Em mais uma demonstração de carinho, o Museu da Pelada recebeu várias fotos e recortes de jornais sobre a carreira do saudoso Teixeira Heizer, camisa 10 do jornalismo esportivo e autor de três preciosidades, todos da Mauad X, “O Jogo Bruto das Copas do Mundo”, com prefácio de Pelé, “Maracanazo”, com prefácio de Zico, e “A Outra História de Cada Um”, com maravilhosas crônicas sobre João Saldanha, Nelson Rodrigues, Garrincha, Chacrinha e vários outros. O material foi enviado pela filha Alda Heizer e elegemos a carta enviada para João Havelange por Teixeira Heizer, datada de 1963. Essa é a maior prova de que a insatisfação com os dirigentes e a forma como o futebol é administrado vem de outros carnavais.
Com mais de 60 anos de carreira, Heizer fez história no jornalismo esportivo. Iniciou sua carreira na redação do Correio Fluminense, em 1953, um ano antes de se tornar repórter da Emissora Continental. No início da década de 60, começou a trabalhar como comentarista esportivo na Rádio Globo. Em 1965, teve a oportunidade de participar da primeira transmissão de um jogo de futebol, quando o Brasil enfrentou a URSS no Maracanã.
Durante 15 anos, além de participar dos programas da SporTV, trabalhou nas transmissões de campeonatos europeus e nunca teve medo de dar opiniões fortes e contundentes. Formado em Direito e Jornalismo, chegou a trabalhar como professor, mas ganhou destaque mesmo na imprensa esportiva.
O craque do jornalismo morreu no dia 3 de maio de 2016, aos 83 anos, vítima de uma parada cardíada, deixando uma filha, seis netos e dois bisnetos.
CONFIRA A CARTA:
“Ao Presidente João Havelange
Roma,
Primavera de 1963.
PRESIDENTE JOÃO HAVELANGE,
bom dia.
Seguimos esse roteiro da morte, testemunhando os insucessos da nossa seleção – desmoralizada, humilhada, contristada e, já a esta altura, com seu prestígio completamente maculado no atoleiro em que nos metemos.
Hoje, caro presidente, eu estava fazendo um retrospecto do que houve, desde o princípio até a consecução do enterro formidável do nosso futebol.
Primeiro, o grave erro de entregar-se a São Paulo, o comando-geral do escrete. Afinal, presidente, a Guanabara é incapaz? – Se não, por que a omissão?
O segundo ato dessa novela desastrosa foi a convocação. Feita às escondidas, pelo bobo Feola e pelo rude Falcão. Tudo à traição, deixando-se no Brasil valores da elite do nosso esporte, em favor de alguns outros afilhados desse ou daquele dirigente.
Em tudo isso, entrou política e também dinheiro, meu caro presidente.
A política esportiva está sintetizada na sua omissão, dando a São Paulo o que não era de São Paulo. É que v. s. já tem o presidente Passo na mão, por amizade, auxílio pessoal e outros fatos que tais. Mas, teme São Paulo que, de quando em vez, ameaça formar o eixo com o sr. Rubem Moreira, para derrubá-lo da CBD.
A política verdadeira, mesma, é a do deputado Mendonça Falcão, que precisa do esporte para eleger-se. Com alguns trocados (dinheiro do governo), ele “molha a boca” dos clubes interioranos e vai conseguindo eleitores.
Mas, presidente, o deputado Falcão está também com sua posição ameaçada. Brigou com o presidente Helu, do Corinthians, e com o sr. Paulo Machado de Carvalho, capitão do esporte paulista. Então, no momento da convocação, ele procurou com a conivência de v. s., que se omitiu, convocar três corintianos, que não entram, sequer, na minha pelada da praia de Icaraí.
Com isso, o Corinthians lucrou seis milhões (cota de dois milhões por atleta, que v. s. dá aos clubes que cedem valores para esse escrete de araque).
Como se vê, teve de tudo essa seleção, veladamente no princípio e ostensivamente no final: política esportiva, política propriamente dita e dinheiro, comprando o silêncio.
Mas, que fazer? – Seguimos como testemunhas do malogro humilhante do nosso futebol.
Falta tudo, presidente. Condição técnica, física e disciplina. Aliás, já se disse que a única coisa que sobra aqui é a “pança” do Feola, contribuindo para o excesso de bagagem que a CBD terá de pagar.
Outra coisa, presidente: o Falcão continua o mesmo. Não respeita ninguém. Nesse giro, ele conseguiu brigar com os jogadores, dirigentes, jornalistas brasileiros, jornalistas estrangeiros, dirigentes estrangeiros e até diplomatas que lhe vão oferecer os préstimos.
Sua figura exótica se espalha pelas maiores capitais do mundo civilizado, que nem sei bem como explicar. Na confusão de idiomas, nem mesmo o português ele está conseguindo falar.
Outro dia, presidente, no ônibus, ele quase surrou um jornalista italiano. Chegou a empurrá-lo, para começar a briga.
Agora, vamos para o Egito, na rota da desgraça. Se perdermos lá, creio que nem volto ao Brasil. Ficarei com vergonha.
Um abraço respeito do Teixeira Heizer.
P.S. – Presidente: creio que uma delegação esportiva é também uma missão cultural, de relações públicas e humanas. Como conseguir esse objetivo, dando a chefia a um homem que só frequentou o curso das águas do Rio Tietê?”
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