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Museu da Pelada

museu da pelada, o filme

por Rubens Lemos

O refúgio da velha guarda, amante do futebol-arte brasileiro chama-se Museu da Pelada, ideia luminosa, sacada de meia-esquerda criativo do jornalista vascaíno Sérgio Pugliese, carioca maduro, maneiro e gente boa. Faço parte da equipe de redatores porque Pugliese considerou meu texto afinado com a filosofia lírica dos programas exibidos em canal do Youtube.

Aqui mesmo de Natal, fiz duas entrevistas com Danilo Menezes. Na primeira, contou sua passagem desde o Uruguai ao Vasco da Gama(RJ), suas vitórias, suas jogadas de artista e os pesadelos vividos contra Pelé e Garrincha nos confrontos do Cruzmaltino diante do Santos e do Botafogo.

Satisfeitíssimo, aos 77 anos, Danilo Menezes celebra uma vitória duríssima em 1968 por 3×2 sobre o Santos na qual saiu do Maracanã com nota 9 do Jornal O Globo pelo futebol canhoto e criativo no sufoco diante do melhor esquadrão do mundo.

Contra Garrincha, sofria pela ordem tática de fazer a cobertura na marcação ao Torto, dando-lhe o segundo combate. Levou um drible diante de 130 mil pessoas no Ex-Maracanã, o das gerais, e levantou-se, humilhado , ao som das gargalhadas. Sorte que Mané perdeu o lance e o jogo por 2×1.

Em toque ousado de craque, Pugliese, que banca tudo com merchandising, fez um mini-filme chamando a todos nós, os nostálgicos, jamais melancólicos, à reflexão saudosista. O título dispensa debates: Já Fomos Bailarinos, Hoje Somos Robôs. É uma pintura, é a sagração do Museu da Pelada, de Pugliese e de todos os seus parceiros que simbolizo em Paulo Cézar Caju, o gênio rebelde e Embaixador do canal e André Mendonça.

É o choque sem medo com a realidade injusta do futebol brasileiro, em que menino com estatura de pivô de basquetebol é mais valorizado no gramado que o baixinho gingado e imarcável do drible. A síntese é: futebol hoje é dinheiro demais acima do talento.

Há um desfile sociológico. Antes, as famílias se chocavam com os diferenciados, os virtuosos, mas pobres, crias de morros e campos de várzea, como Paulo Cézar Caju que fazia malabarismo com uma bola de meia em favela próxima ao Cemitério São João Batista, onde jaz, o estilo moleque e encantador exibido por ele desde os 10, 12 anos.

A história mudou. Piorou. Ficou terrível. Os pais, não importa a capacidade dos moleques, veem nos garotos, um cofre de banco cheio de euros e ouros, forçando a barra para que limitados sejam aproveitados enquanto franzinos de drible fácil perdem no quesito do confronto corporal, imitação terrível das lutas de octógono.

Os clubes – tristemente assessorados por empresários de caráter duvidoso – apontam seus espelhos para o exterior e preferem os fortões. Que se misturam aos pernas de pau europeus, assimilam a barbárie do assassinato contínuo da bola. Um grosso é um serial killer, maltratando a plástica suave de um toque delirante e esgarçando tíbias e perônios rivais.

O que fica: a fantasia é familiar da liberdade, exercício da visão e do pensamento imbatíveis. Tinha que ser Pugliese a criar um espetáculo didático e emocional. Ele que, aos fins de semana, sai em seu carro caçando ex-ídolos, muitos em balcões de boteco, contando episódios imperdíveis do tempo do grito de gol ecoando pelas marquises e do bale-bola empolgando multidões.

Com o mini-filme, o Museu da Pelada se consagra. É nossa casa, é a fuga da mediocridade reinante de um futebol que já foi sem concorrência em qualquer continente. Futebol de país continental.

Na tradução literal, fomos bailarinos nos pentacampeões mundiais, em Ademir da Guia, Falcão, Zico, Sócrates, Geovani, Adílio, Pita e o melhor comentarista e cronista do Brasil: PC Caju. Hoje somos robôs. Sim, Somos Casemiros, Freds, Hulks, Jôs. Sacada genial do Museu da Pelada, a Academia de Letras e Cinemateca do futebol em arquitetura de Niemeyer.

ESTÁTUA

por Rubens Lemos


Estão fazendo campanha para construir uma estátua de Roberto Dinamite no Estádio São Januário. É uma homenagem justa. Embora Roberto Dinamite seja para o Vasco o monumento humano e magnânimo. Roberto Dinamite é a razão de ser do Vasco, o ídolo de sorriso triste, aquele cara legal que você falta ao trabalho, desfaz a agenda de passeio com a família, apenas para vê-lo e ouvi-lo.

Roberto Dinamite, o principal emblema do Vasco, maior artilheiro da história dos campeonatos brasileiros (1971/2021), autor de gols decisivos, quase perfeito na cobrança de faltas e de pênaltis, quixotesco nos primeiros anos da Era Zico, quando lutava, sozinho, nos clássicos contra o Flamengo que levavam 100, 150 mil ao Maracanã para assistir ao rubro-negro sinfônico fazer sofrer e penar nas jogadas imprevisíveis do cabeludo de semblante algo melancólico.

O amor de Roberto Dinamite pelo Vasco foi eternizado em janeiro de 1980. O Barcelona havia comprado seu passe no ano anterior. Roberto havia brigado com o treinador, que não gostava do seu estilo de arrancadas fulminantes e chutes de sniper, e então o desespero tomou conta de todos nós vascaínos: o Flamengo anunciou a compra de Roberto e a Rádio Globo fez uma montagem de um gol em tabelinha dele com Zico, tremenda covardia.

Zico e Roberto Dinamite teriam formado num clube a eficiente dupla que jamais perdeu atuando pela seleção brasileira em 26 jogos, de 1976 a 1982. Juntos, marcaram 34 gols, sendo 18 de Zico e 16 de Roberto. Chegariam aos 100, se Telê Santana, o endeusado, o infalível, o técnico sensacional e siderúrgico teimoso, não nutrisse uma gratuita antipatia a Roberto, que pode ser posta na conta do que nos custou o Mundial de 1982 na Espanha. Zico e Roberto Dinamite, municiados por Sócrates, Falcão, Éder, Leandro e Júnior, teriam detonado a Azzurra, conforme aconteceu quatro anos antes, só com Roberto, sem Zico, na disputa pelo terceiro lugar na Copa/1978.

Então, o Flamengo sacudiu o Brasil anunciando uma linha atacante com Tita, Zico, Roberto Dinamite e Júlio César, o bailarino ponta-esquerda de dribles entortadores. A reação vascaína foi imediata e em pânico. Os torcedores não aceitavam ver seu mito de vermelho e preto.

Ótimo negociante, o presidente Antônio Soares Calçada lembrou que o Barcelona devia ao Vasco 700 mil dólares. Mandou o ainda desconhecido Eurico Miranda dizer que a dívida estava perdoada desde que Roberto voltasse à sua casa. Os espanhóis nem pensaram: aceitaram antes da segunda frase de Eurico.

Roberto voltou contra o Corinthians e marcou os cinco gols da vitória por 5×2 do Vasco no Maracanã tomado por 107.474 corações ensandecidos a cada bola balançando as redes do goleiro Jairo. Roberto estava no Vasco, o que significava o reencontro e a derrota sobre o Flamengo, que foi buscar o esforçado Nunes e acabou campeão brasileiro.

Nos 5×2, vibrei de ficar rouco. Meu saudoso tio-avô Derval Marinho, que detestava futebol, morreu me chateando: “Como vai Roberto Traque de Chumbo?”. Eu repetia: “É Dinamite, é Dinamite, é Dinamite’.

Seleção brasileira em Natal, meu pai comentava para a Rádio Cabugi AM(hoje Jovem Pan News) e um estúdio foi montado no luxuoso Hotel Ducal, hoje estorvo inútil no centro de Natal. Meu pai tomou-me pelo braço e me levou à cobertura onde Roberto Dinamite e o capitão Oscar conversaram.

Sinto a geleira no corpo e no espírito. Eu, um moleque, diante daquele que me justificava o amor ao futebol. Roberto Dinamite me deu um autógrafo. No caderno da escola levado por mim àquele universo mágico. Educadíssimo, conversou meia dúzia de abobrinhas enquanto eu travava no “é, é,é”.

Estupidez de Eurico Miranda, Roberto Dinamite chegou a ser expulso da Tribuna de Honra com o filho em 2002. Reagiu boquiaberto como os apunhalados pela covardia. Foi feio, deselegante, imperdoável.

Seguiu em frente. Antes, ganhou Campeonatos Cariocas (1977/1982/87/88) em cima da máquina de Zico e jogou até os 39 anos. Ele e Zico (vestido de Vasco, no troco do destino ao episódio de 1980). Roberto Dinamite está imortalizado, seja no concreto carrancudo de uma estátua, seja no amor que o fez símbolo icônico do Vasco que não existe mais.

FRIAÇA SOBRE A FINAL DA COPA DE 50: ‘AINDA SONHO, MAS NÃO ADIANTA’

Faria anos hoje o grande ponta Friaça. Brilhou no Vasco, no São Paulo e na Ponte Preta. Foi dele o gol do Brasil na fatídica partida contra o Uruguai na final da Copa de 50. Conheça um pouco mais sobre este grande ídolo do futebol

por André Felipe de Lima


O pai apostava no filho como seu herdeiro no comando da fazenda. A aposta era alta e consistia, inclusive, em um curso de agronomia para garantir a boa sucessão. Mas o destino é maroto. Nada e fazenda e tampouco faculdade. Como em milhões de casos Brasil afora, sempre ela, a bola, deu as cartas. Como precisava estudar, deixou a formosa Porciúncula, no interior do Estado do Rio de Janeiro, rumo a Carangola. Entre uma aula e outra, o gosto por correr atrás de uma bola de futebol. Não tinha jeito, o jovem Albino Friaça Cardoso, mais o amigo Elgen, com quem formava uma ala direita de respeito no colégio, só queriam jogar. Nada de estudo. Mas a importância dos dois garotos para a pequena cidade pode ser exemplificada pelo seguinte episódio descrito pelo jornalista José Luiz Pinto: “Por achar que Friaça não ia bem naquele colégio, ou simplesmente por que pensou em transferi-lo para outro, o pai dele foi a Carangola com esse objetivo. Quase houve reunião de diretoria, e o velho Friaça teve uma surpresa ao ver que o filho já era tão importante. Elgen, muito mais adiantado, já ganhava seus cruzeiros como professor de português e matemática, mas o único jeito que a direção do colégio encontrou para impedir a saída de Friaça foi oferecer-lhe o estudo gratuito. Estava contornada a situação e o quadro do colégio continuou a atuar com a ala Elgen e Friaça.”

Corria o ano de 1943, quando o Vasco apareceu em Carangola para um jogo amistoso. O time do colégio cedeu seus dois craques para o time da cidade, o Ipiranga, enfrentar o poderoso esquadrão cruzmaltino. Os dois jogaram. E muito. Freitas, olheiro vascaíno, nem pensou muito, foi logo oferecendo a proposta aos dois garotos para testes em São Januário. Nada estava, contudo, garantido. Mas, para dois meninos do interior, nada como uma boa aventura na então capital federal.

A presença de Friaça e Elgen foi tão convincente que ambos, em apenas três meses, garantiram vaga no time amador do Vasco, que tratou de segurá-los com um contrato da categoria de não-amador. Em 1945, os dois jovens fizeram parte do time vascaíno campeão estadual de aspirantes. Repetiriam o feito no ano seguinte e, em 1947, ano em que começaram a atuar pelo time profissional, fazendo parte do elenco campeão carioca de 1947. Ou seja, Friaça e Elgen levantaram dois troféus estaduais em um único ano.

Elgen, tempos depois, deixaria o futebol, optando por manter uma padaria em Natividade, perto de Porciúncula. Já Friaça amava o futebol tanto quanto a vida no campo, em Porciúncula, onde nasceu no dia 20 de outubro de 1924. Sua vida era o Vasco, ao lado de companheiros como Djalma, Maneca, Lelé, Chico e, posteriormente, Ademir de Menezes. Todos atacantes responsáveis pelo fortíssimo ataque do Expresso da Vitória, alcunha da equipe vascaína base da seleção de 1950 apontada como a melhor do País na época. Em São Januário, Friaça também conquistou o primeiro campeonato sul-americano de clubes, em 1948.

O atacante tinha como principais qualidades a precisão nos passes, chutes — que diz ter aprendido com Jair Rosa Pinto — e cruzamentos, além de ser habilidoso e rápido.

Quem diria… Friaça era torcedor do América. Desfilava em São Cristóvão exibindo um cinto, presente que ganhou quando morava em Carangola, e que estampava na fivela as letras A.F.C.. Simplesmente as iniciais de América Futebol Clube. Jogava no Vasco, titular absoluto, Friaça estava “dando sopa” no saguão de São Januário, quando um cartola lhe importunou por que usava um cinto do América se jogava no Vasco. Friaça não deixou por menos: “Quem disse ao senhor que eu torço pelo América? Sou Vasco desde garotinho. Essas letras no cinto são as iniciais do meu nome, Albino Friaça Cardoso.”


No Vasco, Friaça sentia-se em casa, mas o craque amadureceu e sentiu-se valorizado. Pediu aumento dos valores das luvas. O companheiro Elgen fez o mesmo. Friaça insistia em 160 mil cruzeiros e o Vasco não ia nem a 100 mil, ficando nos 96 mil. O impasse perdurava, sendo que, justamente naquela época, o Vasco excursionava pelo México. Na volta ao Brasil, Friaça desembarcou diretamente para Porciúncula ao invés sem, porém, prosseguir na discussão contratual com os cartolas vascaínos. Nenhuma das partes cedeu.

Em sua fazenda, Friaça recebeu um telefonema do ex-jogador vascaíno e agora olheiro Figliola, que dizia ao craque ter comprado seu passe e o oferecido ao São Paulo. Tudo dependeria apenas — dizia Figliola — de ele, Friaça, aceitar ou não jogar no futebol paulista. Friaça imaginaria tudo, mas não abandonar o Vasco daquele jeito, repentinamente desconfortável.

O São Paulo o queria e, ademais, o negócio já estava feito. Era inicio da temporada de 1949 e o Tricolor, de Bauer, Remo, Pone de Leon, Teixeirinha e o velho [e ainda craque] Leônidas da Silva, estava disposto a manter a hegemonia estadual, como escreveu o repórter José Luiz Pinto, em 1951, recordando o episódio da saída de Friaça do Vasco. “Falando ao telefone, um tanto atordoado com o inesperado da situação, Friaça acabou aceitando. E assim, quase contra a vontade, lá se foi o craque para a Paulicéia, iniciar uma nova fase de sua carreira esportiva, que por sinal não foi das mais favoráveis. Friaça não conseguiu acertar em São Paulo, sempre em luta com contusões, sem conseguir jamais recuperar a forma, e consequentemente sem aparecer com o destaque que lograra aqui no Rio. Mesmo assim, lutando contra a adversidade, ainda chegou a integrar o selecionado paulista, naquele campeonato brasileiro antes da Copa do Mundo. Mas a realidade mesmo é que ele não se dera bem em São Paulo, sendo que nos últimos tempos chegara a tal apatia pela bola, que pensou seriamente em retornar definitivamente a Porciúncula. Com a fazenda à sua espera, Friaça achou que já era tempo de encerrar a sua aventura pelo futebol. E, quando o Vasco esteve em S.Paulo, Friaça contou suas mágoas a Ademir e ao velho Menezes. Contou que não estava bem física e tecnicamente e que achava extremamente difícil uma recuperação naquela altura: ‘Volto para Porciúncula, ‘seu’ Menezes’. Mas Ademir e o pai, após muito trabalho, convenceram o craque de que tudo ainda podia ter jeito, que bastaria uma mudança de ambiente para a vida parecer diferente ao jovem atacante. Também o Dr. Giffoni entrou com seu conselho e ficou combinado que de volta ao Rio seria tratada junto ao Vasco a sua volta ao Rio. Tudo deu certo e, em São Januário, Friaça entrou nos eixos, recuperando rapidamente a condição física, e voltando à forma técnica, mercê do ambiente de São Januário. Foi uma recuperação completa e dentro em pouco Friaça deixou de lado por algum tempo os seus planos de voltar ao campo.”

Apesar de não estar ambientado na terra da garoa, Friaça ajudou o Tricolor a faturar o campeonato paulista de 1949, quando terminou a competição como artilheiro, assinalando 24 gols. Sua passagem pelo clube foi curta, porém marcante. Com 0,727 gols por partida [48 gols em 66 jogos], Friaça mantém a terceira melhor média de gols da história do São Paulo, atrás apenas da longínqua marca de Friedenreich [0,814], que corresponde a 66 gols/ 81 jogos, e da assinalada mais recentemente por Luis Fabiano [0,737], com 118 gols em 160 partidas.

Veio 1950… e com ele o casamento com Maria Helena — de quem nunca se separou — e a esperança de ser campeão do mundo. E na sua própria terra. O País inteiro era uma festa. Preparamo-la para aqueles que deveriam fazer do Brasil a pátria do futebol, com aquele que seria um título incontestável. A Copa começou. Superamos Espanha e Suécia, respectivamente, por 6 a 1 e 7 a 1, no quadrangular final da competição. Bastaria empatar com o Uruguai no derradeiro jogo para comemorarmos o título.

“De sexta para sábado e do sábado para o domingo, dentro do bar do Vasco da Gama, na concentração em São Januário, eu assinei autógrafos como ‘campeão do mundo’. Assinei!”. Friaça assinou de tudo. Camisas, bolas, faixas, fotos, como descreveu o repórter Geneton Moraes Neto.

Chegara o dia 16 de julho de 1950. Tínhamos, além de Friaça, Ademir de Menezes, Zizinho, Bauer, Danilo, Bigode, Juvenal, Chico, Barbosa… um timaço. Do lado uruguaio, Schiaffino [o que tinha de craque, tinha de esnobe, diziam os próprios companheiros dele], Ghiggia, Julio Perez [que faria relativo sucesso tempos depois no Internacional], Gambetta e ele… Obdúlio Varela, o grande capitão. Na hora do hino dos dois países, com os dois escretes perfilados, a bandeira do Brasil estava hasteada de cabeça para baixo, garantiu o goleiro Barbosa. Péssimo sinal. Muito mal mesmo.

A peleja começou “mordida”, tensa e com os dois times receosos, nenhum dos craques mencionados jogou bem. Resultado, 0 a 0. “Tremi vendo muita gente boa tremendo na minha frente.”

Começou a segunda etapa e Friaça marcou o primeiro gol do jogo, logo aos dois minutos de bola rolando. “A emoção foi tão grande que só me lembro de uma pessoa que veio me abraçar: César de Alencar, o locutor. Quando a bola estava lá dentro, ele gritou: ‘Friaça, você fez o gol!’ Naquela confusão, ele entrou em campo e me abraçou. Nós dois caímos dentro da grande área […] Ali nós já éramos deuses […] Gravei bem o lance do meu gol contra o Uruguai, porque este é o tipo de coisa que a gente guarda. Eu tinha potência na perna direita, graças a Deus. Quando vi, Máspoli, o goleiro do Uruguai, tinha saído. Bati forte na entrada da área — do lado direito para o esquerdo. A bola entrou. O lance tinha nascido de uma combinação minha com Bauer. Assim: Bauer tocou para mim, eu toquei para o Zizinho — que tocou, na frente, para mim. Antes de entrar na área, bati na bola. Tive a felicidade de marcar!”


Delírio no Maracanã. Uns choravam de felicidade, outros pulavam, gritavam. Seríamos campeões. Não tínhamos dúvidas disso. Amávamos nossos craques. Mas o que não esperávamos era Schiaffino empatar o jogo para os uruguaios. Engolimos a seco. Vidente ou não, quem estava naquele estádio, naquele dia, naquele hora, naquele minuto após o gol da “Celeste Olímpica” sofria com o pressentimento mortal. Santo Agostinho, o primeiro filósofo cristão, nos alertava há milênios: “Sofro por ter derramado minha alma na areia e por ter amado um mortal como se ele não fosse morrer”. Estávamos assim, no Maracanã, crentes da imortalidade. Apenas 10 minutos. Esse era o tempo que nos separava da imortalidade. Mas, pela ponta direita, diante os desavisados “arcanjos” Bigode e Juvenal, surgiu o algoz vestido de azul celeste. Ghiggia chutou, entre a trave e Barbosa… gol.

“Eu me lembro de lances que poderiam ter mudado a história do jogo. Eu era um jogador que tinha noção dos passes, principalmente os de perna direita. Houve um lance em que fiz um passe certeiro, para Ademir entrar de cabeça. Eu, naquele estado de nervos, tinha certeza de que Ademir, com a facilidade que tinha para jogar, faria o gol. Mas Ademir praticamente devolveu a bola para mim. A bola voltou na mesma direção! Por aí, dá para ver o estado em que os jogadores do Brasil se encontravam, naquele momento, a dez, quinze minutos do fim da partida. Naquela altura, era tudo na base do ‘valha-me Deus’, porque ninguém entendia nada.”

Nosso olimpo ruiu. Descobrimos que éramos mortais. Restou-nos o silêncio. O trauma foi grande. Nunca mais perdoariam o goleiro Barbosa, o lateral-esquerdo Bigode e o zagueiro Juvenal. Injustiça com os três. Após o inglês George Reader apitar o final do jogo, Friaça apagou. Não que tivesse desmaiado, mas parecia um zumbi no gramado. Como conseguiu chegar à sede do Vasco, em São Januário? Talvez nem o próprio Friaça saiba ao certo. “O trauma foi enorme. Vim para o Vasco. Fiquei, em companhia de outros jogadores, andando de noite em volta do campo, ali na pista. O assunto era um só: como é que a gente foi perder com um gol daqueles?”

Ele, Rui Campos, Noronha e Bauer contornavam o gramado de São Januário, completamente sem eira nem beira. Conversavam em busca de uma justificativa para o improvável: a perda do título. Friaça sentira, talvez, mais que os outros porque fora dele o gol do Brasil. O gol que por pouco não consumou a Copa para o Brasil. A Geneton Moraes Neto, ele confessou ter sido aquele dia o “momento mais duro” de toda a sua vida: “Só me lembro de que a gente subiu para o dormitório. Eram umas 11 da noite. Troquei de roupa e me deitei. Não me lembro de nada do que aconteceu depois. Quando dei por mim, por incrível que pareça, eu estava em Teresópolis, no meu carro. Passei pela barreira, fui para um hotel. Quando perguntaram: ‘Friaça, o que é que você quer?’, eu simplesmente não sabia onde estava. Só sabia que estava debaixo de uma jaqueira, no terreno do hotel. Não sei como é que saí com meu carro da concentração. Não sei como fui bater em Teresópolis. Um médico que era prefeito de Teresópolis é que me deu uma injeção. Comecei a saber onde é que estava uns dois dias depois. O pior é que eu também não sabia. De 64 quilos eu passei para 59.”


Friaça deixou a todos muito preocupados. Após o Maracanazo, ficou cinco dias sem enviar aos parentes notícias de seu paradeiro. O mesmo tempo em que estava desmemoriado. Tudo se acalmou quando chegou à Porciúncula. Não soube explicar, contudo, como perdeu a memória. “Deu um branco”. Suspeitou a vida toda tê-la recobrado quando repousava sob a sombra de uma jaqueira. Apenas uma vaga suspeita. Apenas.

Concentrara-se na fé de que receberia a premiação prometida após a final contra os uruguaios. Fizera um gol na decisão e o jogador responsável pelo feito ganharia um terreno, no Leblon. O artilheiro do jogo também levaria para casa um televisor [artigo de luxo, na época, talvez mais importante que o tal terreno], oferecido pela loja A Exposição. Friaça buscou os seus direitos. Queria o terreno e a televisão. Mas ouviu, como resposta, que só levaria os prêmios se o Brasil saísse de campo com a posse da taça Jules Rimet. E sabemos que esta ficou nas mãos do capital uruguaio Obdúlio Varela.

Sem terreno, tudo bem. Tinha uma fazenda enorme em Porciúncula. Mas a televisão era novidade para poucos. Não a deram como prêmio ao Friaça, e ele — talvez de birra — decidiu comprar uma. “Nós, os jogadores, sofremos em todos os cantos, porque, para onde a gente ia, ouvia só duas palavras: Obdúlio, Uruguai.”

DE VOLTA À FAZENDA

Friaça ainda jogou futebol durante mais alguns anos. Após o São Paulo, passou pelo Vasco, Ponte Preta e encerrou a carreira no Guarani, de Campinas, no interior paulista, em 1958. Ao colunista Adriano De Vaney, disse: “Acomodei-me em Campinas. Lá espero viver o resto de minha vida. Sou casado, tenho uma filhinha de 4 anos, Campinas é uma cidade pacata, de hábitos bons, e eu já me afiz à índole de deu povo. O que quero é tranquilidade de espírito, e isso eu encontrei definitivamente”. O que se sabe é que Friaça retornou a sua Porciúncula e hoje mora em uma casa rosa, número 111 da rua Carlos Pinto Filho, mas o futebol nunca saiu de sua vida. Virou técnico do Porciunculense [ex-Fluminense local], nos anos de 1970 e 80. Volta e meia apareciam por lá craques de sua época, como Biguá e o paraguaio Modesto Bria, ambos ídolos do Flamengo; Ipojucan, Jair Rosa Pinto e Ademir de Menezes, amigos dos tempos do Vasco, para disputarem uma pelada.

Friaça transformou-se, contudo, em um empreendedor. Abriu uma lojinha de materiais de construção, mas o tino para os negócios não era seu forte. Passava horas conversando com os clientes sobre futebol. Com o tempo, o filho caçula, Ronaldo, assumiu a direção da loja, que hoje é a maior da cidade, com filiais em Campos e Itaperuna.

Mas o destino lhe impôs outra perda. Mais dolorosa que a do dia 16 de julho de 1950. Em 1992, seu filho Ricardo, com apenas 33 anos, morreu durante a prática de voo livre, em Porciúncula. Muito abalado, como descreve reportagem de Thiago Dias, Friaça foi buscar conforto no álcool. Como já fumava muito, já não faltava mais ingrediente para minar sua saúde. Anos depois, perdeu a visão do olho direito e, em 2006, sofreu um acidente vascular cerebral, que o impediu de movimentar-se.

Friaça é a personagem mítica da pacata cidade do interior fluminense. Lá, ele dá nome ao estádio de futebol, à maior loja da cidade e até ao enredo de uma escola de samba. Em sua casa, sob os cuidados da zelosa Maria Helena, sua primeira namorada e companheira de toda a vida, toma seus remédios com dificuldade. No quarto em que repousa, estão sua memória e o que sobrou de sua carreira vitoriosa, como menciona reportagem de Thiago Dias: o casaco da seleção usado na Copa de 1950 repleto de medalhas penduradas, a bermuda que vestiu na final no Maracanã e a faixa de campeão sul-americano [invicto!] de 1948, pelo Vasco.

O grande ponta-direita do Vasco — seu time de coração —, do São Paulo e da seleção brasileira nunca esqueceu o dia 16 de julho de 1950 e tampouco o título vascaíno de 48. Em vários pontos da casa há uma menção aos dois episódios, inclusive a faixa de campeão sul-americano de clubes, conquistada após o empate de 0 a 0 com a poderosa “la máquina” do River Plate, de Labruna, Losteau e Di Stefano, e o uniforme da seleção de 50, um “sonho” que nunca se apagou, como confessou, antes de sofrer o AVC, ao repórter Geneton Moraes Neto, que perguntou a Friaça se ainda sonhava com o dia daquela final contra os uruguaios: “Foi um sonho… sonhei… ainda sonho, mas não adianta.”

O filho Ronaldo também sonha: “Se o Brasil tivesse sido campeão, a estátua no Maracanã poderia ser do meu pai”. Melhor exprimem a trajetória de Friaça as letras harmoniosas de “Consolo na praia”, do poeta maior Carlos Drummond de Andrade:

Vamos, não chores…

A infância está perdida.

A mocidade está perdida.

Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.

O segundo amor passou.

O terceiro amor passou.

Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.

Não tentaste qualquer viagem.

Não possuis casa, navio, terra.

Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,

em voz mansa, te golpearam.

Nunca, nunca cicatrizam.

Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.

À sombra do mundo errado

murmuraste um protesto tímido.

Mas virão outros.

Tudo somado, devias

precipitar-te, de vez, nas águas.

Estás nu na areia, no vento…

Dorme, meu filho.

Friaça morreu no dia 12 de janeiro de 2009, no hospital São José do Havaí, em Itaperuna, interior do Estado do Rio, devido a uma pneumonia. Em Porciúncula, tudo lembra o craque. O estádio de futebol, carinhosamente chamado de “Friação”, e as lojas Friaça Center.

Para os moradores da pequena cidade, só há um grande ídolo, um filho dileto.

***

O GOL DO FRIAÇA NA FINAL DA COPA DE 50

ANDERSON SILVA, O BRUCE LEE BRASILEIRO

por Elso Venâncio


Ídolo mundial das artes marciais, Anderson Silva, o “Spider”, é o Bruce Lee brasileiro. No UFC, conquistou 17 vitórias seguidas, além de 10 defesas, em sequência, do título. O campeão deixou a Organização, foi para o boxe e sacudiu o mundo das lutas ao vencer Julio Cesar Chavez Jr.

O curioso é que, no boxe, Anderson recebe por luta mais do que ganhou em metade da sua espetacular carreira. Contra Julio Cesar, por exemplo, embolsou 500 mil dólares, fora um extra de US$ 100 mil pelo fato de o adversário não ter batido o peso. Isso sem falar no milionário pay-per-view, que é um mistério de valores não revelados.

Em seguida, Anderson novamente engordou as finanças ao nocautear Tito Ortiz. No UFC, vale dizer, ele só passou a ganhar fortunas após o surgimento do Conor McGregor, que enriqueceu em poucas lutas.

A partir de julho de 2013, na derrota para Chris Weidman, e tendo o falastrão irlandês como exemplo, o “Spider” passou a pedir uma grana preta. Era atendido, mas criou atritos com Dana White, que nunca deu boa vida ao brasileiro.

Em 2010 o UFC desembarcou em Abu Dhabi, território de ouro para grandes eventos. A ideia era encher os cofres e tornar o MMA popular nos Emirados Árabes. Anderson Silva foi escalado, mas já não vivia um bom momento com o patrão. Venceu Demian Maia numa luta bizarra em que provocava o adversário o tempo todo chamando-o de playboy. Não sei se queria irritar o oponente ou o chefe. Quem sabe os dois. Só não foi demitido por ser o carro-chefe da Organização.

Um ano antes, Anderson chegou a lutar a contragosto com Thales Leites, seu companheiro de treinamento na Nova União. Venceu, após os cinco rounds, e ainda recebeu uma punição! Teve que enfrentar o poderoso Forrest Griffin, ex-campeão da categoria acima. Acabou crescendo ainda mais: em pouco mais de três minutos, obteve o maior nocaute da história do esporte.

Com isso, veio outro desafio que mais soava castigo: ter que derrotar Vitor Belfort, missão dificílima, apesar dos apelos para não enfrentar atletas brasileiros. Um chute preciso e fulminante colocou de forma rápida o ‘Fenômeno’ para dormir…

Em guerra velada com a Organização e cansado das pressões, o supercampeão deixou Los Angeles, onde treina e mora, no fim de junho de 2013 para ir a Las Vegas enfrentar Chris Weidman. Não tinha a habitual motivação. Era muito sacrifício e pouco reconhecimento por parte dos chefes. Pelo menos, em sua conta bancária, alguns milhões de dólares entraram para dar aquela animada.

Nas minhas idas a Vegas, fiquei amigo de Guto Ormenezi, um paulista, sócio de uma agência de turismo, que está há anos radicado na cidade. Ele trabalha para o UFC acompanhando os lutadores brasileiros. Guto me falou da falta de concentração do Anderson. Na véspera da luta, chegou a ir à churrascaria Fogo de Chão e, após o almoço, numa sala reservada, ficou horas de papo com Ronaldo Fenômeno, Djalminha e outros dois brasileiros. Às seis da tarde, Guto deixou o ídolo no hotel; três horas depois, recebeu um telefonema dele. Anderson estava sem sono e queria ir, como foi, ao cinema sozinho.

Sábado, 7 de julho, dia do combate! MGM Grand Garden Arena. Mike Tyson sentado na primeira fila. No mesmo ringue, em 1997, ele mordeu a orelha direita de Evander Holyfield e a cuspiu em seguida. A entourage do UFC, fãs, turistas, todo mundo concentrado no gigantesco hotel. Acordo cedo para caminhar e vejo muita gente ainda nos cassinos. De repente, surge diante de mim um cara com roupão de lutador. Ele caminhava ao lado do seu treinador; ia para a academia sem sequer ser reconhecido. Era Chris Weidman.

Que naquela noite, na arena lotada e incrédula, chocaria o planeta ao nocautear a maior lenda do UFC.

RETRANCA SEM FIM

:::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::


Pela declaração de dois técnicos, antes de a bola rolar, entende-se perfeitamente porque anda difícil assistirmos bons jogos. Marcão, pressionado pela torcida, disse que estava valendo vencer o Athletico Paranaense até por meio gol de diferença. E foi o que acabou acontecendo. Ganhou por 1×0, gol contra, de nuca, em uma partida horrorosa. Garantiu o emprego e nos presenteou com um espetáculo de quinta categoria. Do outro lado era a estreia do Valentim….prefiro nem comentar.

Antes de Flamengo x Cuiabá começar, o técnico Jorginho, tetracampeão do mundo, ultra ofensivo na época de jogador de Vasco, Flamengo e seleção brasileira, e a quem eu admiro como pessoa, foi objetivo ao repórter: o Flamengo sabe atacar e eu sei defender. Não seria preciso dizer mais nada, mas vou falar. Essa história de os técnicos entrarem em campo com uma estratégia assumidamente defensiva é um outro dano ao futebol.

Alguns entram para garantir o emprego, outros para permanecerem na Primeira ou Segunda divisões e assim caminha o futebol. Outro dia ouvi dizer que a virada de 3×2 da França sobre a Bélgica foi boa. Mas só foi bom porque o técnico Didier Deschamps, retranqueiro famoso, entrou com uma postura covarde, levou dois gols, recorreu aos jogadores ofensivos, que driblam, resolvem, e saiu vitorioso. Tite fez isso contra o Uruguai e o torcedor falou que há tempos não via a seleção atuar bem. Treinadores com esse perfil odeiam renovar, escalar um ensaboado, mas quando o bicho pega é obrigado a engoli-los.

O torcedor está carente e a bola da vez é o jovem Raphinha, que deitou e rolou em uma seleção uruguaia totalmente ultrapassada. Me perdoem, mas vencer o Uruguai atual é como chutar cachorro morto. Mas é óbvio que a seleção precisa mais de jogadores, como Raphinha, Antony e qualquer outro que dê uma arejada nessa mesmice que virou o futebol. Jogadores assim não podem ficar engaiolados e só saírem da gaiola quando o dono percebe que a casa está prestes a cair.

Gostaria de entender porque os analistas de computadores fazem questão de complicar! No último fim de casa ouvi que o time era fora da curva e que jogava por uma bola após entregá-la para o adversário! Não deu nem tempo de absorver essa baboseira e já emendaram que o jogador de beirinha quebra o jogo e atormenta o adversário entrando pela diagonal…