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Zé Mário

A HABILIDADE E O EQUILÍBRIO SÃO MEIOS DE PROTEÇÃO

por Zé Roberto Padilha

É preciso que a história do futebol brasileiro faça justiça a Zé Mário. A partir dele, do seu equilíbrio, classe e senso de organização (era praticamente incaível) apresentado na década de 70 atuando tanto no Flamengo, Fluminense e Vasco, valorosos e aplicados cabeças-de-área foram sendo substituídos por jogadores mais hábeis.

Um processo natural de evolução técnica capaz de permitir que André, hoje, vista a camisa de Denilson, o Rei Zulú. E Thiago Maia a de Liminha. Graças ao talento de Zé Mário, o Vasco fez de Guiñazu seu último guerreiro. E foi permitido ao futebol escalar jogadores mais talentosos à frente de suas zagas.

Um dos segredos do Zé Mário, e só notei porque joguei ao seu lado, era sempre dominar a bola com o pé de apoio. Como era destro, dominava com a canhota e a boa já estava com o dedo no gatilho direito. Parece pouco porque inverte a lógica em um nível de detalhamento quase imperceptível.

Simples mortais, como eu, dominam com a canhota, ajeitam o corpo e só depois realizam o passe. São frações de segundos que podem custar um contra-ataque causado por uma bola roubada de frente a uma zaga desarrumada.

Juro que tentei fazer o mesmo, dominar a bola com o pé que pegava o bonde. E como treinei. Mas era tarde, são fundamentos vindos da base, do berço, dos Deuses.

Fernando Diniz só ousa insistir no toque de bola para iniciar as jogadas do Fluminense porque viu Zé Mário e Carlos Alberto Pintinho enfrentarem nosso saudoso Badeco. E se dá ao luxo de por ali escalar um Martinelli.

E foi a partir do seu pioneirismo que, na posição mais difícil do futebol, a única que você joga de costas para o gol adversário e onde não é permitido errar passes, foi provado que pode e deve existir vida inteligente.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZÉ MÁRIO


Zé Mário foi um artista. Não o confundam com Dustin Hoffman como Paulo Cezar Caju costumava chamá-lo quando o meia chegava a bordo de seu Fusca azul e passava pelos portões do clube rubro-negro para realizar os treinos nas manhãs na Gávea em1972. O camisa 8 do Flamengo e 5 do Fluminense e Vasco, foi muitos num só. Um líder nato. Uma semelhança com Dunga não seria mera coincidência pelo comprometimento e entrega nas quatro linhas, e sobretudo, fora delas, quando foi um atleta marcado pelo respeito e um agregador capaz de tornar os times campeões por onde passou.

Chegado ao mundo pelas mãos de uma parteira na casa de seus avós maternos no bairro do Cachambi, zona norte do Rio, em campo, Zé Mário chamou a atenção como o Stanley, vivido por Marlon Brando (1924-2004) em “Uma Rua Chamada Pecado (1951)”, que ao gritar por atenção para Blanche, interpretada por Vivien Leigh (1913-1967), tornara o clima entre os dois claustrofóbico nesse pequeno ecossistema da periférica Nova Orleans.

Todavia, o ex-aluno do Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, chamado Zé Mário, foi valente no combate aos adversários que enfrentou igual a valentia retratada no filme Taxi Driver (1976), no qual o taxista Travis Bickle, personagem encenado por Robert De Niro, comprou um revólver e olhando-se no espelho numa cena ensaísta buscava proteção das intempéries das ruas perigosas de Nova York.

No entanto, cria do futebol de salão, por onde desfilou sua categoria no Magnatas e na extinta Associação Atlética Vila Isabel, com a bola nos pés, já no futebol de campo, Zé Mário lembrou em cada gota de suor derramada de seu rosto nas partidas em que disputou, a cena icônica na saída do teatro em “O Poderoso Chefão 3 (1990)”, quando o gângster Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, abraça sua filha caída no chão após receber um tiro em que o alvo seria ele.

Logo, com a carreira profissional iniciada no Bonsucesso Futebol Clube, Zé Mário emocionou como o filme “Filadélfia (1993)” em que o advogado homossexual Andrew, interpretado por Tom Hanks, chora em seu apartamento ao som de uma ária da soprano Maria Callas (1923-1977), enquanto, ao fundo, Denzel Washington, comovido, não consegue segurar suas lágrimas com seu sofrimento e percebe que seu cliente foi abandonado no momento mais difícil da vida.


Assim, o filho de “Seu” Mário e de “Dona” Avany foi atencioso como Jack Nicholson em “As Confissões de Schmidt (2003)”, no qual interpretou um viúvo chamado Warren, e lê a carta de agradecimento da ONG por sua contribuição de 73 centavos por dia para um garoto da Tanzânia.

Mas dos futebóis de salão e campo, José Mário Barros herdou a habilidade, a visão de jogo, e apesar da baixa estatura, foi um gigante, um líder na essência mais cristalina da palavra. Combativo e distribuidor de passes poucas vezes visto no mundo da bola, o volante de estilo clássico se notabilizou por onde pisou a planta dos seus pés ou as solas das suas chuteiras.

O Vozes da Bola chega ao seu trigésimo personagem e entrevista Zé Mário, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (SAFERJ), ídolo de clubes como Flamengo, Vasco e Fluminense e um expert em futebol internacional por onde trabalhou em diversos países.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi sua infância no Méier, Zona Norte do Rio?

Inesquecível. Mas vale contar um pouco dessa infância. Uma parteira me trouxe ao mundo na casa de meus avós maternos no Cachambi, bairro de classe média da Zona Norte do Rio, onde a residência ficava bem próxima do lugar onde o bonde da linha Cachambi-Méier fazia a volta. Minha infância e adolescência foram normais como os meninos daquela época. Jogávamos bola na rua, pegávamos frutas nos quintais das casas dos vizinhos, e muitas vezes, sem autorização do dono, tínhamos que pular o muro e sair correndo. A casa do meu avô materno ficava perto do cinema Cachambi que eu ia de vez em quando para assistir alguns filmes. Às vezes, lembro com saudades. Dava vontade de beber o leite na mamadeira, e aí, saia, bebia e voltava para o final do filme. Isso sem contar os vagalumes que pegávamos na rua e eram colocados em caixas de fósforos para ser soltos dentro do cinema. Era uma confusão enorme com os lanterninhas que ficavam loucos e tentavam a todo custo descobrir os autores daquilo (risos). Naquele tempo a pelada na rua era geral e foi dessa forma que passei a jogar. Morei na Rua Guaiaquil em Maria da Graça, e em frente a nossa casa tinha uma praça que era subida. Muitas peladas fizemos ali com jogadores lá em cima e outros embaixo. Era divertido. Eu já sobressaía jogando futebol apesar de ser sempre o menor deles. Dificilmente jogava com meninos da mesma idade. Sempre mais velhos. Até no gol do futebol de salão eu aprendi a agarrar, porque senão não deixavam jogar com os mais velhos. Tinha que ir para o gol e agarrar bem porque senão eles me tiravam. Aí comecei a jogar futebol de salão quando levado por um tio ao Magnatas. Fui aprovado no teste. Devia ter uns nove para dez anos. Meu pai não sabia, pois ele queria que eu fosse direto para o futebol de campo, e depois me deixou competir no Magnatas. Em seguida, mudamos para a Rua Arthur Menezes no Maracanã e ali as peladas foram intensas. Eu estudava e quando chegava em casa era para jogar bola na rua. Tabelinhas com o meio fio, com o muro da vizinhança, com as árvores e tudo mais. Só parávamos quando era carro ou senhoras passando. Fazia parte do crescimento da gente.


Antes de chegar no juvenil do Fluminense em 1965, o senhor jogou futebol de salão no Magnatas, no Associação Atlética Vila Isabel que tinha excelentes times sendo tricampeão brasileiro. Como foi essa época?

Mesmo jogando no Magnatas não deixávamos de ir assistir os jogos do A.A. Vila Isabel onde Gizo, Aécio, Celso e Serginho, meus ídolos, jogavam. Acabava o meu jogo do juvenil e saia correndo com meu pai para ver o primeiro time do Vila Isabel. Era maravilhoso. Em seguida, me transferi para o Vila Isabel, pois jogar lá era meu sonho. Fui campeão juvenil e ingressei no infanto juvenil do Fluminense com o ex-zagueiro e ídolo Pinheiro, em 1965.

O futebol de salão foi uma boa escola na sua vida de atleta e a convivência com os jogadores Aécio, Serginho, Adilson, Celso, Gizo, foi importante. Se Pelé foi o rei do campo podemos dizer que Serginho foi o rei do salão. É verdade que procurava imitá-lo?

Mas o Serginho, para mim, é o maior jogador da bola pesada de todos os tempos. Igual ao Pelé no campo. Num jogo decisivo, Vila Isabel x Imperial de Madureira, o Serginho chegou atrasado e o treinador Fatinho não colocou ele para iniciar o jogo. A torcida foi à loucura. Primeiro tempo terminou Imperial 2 a 0. A torcida queria matar o treinador. Começou o segundo tempo com o Serginho em campo. Resumindo, o Vila Isabel virou o jogo para 11 a 2. O Serginho fez tudo que sabia e o que não sabia. O melhor do mundo para mim. No futebol de salão aprendi muita coisa que depois apliquei no campo e foi importante na carreira. Noção de cobertura, marcação, passe certo, drible curto. Quem não tinha esses fundamentos não poderia ter êxito no futebol de salão. Isso tudo também era muito importante no campo. Já cheguei com isso desenvolvido. Infelizmente, não joguei junto com esses grandes jogadores do Vila, pois eram mais velhos, e quando ia estourar a idade no juvenil e passar a jogar com eles comecei a me dedicar ao futebol de campo. Profissionalizei-me no Bonsucesso e fiquei só no campo.

Como foi seu começo de carreira no Bonsucesso?

Saí do infanto juvenil do Fluminense porque meu pai mandou eu escolher entre o futebol de salão e o de campo. Para eu treinar no Fluminense, eu perdia duas aulas por dia no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, e isso atrapalhava meu desejo de ser engenheiro eletrônico. Terminado aquele ano de 1965, o meu pai me mandou escolher e eu, para poder estudar, escolhi o futebol de salão. Por quê? Me dava a condição de continuar estudando. No ano de 1965, passei de ano perdendo duas aulas por dia, fui campeão pelo time da minha sala no colégio, vice-campeão carioca pelo Fluminense e campeão pelo Vila Isabel. Achei que no ano seguinte, em 1966, se eu continuasse naquela batida eu não ia conseguir estudar. Lembro como se fosse hoje! Quando cheguei no carro depois do último treino do ano no Fluminense e meu pai perguntou se eu tinha decidido, falei que sim e que já tinha me despedido do professor Pinheiro e do Fluminense. Ele ficou uma fera e queria me dar uma surra dentro do carro. Mas ele queria que eu decidisse o que ele queria. Bati o pé. Não abri mão e parei de jogar no campo. Começou 1966 e eu estudava e jogava futebol de salão no Vila Isabel, até que um amigo, Marcos Malisia, me chamou para treinar no Bonsucesso. Como era julho e eu estava de férias, aceitei. Fui e o avisei que seria só durante as férias. Treinei, agradei e o treinador me pediu que ficasse. Expliquei a ele o o motivo pelo qual tinha saído do Fluminense e não seria lógico perder duas aulas por dia e ir jogar no Bonsucesso. Falei que só poderia treinar aos sábados. Dito e feito. Ele aceitou e passei a treinar aos sábados e jogar no domingo pela manhã. E fui indo até que fui pegando o gosto e passei a me dedicar mais ao campo. Aos 18 anos, decidi que não seria mais engenheiro eletrônico e que seguiria a carreira de jogador como meu pai vinha exigindo, e quando parasse, seria treinador. A cada dia me afastava mais do futebol de salão, até que em 1970, quase não fui ao Vila Isabel, mas recebi uma ligação pedindo que fosse jogar as últimas duas partidas decisivas contra o Astória do Rio Comprido. Ponderei que não tinha jogado nenhuma partida naquele ano e não seria legal eu chegar e jogar, enquanto, quem foi o ano inteiro ficaria no banco. Falaram que os próprios jogadores pediram que eu fosse. Fui com a condição de começar no banco e só entrar se houvesse muita necessidade. Entrei ainda no primeiro tempo e na primeira bola joguei um jogador deles, folgadinho, em cima da mesa do cronometrista. Foi tudo pelo chão. Sem violência (risos). Foi só com o que eu já tinha evoluído no campo. Atrasar um pouquinho na jogada e ir no corpo do adversário. Só isso. Ele levantou e veio de encontro a mim e eu peguei no gogó dele e falei que ali o negócio era outro. Não era mais só futebol de salão. Era campo também. Não lembro o resultado desse jogo, mas no segundo jogo na quadra do América, em Campos Sales, demos um sacode neles e fui campeão de aspirantes. Para minha surpresa, dias depois saiu uma convocação para disputar o Campeonato Nacional de futebol de salão, em Porto Alegre. Agradeci e disse que estava assinando contrato profissional com o Bonsucesso e seria registrado no dia seguinte. Ainda assim me pediram para ir na apresentação. Fui, treinei e tentaram me demover e ir para Porto Alegre. Não fui e encerrei a minha passagem pelo futebol de salão naquele momento.

Dentre os treinadores das categorias de base, qual foi o mais marcante?

Nas categorias de base o Pinheiro foi o primeiro com quem trabalhei. Excelente. Me ensinou muita coisa. Ele falava que não ensinaria jogar futebol, e sim, ser um jogador honrando a camisa do Fluminense e honrando o futebol com exemplos positivos. Muita informação para mim que carrego até hoje. Depois peguei o Alfredo Abrão no Bonsucesso. Lembro que quando o ponta ia na linha de fundo ele falava que, o pé na hora de bater na bola, tinha que ser igual a uma foice, ou seja, que a bola é que tinha que ir na cabeça do atacante e não o atacante correr atrás da bola. Teve também o major Murilo de Carvalho, ainda no Bonsucesso. Esse me deu o clique na hora certa. Três bolas que vieram para mim no treino devolvi com um passe certinho e ele deu falta contra nas três vezes. Quando perguntei o por quê, ele disse que eu estava fazendo o óbvio e que mais de três milhões de meninos faziam aquilo, e se eu quisesse ficar para sempre no Bonsucesso, que continuasse a fazer aquilo. Um puxão de orelha. Fiquei olhando para ele e ele finalizou: “Quando a bola estiver com seu amigo você já tem que saber quem está livre lá nas suas costas. Quando a bola chegar, você domina e vira o jogo sem olhar. Isso vai ser o diferente e vai fazer você sair do óbvio”. Ficou a lição para mim. Muita gente me pergunta qual foi o melhor treinador que tive. Respondo sempre a mesma coisa. Todos. E graças a Deus, recebi de todos os treinadores que passaram na minha vida as melhores instruções na hora que mais precisava. Isso é o que importa.

Certa vez você disse: “O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você”. Quem escolheu o José Mário de Almeida Barros para ser jogador de futebol?

E é verdade. O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você. Uma hora é o treinador, outra a diretoria, a imprensa, agora, tem o executivo e o torcedor. Se você escolhesse ser engenheiro ou médico, por exemplo, estaria nas suas mãos todo o período de estudo e depois o de trabalho. Jogador de futebol é muita gente dando opinião que acha que sabe. Como já citei, o meu pai foi quem me escolheu primeiro, mas depois enfrentei todos que citei acima. Não quero tocar no assunto, mas tive dirigente e jornalista querendo me prejudicar só porque tinha amigo na mesma posição que eu jogava.


Sua chegada ao Flamengo não foi difícil, mas se tornar titular foi um problema. Tanto que foi testado como lateral-direito e ponta-esquerda pelo treinador paraguaio Fleitas Solich (1900-1984). Acabou não aproveitado e ficou quatro meses treinando em separado com Tião Mendes, preparador físico. Bastou Zagallo assumir e você se tornar titular no meio-campo. Foi um dos piores momentos da carreira?

Cheguei com passe livre por falta de pagamento pelo Bonsucesso. A falta de pagamento foi só coincidência porque o problema foi com um dirigente. Um jogador chegando no Flamengo, vindo do Bonsucesso e com passe livre nas mãos não era fácil. Cheguei em outubro de 1971 e só assinei contrato em fevereiro de 1972. Eu soube depois que o Flávio Costa foi quem deu força para eu ir para o Flamengo. Muitas vezes cheguei na porta do Flamengo e pensei em voltar para casa e estudar. Ficava dentro do carro pensando se entrava ou não. Acabei entrando. Normalmente, ia treinar na pista com o Sebastião Mendes junto com vários jogadores que não estavam nos planos. Fui ficando. Um dia cheguei e o “Seu” Bria me disse que não poderia mais treinar por ordem da diretoria. Eu e alguns outros. Me mandou falar com o Aristóbulo Mesquita. Fui. Cheguei e o Aristóbulo falou que eu ia continuar treinando e me mandou falar com o Bria. Cheguei no Bria e ele disse que meu nome não estava na lista. A explicação do Aristóbulo foi que meu nome não constava na lista porque eu não tinha vínculo oficial com o Flamengo. Seu Bria me mandou voltar para o Aristóbulo, mas fui embora. Cheguei em casa e minha família no meio da rua preocupada porque o elevado Paulo de Frontin, no Rio Comprido, tinha desabado e era a hora que eu passava lá. Justamente passei poucos minutos antes de desabar. Nasci de novo. Não voltei mais no Flamengo até que o Aristóbulo pediu que voltasse e que o Bria já estava sabendo. Voltei e fiquei treinando na pista de novo. Joguei uns dois amistosos pelo Flamengo sem nenhum vínculo. Terminou o ano e falei para o Aristóbulo que não iria mais. De novo conversou comigo e disse que o treinador seria o Zagallo e que ele iria resolver. Primeiro treino coletivo fiquei o tempo todo sentado à beira do campo e não treinei. Era uma segunda-feira e tinha jogo na quarta. Terminado o treino me dirigi ao Zagallo e perguntei se tinha terminado. Ele falou que sim, mas pediu que eu fosse dar uns chutes a gol para o goleiro. Agradeci e disse que ia embora e expliquei a minha situação e que voltaria a estudar. Ele ponderou que tinha um jogo, mas que na quinta-feira faria um coletivo contra os juniores e me daria uma resposta definitiva. Aceitei e fui dar uns chutes desgostosos para o goleiro. Na quinta-feira entrei no coletivo e fiz três gols. Acabou e ninguém me deu papo. Fui embora e fiquei, de novo, na dúvida se voltaria ou não no dia seguinte. Voltei pensando em ficar até sábado. Cheguei em clima de despedida. Seria o meu último treino. Já ia trocando de roupa quando o Aristóbulo chegou e perguntou se eu tinha dinheiro no bolso. Respondi que sim e ele me mandou comprar pasta e escova de dentes para ir para a concentração convocado pelo Zagallo. Isso me animou. Saí para comprar tudo e falei que precisava de roupa para dormir e o Aristóbulo disse que o Flamengo me daria uniforme para a concentração e um calção para dormir. Aí começou a minha virada. O jogo era contra o Santos de Pelé. Joguei uns 20 minutos e ia fazendo um gol. O goleiro era um argentino chamado Augustín Cejas (campeão paulista em 1973). Ele pulou nas minhas pernas e me derrubou. O juiz não deu pênalti. Coisas da vida. Na terça-feira, fui para Salvador, e em cima da hora do jogo, o Arílson passou mal e o Zagallo me colocou no meio campo e deslocou o Paulo Cezar Caju para a ponta-esquerda, fato que o deixou contrariado. Fui o melhor em campo e ficou acertado que o Flamengo compraria o meu passe. Assim foi o meu começo no Flamengo. Muita coisa eu omiti para preservar nomes e pessoas.

Já titular do Flamengo onde jogou de 1971 a 1974, o senhor ganhou títulos e viu subir ao time profissional craques com Júnior e Zico, expoentes da geração mais vitoriosa do clube. Dá para dimensionar essa sensação?

Em 1972, disputei o Torneio de Verão, o Torneio do Povo, a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e o Brasileiro, este inclusive foi o único campeonato que não conquistamos. No mesmo ano, em outubro ou novembro, machuquei o joelho esquerdo e tive que operá-lo. Só voltei no segundo semestre de 1973, quando o Flamengo já havia conquistado a Taça Guanabara, e no ano seguinte, vários jogadores foram lançados como Cantareli, Jaime, Júnior e Zico. Eles deram sorte que os mais experientes estavam há muito tempo no Flamengo e deram todo o apoio necessário que precisavam. Até hoje quando encontro o Júnior, ele agradece por esse apoio que demos quando estava subindo. Já o Zico vinha jogando no time de cima sempre que surgia oportunidade. É muito legal quando você vê jovens subindo e tendo êxito. Vale frisar que esses jogadores, além de jogarem bem, eram responsáveis, tinham qualidades técnicas e objetivos para seguirem em frente. Isso foi o mais importante para eles, e nós, demos apenas o apoio com a nossa experiência.

Qual momento da carreira você achou que poderia ser convocado para a seleção brasileira, já que a convocação nunca saiu mesmo jogando em clubes como Flamengo, Fluminense e Vasco, onde sagrou-se quatro vezes campeão na década de 1970 entre 1972 e 1977 havendo neste período a Copa do Mundo de 1974?

Eu estava na lista do Zagallo para a Copa da Alemanha em 1974. A seleção ia fazer uma excursão e eu fui avisado que estaria nesse relação de convocados. Infelizmente machuquei o joelho e arranquei os dois meniscos. Naquele tempo era assim. Hoje tira só a parte afetada e o jogador volta a jogar em 30 dias ou menos. Mas lembro que fiquei 6 meses parado e isso acabou me atrapalhando um pouco. Naquela época quando se ficava parado por contusão, aparecia vários outros jogadores do mesmo nível ou melhor do que você. E foi assim que aconteceu comigo.

Como foi ser uma peça da engrenagem da Máquina Tricolor?


Saí do Flamengo porque o presidente disse que eu era mentiroso. Respondi que não jogava mais no clube e fui embora. O George Helal fez de tudo para eu ficar, mas não aceitei. Quando já estava treinando no Fluminense, o presidente do Flamengo pediu ao George Helal para me fazer uma proposta igualando o que eu estava ganhando no Fluminense e eu aceitei. Lembro, perfeitamente, como se fosse hoje. Helal pedindo para eu dar a palavra que eu voltaria ao Flamengo, já que o Fluminense ainda não havia pago. Falei que ele tinha que pedir permissão ao Francisco Horta para eu voltar à Gávea. Falaram com o Horta e ele disse que responderia mais tarde depois de se reunir com a diretoria do Fluminense. Antes de fechar a Federação Carioca, o Fluminense depositou o dinheiro do meu passe e eu fui para a Máquina Tricolor. Dessa vez, mais uma vez jogando no meio de craques do mundo do futebol. Não dá para explicar a sensação de jogar com aqueles jogadores. Aquela equipe era tão boa, mas tão boa, que era só jogar as camisas para o alto no vestiário e sair. Quem entrasse daria conta do recado facilmente. Jogar com Rivellino era a realização de um sonho, já que eu havia jogado com o Paulo Cezar Caju e Zico. Meu Deus, mas jogar com o Rivellino era muita emoção! A nível de curiosidade, há uns meses escrevi uma mensagem para o Rivellino no Whatsapp e ele me respondeu em áudio. Quando ouvi a voz dele não me contive e chorei muito. Mandei mensagem para ele que estava emocionado também. Foram momentos maravilhosos jogando e de amizade que fiz com ele na Máquina Tricolor. Minha saída do Fluminense foi por motivos estranhos, pois joguei umas 70 partidas pelo clube como titular em 1975.

“Quero o Zé Mário aqui”, disse o treinador Paulo Emílio (1936-2016), contratado pelo Vasco. Qual a importância do saudoso treinador na sua carreira?

O professor Paulo Emílio foi importante na minha carreira porque acreditava em mim dentro e fora o campo. Ele sabia que podia contar comigo para cobrar dos meus companheiros. Sempre confiou em mim e eu sempre correspondi. O Paulo Emílio não foi só meu treinador, foi além, era um amigo. Nossas famílias se davam. Ele era muito legal.

Sua chegada ao Vasco foi em algum troca-troca promovido por Francisco Horta?

Em 1976, o Didi era o treinador e me chamou num canto e disse que eu seria lateral-direito a partir daquele dia. Fui para casa, raciocinei, pensei nos pontas habilidosos e rápidos que iria marcar e me neguei. Procurei ele e falei que ficaria na reserva tranquilamente, mas de meio-campo. Ele disse que eu só ficaria nas Laranjeiras se fosse para ser lateral-direito. Me neguei e falei que sairia. O presidente Francisco Horta me procurou e queria aumentar o salário para eu ficar. Respondi que não seria bom nem para mim nem para o clube porque se o Didi me mandasse treinar de lateral-direito eu não iria. Se durante um jogo ele me pedisse para ir de goleiro eu até iria, mas me fixar na lateral, não. Nesse impasse surgiu o troca-troca e o Francisco Horta me incluiu em um troca-troca com o Vasco. Eu, Abel e Marco Antônio fomos para o Vasco e Miguel e Luiz Carlos vieram para o Fluminense.

Por várias vezes o senhor e o zagueiro Orlando Lelé (1949-1999), quase se agrediram. Mas sempre se desculpavam e se abraçavam. Como era sua convivência com ele? Tem alguma história para nos contar?

A primeira partida do Orlando no Vasco foi num amistoso em Londrina. O ponta-esquerda deles se chamava Caldeira, driblador e muito rápido. Toda bola o Orlando queria apoiar e eu tinha que cobrí-lo. Reclamei e ele respondeu que era a minha obrigação cobrir. Retruquei que eu estava jogando praticamente de lateral-direito e essa não era a minha posição. Ele respondeu para eu me virar e argumentei que eu era meio-campo e ninguém da defesa podia jogar na minha frente. Se isso acontecesse eu estaria atrasado. E passei a fazer isso. Cada vez que ele avançava, eu também ia e passava à frente dele e com isso o Abel era que tinha que sair da posição dele. Aí fomos para o vestiário e o treinador Paulo Emilio tentou acalmar os ânimos. Eu continuei dizendo que não era lateral. Nem lembro como terminou essa briga, mas fora do campo éramos amigos e saíamos juntos com nossas famílias. Várias vezes brigamos dentro de campo e no vestiário, mas ficava restrita aos jogos e não era pessoal. Mas o Vasco era uma família e existia muita amizade, carinho e respeito entre a gente.

Quando saiu do Vasco e foi jogar na Portuguesa de Desportos, teve um acontecimento que mudou sua vida envolvendo o uruguaio Daniel Gonzalez (1954-1985). Pode nos contar?

Claro! Quando cheguei na Portuguesa, o Daniel estava de férias. Lembro que eu estava procurando apartamento para morar e, um certo dia, acabou o treino e eu fui encontrar o motorista do clube na Administração para ver um apartamento para morar. O Daniel Gonzalez estava lá. Fomos apresentados e ele me perguntou onde eu iria morar e onde eu estava morando. Falei que estava procurando apartamento e estava com minha mulher num hotel no Centro. Ele falou que ia me levar em um lugar para procurar uma moradia. Chegando na hotel onde a gente estava hospedado, ele estacionou o carro e disse que iria subir. Eu falei que a minha esposa estava no quarto e ele insistiu mesmo assim. Liguei pelo interfone avisando que ia subir com o Daniel e subimos. Chegando lá, ele entrou, cumprimentou a minha esposa e foi pegando nossas coisas e jogando nas malas. Perguntei se ele estava maluco, que eu não o conhecia e nem ele a mim. Ele continuou a jogar minhas coisas dentro da mala e dizia que eu iria para a casa dele. Não entendi nada mas fui. Ao chegar em sua casa conheci a esposa dele, chamada Mabel, que assim como eu e minha esposa, não estava entendendo nada. Fomos nos conhecendo e nós tornamos amigos até a sua morte. Ele está no céu, mas a minha família e a dele se tornaram amigas a ponto de trocar mensagens pelo Whatsapp, e inclusive, conheci o neto dele de nove anos que tem tudo para ser craque como o avô foi. Mas assim é a vida. Um uruguaio que saiu lá de Montevidéu e se encontrou com um carioca recém chegado em São Paulo. Até hoje penso nele e de vez em quando me pego chorando.

Quem foi o melhor companheiro de volância no meio de campo?

O meu melhor companheiro foi o Liminha e nos entendíamos muito bem. Dormimos no mesmo quarto na concentração do Flamengo e nas viagens. Éramos amigos de frequentar a casa um do outro.

A paixão pelo futebol o fez apostar na carreira de técnico. No mesmo ano de sua despedida, em 1982, foi o Botafogo, justamente único time grande do Rio em que o senhor não jogou que lhe deu sua primeira oportunidade. Se decepcionou com Flamengo, Fluminense e Vasco, em virtude disso?

Não me decepcionei com os times que tinha jogado porque na minha cabeça já estava definido que os times em que joguei não me interessavam trabalhar. Depois revi essa decisão, mas ninguém me chamou. Mais tarde um pouco vi o Zanatta dirigindo o Vasco e fui ao Maracanã assistir ao jogo. O Vasco perdeu e a torcida entoou o burro para o Zanata. Estava com o meu pai e chorei copiosamente. Decepção. Um ex-jogador do Vasco, ídolo, ser desmoralizado por uma torcida. Na mesma hora voltei a pensar em nunca trabalhar num time em que eu joguei. Foi melhor assim.

Em 1988, veio a primeira chance de comandar um clube árabe e o senhor acertou por três anos com o Al-Ain e ficou bastante conhecido por lá. Como foi isso?

Fui convidado, primeiro, pelo preparador físico Carlos Alberto Lancetta e depois pelo treinador Jorge Vieira para dirigir a Seleção do Iraque, sub-23, que foi jogar a Copa do Golfo. A seleção principal estava se preparando para a Copa do Mundo, e o presidente da Federação Iraquiana de Futebol, Uday Saddam Hussein, era o filho mais velho de Saddam Hussein. Mas foram por apenas três meses. Foi uma loucura. Lembro que chamei ele de idiota e imbecil dentro de Bagdá. Era só ele levantar a mão e me fuzilar, mas graças a Deus, consegui sair ileso dessa. Fui para o Al-Ain também por indicação do Carlos Alberto Lancetta e fiquei dois anos por lá. Estava entendiado com tanta terra. O Al-Ain ainda não era a potência que é agora. Ainda assim ganhamos a Copa da Federação. Foi muito bom trabalhar por lá porque senti que ajudei muito o futebol daquele país.


Como foi ser campeão dez anos depois, treinando o Kashima Antlers, e ter reencontrado o amigo Zico?

Eu estava na seleção do Qatar quando o Zico me ligou. Queria que eu assumisse o Kashima porque o treinador tinha saído e ele estava na França com a Seleção Brasileira. Falei que não podia largar a seleção do Qatar e ai ele falou. Você é meu amigo ou não? Respondi: Quando eu viajo? E fui (risos). Zico é um caso à parte na minha vida e não gosto nem de falar. Mas há pouco tempo fiz uma declaração de amor para ele, no bom sentido, é claro! O Kashima não estava bem na tabela e começamos a trabalhar. Fomos ganhando, ganhando, ganhando, e fomos campeões. Não sei agora, mas até bem pouco tempo, eu era o recordista de vitorias seguidas da J-League. Além de Zico tínhamos o Jorginho, atualmente treinador, o Bismarck e o Mazinho que jogou no Bragantino e Flamengo. Foi uma experiência magnífica trabalhar no Japão. Eles não são desse planeta. Tudo é perfeito, e às vezes, até é perfeito demais.

Você escreveu um livro sobre futebol, não é mesmo?

Resolvi escrever um livro sobre o que sentia sobre o futebol brasileiro daquela época, em 1991. O título ‘Porque Foi, Porque Não É Mais’. Fui escrevendo críticas para todos os segmentos desse esporte apaixonante chamado futebol. Jogadores, treinadores, torcedores, dirigentes de clubes, da CBF e imprensa. Contei tudo que eu sabia e o que estava acontecendo no mundo esportivo. Os seus colegas da imprensa não aceitaram a crítica e me detonaram. Coloquei uma foto de um campo de futebol cheio de tanques de guerra correspondendo aos dirigentes da CBF e por aí adiante. Hoje, o livro só não está atualizado no Dopping que evoluiu bastante. Sobre as críticas eu absorvi bem na medida do possível, mas afetou minha família e tomei a decisão de comprar o restante dos livros da editora com o dinheiro que tinha. Tenho até alguns exemplares aqui comigo. Mas o livro foi um presságio do que está acontecendo hoje com o nosso futebol.

Como surgiu essa história de ser chamado pelo nome do ator americano Dustin Hoffman?

O apelido de Dustin Hoffman foi do Paulo Cezar Caju. Desde que ele chegou no Flamengo ele me chamou e me chama até hoje assim. Um dia fui ao cinema num filme do Dustin e estava na sala de espera e todo mundo me observava e olhava para o cartaz com foto dele. Certa vez, estava num shopping, em Dubai, e o cara da loja me seguindo Eu já estava grilado. Cheguei perto dele para perguntar porque ele estava me seguindo, mas ele se antecipou e perguntou se eu era o Dustin Hoffman. Sempre falo que a única diferença é a conta bancária (risos).

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social?

Nem fale. Foi o pior para mim. Tive Covid-19 e fiquei internado três dias num quarto do hospital. Nunca pensei em morrer. O que senti mais foi o mal estar de estar sozinho. Medo de passar para os outros. Todos na minha casa tiveram. Até o meu neto de 2 anos. Só a minha sogra de 88 anos não teve ou foi assintomática e ela estava junto com a gente. Agora é que estou melhorando.

Como definiria Zé Mário em uma única palavra?

Prefiro que os outros me definam.

SERIEDADE NO FUTEBOL TEM SINÔNIMO: ZÉ MÁRIO

por André Felipe de Lima


O saudoso treinador Paulo Emílio tinha um talismã: o volante Zé Mário. Na Máquina Tricolor, em 1975, Emílio entrou no lugar do técnico Didi e o efetivou como titular. Quando Emílio foi contratado pelo Vasco, no ano seguinte, não pensou duas vezes: “Quero o Zé Mário aqui”. Porém nenhum outro personagem do futebol carioca daquela saudosa década de 1970 desenhou melhor Zé Mário que o companheiro de meia cancha Zanata, com quem Zé jogou no Flamengo e no Vasco: “O Zé tem um ótimo toque de bola e um fôlego fora do comum. Isto lhe dá uma enorme capacidade de auxiliar a defesa e o ataque, o tempo todo sem cansar. No final que está no bagaço é o adversário.”

Zé Mário e Zanata se entendiam maravilhosamente bem no meio de campo. O primeiro foi um dos melhores volantes de sua geração; o segundo, um meia estupendo, capaz de lançamentos de longa distância que deixavam todos os centroavantes e ponteiros na cara do gol, como aquela bola que parou na frente do Freitas, que fez o segundo gol do Vasco na vitória de 4 a 2 sobre o Flamengo, no campeonato nacional de 1975. Zé Mário ainda não estava em São Januário, mas quando lá chegou formou com Zanata uma das melhores duplas de meias do Rio e que este humilde jornalista viu [graças a Deus] jogar. Em 1977, os dois craques foram decisivos para que o Vasco fosse campeão carioca, diante do mesmo Flamengo, de Zico e Júnior, que também estiveram naquele memorável “4 a 2” de 75.


Aquele título de 77 foi especial na carreira do Zé Mário. Se a meia cancha já contava com o talento dele e o do Zanata, ficou ainda melhor com a entrada do magnífico Dirceu. Recorrendo ao jargão do turfe, o Vasco “sobrou na turma”, e o Zé Mário foi o pulmão daquele timaço. Jogou tanta bola que acabou eleito o craque da competição. Justíssimo. O “Dustin Hoffman” vascaíno estava demais. E a comparação é também justa. Zé Mário seria facilmente confundido com o grande ator americano caso desfilasse pelas ruas de Hollywood. É o popular “cara e crachá” ou o não menos famoso “separados ao nascer”. Pode parecer piada pronta, mas parecidíssimos. Mas deixemos o astro americano em seu canto cinematográfico. É do grande Zé de quem falamos, de quem recordamos os bons tempos de craque das tardes ensolaradas do Maracanã.

“Zé Mário é o comando do time dentro de campo, tem autoridade até mesmo para modificar o modo de jogar da equipe. E não se trata de uma função baixada por algum decreto: Zé Mário tem ascendência natural sobre seus companheiros, é um homem de comando. Com ele em campo, fico tranquilo”. Palavras do “Titio” Fantoni, técnico daquele Vasco campeão de 77.

Zanata tornou-se recluso e se afastou do mundo do futebol; Fantoni não está mais entre nós; mas Zé Mário continua atuante, inclusive como treinador. Foi um jogador que comprava o barulho dos companheiros. Um líder nato. Exemplo disso aconteceu com Wilsinho, ponta brilhante, que acabara de ser regularizado no Vasco, em 77. “Ô, Wilsinho, já anotaram o PIS na sua carteira profissional?”, perguntou Zé Mário. “Não, Zé, acho que ainda não”, respondeu o inocente Wilsinho. “Então vai lá em cima, apanha a carteira e entrega pra Marlene. Ela anota e fica tudo regularizado”, orientou o zeloso Zé Mário.


Nenhum outro no Vasco era tão preocupado com os companheiros. Zé Mário era a referência de denodo e comprometimento profissional. Era o capitão do time. Não saía da sala do departamento de futebol do Vasco, onde trabalhava a Marlene. Zé era um líder espontâneo, que defendia os direitos dos companheiros de time. O “Narigueta”, o “Pinóquio” — apelidos que ele sempre aceitou numa boa — não deixava ninguém na mão. Ele não pedia. Exigia. Dirigente de futebol tem de respeitar o jogador profissional. Por isso Zé Mário nunca deu margem para que o criticassem. Se havia regras, as cumpria. Era exemplar, mas quase desistiu de lutar pelos direitos dos colegas de profissão após uma eleição da Fugap (Fundação Garantia do Atleta Profissional), em 1975. Nem 30 jogadores apareceram para votar. Um descaso que o fez pensar se valeria a pena cuidar somente de si. Mas Zé Mário não é assim. Ele é um todo. Um coletivo. Um craque dentro e fora dos gramados, cujo modelo tanta falta faz hoje em dia. E pensar que a década de 1970 a ditadura militar estava no auge, amedrontando o país. Mas — pelo menos no futebol — havia um Zé Mário, um Afonsinho (ícone da luta pelo passe livre), um Ubirajara Mota (maior goleiro da história do Bangu) para falar pelos jogadores. Ou seja, gente que sabia jogar bola de verdade, mas também tinha uma consciência real da situação do atleta profissional.

Zé Mário abomina deslealdade. Quando ainda jogava profissionalmente, recriminava companheiros que desciam a pua nos jogos. Podia ser até amigo dele. Não importava. Zé Mário não perdoava. Vacilou, dançou. Com Zé Mário não havia essa de sacanagem e violência em campo. Ele abria o verbo: “O Merica, do Flamengo, é um deles. Já falei com ele, mas não adiantou nada. Já havia batido no Zanata e depois pegou o Dirceu, quando o juiz já tinha até apitado. Assim não dá. Meu amigo Rodrigues Neto (com quem Zé jogou no Flamengo) também abusou outro dia, entrando pra quebrar no Orlando (Lelé). O Uchoa, do América, fez o mesmo com Dequinha, do Flamengo. Esses jogadores precisam entender que os adversários também vivem do futebol e que de perna quebrada eles não vão poder trabalhar, talvez para sempre.”

O amanhã para Zé Mário é o hoje. Ele sempre procurou mostrar aos companheiros que o futebol é eterno, porém as pernas são limitadas. Um dia a bola as deixa para trás sem um pingo de remorso. Ele trabalhava com afinco na Fugap e percebia que muito mais ex-jogadores de grandes clubes procuravam ajuda que os de pequenos. Em 1977, ele fez a seguinte reflexão: “As estrelas vivem sua época, dilapidam seu patrimônio, esquecem-se de estudar. Jogador de time grande só sabe jogar futebol. É incapaz de se adaptar a qualquer outra coisa. Com exceções, é claro. Jogador de time pequeno, por incrível que possa parecer, sempre acaba se arrumando.”


José Mário de Almeida Barros é carioca. Nasceu no dia 1º de fevereiro de 1949, completa hoje, portanto, 70 anos. Uma estrada longa no futebol, que começou com o incentivo do pai, que pedia apenas ao filho que conciliasse a bola com os livros e cadernos. No segundo semestre de 1967, o rapaz parou com o futebol para não se prejudicar na escola. O pai era louco por futebol e insistiu para que Zé não deixasse a bola de lado. “Ele trabalhou nas obras do Maracanã e, desde então, ficou ainda mais vidrado em futebol.”

Zé começou a jogar no time de futebol de salão da Associação Atlética Vila Isabel, do bairro de mesmo nome. O jogador que se tornaria famoso por conta do estilo arrojado e marcador foi antes um driblador dos bons nas quadras. E — creiam — goleador. Da bola pequena e pesada para a grande, dos gramados. Em seguida, Zé despontou no infanto-juvenil do Fluminense, em 66. Não se empolgou muito nas Laranjeiras. Preferia estudar. Adorava as aulas de Física e de Química do conservador Colégio São Bento.


Mas o pai o convenceu a permanecer no futebol. Do Tricolor, Zé foi parar no Bonsucesso. Treinava apenas uma vez por semana para, como de costume, não atrapalhar os estudos. Como a diretoria do clube suburbano atrasou o salário do rapaz, Zé decidiu requerer o passe livre na Justiça. Conseguiu-o e o ofereceu ao Flamengo. Foi de cara contratado: “O técnico, na época, era o Fleitas Solich, que não encontrava lugar para mim no time. Ele chegou a me experimentar na lateral-direita, depois na ponta-esquerda e, após umas poucas tentativas, desistiu de me aproveitar. Aí eu fiquei quatro meses treinando na pista com o preparador Tião Mendes, sem entrar no time nem mesmo para treinar. Com isso, acabei ganhando fôlego, porque do ponto de vista físico acabei fazendo um treinamento prolongado. Quando Zagallo assumiu a direção técnica do Flamengo, resolveu me aproveitar. Ganhei a posição de titular do meio-campo e, depois disso, me dei bem em todas.”

Foi ali o começo para valer do grande Zé Mário. Um dos mais emblemáticos craques do futebol carioca na década de 1970.