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maracanã

EXTREMA LEVEZA

por César Seabra


O passado, algumas vezes, traz boas memórias e boas risadas. Depois do peso das eleições, leveza e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Então segue uma historinha.

Está perto de completar 25 anos uma pequena tragédia do futebol brasileiro. Aconteceu no velho Maracanã. Eu estava lá. Agora estou cá, para relembrar e relatar a vocês, amiguinhas e amiguinhos.

Era uma manhã calorenta de dezembro de 1993. Eu tinha 32 anos e carregava volumosa barriga para um cara tão jovem. Naquele dia, um time de jornalistas brasileiros enfrentaria uma equipe austríaca também de jornalistas. Não havia dúvidas: arrogantes que somos, na época ainda tricampeões mundiais, tínhamos a certeza de que seríamos lembrados, eternamente, por uma vitória avassaladora. Afinal, o que era (e ainda é) a Áustria para o futebol mundial?


Estavam no Maracanã cerca de cem torcedores. Sessenta austríacos; 30 operários que pararam o trabalho para ver a peleja; e apenas dez loucos e amorosos parentes nossos. Os rivais entraram em campo enfileirados, bem arrumados, com o uniforme da seleção austríaca. Pareciam profissionais. Nós pisamos a grama sagrada com 26 atletas, todos com calções, camisas e meias diferentes. Éramos um bando de esfarrapados.

Acreditem, a nossa camisa era a da seleção… holandesa. Aquilo era um pequeno sinal do infortúnio que se aproximava, com todo o respeito à Holanda.

O jogo começou, para a alegria dos torcedores austríacos e dos operários traidores da pátria, que dançavam e gargalhavam como se ouvissem música. Seguem alguns detalhes do que ficou conhecido, para alguns gatos pingados, como “A Desonra do Maraca”:

1) Nossos dois goleiros, o titular e o reserva, tinham assustadores 1,60 metros de altura;


2) Um de nossos zagueiros trocou as chuteiras por um par de tênis americano All Star;

3) Um de nossos atacantes arriscou um chute de longa distância. A bola sequer chegou à linha da grande área;

4) Em 90 minutos de jogo nosso artilheiro tocou na bola apenas uma vez – no apito inicial do árbitro;

5) Nosso lateral-esquerdo, com camisa laranja, calção azul e meias do Vasco, não sabia o que era a regra do impedimento. Passou o jogo colado à trave, tricotando com nosso goleiro verticalmente prejudicado;

6) Parado em campo, deslumbrado com o tamanho do estádio, outro atacante de cabelos enormes ganhou coro dos operários: “Cabeluda! Cabeluda!”;


César Seabra, o autor do texto

7) E o zagueiro que vos escreve levou um drible tão desconcertante que se estatelou com a cara e a pança no chão, parecendo um João-Bobo.

Ah, o resultado? A Áustria venceu por 7 a 0. Nosso sonho virou constrangimento. Graças aos deuses do futebol, tudo aquilo foi esquecido por conta dos 7 a 1 de 8 de julho de 2014, no Mineirão.

Muito obrigado, Felipão.

Texto publicado originalmente no site https://www.museudapelada.com/126

PRODUTO POPULAR

por Israel Cayo Campos


O Caju está certo. O futebol é um produto popular. Que a cada dia mais elitizado vai se tornando artigo de uma pequena classe que mais virou cliente que torcedora apaixonada. 

Esse papo de que rendas enormes sustentam os clubes ou impedem que nossos craques saiam daqui é pura balela. Pois mesmo times que lucram com essa situação, caso de Palmeiras e Corinthians, situados em uma zona do país economicamente melhor do que o Rio de Janeiro, ocorre frequentemente a venda de seus jogadores mais promissores (no caso do Corinthians até pela necessidade de outras dívidas) para mercados “poderosos” como o Egito por exemplo (kkk)! 

Quem sustenta os clubes e suas dividas são a televisão e suas cotas, patrocinadores aos mil nas camisas, dos de material esportivo aos de suvaco e bunda, programas de isenção de impostos como o Profut, programas de sócio-torcedores (muitos desses sócios ajudam seus clubes mesmo morando longe do estado de origem dos mesmos, denotando apenas seu desejo em ajudar) e a venda de jovens promessas! 

Claro que grandes receitas não podem ser desprezadas, mas essas também são conseguidas com planos muito mais baratos! Só saber um pouco de economia! E em outras ocasiões o Flamengo soube fazer isso, lotando o estádio a preços bem menos salgados!


Por sinal, esses clubes hoje criaram os torcedores de aeroportos, que ao não conseguirem entrar no estádio vão atrapalhar o funcionamento normal desses estabelecimentos para apoiar seus jogadores com uma empolgação que muitos torcedores dentro dos estádios não possuem mais! E ainda há quem bata palmas pra esse tipo de segregação velada. 

Por fim, esses clubes quando precisam do torcedor mais pobre, abrem o estádio em vésperas de grandes jogos com o intuito de contagiar seus jogadores! Precisam do seu Zé, que mora lá no fim do mundo, que ainda tem TV de tubo, mas paga ao Premiere para torcer para seu clube amado… 

Então deveriam respeitar economicamente a situação daqueles que de fato sustentam seus times (e ai não é só o Flamengo!), e abrir também as portas para esse publico que ama seu clube nas vitórias e derrotas! Que tinham como único passatempo falar o dia todo no trabalho de futebol, e é claro, dos orgulhos e tristezas que seus clubes lhe dão a cada fim de semana! Pois esses vivem o futebol, não vão só na boa! 


Volta, Geral! Em todos os estádios! Chega de elitização de tudo! O presidente do Flamengo, assim como o de outros clubes podem entender de grana, mas entendem muito pouco do mal que fazem ao futebol (no caso do presidente citado, acho que nem de futebol entende!), criando essa segregação e já notório desinteresse do publico brasileiro por seus times de futebol. 

É só olhar as últimas pesquisas que já vemos que antes de torcedores de Flamengo, Corinthians ou São Paulo, temos uma grande porcentagem de pessoas que sequer se interessam pelo esporte! 

E essa porcentagem de desinteressados só faz aumentar graças a esses preços salgados, onde apenas 1% da população brasileira (com mais de 200 milhões de habitantes) já foi a um estádio de futebol! Para uma nação que carrega e se orgulha da alcunha de viverem no “país do futebol”, é uma lástima que clubes tão grandiosos estejam contribuindo para uma situação dessas ! 

Tô fechado com o Caju nessa!

O SAUDOSO MARACA

por Ricardo Dias


Eu vou ao Maracanã desde meus 13 anos. Ia sozinho, a pé, naqueles tempos com menos assaltos. Algumas vezes com meu pai. Sozinho, dependendo das finanças, ia de geral (de pé…). Com meu pai, arquibancada.

Numa tarde gloriosa, ganhamos ingresso para a tribuna. Ah, a vida no Olimpo! Nada de subir a rampa com a ralé, a gente entrava pela garagem e subia de elevador. E ao abrir a porta, nunca vou esquecer: esperava sair em algum hall, e saímos direto de cara para o campo! Aquele gigante de cimento, assustador, que intimidava…

Agora a gente entra e acha que está num shopping center. A visibilidade do campo é boa, de fato, mas é uma arena como qualquer outra. Sem alma. A gente entra e não fica sem ar. Havia eventos, como a chegada do Papai Noel. Jogos dos dentes de leite (times infantis), Fla x Flu, Vasco x Bota, atrações musicais de fina categoria, tentaram repetir no final dos anos 80 mas o mundo era outro.

Havia o Torneio Início, uma série de jogos com todos os participantes do campeonato disputando partidas de, acho, 15 minutos, em caso de empate decidido pelo número de corners. Cachorro quente com suco de laranja do Geneal, torcidas até agressivas, mas com gente descontrolada, não psicopatas assassinos. O placar era pequeno, os times eram identificados pelas iniciais. E no campo, craques, muitos craques.


A Máquina Tricolor, por exemplo: fora goleiro (categoria que se divide em antes e depois de Valdir de Morais, profissional que mudou tudo na posição), nenhum jogador em atividade no Brasil hoje teria vaga naquele time. E mesmo da seleção brasileira pouca gente entraria. Aquilo tudo merecia um palco espetacular, e o velho Maraca era assim. E arquibancadas de cimento, pesadas, sólidas.

Eu era magro, consequentemente sem bunda, e tinha uma almofada quadrada, dobrável e com alça. Em jogos menos cheios, dava até para deitar, aí a almofada virava travesseiro. A gente podia transitar por toda a área da arquibancada, então em jogo de uma só torcida ia todo mundo para atrás do gol. E isso gerou problemas.

Acho que já contei aqui, conto de novo. Quando havia rodada dupla, eu ia sozinho, assistia à preliminar, meu pai chegava e assistíamos ao jogo do Flu – ou, como estava no placar, FFC. Mas isso foi num domingo, FFC X BFR, e nós sempre fomos muito frios, muito na nossa. Então sempre íamos assistir ao jogo atrás do gol do adversário, mesmo que a torcida dele estivesse lá. E foi o caso. Ficamos no meio da torcida do Botafogo. E o Fluminense fez um gol. Pela primeira e única vez na vida, meu pai pulou. Aquele mar alvinegro sentado e aquele sujeito de pé, com o braço levantado. 50 mil pessoas felizes pulando à nossa frente, e 50 mil zangadas à nossa volta, todos esses olhando para meu pai, de pé.

Ele, com o raciocínio rápido mas com nenhum talento para as artes cênicas, olhou para um lado, olhou para o outro, num fio de voz, apontou para o goleiro e, sem nenhuma expressividade, disse:

– Frango. Frangueiro! – num tom de quem diz as horas e sentou-se de novo.

Fosse hoje, teríamos sido esquartejados, nossos pedaços espalhados pelas ruas e nossos descendentes declarados malditos. Em alguns minutos achamos melhor não abusar da sorte e sair de lá. Ao chegarmos no anel externo, ele quis ir ao banheiro. O primeiro estava fechado. Entrou no segundo. Enquanto ele entrava, eu pensava: “ué, os banheiros são alternados. Homem, mulher, homem… Aquele deveria ser femin…”. Não acabei o raciocínio, meu pai saiu correndo, expulso pelas mulheres.


Aquele estádio tinha outra particularidade: ninguém sabia quantas pessoas cabiam ou quantas estavam no estádio, os ingressos eram produzidos de uma forma meio descuidada. Inocentemente, é claro! Então em jogos da seleção era um desespero, uma confusão terrível.

Fui num Brasil X Argentina em que devia haver uns 2 milhões de espectadores. E aquele foi um dia especialmente azarado. Não lembro o resultado, mas o estádio estava muito cheio. Tive que ficar de pé. No último degrau da arquibancada. Outro azar, estava um aperto danado. A falta de sorte seguinte é que sou alto, mas um sujeito um pouco mais alto ficou atrás de mim, colado. Usava barba farta. Bem no meu pescoço. E, como cereja do bolo, tinha algum problema respiratório, tipo asma ou rinite, e ficava arfando um bafo quente no meu ouvido. Ali eu tive certeza – embora nunca tivesse tido dúvidas, bem entendido – da minha heterossexualidade. Mas se o cara tivesse um drops no bolso da frente da calça ia ter briga.

O DIA QUE O MARACANÃ PAROU DE RESPIRAR

por Lucas Nogueira Garcia

Foi no dia 21 de abril de 1957.


Um rapaz chamado Eugênio Teodoro Filho, também conhecido como sr. Eugênio ou “Seu Geníco”, estava ansioso. Afinal, era dia de decisão. Não qualquer decisão. Seria disputado o último jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1958. As equipes eram o Brasil (que ainda não era esse Brasil todo) e o Peru (que ainda não era o modesto Peru). Naquela época as eliminatórias eram disputadas de maneira diferente. As nove seleções do continente sul americano ficavam divididas em três grupos de três times e apenas os primeiros colocados se classificavam para o mundial. No Grupo A ficaram o Brasil, o Peru e a Venezuela (que desistiu). Já no Grupo B ficaram a Argentina (classificada), a Bolívia e o Chile. Por fim, no Grupo C ficaram o Paraguai (surpreendentemente classificado), o Uruguai (surpreendentemente desclassificado) e a Colômbia. Por conta da desistência da Venezuela, o jogo do Brasil contra o Peru havia se transformado numa final em dois jogos. A primeira partida havia sido dificílima. Cerca de 42 mil testemunhas se apertaram no Estádio Nacional José Diaz, em Lima, para empurrar a seleção da casa. O Peru saiu na frente aos 37 minutos do primeiro tempo com gol de Alberto Terry. A seleção brasileira vinha de fracassos recentes (1950 e 1954) e estava desacreditada. Pensou-se em mais uma tragédia. Entretanto, Índio, craque do Flamengo, empataria a partida aos 4 minutos do segundo tempo para desespero dos peruanos que sonhavam com a classificação. Naquela oportunidade, a seleção brasileira (que ainda era treinada por Osvaldo Brandão) jogava num antiquado 3-2-5, sistema tático muito recorrente no final dos anos 1940 (isso seria mudado posteriormente por Vicente Feola, que adotaria o recente 4-2-4). Terminada a partida no Peru. O placar de 1×1 deixava a decisão aberta para o jogo de volta.

Assim, “Seu Geníco” deixou sua casa em Nilópolis e pegou um trem para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Tinha cabelos negros, um bigode grosso, olhos azuis (herdados de sua ascendência húngara) e um belo porte físico (havia servido durante a Segunda Guerra Mundial aqui no Brasil). Seu jeito era do interior (e assim foi até o final de sua vida). Havia nascido em Iúna no Espírito Santo. Era uma pessoa muito divertida e gostava de contar histórias (sobretudo histórias futebolísticas). Quando se mudou para o Rio de Janeiro no final dos anos 1950, descobriu o Maracanã, o futebol, o Garrincha, o Botafogo e muitas outras coisas, como o trabalho pesado. Mas naquele dia ele só tinha cabeça para o futebol.

Quando chegou no Estádio Jornalista Mário Filho, viu uma multidão de 120 mil pessoas que tiveram a mesma ideia que ele naquela tarde. Logo percebeu que seria muito difícil entrar no Maracanã. Mas, com muito sacrifício, todos entraram (não existia “Padrão FIFA” ainda). O estádio estava APINHADO de gente. As arquibancadas tremiam e a impressão era que elas iriam desabar a qualquer momento. Não tinha como sentar, pois haviam mais bundas do que concreto. Agora o jeito era esperar o início do jogo.


O Brasil vinha escalado com Gylmar (goleiro), Djalma Santos, Bellini, e Nilton Santos (defensores), Zózimo e Roberto Belangero (meias), Joel, Evaristo de Macedo, Índio, Didi e Garrincha (atacantes). A seleção peruana era formada por Rafael Asca (goleiro), Víctor Benítez, Dante Rovay e Guilhermo Fleming (defensores), Luis Calderón e Carlos Lazón (meias), Juan Seminário, Alberto Terry, Miguel Ángel Rivera, Máximo Mosquera e Óscar Gómez Sánchez (atacantes). O árbitro era do Uruguai e se chamava Esteban Marino. Seus assistentes eram peruanos e respondiam por Bert Cross e Erwin Hieger. As equipes entraram perfiladas, conforme o protocolo, e o capitão Didi trocou flâmulas e bandeiras com o capitão peruano. Tudo estava pronto. As equipes se posicionaram, o juiz levou o apito a boca e deu início a partida.

Como previsto, novamente o jogo foi muito difícil. Muita marcação, poucas chances, muitas faltas. O Brasil que nunca havia ficado de fora de uma Copa do Mundo tentava de tudo. Seus atacantes se desdobravam para tentar criar qualquer diabrura que furasse a defesa andina. Pressão total. O Peru sequer passava do meio de campo. Passe pra lá, drible pra cá… falta para o Brasil. A falta foi assinalada na entrada da área. Um pouco para o lado esquerdo, favorecendo quem batia de perna direita. Foi nesse momento que Didi exerceu sua autoridade de capitão e disse: “eu vou bater!”.


Já era de conhecimento dos cariocas (e principalmente dos torcedores do Botafogo e do Fluminense) que o “Príncipe Etíope” sabia bater muito bem na bola. Era um exímio cobrador de faltas. Assim, a torcida começou a ter esperanças. Sr. Eugênio, que estava soterrado no meio da multidão, sabia que aquele seria um momento crucial e dificilmente o Brasil teria outra chance na partida. Didi tinha que fazer o gol de qualquer jeito. A torcida gritava “Brasil! Brasil! Brasil!” a plenos pulmões. O Mestre pegou a bola e a posicionou no lugar indicado pelo árbitro. Deu alguns passos pra trás e colocou as mãos na cintura. Levantou a cabeça e olhou para o gol. O suor escorreu em seu rosto e ele respirou fundo. Correu pra bola e chutou. Nesse momento o Maracanã inteiro prendeu a respiração. O silêncio era tão grande que foi possível escutar o som da bola cortando o ar. O lance pareceu durar dois milênios. Lentamente a bola subiu e passou por cima da barreira. A trajetória indicava que ela iria pra fora. Algumas pessoas chegaram a beira de um ataque cardíaco. Será que não seria gol? Como que por um milagre a bola parou no ar. Parecia ter sido interceptada por alguma força estranha desconhecida até então nos campos de futebol. Quando a bola estava quase saindo pela linha de fundo ela caiu. Caiu no ângulo direito da meta defendida por Rafael Asca. O goleiro nada pode fazer. Estava paralisado pelo absurdo e encantado pela genialidade. Não pode impedir o que já estava escrito nas estrelas. Gol do Brasil.


A torcida explodiu e o Maracanã quase veio abaixo. Diz a lenda que a cidade inteira tremeu naquele momento como se tivesse acontecido um terremoto de grandes proporções. De fato aconteceu. Seu nome era Didi, que ficaria conhecido pelos gringos como “Mr. Football”. O que ocorreu na sequência não se sabe. O êxtase do gol foi tão grande que acredita-se que a partida tenha terminado ali mesmo, aos 11 minutos do primeiro tempo. O fato é que o Brasil venceu o Peru por 1×0 e se classificou para a Copa do Mundo da Suécia. A imprensa no dia seguinte batizou o gol com o nome de “Folha Seca” (muito apropriado). Um ano depois o Brasil viria a conquistar o seu primeiro título mundial. Título este que começou a ser conquistado naquele longínquo dia 21 de abril de 1957, dia de Tiradentes e um dia antes do Descobrimento do Brasil.

Obs: Alguns fatos foram deliberadamente aumentados/romanceados/inventados por mim devido a falta de informações. “Seu Geníco”, que era meu avô, morreu em 2009 quando eu ainda tinha 17 anos. Em seus últimos anos de vida ele sofria de alzheimer. Essa história me foi contada alguns anos antes. Eu era novo demais para fazer as perguntas certas, mas, com sorte, consegui extrair algumas das informações mais importantes. Sinto muitas saudades de suas histórias. Herdei isso dele.

CORDAS VOCAIS, PERNAS MORTAIS

por Zé Roberto Padilha


Há três décadas, Zico era a principal atração do Maracanã. E Phil Collins, a grande atração do Rock in Rio. No último fim de semana, o Fla-Flu foi jogado no Pantanal para 15 mil pessoas, sem o Zico, e Phill Collins ocupou o Maracanã, cantou ao vivo para 40 mil pessoas. Melhor para a música, pior para o futebol.

Quem foi ao maior estádio do mundo pode ouvir, outra vez, a melhor música do mundo. Um dos gigantes do pop mundial relembrou suas canções do Genesis, acompanhados do naipe de sopros à lá Earth, Wind & Fire, enfileirou hits e levantou o público com sua inesquecível “Easy Lover”. Prova que o tempo, se passou, poupou aquelas cordas vocais para que jamais nos deixassem esquecer do talento de Phil Collins.


Já quem foi ao Pantanal sentiu a falta de quem compôs, com a camisa rubro negra, as melhores jogadas do mundo. Clássico das tabelas com Adílio, ultrapassagens com Leandro, sinfonias que acabavam nas redes em parceria com o Nunes. E com o Cláudio Adão. Fora os solos precisos cobrando, como, ninguém uma falta. O som da bola se alinhando nas redes do Santa Cruz, ao contrapé do seu goleiro, ainda ecoam nos ouvidos dos amantes do futebol-arte.

Mas o tempo, a violência do futebol e o Márcio, do Bangu, machucaram suas pernas mortais, provocaram artroses em suas articulações, e de lá, do Pantanal de Cuiabá, torcedores, goleados e humilhados, só sentiram saudades. O que mais sentiriam, senão pena, do que entoam vestindo suas vestes Rômulo, Ronaldo e Marlos Moreno?

Daí você me lembra, e o Jogo das Estrelas? Já fui a um, é um programa parecido com praia em dias de mormaço. Você sai de casa contando com um resquício do sol, e quando ele aparece em uma caneta, um lançamento, ah! você volta imaginando o bronzeado que teria caso seus ídolos tivessem forças para afastar aquelas nuvens dali.


Os músicos pelo mundo tentam, sem sucesso, a inspiração de Phil Collins. E os limitados reservas do Flamengo tentam, sem inspirações, alcançar a genialidade do Zico. Claro, podemos pegar um DVD destes dois gênios e rever suas obras de arte a qualquer tempo. Mas ao vivo, há uma troca de energia, uma cumplicidade, que nem jogadores, músicos, fãs e torcedores sabem explicar. E por tal, a boa musica continuou a reinar neste final de semana, a soar por sobre a histórica grama, coberta e complacente do maior estádio do mundo. E a bola, coitada, ficou a tropeçar por pântanos distantes, conduzidas por notas dissonantes, por atores confusos, que o futebol brasileiro, e a nação rubro-negra, não merecem mais ouvir e assistir.