***

Na quinta e última reportagem da série DANILO, 100 ANOS, os momentos derradeiros do Príncipe, a paixão por Zelinda e a última grande e emblemática entrevista.

 

 

 

[1] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[2] NISKIER, Arnaldo. “‘Técnico não é Deus’”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1957, p.36.

[3] Nota do autor: Sandro Moreyra atribuiu a Gentil Cardoso a mesma história que narrara de Danilo com Zezé Moreira. Na verdade, Danilo nunca se deu bem com nenhum dos dois treinadores. Sendo assim, é plausível que o “causo” tenha sido verdadeiro.

[4] Ficha Técnica: 11/05/1956 – Uberaba-MG 2 x 2 Santos. Gols: Pagão [2]; Leonaldo [2]. Local: Estádio Dr. Boulanger Pucci, em Uberaba, Minas Gerais. Competição: Amistoso. Renda: Cr$ 114.000,00. Árbitro: Antonio Musitano. Uberaba: Villamondes; Marabaia e Adelino; Leonaldo, Danilo e Pampolini; Lazinho, Paulinho, Miro, Tatu e Baltazar. Santos: Manga; Hélvio e Ivan; Feijó, Zito e Urubatão [Cássio]; Alfredinho, Jair Rosa Pinto, Pagão, Vasconcelos e Pepe. Técnico: Lula.

[5] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[6] Idem.

[7] Ibidem. Ficha técnica daquele jogo: 21/8/49 – Vasco 5 x 2 Flamengo. Local: São Januário. Juiz: MacPherson Dundas. Gols: Augusto[contra] 3′, Gringo 6′, Danilo 17′ e Maneca 27′ do 1º tempo; Maneca 8′, Nestor 16′, Ipojucan 32′ do 2º. VASCO: Barbosa; Augusto e Sampaio; Eli, Danilo e Jorge; Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Mário. FLAMENGO: Garcia; Juvenal e Job; Valdir, Bria e Jaime; Luisinho, Gringo, Zizinho, Jair e Esquerdinha. Expulsão: Esquerdinha.

[8] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[9] A.D.. “Darei o tricampeonato ao Botafogo”. Revista do Esporte: Rio de Janeiro, 25 de maio de 1963, pp.48-9.

[10] GUEDES, Márcio. “A Copa só se ganha com catimba”. Correio da Manhã: Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1970, p.8.

[11] REINA, Nilton. “Danilo venceu as críticas e deu a Bolívia um título!”. A Gazeta Esportiva Ilustrada, São Paulo, 2ª quinzena, abril de 1963, nº 228, pp. 36-7.

[12] A.D.. “Operado Danilo”. O Globo: Rio de Janeiro, 16 de julho de 1963, p.18

[13] TOUGUINHÓ, Oldemário. “América: o estranho medo da vitória”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 11 de março de 1974,p.17.

[14] A.D.. “Clube deu aumento a Luisinho como prêmio”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 8 de setembro de 1974,p.39.

[15] O jogo contra o Madureira, realizado no dia 11 de setembro, terminou 1 a 0 para o América, com um gol do Luisinho Lemos aos 30 minutos do primeiro tempo. O Alvirrubro entrou em campo com: Rogério; Orlando, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo, Bráulio e Edu [Manuel]; Flecha, Luisinho e Gilson Nunes [Mauro].

[16] A.D.. “Danilo mostra diferença entre clube e seu time”. Jornal do Brasil: Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1974, p.24.

[17] A.D.. “O Flu só perdeu porque o juiz era humano. Certo?”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.12.

[18] A.D.. “Alex jogou na marra. Agora pode ficar de fora”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1974, p.3.

[19] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[20] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[21] CAÇADOR, Otelo. “Danilo & ‘vida dura’…”. O Globo: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.8.

[22] NISKIER, Arnaldo. “‘Técnico não é Deus’”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1957, p.36.

[23] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [Final]: A difícil arte de jogar e escalar ao mesmo tempo sem chiar”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1974, p.12.

[24] A.D.. “Grupo de conselheiros exige saída de Danilo”. O Globo: Rio de Janeiro, 30 de junho de 1976, p.30.

[25] QUADROS, Raul. “A solução é nascer de novo”. Placar/Ed.Abril: São Paulo, 13 de agosto de 1976, pp. 58-9.

[26] CAÇADOR, Otelo. “Danilo & ‘vida dura’…”. O Globo: Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1974, p.8.

[27] Reportagem sobre Danilo Alvim [Danilo foi príncipe só no campo] publicada pela Revista dos Esportes na década de 1970. S.D. e A.D..

[28] RANGEL, Sérgio. “Danilo Alvim: Craque da Copa de 50 morre de pneumonia no Rio”. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 17 de meio de 1996, p.30.

[29] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[30] RÊGO, José Lins do. “Cônegos e abutres do futebol”. Manchete Esportiva: Rio de Janeiro, 25 de abril de 1953, pp.101-3

[31] A.D.. “Para ser técnico é preciso ter sido bom jogador”. Revista do Esporte: Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1962, pp. 24-5.

Saiba mais:

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-um-prncipe-patrimonio-histrico-da-bola-

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-ensaio-para-um-pico-do-futebol-brasileiro

https://www.museudapelada.com/resenha/-danilo-100-anos-so-januario-recebe-sua-alteza

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