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AZUL É A COR DA TERRA

10 / dezembro / 2023

por Claudio Lovato Filho

“Essa prorrogação vai ser foda”, alguém disse assim que o árbitro apitou o fim do tempo normal, decretando a ida do jogo para o tempo extra.

A frustração pelo gol alemão, aos 41 do segundo tempo, logo se transformou em confiança na vitória na prorrogação.

A sala da casa do amigo, no bairro Partenon, estava lotada. Quase todos eram colegas do 3º Ano Científico (assim se chamava naquela época) do Colégio São José. Os instrumentos de batucada, usados até minutos antes do início da partida, à meia-noite daquele 11 de dezembro, tinham ficado no pátio. Os poucos colorados estavam quietos, cientes de que aquele não era o momento para arriscar uma cornetada, por mais amigos que todos fossem.

Um a um no placar. O gol do nosso camisa 7, aos 38 do primeiro tempo, foi uma beleza. O passe de Paulo Cezar Caju, a escapada pela direita do ataque, a invasão da área, o corte para um lado e para o fazer o marcador dançar no compasso do desespero, o chute forte e rasteiro, a bola passando entre a trave esquerda e o goleiro. Gol!

Um gol que só mesmo ele poderia fazer.

Vem o segundo tempo e Mário Sérgio continua desfilando toda a sua categoria em campo. Como jogou! Tarciso, 9 às costas, brigando, levando perigo à defesa adversária, sendo Tarciso, sendo o Flecha Negra de sempre. E os alemães se perguntando (assim imagino): “Quem é esse maluco da camisa 7 ?”

Segue o jogo e o nosso camisa 7 sofre pênalti. O juiz não marca. Ninguém na sala sabe xingar em francês e vai em português mesmo.

Então acontece o empate do Hamburgo, no finalizinho do jogo, gol de Schroeder. Estava confirmada a máxima de que alemão nunca se entrega.

Mas todo mundo sabia que o endereço de destino daquela taça não era a cidade portuária alemã de Hamburgo. Era uma cidade portuária, mas localizada na América do Sul, no estado mais meridional do Brasil. Aquela taça já tinha o seu lugar reservado desde que o mundo é mundo e muito antes da própria invenção do futebol: a sala de troféus do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense (Estádio Olímpico, Largo Patrono Fernando Kroeff nº 1, Bairro Azenha, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil).

Início da prorrogação: de novo o nosso ponta, o nosso camisa 7 – o predestinado genial e genioso nascido em Guaporé e criado em Bento Gonçalves, promovido ao grupo principal do Grêmio em 1982 pelo mestre Ênio Andrade –, de novo ele infernizando os defensores de vermelho e branco. E aos 3 minutos do primeiro tempo da prorrogação o sol brilhou na madrugada: Caio levanta na área, lá da esquerda, Tarciso raspa de cabeça e a bola cai no pé direito do nosso camisa 7, que dá um corte seco no marcador e bate de esquerda.

Gritos:

“Dois a um, porra!”

“É campeão do mundo!”

“Do pescoço pra baixo é canela!”

As paredes da casa do amigo na rua Monteiro Lobato pareciam tremer. (Na minha memória tremiam de verdade.)

E então, quase às 2 e meia da madrugada pelo horário de Brasília, portanto já no dia 12 de dezembro de 1983, o árbrito francês Michel Vautrot apitou o fim do jogo.

A vibração na casa no Partenon assim que o jogo terminou foi algo que beira o indescritível.

A batucada foi retomada na calçada, as camisas tricolores molhadas de suor e lágrimas do choro convulsivo de um grupo de jovens de coração azul, preto e branco, entre os quais estava este que vos escreve.

Das imagens que nunca vão sair da retina, da memória e do coração (além, é claro, dos dois gols de Renato Portaluppi, o nosso camisa 7):

  • Ele, Renato, abraçando nosso técnico, Valdir Espinosa, depois de marcar o primeiro gol, e, mais tarde, caindo de joelhos em campo assim que o juiz apitou o fim da prorrogação.
  • A raspada de cabela de Tarciso para Renato no lance do segundo gol. Tarciso, o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Grêmio, o jovem centroavante vindo do América/RJ em 1973 que participou da conquista do Gauchão de 77 (o mais importante da história), do Campeonato Brasileiro de 81, da Libertadores e do Mundial no épico ano e 1983. José Tarciso de Souza, Tarciso Flecha Negra, o homem que enfrentou a seca em parte dos anos 70 e depois conquistou o Brasil, a América e o mundo, sempre com a mesma humildade, coragem e dignidade.
  • Os dribles, os passes e as dominadas de bola de Mário Sérgio num jogo de marcação feroz realizado em gramado seco e duro, efeito do rigoroso inverno de Japão.
  • A calma, a categoria e os gestos de liderança de Hugo De León, El Capitán.
  • As defesas de Mazarópi, por baixo e por cima, um paredão, grande Maza.
  • O comando sereno e firme de Valdir Espinosa, pitando seu cigarrinho na beira do campo – Espinosa que era o nosso lateral direito lá no início da década 1970, quando comecei a frequentar o Olímpico, o nosso saudoso Casarão.

Todos foram heróis: Mazaropi, Paulo Roberto, Baidek, De León, Paulo César Magalhães, China, Osvaldo, Paulo Cezar Caju, Renato, Tarciso, Mário Sérgio, Beto, Leandro, Casemiro, Tonho, Bonamigo, César e Caio. E também, é claro, Valdir Espinosa, Fábio Koff, Alberto Galia, Túlio Macedo, Rudy Armin Petry, Flávio Obino, Irany Santanna, Antônio Carlos Verardi, Ithon Fritzen, Dirceu Colla, Adalberto Preis, Mário Leitão, Mauro Rosito, Ziuton Bohmgahren. Todos eternos heróis tricolores.

Aquela conquista obtida há 40 anos atrás, em Tóquio, está na prateleira mais alta de um magnífico patrimônio construído ao longo de 120 anos e do qual todos os gremistas – os de ontem, os de hoje e os de amanhã – podem se orgulhar de ser donos

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