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O ETERNO APOLINHO

por Elso Venâncio

Washington orienta Edmundo, Romário e Sávio, o ‘Ataque dos Sonhos’

Washington Rodrigues foi o maior comunicador do rádio brasileiro. Carioca do Engenho de Dentro apaixonado pelo Flamengo, seu ídolo no futebol era Evaristo de Macedo.

O vascaíno Chacrinha, por exemplo, adorava Washington e tentou a todo custo torná-lo seu sucessor na tevê.

Criativo, carismático e espirituoso, suas expressões ficam para a História: ‘Ô, rapaazz!’, ‘Geraldinos’, ‘Arquibaldos’, ‘Briga de Cachorro Grande’, ‘Mais Feliz que Pinto no Lixo’, ‘Capinar Sentado’, dentre tantas outras…

‘A Palhinha do Apolinho’, ‘No Mundo da Bola’, ‘Show do Apolinho’, ‘Globo na Bola’ e o ‘Show da Madrugada’ são algumas das atrações que ele comandou nas Rádios Globo, Nacional e Tupi.

Considero o ‘Robertão’ a maior criação de Washington. A voz do ‘Velho Apolo’, distorcida pelo operador, criando um efeito robótico, era absolutamente genial. Apolinho conversava com ele mesmo. Isso, há décadas. Muito antes de falarmos em Inteligência Artificial e outras coisas.

Quem se lembra da ‘Valéria, A mãe da matéria?’. Voz feminina, sensual, que mexia com o imaginário dos ouvintes durante o ‘Show da Madrugada’?

Nos pontos de táxi ou rodando pela cidade, percebia os taxistas sempre ligados no ‘Show do Apolinho’. Se a gente parasse num sinal, no fim da tarde, se surgisse um táxi o som era da Tupi.

A Rádio Nacional, com a liderança do José Carlos Araújo, o Garotinho, ganhava da Globo no Ibope. A Globo tinha Waldir Amaral, Jorge Curi, João Saldanha, enfim, um timaço. Jorge Guilherme, diretor da Rádio Globo, após conversar com Washington, decidiu contratar Apolinho e Garotinho. Não demorou muito e o ‘Velho Apolo’ me chamou para ir à sua cobertura no Alto Leblon:

– Assinei com a Globo e vou te levar.

Em agosto de 1984, isso soou como uma bomba. José Carlos Araújo, por mais de 50 anos, teve ‘Apolinho’ a seu lado. A frase do Garotinho antes de anunciar o tempo de jogo, ‘Apite comigo, Galera!’, inclusive, foi sugerida pelo próprio Washington Rodrigues.

Wanderlei Luxemburgo e Edinho não se firmaram como técnico do Flamengo, no ano do Centenário do clube, 1995. Do restaurante Antiquarius, onde estava no Leblon, o Presidente Kleber Leite discou chamando o amigo Washington Rodrigues, seu ex-companheiro de cobertura nos gramados:

– Vou trocar o treinador! – apontou Kleber.

– De novo? Contrata o Telê! – respondeu Apolinho.

Kleber virou o prato de jantar, dizendo que o nome do novo técnico estava sob ele.

– Posso ver! – questionou Apolo.

– Claro!

– Hum… O que é isso???

O nome era Washington Rodrigues, para surpresa do próprio.

O clima na Gávea não era dos melhores. Romário não falava com Edmundo e ainda tinha brigado com Sávio em campo, durante uma excursão ao Japão. Apolinho sempre teve a capacidade de convencer e unir as pessoas.

Washington e Maria Lúcia batizaram meu filho Marcello Venâncio. Eraldo Leite e Sueli são padrinhos do Rodrigo. O Garotinho batizou um dos filhos do Apolinho e também outro, do Denis Menezes. Havia uma cumplicidade, que se transformava em amizade, porque fazíamos todos juntos muitas viagens. O rádio era a tevê da época, transmitia os jogos, ao vivo, dos estádios. Ficávamos mais tempo juntos do que com nossas famílias.

Temos que agradecer a Papai do Céu pela chance de conhecer, conviver e aprender com esse ídolo eterno do rádio brasileiro.

TRANSMISSÃO IMAGINÁRIA

por Wesley Machado

Imaginei uma transmissão com Silvio Luiz narrando, Antero Greco e Washington Rodrigues comentando. Jogo entre Flamengo e Palmeiras. Os torcedores, porém imparciais em serviço, My friend e Apolinho, seguram a emoção. O engraçado narrador não grita gol.

– Pela mãe dos meus filhinhos!
Apolinho lembra dos arquibaldos.

My friend solta uma gargalhada.

Apolinho critica Gabigol com a camisa do Corinthians.

O ex-artilheiro rubro-negro não joga mais no time da Gávea – informa Apolinho.

My friend, “o palmeirense mais corintiano que existe”, segundo Juca Kfouri, também não se faz de rogado e, ironicamente, diz.

– Só Gabigol para livrar o Corinthians do rebaixamento este ano – decreta My friend.
Celso Unzelte, que estava assistindo à partida de casa, envia um Zap e Silvio Luiz lê:

– Vocês adoram falar do Corinthians, até no jogo que ele não está jogando – diz a mensagem de Celso.
– Então vamos falar do Flamengo – comenta Apolinho.

– O Palmeiras está melhor no jogo – considera My friend.

– Olho no lancê! Ééééééééééé do Flamengo! – grita Silvio Luiz.

– Balançou o capim no fundo do gol! Foi, foi, foi, foi ele… o craque da camisa número 10! Zico, o Galinho de Quintino, o verdadeiro camisa 10 da Gávea, como cantava Moraes Moreira! Confira comigo no replay! – narra Silvio Luiz.

Toca a música “Replay” com o Trio Esperança:

– É gol, que felicidade! É gol, o meu time é a alegria da cidade! – diz a canção tema de transmissões em várias rádios.

Um minuto de silêncio.

Infelizmente não teremos o replay destes cronistas esportivos.

Será difícil esquecer profissionais do quilate deles.

A crônica esportiva brasileira está de luto.
A saudade já dói.

Gratidão pelo que fizeram.

Deixaram seus nomes na história.

E ficarão guardados em nossas memórias.

– O que eu vou dizer lá em casa? – mais um bordão daquele que tanto nos divertiu!

Eu direi para os que estão e ainda vão vir que vocês são eternos!

Valeu por tudo, senhores do microfone!

Na crônica esportiva vocês foram reis!
Por isto nós os veneramos!
Ontem, hoje e amanhã!

LUTO NA IMPRENSA FUTEBOLÍSTICA

por Luis Filipe Chateaubriand

Pois que os últimos dias estão sendo muito tristes no futebol, especialmente para a Imprensa Futebolística.

Antero Greco, my friend, acaba de falecer, vítima de um insidioso câncer no cérebro.

Sílvio Luiz, o irreverente locutor, sofreu um derrame e também nos deixou.

E Washington Rodrigues, o Apolinho, também acaba de falecer, vítima de um câncer agressivo, desta vez no intestino.

Ah, Apolinho, por que foste nos deixar?

Como é que a gente fica sem as expressões deliciosas, como “batom na cueca”, “briga de cachorro grande” e “mais feliz do que pinto no lixo”?

Como é que a gente fica sem os comentários pertinazes sobre os jogos de futebol – capaz de enxergar, na maioria das vezes, o cenário do jogo com poucos minutos de bola rolando?

Como é que a gente fica sem a linguagem popular, sem frescuras, nos dando aulas sobre futebol de forma simples e direta?

Como é que a gente fica sem a dobradinha com o Garotinho José Carlos de Araújo, uma formação clássica no futebol carioca e, porque não dizer, brasileiro?

Como é que a gente fica sem seus programas diários, que informavam e divertiam ao mesmo tempo?

Ah, Velho Apolo, você não podia ter feito isso com a gente!

Mas, se você escolheu assim, vai em paz.

Um dia, a gente se encontra.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 62

por Eduardo Lamas Neiva

Após a festa do Simonal, que foi aplaudido de pé, o povo deu uma dispersada rápida e na primeira sobra de bola, João Sem Medo pôs a bola no pé e voltou às eliminatórias para a Copa de 1970.

João Sem Medo: – A seleção nunca se assustou. Lá como cá…

Sobrenatural de Almeida: – Cá, não, João! (dá sua risada medonha)

Todos riem.

João Sem Medo (rindo também): – Verdade. Mas, como eu dizia, tanto em Assunção, quanto no Maracanã, o Paraguai jogou retrancado. Ficamos no 1 a 0, em casa, por sorte deles, já que a bola pererecou bastante na porta do gol, ora batendo em qualquer um, ora com o goleiro defendendo.

Ceguinho Torcedor: – Invicta, com 23 gols a favor e somente dois contra, a seleção de Saldanha deixou de ser uma promessa, uma utopia. O escrete do João Sem Medo esmagou todas as resistências, inclusive dando olé nos campeões do mundo de então.

Idiota da Objetividade: – Em junho de 1969, no jogo de despedida do goleiro Gilmar, o Brasil derrotou a Inglaterra, no Maracanã, por 2 a 1, de virada.

Ceguinho Torcedor: – Naquele dia também tinha gente até no lustre do Maracanã. Por conta do jogo, a cidade suspendeu todos os pecados. Ninguém matou, nem roubou, nem traiu. Que eu saiba, não houve um único e escasso assalto. Todas as classes, profissões, ideologias, raças e idades se juntaram no Maracanã.

Garçom: – Vamos aplaudir Gilmar dos Santos Neves, que ali está. Levante-se, por favor, Gilmar!

Todos os aplausos vão para o grande goleiro da seleção que conquistou os títulos mundiais de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile.

Garçom: – Vamos ver um vídeo com os gols daquela partida, transmitida pela TV Cultura?

Todos concordam e Zé Ary põe o vídeo no telão do Bar Além da Imaginação.

Ao ver pela primeira vez ou rever aqueles lances, o nome de Tostão novamente ganhou muitos elogios entre o público presente. Mas Zé Ary voltou à jogada e comparou o público presente no Maracanã naquela partida com outro importantíssimo jogo.

Garçom: – Seu Ceguinho, contra o Paraguai foi ainda mais gente do que contra a Inglaterra. Eu fui ao Maracanã naquele dia.

Idiota da Objetividade: – Pagaram ingresso 183.341 pessoas em 31 de agosto de 1969 para ver Brasil 1, Paraguai 0.

Ceguinho Torcedor: – Uma multidão inédita! Veio gente de todos os estados para espiar as feras. O povo sabia que o Brasil tinha o seu escrete. Um time maravilhosamente unido, maravilhosamente irmão. O escrete jogava na base de uma solidariedade total. Não havia o caso de um jogador ressentido ou despeitado. Como um verdadeiro líder, João criou entre seus comandados uma consciência, uma estima, um nobilíssimo caráter. E por isso também foi campeão do mundo depois: porque tinha caráter.

Garçom: – Pelé e Tostão jogaram muito naquele dia.

Ceguinho Torcedor: – O melhor naquele dia podia ser Pelé, podia ser Tostão, mas para mim foi Edu. Ele era o único atacante que não fugia, que não corria do marcador. Pelo contrário, Edu é quem perseguia o marcador e o envolvia e o desintegrava. Seus dribles eram empolgantes. Ia até a linha de fundo e cruzava magistralmente.

Garçom: – Vamos ver lances daquele jogo, com imagens do Canal 100 e a  crônica do Nelson Rodrigues, o criador dos nossos quatro personagens que formam a mesa principal do nosso bar, na voz inconfundível de Paulo César Pereio, que se despediu no fim de semana passado do Mundo Material e em breve estará aqui com a gente também. Vamos prestar atenção que vale muito a pena!

A vibração no bar é igual ao dia do jogo.

Sobrenatural de Almeida: – Contra aquele time nunca joguei, porque dava muito gosto de ver. Ficava só admirando sentado à beira do gramado. E nem precisava atrapalhar o adversário.

João Sem Medo: – Achei que você não gostasse do que é bom?

Sobrenatural de Almeida: – Eu só gosto de participar do jogo de vez em quando, pra não vulgarizar meu trabalho. (dá sua risada medonha característica) Gosto de fazer umas artes em campo pra espantar e algumas vezes fazer o impossível se tornar possível.

Ceguinho Torcedor: – E aquela seleção fez o que parecia impossível em campo: o mais nobre futebol com arte. E com um apoio popular que nenhum outro escrete teve no Brasil, a seleção do João Sem Medo seria campeã do mundo em 70 com uma campanha ainda mais flamejante que a de 58.

Sobrenatural de Almeida: – O mais assombroso é que você disse isso no dia em que o Brasil se classificou para a Copa. Só errou na profecia quanto ao técnico.

Garçom: – Eram mesmo os reis da bola! E esse é o nome da música que vamos apresentar aqui no palco com o grande Moraes Moreira, relembrando os tempos de Novos Baianos. Vem pro palco, por favor, Moraes Moreira!  

Muito aplaudido, Moraes Moreira volta ao palco.

Moraes Moreira: – Obrigado, gente! Como o Zé Ary falou, esta é dos tempos de Novos Baianos, a gente jogava muita pelada e sempre adorou futebol. Até um disco a gente lançou chamado “Novos Baianos Futebol Clube”. Mas deixa de papo e vamos cantar, relembrando o Furacão da Copa e o Rei Pelé. Um abração, Rei!

Pelé acena sorrindo de sua mesa a Moraes Moreira.

Moraes Moreira: – Vamos nessa, moçada!

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Um gol desse não se perde!

VALEU, APOLINHO

por Paulo-Roberto Andel

Neste exato momento, tem muuuuita gente chorando. Eu também, mas vou tentar fazer um réquiem.

Falar de alguém que a gente sempre ouviu desde a infância, por quase meio século.

Do tempo em que o Maracanã tinha seus astronautas vendendo Coca-Cola na arquibancada, e com tanques de refresco nas costas – no copo era só espuma, mas deliciosa.

Quando Victorio Gutemberg fazia ecoar sua voz potente nos alto-falantes de som abafado, para escalar os times, falar da Loteria e lançar o bordão inesquecível “Suderj informa”.

E no fim dos clássicos abarrotados, quando as vinhetas de minutagem das rádios faziam o som psicodélico de gran finale? Cento e tantas mil pessoas. Corações a mil no maior estádio do planeta, enquanto Rivellino, Adílio, Roberto, Mário Sérgio, Paulo Cezar Caju e outras feras escreviam a história do futebol brasileiro com seus dribles e passes, suas jogadas de arte.

Apolinho viu tudo isso e muito mais. Foram décadas do melhor futebol do mundo, que encantou adultos e crianças para sempre – até hoje vivemos de restos dessas lembranças. Ganhou o apelido pelo transmissor que levava nas costas, atrás do gol, e ficou Apolinho para sempre. Consagrou-se ao lado de Garotinho e Denis Menezes numa equipe que ficou imortalizada no rádio carioca, depois passou anos na Rádio Globo e muitos outros na Tupi, onde ficou até o fim – e é inacreditável que este fim tenha sido hoje, porque depois de muitos anos a gente se acostuma com a ilusão de que monstros do rádio como ele, Washington Rodrigues, são imortais de carne e osso.

Apolinho deu no pé em dia de goleada do seu Mengão. Tudo a ver com seu amor. Também é o dia de Super Ézio. Pronto, já tem um Fla x Flu armado para animar a eternidade.

Um dos maiores jornalistas esportivos da história, ele viu tudo torcendo, trabalhando ou os dois: voos munumentais do goleiro americano Pompeia, folhas secas imperdíveis de Mestre Didi ou gols e gols do jovem Pelé. Precisa mais? Não, mas ele teve o privilégio de ver os melhores, entrevistá-los e depois comentar.

É fim de quarta-feira. A cidade está em lagrimas porque Apolinho deu tchau e, aos poucos, a gente se toca do tamanho da perda, mas morrer é algo no mínimo discutível para quem sempre teve o talento para a imortalidade.

Washington Rodrigues, gênio do rádio brasileiro, familiar a milhões e que fez tanta gente humilde feliz com seus comentários, galhofas e barbaridades sempre populares.

Os gênios dizem adeus, a saudade fica pra sempre. Viva o eterno Maracanã do Apolinho!

@pauloandel