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Ricardo Gomes

NELSINHO E CARLINHOS

por Zé Roberto Padilha


Há anos que a FIFA escolhe apenas atacantes, como Messi, Cristiano, Ronaldo, Romário, Rivaldo, como os melhores jogadores de futebol do mundo. São, de fato, os protagonistas dos espetáculos. Fazem gols, são ídolos porque na defesa, e no meio-campo, os espaços começaram a ser ocupados por atletas sem talento.

A Era Dunga, de pouca técnica e muita marcação, transformou a zona de pensamento, de organização de jogadas, em um lugar onde Guiñazü, Edinho e Márcio Araújo sobreviveram correndo mais com a bola, e dando carrinhos, do que realizando por ali grandes jogadas.

A era Nelsinho e Carlinhos, Didi e Zito, e a que mais simbolizou o futebol-arte, Clodoaldo e Gérson, até desaparecerem com Adílio e Andrade, Cléber e Carlos Alberto Pintinho, parecia definitivamente encerrada até que a Croácia, como num lampejo de luz lançado sobre as lentes da Copa do Mundo, redescobre Modric e Rakitic. E o meio-de-campo, cheio de jogadas de rispidez, chutões e bolas trocadas lateral e irritantemente com os zagueiros, passa a ver a bola deslizar suave pela grama. E receber, de novo, lampejos de arte.


Não por acaso, os dois croatas são, há anos, titulares absolutos dos maiores clubes do mundo: Real Madrid e Barcelona. Xavi e Iniesta encontraram em Rakitic sua arte renascer ao lado com um vigor a mais. E o adotaram. E Zidane redescobriu em Modric a lucidez, o toque de bola, que o levou a ser reverenciado mundo afora. Eu, que torço pelo Barcelona, e meus filhos, que torcem pelo Real Madrid, estaremos juntos, domingo, não apenas torcendo pela Croácia, mas para que os exemplos destes dois se irradiem pelas escolinhas de futebol. E alcance os clubes de todo o mundo. A Copa do Mundo sempre foi assim, a nova coleção de Cristian Dior. A partir dos desfiles das 32 seleções, os clubes passarão a adotar o protagonismo vencedor que melhor por ali se apresentou.

Quando o Brasil foi tricampeão no México, o futebol-arte se espalhou pelo mundo. Quando a Alemanha se impôs quatro anos depois, o futebol-força, com o Teste de Cooper, o Circuit Training, Interval Training e as Máquinas Apolos a reboque, saíram distribuindo músculos e velocidades pelos campinhos de todos os planetas. Foi deixado de lado o professor jogador e entrou em cena o professor preparador.


Se a Croácia se consagrar campeã mundial no domingo, aquele menino canhotinho, de Niterói, que se apresentar ao Botafogo e realizar um lançamento de 50 metros na peneira, não mais será mandado de volta para casa. E os novos candidatos a jogarem naquela faixa central, hábeis, frágeis e talentosos que surgirem no Ninho de Urubu, não serão transformados em carniça diante da fúria dos gladiadores de plantão. Darão ao futebol a chance de ter novamente, na sua zona de organização, não mais o fim da arte de bater no bola. Mas toda a lucidez Nelsinho e Carlinhos perdida de volta.

VENCEU QUEM CHUPOU GELO

Por Zé Roberto

A preleção do técnico e capitão Claudio Coutinho, durante sua passagem pelo Flamengo, era uma aula de logística, ouvida em absoluto silêncio. Tinha infiltrações peloponto futuro, overlaping, citações de Pablo Neruda e, claro, futebol. As de Jair da Rosa Pinto, no Fluminense, pedindo ao “Créber” que jogasse pelas “beiradas” contra o “Framengo” era um outra versão da Escolinha do Professor Raimundo, uma aula movida a gargalhadas. Mas às vésperas do jogo tinha também a pelada de dois toques em que até os massagistas jogavam. E quando a bola era dominada no peito pelo Jajá, com uma classe nunca vista, e era cruel com as caneladas do Coutinho, o silêncio respeitoso e o riso incontido trocavam de lado. Quem afinal seria o melhor treinador? O que se formou para o ofício ou quem fez do ofício profissão?


Ricardo Gomes durante uma partida da Seleção

Ricardo Gomes durante uma partida da Seleção

Jorginho, Ricardo Gomes e Muricy foram grandes jogadores, e Levir Culpi um bom zagueiro. E estudaram futebol. Ao chegarem com seus times às semifinais do campeonato carioca, deixam claro que aquela expressão “chupou gelo com quem?”, direcionadas aos que se formaram fora das quatro linhas e não viveram a cumplicidade daquelas santas pedrinhas que entravam em campo no kit hidratação dos massagistas, se impôs por aqui. Se tornou mais producente ensinar quem jogou ser treinador do que ensinar uma vida de bola a quem se formou em Educação Física.

Mas se no futebol profissional o ex-jogador se sobrepôs, nas divisões de base andam perdendo espaço pelo país. Cada vez mais Xerém tem menos Rubens Galaxe, Gilson Gênio e Mário e mais emprego para os portadores da carteirinha do CREF. Existem CTs que vetam nas peneiras menores de 1,75m, mesmo com o melhor do mundo, o Messi, medindo 1,69m. Na base do nosso futebol, que tinha Pinheiro, Célio de Souza, Neca e Liminha à frente, é que o garoto mais precisa de uma referência. Da bola e do clube. Hoje, treinam muito, fazem musculação e chegam ao profissional com erros básicos de fundamentos. Mal sabem passar, dominar uma bola, mas correr…


Jorginho, atual treinador do Vasco da Gama

Jorginho, atual treinador do Vasco da Gama

O futebol brasileiro deve muito aos seus profissionais da Educação Física. Carlos Alberto Parreira, Admildo Chirol, Claudio Coutinho, Sebastião Lazarone, Raul Carlesso, Ismael Kurtz, entre outros, realizaram com competência a transição do futebol arte de 70 para o futebol moderno praticado pela Holanda quatro anos depois, na Alemanha. Mas está provado, e a parceria Zagallo e Parreira foi seu maior exemplo, quando um cuida do cérebro e outro das pernas e dos pulmões dos jogadores, quem vence é o torcedor que vê surgir um novo craque. Não um implacável gladiador.