por Manoel Flores
Adoramos um grande espetáculo futebolístico! Quem não gosta? Ver um estádio lotado, grandes torcidas, craques consagrados… Esse é o objeto de desejo de todo torcedor que se preze. Torcedor este que consome futebol da maneira que pode, seja na TV, no estádio ou no ipad. É o consumo, o desejo, a audiência que fazem do esporte que tanto amamos um dos negócios mais lucrativos do planeta, capaz de atrair milhares de espectadores, centenas de patrocinadores e as estrelas mais badaladas. É assim no mundo e não poderia ser diferente no Brasil. Os grandes clubes, aqueles com as maiores torcidas, são os grandes arrecadadores, capazes de acumular fortunas e montar elencos cada vez mais fortes. E assim eles fazem, prioritariamente, através das vendas de seus direitos televisivos, cada vez mais cobiçados e, por consequência, caríssimos. Foi nesse cenário que, no ano passado, surgiu uma lei que nos igualou ao mundo e que mudará para sempre a maneira de negociar tais direitos.
A Lei 14.205, de 17 de setembro de 2021, comumente chamada de “Lei do Mandante”, é basicamente a ferramenta que autoriza o clube mandante a negociar seus jogos independentemente da vontade do seu adversário, o visitante. Ela veio para modernizar o modelo de negociação de direitos esportivos. No entanto, se argumenta até hoje que essa lei favoreceria ainda mais o clube gigante, o “blockbuster”, que poderia negociar diretamente seus jogos sem ter que pedir autorização a ninguém. Em um modelo de negociação individual, vigente no Campeonato Brasileiro até 2024, essa medida, se aplicada, cumpriria seu dever de favorecer sempre os clubes maiores, em tese. Ainda assim, a Lei do Mandante evitaria que um clube virasse refém de uma negociação feita por outro clube. Antes da lei do Mandante, se um clube vendesse seu direito de transmissão para o grupo de mídia X, um clube que subisse e não tivesse contrato, só poderia vender seus direitos de transmissão para esse mesmo grupo X. Ou seja, seria obrigado a aceitar as condições ou não teria seu jogo exibido.
Acontece que nosso futebol amadureceu. Todos os clubes entendem que ao negociar individualmente, o valor obtido é infinitamente inferior a uma negociação coletiva. Está provado e temos benchmarks em todo o mundo para comprovar essa tese. Se o caminho para a venda coletiva, a partir do campeonato de 2025, será através de uma liga(s) ou até mesmo da CBF, só saberemos nos próximos meses. Sendo assim, resta saber se em um modelo de venda coletiva, a tese de favorecimento do clube gigante ainda se sustenta. Eu me arrisco a dizer que não!
Vamos tomar o Campeonato Brasileiro como exemplo. Em um campeonato que gera hoje cerca de R$ 2 bilhões de receita de TV contra “valuations” que já estão na casa dos R$ 4 a R$ 5 bilhões, é confortável afirmarmos que a negociação coletiva geraria dividendos nos dias de hoje sem muito esforço e que, de fato, nossos clubes estão com valores de arrecadação extremamente defasados por conta das negociações individuais dos últimos anos. Nossa tese de negociação coletiva gerando mais receitas está correta. Partimos então para a análise do poder de negociação dos nossos clubes. No Campeonato Brasileiro em seu atual formato, cada clube atua em 38 partidas, sendo 19 como mandante e 19 como visitante. Pela lógica da Lei do Mandante, cada clube só poderia comercializar suas 19 partidas como mandante e nada mais. Sendo assim, clubes como Corinthians, Flamengo e Palmeiras, por exemplo, teriam suas 19 partidas vendidas, partidas com altíssimo valor agregado por se tratar de três dos maiores clubes do país. E as outras 19 partidas como visitante de cada um deles, o que aconteceria? Bem, cada partida desses três clubes, fora de casa, pertenceria a alguém e eles nada poderiam fazer a respeito. Aí que “mora o perigo” …Outros clubes, seus adversários, possuem esses direitos. E se esses (outros) clubes se juntam? Não teriam um volume relevante de jogos pra negociar? Não teríamos, portanto, um equilíbrio de forças? Se de um lado temos os clubes mais poderosos do país com seus 19 jogos como mandante disponíveis para comercialização, do outro temos clubes que possuem boa parte (ou todos) dos jogos desses gigantes como visitante e outros. Ou seja, por mais contraditório que pareça, a Lei do Mandante acaba empurrando indiretamente os clubes para a venda coletiva.
É exatamente esse equilíbrio de forças que estamos vivenciando nas duas iniciativas de Ligas que nasceram no país nos últimos meses. E esse desenrolar que iremos observar com atenção nos meses por vir. Torceremos sempre para o melhor pois sabemos do potencial do futebol brasileiro. De todo modo, a Lei do Mandante veio pra ficar e sua maturidade em solo brasileiro será notada nos próximos movimentos de clubes e ligas. É seguro afirmar que o coletivo é melhor, mas é muito cedo pra afirmar quem será o grande beneficiado pela Lei do Mandante. Que tudo isso eleve nosso futebol para patamares altíssimo, pois quem ganha é o torcedor. Aquele que está sempre pronto pra consumir um grande espetáculo.