texto: José Evandro de Sousa | fotos: Adriana Soares
de Barra de São Miguel, Paraíba
O Esporte Clube São Miguel, time de pelada da pequena cidade de Barra de São Miguel, sertão da Paraíba, a 200 km da capital João Pessoa, resiste ao tempo reinventando-se. Fundado em dezembro de 1966, foi rebatizado em 1972, para Bangu Atlético Clube e agora, ah o tempo… virou Caco Velho F.C.
Passou a ser Bangu quando um dos seus jogadores, o Luís de Biino, foi tentar a vida no Rio de Janeiro, mas voltou após um ano, sufocado pela saudade. Antes, porém, teve a ideia de levar um uniforme novo para o seu time. Passando pela Rua da Alfândega, no centro do Rio de Janeiro, entrou numa loja de material esportivo e o único uniforme que encontrou foi o do Bangu. Gostou e a partir daquele momento o time foi rebatizado.
O Bangu carrega em sua história a essência do peladeiro que nunca desiste, mesmo com o tempo castigando as juntas e rótulas da rapaziada. Conhecido por Ferreirão, o campo era de terra e cercado, de um lado por avelós (planta nativa do sertão) e do outro por uma vista panorâmica da cidade. Ao fundo, a parede do Cemitério Municipal São Miguel Arcanjo. O piso era de terra fofa nas laterais e duro e cheio de cascalhos no meio. O vento sempre prejudicava os adversários. O Bangu era praticamente imbatível, afinal os rivais, além de enfrentá-los, também precisavam desviar-se de cabritos, jumentos e, ora e outra, de um galo de briga, que se sentia o dono do terreiro e atravessa calmamente o largo campo de terra. Padeiro e ponta-direita mais rápido da região, o baixinho Tarugo, além de fugir da violência dos zagueiros, também livrava-se com maestria dos animais. O também veloz Silvio, atacante habilidoso, certa vez ao passar por dois adversários, já próximo ao gol, precisou colocar a bola entre as pernas de um cabrito que surgiu à sua frente e pular por cima dele antes de marcar um gol apoteótico. No time também tinha Preáera, o goleiro de 1,70 que compensava a baixa estatura com agilidade e elasticidade, dando jus ao apelido, pois preá é um rato do mato muito rápido. O jovem atacante Bichinha, que não tinha medo de cara feia, chegou a atuar por alguns clubes da Paraíba, mas resolveu casar e abriu uma fábrica de confecção de calcinha. Xanga Confusão era um meia-atacante que adorava um bate bola, quer dizer bate-boca. Quando não arrumava briga com o adversário, criava confusão com os próprios companheiros. Jogar que era bom…. Cacau, atacante que garante ser o primeiro jogador gay assumido do Bangu, foi contratado pelo Treze, de Campina Grande, e hoje é casado com uma mulher e tem um filho. Tataí, lateral-direito, estilo iôiô, sobe e desce, era muito voluntarioso. Assis era um zagueiro alto, estiloso, que quando a situação apertava, resolvia com o famoso “bola pro mato”. Centroavante, Paulo era aquele peladeiro duro, ruim de cintura, guerreiro, sempre titular e irmão do presidente. Está explicado!
O Bangu orgulha-se por ter revelado Robgol (artilheiro do Náutico, Santos e Paysandu), cria mais famosa e ilustre do time e da cidade. Hoje, aposentado da bola, divide seu tempo entre Belém, onde mora, e Barra de São Miguel, onde tem os seus familiares e os amigos do glorioso Bangu.
Ah, tinha o presidente!!! Na verdade, diretor, treinador, jogador, dono do uniforme e da bola: Baieta, que apesar de seus 95 quilos, ai daquele que não tocasse a bola para ele. Com certeza, na próxima reunião de diretoria, na mesa principal do bar central, lugar de concentração na véspera dos jogos, o “cabra” correria o risco de não ser escalado para a próxima partida.
Me lembro quando tinha 16 anos, estava de férias e fui convidado para jogar pelo Bangu contra uma equipe rival, em uma cidade vizinha chamada Gravatá. Jogo fora para peladeiro é sinal de festa. Contrataram um caminhão e os jogadores iam na carroceria, juntos com torcedores e parentes, quase 50 pessoas!!! E lá ia o caminhão cruzando as estradas de terra do sertão árido da Paraíba. Só alegria!!! Quando chegamos lá me colocaram na reserva do time principal e avisaram que eu entraria no segundo tempo. Durante o jogo observei um jogador do time adversário conhecido por Pedro Pipoco, muito violento! Quando a bola passava, o jogador ficava. Ele tinha essa “habilidade” de desfazer uma jogada, mas também tinha um canhão no pé! Entrei no jogo e logo o Pedro Pipoco me deu um tapão na orelha e fiquei com medo. Então, durante a partida em que o Bangu ganhava por 1 x 0 do Gravatá, aconteceu uma falta quase em cima da linha de cal da grande área. Pedro Pipoco pegou a bola, ajeitou com carinho, tomou distância de pelo menos uns 10 metros e a torcida começou a gritar. Parecia um gladiador prestes a abater o adversário. Pedro Pipoco correu, disparou um balaço e a bola passou por cima da barreira, do muro e acertou em cheio um torcedor que assistia a peleja em cima de um cajueiro, atrás do gol. Com o impacto da bolada, ele caiu e levou outros três torcedores junto. A partir daí, entendi porque Pedro Pipoco era temido pelos adversários e respeitado pela torcida. Ganhamos o jogo, festa na volta e o presidente prometeu bicho pela vitória. Chegando à cidade, após aquela tarde esportiva, ainda sujo de terra, pois não havia lugar para trocar de roupa nem para tomar banho, o presidente liberou cerveja, cachaça e galinha cozida.
Jogo em casa era pressão total e dificilmente o Bangu perdia, pois quando o presidente estava, costumava pressionar os bandeirinhas. Em jogos mais tranquilos, entrava para emplacar seus golzinhos, afinal de contas a camisa 9 era dele!!!
Hoje, uma nova geração brota. Com a saúde debilitada, Baieta, o presidente, passou o bastão para seu filho, Pão. Sua neta, Alice, de 12 anos, também tem futuro e vive dizendo: “prefiro uma bola do que uma boneca”.
Assim, o tempo passou. Hoje, o velho Ferreirão é cercado com alambrado, uma barreira contra os cabritos. Alguns atletas como Dedé, marrento e habilidoso, estão nas cadeiras cativas do velho cemitério municipal, ao lado do antigo campo. Agora, nasce o Caco Velho F.C., com jogadores do antigo Bangu, aposentados, atrofiados, mancos, com tendinites crônicas, artroses, etílicos, mas vivos. Uma vez peladeiro, sempre peladeiro!