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Leandro

 O FLA-FLU DO LEANDRO FOI O DA REDENÇÃO

Leandro é considerado, ao lado de Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, um dos maiores laterais do futebol brasileiro de todos os tempos. Nesta quinta-feira (17) o eterno camisa 2 rubro-negro faz aniversário e o jornalista Marcos Vinicius Cabral, o mesmo que, nas peladas de rua, quando moleque, lá na longínqua década de 1980, no Barreto, em Niterói, imitava o Leandro, enquanto todos os outros meninos personificavam o Zico. Fã de carteirinha do craque que vestiu apenas o Manto Rubro-Negro em toda carreira, o autor da série Vozes da Bola, coletânea que homenageia craques do passado, escreveu sobre o jogo mais emocionante que o ídolo disputou, até se aposentar em 1990. Jogo este que é até hoje lembrado por rubro-negros e tricolores: o Fla-Flu, ou melhor, o Fla-Flu do Leandro!

 por Marcos Vinicius Cabral

 Leandro já havia passado por muitas coisas, até chegar o ano de 1985. Uma delas era a sua autoafirmação na posição de beque central do Flamengo (a escolha do número 3 foi obra do destino e também para homenagear o amigo Figueiredo, zagueiro que morrera em um acidente aéreo com o monomotor prefixo PT-NJS 193, que espatifou-se contra uma das partes dos 2.237 metros de altura do Pico da Caledônia, na Região Serrana de Nova Friburgo, em 1984), pois, com as articulações dos joelhos desgastadas pelo vai e vem que a lateral-direita lhe exigia, mudar àquela altura, era arriscado.


 A outra, era conviver com dores e tratamentos específicos para continuar jogando em alto nível, já que lhe era cobrado – não só pelos torcedores, mas também pela imprensa esportiva, treinadores e dirigentes rubro-negros – um futebol à altura da habilidade daquele menino de cabelos escorridos e olhos verdes, que deixou o futebol de salão do Tamoyo Esporte Clube, em Cabo Frio, Região dos Lagos, para jogar na lateral-esquerda do Santos, time amador de São Pedro da Aldeia, antes de mostrar grande repertório técnico e ser aprovado por Américo Faria, ex-coordenador da Seleção Brasileira, nos treinos no Campo da Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio.

 “Em 1976, eu era treinador do juvenil do Flamengo e realizávamos treinos de experiência toda às segundas-feiras. De tantos garotos, dois foram aprovados com sobras e encaminhados à Gávea”, relembrou em conversa com o Museu da Pelada pelo telefone.

 Cabeça de área dos bons, um foi Vítor Luís Pereira da Silva, nascido do dia 4 de novembro do ano de 1952 em Governador Portela, no interior de Miguel Pereira, sendo até hoje um dos poucos jogadores que defendeu os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro – sagrou-se campeão em cada um deles. No Flamengo, jogou 136 vezes. Fez gols decisivos, como o da virada por 3 a 2 na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1982, contra o Internacional, no Beira-Rio, e no Brasileiro do ano seguinte contra o Athletico-PR, na vitória por 3 a 0, no Maracanã, além, é claro, de ter conquistado os maiores títulos da história do clube, como a Libertadores e o Mundial, ambos em 1981.

 “Eu e o Leandro chegamos juntos no Flamengo e, por obra do destino, acabamos caindo no mesmo time nos treinos. O nosso treinador, o professor Américo Faria, viu qualidades no nosso futebol e nos aprovou de imediato. Havia a dúvida se o Leandro era direito ou esquerdo, devido a facilidade com que jogava com as duas pernas. Leandro foi um senhor jogador de futebol e, não à toa, virou esse monstro da posição”, revelou Vítor ao relembrar que, ao lado do camisa 2, disputou três finais consecutivas do Carioca de Juniores contra o Botafogo, perdendo as de 77 e 78 e vencendo em 79, antes de subirem para  os profissionais.

O outro, José Leandro de Souza Ferreira, tornaria-se um dos maiores laterais do futebol brasileiro, eternizado no coração e mente dos flamenguistas como simplesmente Leandro, que vestiu apenas uma camisa em 12 anos como jogador profissional: a rubro-negra.


E com ela, em 415 partidas disputadas, entre vitórias, empates e derrotas, uma em especial, até hoje, passados 36 anos completados em dezembro do ano passado, é lembrada por todos: o Fla-Flu do Leandro! Inclusive para o craque ambidestro, que considera aquele jogo o mais emocionante de todos os que jogou na carreira.

Mas, naquele Campeonato Carioca de 1985, disputado por 12 clubes em turno e returno, Vítor, seu companheiro das categorias de base, camisa 5, era titular do meio-campo do Vasco, que não se classificou para disputar o triangular, enquanto o número 3 pertencia a Leandro, zagueiro do Flamengo, que desejava o mesmo que o Bangu: impedir o tricampeonato do Fluminense.   

Todavia, enfrentar a equipe que teve Preguinho (1905-1979), meio-campista e autor do primeiro gol do Brasil em uma Copa do Mundo, a de 1930, disputada no Uruguai, trazia à memória momentos inesquecíveis na infância na cidade onde deu seu primeiro choro em vida, a paradisíaca Cabo Frio.

Infância, Preguinho, Copa do Mundo, futebol amador, Fluminense… tudo girava no hipocampo do craque, a ponto de deixá-lo com os nervos à flor da pele quando ouvia “Fluminense”.

Este mesmo Fluminense, que na decisão do Carioca de 1969, vencia o Flamengo por 2 a 1, e fez o pequeno Leandro, então com dez anos, mentir para o pai Evilásio, com quem ouvia o jogo deitado na cama, ao dizer que iria ao banheiro fazer xixi. Na verdade, foi para a sala, rezar  para que os santos ajudassem o Flamengo a empatar o jogo e eliminar a tristeza do pai. Resultado: o Flamengo empatou com Dionísio, mas tomou o terceiro e fatídico gol da derrota pelos pés de Flávio Minuano.


Se para Leandro, vencer o Fluminense era uma maneira de ver estampada no rosto do pai a alegria que faltou em 1969, para o Flamengo não restava outra coisa para se redimir dos dois outros triangulares infelizes que deram o bicampeonato ao Tricolor em 83 e 84 – gols do carrasco Assis (1952-2014).

“A gente sabia que o nosso time era inferior, pois o Fluminense tinha jogadores excepcionais como o goleiro Paulo Vitcor, Ricardo Gomes, Branco, Jandir, Romerito, Deley, Assis, Washington, Tato, e além disso, vinha de um bicampeonato, já que jogavam juntos há pelo menos três anos”, recordou Leandro.

Mas, se o entrosamento era arma importante do Tricolor, a sensação era o forte time do Bangu, alçado a uma das grandes forças do futebol brasileiro da época, comandada pelo técnico Moisés (1948-2008), que tinha Marinho (1957-2020) como principal estrela e era turbinado pelo dinheiro do patrono e mecenas Castor de Andrade (1926-1997).

Naquele ano de 85, Fluminense (campeão da Taça Guanabara), Flamengo (vencedor da Taça Rio) e Bangu (que somou mais pontos no campeonato todo) decidiriam entre si para ver quem seria o melhor time de futebol do Estado do Rio de Janeiro.

Flamengo e Fluminense entraram em campo para quase 96 mil pagantes presentes na noite de quarta-feira, 11 de dezembro. Na moeda jogada para o alto pelo árbitro Luís Carlos Félix no cara e coroa, vitória de Vica, capitão tricolor, que escolheu o campo e Leandro ficou com a saída de bola. Partida disputada pau a pau, Romerito é derrubado por Andrade na lateral do lado direito. Branco levanta na área e Washington sobe mais que a zaga do Flamengo e abre o marcador: 1 a 0 para o Fluminense, aos 38 minutos do primeiro tempo.

No segundo tempo, nervoso, Adalberto recebe entrada forte de Leomir e, mesmo caído, revida com um chute no camisa 4 do Fluminense. Confusão formada, os dois jogadores foram mandados mais cedo para o chuveiro.

Jogo aberto. De um lado, o Fluminense, muito superior tecnicamente, e do outro, o Flamengo, bem preparado mentalmente e que teve que usar raça, amor e paixão. O Rubro-Negro se agigantou na partida e o Tricolor procurou fazer da defesa o seu melhor ataque.

”Nós, torcedores, sabíamos que o time deles era uma equipe superior, mas no papel, pois o que se viu lá dentro de campo foi outra coisa”, diz o torcedor rubro-negro Luiz Antônio Lorosa, de 56 anos, morador de São Gonçalo, que estava nas arquibancadas naquele jogo.

Torcida gritando, tensão, nervosismo dos dois lados, jogo brigado e um Cantareli jogando de zagueiro, marcaram todos aqueles 45 minutos finais. O Flamengo em cima, buscando o empate. O Fluminense se defendendo e tentando manter a vitória.

Leandro fez carreira brilhante. Ganhou quatro Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial. Amado pela torcida, tinha as fortes dores no joelho como maior inimiga. Passou para a zaga. Se em 1969, ouviu no rádio o terceiro gol marcado por Flávio Minuano, 16 anos depois, jogaria um Fla-Flu como zagueiro. Para ele, um Fla-Flu especial, o da redenção.

Sem Zico e Júnior, negociados para a Itália, ele era a estrela. No minuto final, após pressões sucessivas na área tricolor, a bola vem fora da área para quem quer arriscar. O Fluminense ganhava por 1 a 0, gol de Washington, aquele do Casal 20.  O empate deixaria os rubro-negros ainda na briga. Leandro soltou o petardo. Um pombo sem asas. Indefensável. Paulo Victor ainda tocou na bola e ela bateu na trave, voltou nas costas dele e entrou mansamente. Era o empate. “Goooolaaaaaaaaaaaaço-aço-aço”, narrou Jorge Curi pelas ondas sonoras da Rádio Globo. O último minuto. Era um Fla-Flu. Era gol de Leandro.

Quatro dias depois, Flamengo e Bangu se enfrentaram no Maracanã, e o time de Moça Bonita saiu vitorioso, por 2 a 1. No dia 18, Fluminense e Bangu encerraram o triangular final. Por ter vencido o Flamengo, o Bangu possuía a vantagem do empate, mas o Fluminense venceu por 2 a 1 e conquistou o tricampeonato.

Mas aquela partida, disputada naquele 11 de dezembro de 1985, fez Zico e Junior confessarem: “Esse foi o Fla-Flu que faltou na minha carreira”.

O jogo foi também o último do clube narrado por Jorge Curi, rubro-negro confesso. Na semana seguinte, o locutor de voz forte inconfundível, que fez longa carreira na Rádio Globo, mas havia se transferido para a Tupi, narrou a final entre Fluminense e Bangu, e pouco depois, indo para Caxambú, encontrou a morte em um acidente automobilístico na BR-354.

A pedido da família do radialista, a camisa número 3 que Leandro usou naquele Fla-Flu foi colocada sobre o caixão de Jorge Curi, fã do jogador, que foi enterrado no jazigo perpétuo da família no Cemitério Municipal de Caxambu, Sul do estado de Minas Gerais.

Coisas do destino, do futebol, e do Fla-Flu. Aliás, do Fla-Flu do Leandro.

“Leandro, com sua excepcional qualidade, jogando na lateral-esquerda, encantou a todos e a mim em especial. Todas as vezes em que o treino se aproximava do fim, ele perguntava se havia sido aprovado. Eu, sempre brincando, dizia que ainda não havia decidido nada e que ele estava sendo avaliado. Dentro de campo, ele realizava coisas extraordinárias, de puro encantamento e magia e a cada jogada que ele fazia, olhava em minha direção como se dissesse:’Está gostando, professor?’. Eu fingia que não via e ele continuava a fazer aquelas coisas sobrenaturais a fim de me impressionar. E confesso, depois de anos, me impressionava”, revelou Américo Faria sorrindo, para depois falar sério, em tom profético:”Não há e jamais haverá outro igual. Leandro foi o melhor jogador que passou pelas minhas mãos e o maior lateral-direito de todos os tempos!”.

Profecia? Talvez, sim. A escassez de outros ‘Leandros’ no futebol, faz com que Leandro – que assopra 63 velinhas de aniversário – tenha se tornado, no imaginário do torcedor, uma divindade no panteão rubro-negro.

Passado tanto tempo, o eterno camisa 2 considera o Fla-Flu de 11 de dezembro de 1985 como o jogo inesquecível para ele e para os verdadeiros amantes do futebol. Para a Nação Rubro-Negra, fica a certeza que nada nesse mundo é eterno, mas Leandro é!

FICHA TÉCNICA

Flamengo 1 x 1 Fluminense

Data: 11 de dezembro de 1985

Local: Maracanã

Competição: Campeonato Carioca de 1985 – Triangular Final

Público: 95.049 pagantes

Renda: Cr$ 1.838.050.000,00

Árbitro: Luís Carlos Félix

Flamengo:Cantareli; Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto; Andrade, Adílio e Valtinho (Gilmar); Bebeto, Chiquinho e Marquinho (Júlio César Barbosa). Técnico: Sebastião Lazaroni.

Fluminense:Paulo Victor; Leomir, Vica, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Renê; Romerito, Washington e Tato. Entraram Paulinho e Rogério. Técnico: Nelsinho.

Gols: Washington (38’/1T) e Leandro (43’/2T).

Expulsões: Adalberto e Leomir.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA LEANDRO


Certa vez, em 1987, sentado na bola, Leandro chamava a atenção pela forma que observava seus companheiros correndo no gramado da Gávea. Apesar de um belo par de olhos esverdeados e difíceis de não serem notados como seu futebol, o olhar escondia, até aquele momento, uma tristeza – a mesma que lembrou o episódio quando foi considerado acabado para o futebol e reprovado nos exames médicos no Internacional, em 1979, numa transação de empréstimo – que abalaria mais ainda o jogador de 20 anos à época.

Vítima de problemas crônicos nos joelhos – artrose no direito e tendinite no esquerdo – o imortal camisa 2 e 3 rubro-negro poderia ter ido mais longe na carreira. Como todo craque, era diferenciado. Tanto que não treinava em dois turnos como os demais. Fazia apenas exercícios específicos de peso, como por exemplo, fortalecimento muscular em que levantava 25 kg com a perna direita e 15 com a esquerda, 250 vezes.

“Cada partida disputada por Leandro é uma obra de arte do departamento médico do clube”, diria certa vez com semblante leve o falecido e lendário médico rubro-negro, doutor Giuseppe Taranto, sublinhando que Leandro se submetia às ondas eletromagnéticas – a famosa corrente russa -, laser, ultrassom e gelo, muito gelo em ambos os joelhos.

Tudo isso para combater (ou tentar) o “Mal de cawboy”, que segundo especialistas, só seria possível se o jogador tivesse usado gesso com aparelho ortopédico entre os dois e cinco anos, além de ser submetido a uma cirurgia até os dez. Embora com todas essas dificuldades, não lhe faltaram adjetivos, elogios, aplausos e títulos, muitos títulos, que se devem porque Leandro era dotado de uma qualidade técnica inesgotável e de infinitos recursos.

Clássico, jamais desleal – em 415 jogos na carreira, foi expulso uma única vez, naquele 23 de novembro de 1983, quando se desentendeu com o ponteiro Ado do Bangu, no Campeonato Carioca daquele ano -, Leandro é o típico jogador que tinha a lisura e a lealdade como aliadas à sua incontestável habilidade com os pés, pernas, cabeça, peito, ombros, menos as mãos.

Encerrou sua brilhante carreira vestindo apenas a camisa do Flamengo – com exceção da Seleção Brasileira – ao longo de 12 anos como profissional. Mas Leandro merecia mais. Muito mais! O futebol também. O torcedor do Flamengo e o apaixonado pelo esporte bretão mereciam vê-lo por mais tempo em campo. A bola chorou por essa separação quando o Peixe-Frito, desamarrou os cadarços de suas chuteiras e deixou ali em um canto qualquer do vestiário no estádio Proletário Guilherme da Silveira Filho, popularmente conhecido por Moça Bonita. Era a despedida de um craque que por ser tão leal na execução das regras e lisuras do jogo, saiu de cena de forma simples, coisa que o seu futebol nunca foi.

O Vozes da Bola traz um dos maiores laterais-direitos de todos os tempos. Não somente no Brasil. E sim no mundo. Leandro, cabofriense de carteirinha, é nosso 32° personagem, que em março deste ano, soprou velinhas e comemorou 62 anos de vida. E de muitas histórias.

Texto: Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

O que representou o Fla-Flu de 1969 na sua vida? Você ouvia o jogo pelo radio na companhia do seu pai e foi no banheiro rezar pela virada. Fale sobre esse momento quando você tinha dez anos.

Eu já acompanhava jogos do Flamengo, mas acho que ali senti algo diferente no meu coração e na alma com aquele gol do Dionísio. Eu falei para o meu pai que ia no banheiro fazer xixi e acabei me ajoelhando na sala, rezando, pedindo a Deus para o Flamengo empatar e alegrar o meu pai. Na minha volta do banheiro, o Flamengo acabou empatando, mas infelizmente, depois levamos o terceiro gol que culminou na perda do título. Mas lembro que quando eu ouvi o Jorge Curi narrando aquele golaço do Dionísio, pô, me deu uma emoção tão grande em ver meu pai tão feliz que ali nasceu esse sentimento forte com o Flamengo.

Relate sobre sua chegada ao Flamengo. Deu frio na barriga sair de Cabo Frio para chegar à Gávea?


Eu morava na Praça da Bandeira, Zona Norte do Rio, e fui fazer o pré-vestibular na época. Aí, pegando o ônibus com um primo chamado Nonato, o ponto final era na Praia do Leblon, praticamente, em frente ao Flamengo. E aí esse meu primo teve a ideia de sugerir para eu pedir para fazer um teste na Gávea. E como eu era muito envergonhado, falei que se ele pedisse eu treinaria sem problemas. Como ele era insistente, fomos lá e ele pediu para eu treinar. Aí, o “seu” Orlando, diretor de esporte amador, perguntou: “Você joga em que posição?”. Respondi que jogava de lateral-esquerdo. Ele continuou: “Mas você é canhoto?”. Disse: “Não, eu sou destro”. Aí meu primo se intrometeu e falou: “Seu Orlando, ele bate com as duas e muito bem”. O “Orlando” olhou assim, meio desconfiado, mas marcou um treino às 14h do dia seguinte. Compareci, e apesar da dificuldade de arrumar uma chuteira, pois eu fui pego de surpresa, e como não tinha, consegui com muito custo uma par emprestado com dois números acima do meu. Enchi com algodão molhado e fui para o teste. Me saí bem, fiz dois gols e fui aprovado para voltar no dia seguinte. Foi aí que começou minha história até chegar nos juniores.

Há uma curiosidade que pouca gente conhece envolvendo você e o Júnior. Quando você chegou ao Flamengo, em 1976, jogava na lateral-esquerda e acabou sendo deslocado para a direita, e o Júnior em 1974 era lateral-direito e foi deslocado à esquerda. Você já imaginou disputar posição com o Júnior?

Jamais! Caramba, eu nunca pensei nisso. Na verdade, quando eu cheguei no Flamengo, eu já sabia que o Júnior jogava na lateral-direita, tanto que até hoje lembro daquele golaço que ele fez do meio de campo na decisão do Campeonato Carioca contra o América, em 1974, na vitória por 2 a 1. Mas eu cheguei na Gávea como lateral-esquerdo, porque eu era lateral-esquerdo em Cabo Frio, entende? Mas te confesso que ia ser uma complicação enorme ali na disputa pela titularidade. Ainda bem que o professor Américo Faria teve uma visão boa quando se machucou o lateral-direito, e ele me deslocou para a posição oposta da minha origem. Fui bem, me adaptei e graças a Deus não precisei disputar nada com o Júnior, pois te confesso, ia ficar muito complicado.

Você ganhou quatro títulos brasileiros pelo Flamengo (1980, 1982, 1983 e 1987). Qual foi o mais difícil?

Nenhum título é fácil. Todos os títulos têm suas dificuldades e seus pesos. O Flamengo de 1980, 1982, 1983 e 1987, só enfrentou timaços. Em 1980, eu participei muito pouco, quer dizer, quase nada. Fiquei uma ou duas vezes no banco, apesar de ter concentrado. Fiz parte do plantel. Em 1983, foi um campeonato difícil e na reta final da partida eu fiz um gol importante na final contra o Santos. O time estava muito bem, mas já não era o mesmo e tínhamos as entradas do Júlio César e do Élder. Em 1987, já foi uma equipe mais mesclada com experiência de alguns como eu, Edinho, Andrade, Zico e Renato, com jovens promessas como Zé Carlos, Jorginho, Leonardo, Ailton, Bebeto e Zinho, e lembro que começamos a Copa União muito mal e depois melhoramos e partimos para a conquista do título. Mas eu acho que o de 1982, foi pancada, porque nós pegamos o Grêmio em duas partidas seguidas, no estádio Olímpico. Empatamos por 1 a 1, no Maracanã, depois por 0 a 0, em Porto Alegre, e ficamos uma semana para disputar o terceiro jogo lá no Olímpico. Fizemos 1 a 0, gol de Nunes, depois sofremos uma pressão enorme, torcida em cima, um Grêmio com jogadores técnicos e de grande habilidade, mas conseguimos vencê-los. Esse título de 82 foi sofrido, foi complicado. Vamos dizer assim, porque todos os títulos de Campeonatos Brasileiros tiveram suas dificuldades.

Como foi ter jogado numa geração tão vitoriosa do Flamengo que começou na reta final da década de 1970?

Isso aí é uma coisa que muita gente fala, pergunta: Se não era melhor ter nascido agora e jogar com esses jogadores atuais que estão ganhando tanto dinheiro? Uns falam que eu estaria milionário, que eu jogaria em alto nível, que seria isso, conquistaria aquilo, mas vou te confessar uma coisa: eu agradeço a Deus por ter nascido naquela época, por ter convivido com tantos jogadores maravilhosos e jogado numa geração fantástica. Antes de 1976, joguei com muita gente boa de bola, vi muito ‘cracaço’ jogar, e se tivesse nascido agora, ou fizesse parte agora do futebol, não teria esse privilégio. Então, eu posso revelar para vocês do Vozes da Bola que foi uma honra, um privilégio imenso e eu só tenho que ficar grato por todos esses jogadores dos quais fizeram parte da minha história e eu da história deles.

Qual foi o melhor time do Flamengo que você jogou?

Essa pergunta não tem nem como não ser o time de 1981, né? Nem é preciso pensar muito: Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico.

Como foi ganhar a Bola de Prata, prêmio concedido pela revista Placar em 1982 como melhor lateral-direito do Brasileirão e em 1985 como melhor zagueiro?


Pois é, rapaz, a concorrência era grande em 82 e 85, assim como em outros anos também. Para ganhar esse troféu é necessário você jogar em uma equipe boa, ser regular na competição toda, já que é um campeonato longo, mas Bola de Prata é Bola de Prata, né? Já a Bola de Ouro era complicado, mas cheguei a disputar com o Marinho do Bangu, que só foi decidido no último jogo entre Flamengo e Bangu, no Maracanã. O Marinho levou com méritos e foi escolhido o melhor jogador de 1985. Mas eu tenho as duas aqui na minha pousada com muita honra e muita satisfação em ter sido escolhido entre os melhores dos Campeonatos Brasileiros de 1982 e 1985.

Quem foi o ponta-esquerda mais difícil que você marcou? E também o centroavante?

Talvez não tenha sido o mais habilidoso, porque nós tivemos muitos, mas eu achava o Zé Sérgio fantástico. Um ponta que driblava para dentro e para fora com a mesma facilidade, mas esse eu nunca marquei, ainda bem. Mas marquei muitos outros enjoados, O mais chato, o mais carrapato, o mais perturbado era o João Paulo, do Santos, que depois jogou no Flamengo. Esse não tinha medo de porra nenhuma! Vinha para cima, dava uns tapas no fundo para correr, cruzava de efeito por trás das minhas pernas. Esse era complicado de marcar. E centroavante, marquei muitos e bons, foras de série. Mas o Roberto Dinamite, o Careca e o Romário, no início de carreira, foram os atacantes mais difíceis.

Certa vez você disse o seguinte sobre Brasil x Itália de 82: “Vira e mexe me pego pensando no que podia ter feito a mais. De vez em quando revejo o jogo, mas paro quando o placar está 2 a 2. Não consigo ver o terceiro gol deles, nem o final da partida”. Na sua opinião, o que vocês fizeram de errado naquela derrota conhecida como ‘Tragédia do Sarriá’?

Cometemos erros naqueles 90 minutos. Mas é bom ressaltar que jogamos contra uma equipe muito técnica e que cresceu dentro da competição. Sinceramente falando, pelo nosso time tinha jogadores fantásticos com um quarteto magnífico no meio de campo, laterais que apoiavam muito, um zagueiro que saía sempre para explorar a jogada aérea como Luizinho. Apenas Waldir Perez e Oscar ficavam lá atrás. O Brasil era um time que jogava para frente o tempo todo, mas eu acho que se nós tivéssemos entrado com um pouquinho mais de consciência, vamos dizer assim, que o empate já nos dava a classificação, acho que se segurássemos um pouquinho mais e esperássemos a Itália, a gente teria mais espaços e eles ficariam nervosos e o resultado teria sido outro. Mas o time do Brasil era aquele negócio de querer ir para cima, para cima, para cima, e se fizesse três queria fazer quatro. Mas era o estilo de futebol praticado pelos seus jogadores. No entanto, eu acho que tinha de ter um pouquinho mais de preocupação nessa hora. Ainda mais naquela fase que era mata-mata e passando ali era semifinal. A gente se descuidou nesse sentido.

A eliminação da Seleção no Mundial de 1982, e a renúncia à Copa de 1986 em solidariedade ao corte de Renato Gaúcho, são os capítulos mais tristes na sua carreira?

Pode ser. Acho que derrotas são tristes, contusões nos deixam tristes, perdas de companheiros de profissão nos marcam a vida e deixam um vazio triste na gente. A Copa do Mundo de 1982, a tristeza foi por diversos motivos. O povo brasileiro com aquela alegria toda, a gente muito confiante na conquista do título e muitos jogadores do nosso time que mereciam ser campeões do mundo pelo tanto que fizeram pelo futebol brasileiro. Com certeza foi uma tristeza muito grande naquele dia lá, foi um silêncio que machucou de verdade. Em 1986, a tristeza foi por não ter participado, porém, sem remorso da decisão que tomei naquele episódio. Não me arrependo de nada e faria tudo da mesma forma, entendeu? Mas a eliminação de 82 foi brabo.

Voltando a falar da sua ‘primeira pele’, a rubro-negra: e o golaço no Fla-Flu de 1985?

“Golaço aço aço aço!” Foi assim que Jorge Curi narrou, resgatando aquele gol do Dionísio de 1969 narrado por ele também. Naquele jogo, o Flamengo massacrando o Fluminense no segundo tempo e a bola não entrava. Eu lembro que fomos para cima, eu atacando, o Cantereli jogando praticamente no meio-campo, a gente procurando, insistindo e eu sabia que ia acontecer alguma coisa. A todo instante eu falava com Andrade para continuar tentando, incentivava o Jorginho a não desistir, só não sabia que ia acontecer comigo e que seria predestinado. Mas aquela bola, quando o Andrade cruzou para a área e o Washington rebateu de cabeça para a intermediária, ela veio quicando e, tinha o Jorginho na direita, eu pensei em tocar para ele mas vim com tanta confiança que aquele chute ou vai lá fora do estádio ou na gaveta, sabe? Mas pegou na veia e ia entrar direto, mas o Paulo Victor ainda tocou nela e a sorte foi que bateu na trave e nas costas dele e entrou mansamente. Não foi o gol mais importante, é verdade, mas foi o mais emocionante. Esse Fla-Flu foi um dos dias mais importantes na minha vida dentro do futebol.


Uma semana depois, o locutor esportivo Jorge Curi, faleceu em um acidente automobilístico quando ia passar o Natal na cidade de Caxambu-MG. Rubro-negro, ele narrou o último gol do Flamengo marcado por você no Fla-Flu. É verdade, que um parente dele te ligou e disse que o radialista era seu fã? E pediu que você mandasse uma camisa para velar o corpo?

Naquela época, quando a gente viajava, era normal ficar no saguão dos aeroportos ou nos hotéis e encontrar esses ícones do radiojornalismo. A gente conversava muito com o Jorge Curi, com o João Saldanha, com o Waldir Amaral, era uma coisa normal encontrá-los nesses lugares. Mas eu não sabia dessa admiração do Jorge Curi por mim e fiquei sabendo quando ele faleceu. Um parente dele ligou para minha casa dizendo que ele era muito meu fã, que falava muito de mim, que como rubro-negro era apaixonado pelo meu futebol e que aquele gol havia emocionado muito ele. Perguntou se eu podia ceder a minha camisa para o corpo dele ser velado. Pô, imagina! Eu quase chorei com esse pedido. Isso era uma honra para mim e entreguei a camisa para este parente do lendário e saudoso locutor esportivo. Foi isso. É verdade essa história.

Qual foi o gol mais importante que você marcou pelo Flamengo ao longo dos seus 12 anos como profissional?

Fiz um gol contra o Sport em 82, lá em Recife, que foi importante na campanha do título de 82. Na verdade fiz dois, mas um foi anulado. Se a gente perdesse por 2 a 0, estaríamos eliminados, e com esse meu gol, o jogo terminou 2 a 1 e acabou nos classificando. Mas o gol na final do Campeonato Brasileiro de 83, sem dúvida, foi o mais importante. E o engraçado é que na manhã do dia do jogo, eu havia falado que venceríamos por 3 a 0, com um gol meu, do Adílio e do Zico. Não foi nessa ordem mas acertei o placar e os autores dos gols (risos).

Você foi campeão da Copa União, em 1987, ao lado do Edinho. O ex-tricolor foi um dos seus melhores parceiros na formação do miolo de zaga em toda carreira?

Edinho foi um ‘cracaço’, jogador de três Copas do Mundo pela Seleção Brasileira. Foi uma honra ter jogado ao seu lado e ter sido campeão em 1987. Mas joguei com muita gente boa, como Figueiredo, Aldair, Guto, Zé Carlos II, mas para mim o Mozer foi o meu melhor companheiro de zaga. Lembro que quando passei da lateral à zaga, essa transição complicada para todo jogador, ele me ajudou muito e nos entrosamos rápido. Para de ter uma ideia, a nossa dupla foi tão boa que o saudoso João Saldanha escreveu numa coluna no Jornal do Brasil que foi a melhor dupla de zagueiros que ele viu jogar. Mas o Edinho foi um monstro como zagueiro e quando acertamos, crescemos juntos com o time e acabamos conquistando o Brasileiro de 87.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Até então eu não tinha nenhuma inspiração, nenhum jogador que eu me espelhasse ou coisa parecida. Mas a partir do momento que o Zico começou a surgir no Flamengo, eu com meus 13 anos comecei a admirá-lo. E acabou se tornando fonte de inspiração.

Qual foi o treinador que você teve mais afinidade a ponto de achá-lo o melhor?

Eu nunca tive problema com treinador não! É lógico que a gente se dava melhor com um ou com o outro, em termos de empatia mesmo. Posso dizer que muitos treinadores foram importantes na minha carreira como o professor Américo Faria, o meu primeiro treinador, um cara fantástico, a quem devo muito a ele, o Lazaroni, que se tornou um grande amigo, o Carpegiani, que foi além de treinador, meu companheiro de time, o Cláudio Coutinho, que me lançou no profissional, o Joubert, outro excelente treinador. Como não falar do Carlinhos, o grande Violino, outro extraordinário treinador! Mas em termos de afinidade, eu cito o Carpegiani e o Lazaroni, mas o Telê Santana, apesar de não ter muita afinidade por ele ser um cara fechado, foi, ao lado do Américo Faria, os melhores deles todos, sem dúvida!

Na sua opinião, quem foi o maior lateral-direito do futebol brasileiro?

Rapaz, que pergunta complicada. Nós tivemos grandes laterais no futebol brasileiro, jogadores que eu nem vi jogar, ou se vi, foi pouco e que a gente sabe pela história contada. Como falar de grandes nomes da posição em que joguei sem citar o Djalma Santos e o Carlos Alberto Torres? Eu peguei no final de carreira o Nelinho e o Toninho Baiano, por exemplo, que foram maravilhosos. E o Carlos Alberto, que veio do Joinville, chamado de Mão Branca por nós? Cracaço de bola e que em recente conversa com o Tita, nos lembramos de um golaço que ele marcou na vitória por 4 a 3 contra o Coritiba, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro de 1980. Mas tivemos outros espetaculares como Paulo Roberto, Luís Carlos Winck, Josimar, Cafu, que disputou três finais de Copas do Mundo. Da geração mais atual tivemos dois baitas laterais que foram o Maicon e o Daniel Alves, mas de todos eles, com todo respeito, o Jorginho para mim foi o melhor.

Como foi marcar o Romário iniciando a carreira e você prestes a pendurar as chuteiras na sua?

Enfrentei o Romário no começo da carreira dele e eu já no final da minha, já com problemas acentuados nos meus joelhos. Mas mesmo assim, que eu me lembre, nas vezes em que nos enfrentamos, dei uma única vacilada (risos) quando pisei em falso e fui recuar para o Zé Carlos e ele se antecipou. Como era rápido chegou antes do Zé, deu um balão e fez o gol. Mas era um jogador muito rápido e extremamente inteligente. Mas na época, o mais temido era o Roberto. No entanto, o Baixinho dava trabalho demais. Mas não queria enfrentar esse Romário mais maduro não, e ainda bem que isso não aconteceu. Eu parei antes. (risos).

Qual time você mais gostava de enfrentar? O Zico disse que foi o Botafogo, enquanto o Júnior citou o Vasco.

Eu acho que o Fla-Flu sempre teve a mística de ser charmoso, aquela história de ter surgido 40 minutos antes do nada, como dizia Nelson Rodrigues. Já Botafogo tinha aquela rixa da época do Garrincha e anos depois o 6 a 0 que o Zico pegou muito mais do que eu. Mas o Vasco, foi o clube que eu mais gostava de enfrentar. Recordo do Maracanã lotado, rivalidade e provocações de lado a lado, dois clubes com camisas de peso e tradicionais no futebol, além é claro, dos jogadores maravilhosos que os dois clubes tinham. Nessa eu estou com o Júnior, é o Vasco.

Como surgiu o apelido Peixe Frito?

Certa vez, eu estava de férias, e passou uma pessoa e me viu tomando uma cervejinha e comendo um peixinho numa barraca de um amigo em Cabo Frio. Coisa normal, já que eu estava na praia de férias do Flamengo. Só que essa história chegou aos ouvidos do Waldir Amaral ou Jorge Curi, como se a barraca fosse minha. Aí, começaram a me chamar de Peixe-Frito. E o apelido acabou pegando.

Qual foi sua reação quando foi colocado seu busto na entrada da sede social do Flamengo?


Emocionante demais! Minha família toda lá, meu pais, esposa, filhas, amigos de infância e ali você vê que todo seu esforço valeu a pena. A gente não faz nada pelo Flamengo pensando em algo em troca mas aquela homenagem em vida fica eternizado. Tenho que agradecer aos envolvidos neste busto que foi uma das maiores emoções que eu pude ter na vida (olhos lacrimejados).

Escale para os leitores do Museu da Pelada o Flamengo de todos os tempos.

O Flamengo de todos os tempos é complicado escolher, pois são muitos craques que vestiram a camisa rubro-negra. Agora se for para escolher o time, é o de 1981.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

No início, reuni todos os familiares e ficamos na pousada, por cinco meses. Depois que as coisas foram se normalizando, aos poucos, saíamos apenas o necessário, como fazer compras, por exemplo. Mas estou até sentindo falta dos filhos que moram no Rio, dos tempos que passávamos juntos. Mesmo na pandemia, a oportunidade que tive de reunir todos aqui na pousada mantendo nossos cuidados, com álcool em gel, distanciamento, máscara. Nada de aglomeração.

Jornalistas esportivos de todo o mundo totalizando 140 escolheram o Cafu como o melhor lateral-direito da história do futebol de todos os tempos. Achou justo a escolha?

Cafu é sensacional. Em números, é inquestionável, imbatível, inalcançável. Queria poder um dia apertar a mão dele e lhe parabenizar por tudo o que ele representou para o futebol brasileiro e mundial. Ele é força e perseverança, e tem uma história fantástica.

Defina Leandro em uma única palavra?

Tenho que pensar. Sensível, emotivo (risos), amigo. Essa eu deixo para vocês.

A BOLA, LEANDRO, URI GELLER E ZICO

por Marcos Vinicius Cabral 


A bola, em um esporte onde tudo é relativo, ainda é, possivelmente, a única paixão existente na vida de um jogador de futebol.

Paixão essa que faz garotos irem buscar um sonho a ponto de deixar para trás Cabo Frio, Favela da Praia do Pinto e Quintino.

Mas sempre há algo a mais a se esperar dela e de quem a trate com zelo, antes do apito final do árbitro, que enlutado pela cor de seu uniforme, tem numa das mãos o minuto interrompido. 

Esfera redonda que direciona o caminho que leva cada um de nós, pusilânimes e passionais torcedores ao estádio, onde sorrisos e lágrimas se digladiam no jogo das emoções no campo acinzentado e acimentado das arquibancadas.

Ali, somos crianças e precisamos ser. 

Talvez a bola, seja a cabeça, o jogador o corpo e o torcedor o coração. 

Talvez, quiçá, seja a leveza de uma folha caída da árvore e soprada pelo vento para longe, bem longe.

Quem sabe, esse objeto criado no século IV a.C. por Fu-Hi, um dos governantes da antiga China, seja na sua inocência, mais esplendorosa que o tatalar das borboletas no campo ou o das mariposas em seu giro frenético pelas luzes da cidade.

De uma coisa eu tenho certeza: a bola romantiza e precisa de carinho, precisa de atenção.

Ser carinhoso neste esporte em que o contato físico é frequente, é para poucos.

Ser atencioso, quando todos se preocupam em vencer a partida a qualquer custo na busca desenfreada pelo gol, mais ainda. 

A bola sofre o pior de seu aviltamento, pois há sim, escassez de jogadores que não dão a ela o valor merecido.

Mas o mês de março nos traz à memória alguns carinhosos e atenciosos jogadores que foram ‘gentleman’ com a bola.

Dois deles fazem aniversário hoje: Júlio César Uri Geller, que completa 64 anos, Zico, 67 e  daqui a duas semanas, Leandro, que vai fazer mais um ano de vida, chegando aos 61.


Um, vestiu a camisa 2, e foi ao lado de Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, um dos mais completos laterais da história do futebol brasileiro. 

Tão bom que passou boa parte de sua carreira no ‘Tempo de Bastilha’ com seus joelhos, e mesmo assim, chegou a níveis surpreendentes com os que produziu dentro das quatro linhas.

Vestindo a 3 em seus últimos anos de vida futebolística, saiu de cena contra o Bangu, na derrota por 2 a 1, em Moça Bonita, em 1990.

Foi gigante por natureza.

O outro, eternizou seus dribles e fez de uma tragédia pessoal (o incêndio da Favela da Praia do Pinto onde morava), o combustível para vencer como jogador de futebol.

Com a 11 rubro-negra, ajudou a conquistar o primeiro (1980) dos sete títulos brasileiros do Clube de Regatas do Flamengo. 

Alegre, sempre com um sorriso no rosto quando recebia a bola e partia para cima de seus marcadores, Uri Geller não lembrava nem de longe o menino pobre que vendia amendoim na rua e guardava os carros dos frequentadores do Jockey Club.

Pulou os muros do seu clube de coração para fazer com Adílio, uma das parcerias mais sinceras do mundo da bola.

Hoje não são mais parceiros, pois viraram irmãos. 

Monstro.

Já Zico… ah, o Zico, o Zico foi exemplo de dedicação, de amor à profissão, de companheirismo, de humildade.

Venceu com bravura os maiores desafios da difícil carreira que escolheu para sua vida.

Sim, fez isso com a mesma classe que driblava seus adversários e com a simplicidade de quem sempre buscou o gol.

Com a bola nos pés, foi o arco e a flecha e como a água, havia fluidez ao ultrapassar os obstáculos. 

Nada o parava.

Se despediu do futebol naquela fatídica noite de 06 de fevereiro de 1990 e para muitos rubro-negros apaixonados por esse esporte, um dos maiores camisas 10 do futebol mundial de todos os tempos, deixou um buraco no peito tamanha saudades.

Zico foi grande e sua grandeza o tornou humano demais para se relacionar com as pessoas. 

Sua vitória é ser um ser humano de carne e osso e de ser simples, sua maior (dentre tantas) virtude.

Chamado de bichado pela torcida tricolor em um Fla-Flu, fez três na única vez em que disputou um clássico ao lado do saudoso Dr. Sócrates. 

Xingado, respondia à altura, porém, na bola.

Não foi campeão do mundo pela Seleção, pudera, é bem verdade, mas valorizou Cariocas, Guanabaras, Rios, Brasileiros, Libertadores e o Mundial. 

No mais, qualquer definição que não seja gênio, soa como insanidade e causa irascibilidade em quem teve a chance de vê-lo jogar.

Craques, extrasséries, gênios, ou seja lá o que tenham sido, Leandro, Uri Geller e Zico, nada seriam sem ela: a bola.

Parabéns e muitos anos de vida!

LEANDRO, O CÚMULO DO FUTEBOL ARTE

por Luis Filipe Chateaubriand 


Este texto homenageia o Leandro do Flamengo e da Seleção Brasileira, um dos maiores jogadores de todos os tempos, não só no Brasil, mas no mundo.  

Jogador de técnica absurda, era daqueles que aparava uma bola no ar levantando a perna para o alto, interceptando a bola com o pé no alto, fazendo a bola grudar no pé, descendo a perna até o chão com a bola grudada no pé. 

Naturalmente canhoto, sabia jogar de tal forma com o pé direito que muito julgavam que fosse destro. 

E vice versa.

Consagrado na lateral direita, devido a contusões foi jogar na zaga. Conseguiu o que parecia impossível, jogar ainda mais como zagueiro do que como lateral. 

Aliás, polivalente que era, jogava em diversas posições, seja de defesa, seja de ataque. 

Ao defender, era um Aldair ou um Baresi. Ao criar, era um Carpegiani ou um Modric. Ao atacar, era um Bebeto ou um Littbarski. 

O cara jogava tanto, mas tanto, mas tanto, que a história a seguir é verdadeira. 

No segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro de 1982, em Porto Alegre, o Grêmio estava pressionando o Flamengo. 

Leandro pedia ao goleiro Raul para sair jogando com ele, mas Raul insistia em dar chutões para a frente. 

Leandro encheu tanto a paciência de Raul para este sair jogando com ele que Raul de uma bola toda “quadrada” ao Peixe Frito. 

O ponta gremista Odair veio em cima de Leandro e deu carrinho para tomar a bola.

Leandro, tranquilamente, deu um lençol em Odair, saiu jogando e, quando passou a bola, virou-se para Raul e disse: “Velho, eu jogo pra caral…”. 

Jogava mesmo. Fato!

Por essas e outras, este escriba afirma que Leandro é o jogador de defesa mais completo que viu em atividade, muito embora no meio e no ataque também “tirasse uma onda” responsa.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

A EXCEÇÃO FOI MESMO O LEANDRO

por Zé Roberto Padilha


O calcanhar dos que ocupam a lateral direita, tal como o de Aquiles, tem se mostrado o ponto fraco dos que atuam no futebol brasileiro e mundial. Tão frágil tem se portado seus ocupantes em relação ao resto do time, que Djalma Santos foi eleito o melhor lateral da Copa do Mundo, disputada na Suécia, jogando apenas a partida final. Fico a imaginar a ruindade dos que defenderam seu país, em 1958, atuando naquela posição e perderam a indicação por quem entrou em campo apenas uma vez.

Tão incapaz nosso futebol de revelar um craque por ali que nossos Fagner, com todo respeito, tem cantado melhor do que tem jogado. Fagner, do Corinthians, é triste lembrar, foi nosso titular na última Copa do Mundo. E o Fagner, cantor, que fez 70 anos, encantou outra vez um Viva Rio lotado de fãs. E o tiro de misericórdia na fragilidade da posição acaba de ser dado pelo Tite ao convocar, para os amistosos da seleção, em total desespero, Marcinho, do Botafogo.

Assisto, como todos vocês, filhos, netos que votam no Cartola, quem anda se destacando no atual Campeonato Brasileiro. Muriel, Gerson, Gabigol, Michael, o canhotinho diferente do Atlético Paranaense, tudo bem. Suas atuações saltam aos olhos e todos apostam neles. Mas que jogo foi este do Marcinho que seduziu o Tite que nem meu filho botafoguense, o Guilherme, assistiu? Pelo contrário, já ouvi ecos de “Fora, Marcinho!” aqui em casa e no Engenhão, tão previsíveis tem sido suas exibições.

Carlos Alberto Torres, que era zagueiro, ocupou aquela posição no México porque João Saldanha, em 1969, inovou ao convocar “suas feras”. Pouco importava em que posição atuassem, chamou os melhores e disse que “craques não sentam num banco de reservas”. E se os melhores vestiam a 10, escalou um ataque com os do Santos (Pelé), Cruzeiro (Tostão), Corinthians (Rivelino) e os dois do Botafogo (Gérson e Jairzinho). Era o sistema tático que tinha que se adaptar à genialidade, não o talento se curvar ao 4-3-3 ou 4-2-2.

Deu tão certo que nunca mais tivemos uma seleção tão boa quanto aquela. O capitão até que se saiu bem, deu o tiro de misericórdia na Itália, levantou a taça mas não foi o destaque da posição na competição.

Depois veio o Cafu, que correu muito por aquele setor, fez da lateral direita uma pista de atletismo com barreiras humanas que superava com sua disposição carregando a bola nos pés. Teve seus méritos, bem como Daniel Alves, que veio a seguir mas não resiste quando lhe oferecem uma camisa 10. Que lhe conceda mais liberdade e menos responsabilidade de marcar por aquele setor. A exceção nesta história toda foi mesmo o Leandro.

Ninguém dominou as atribuições ofensivas e defensivas daquele setor como ele. Em 415 jogos pelo Flamengo, onde marcou 14 gols, demonstrou saber marcar com eficiência e atacar com extrema categoria. Convocado por Telê Santana para disputar duas Copas do Mundo, no seu auge, em 1986, foi conhecer a noite mineira com Renato Gaúcho. E chegou tarde à concentração. E o calcanhar direito, seu forte, que deveria lhe ajudar a pular o muro da concentração, falhou e ficou do lado de fora da Toca da Raposa. E ambos foram cortados da seleção.

Com Edson na lateral direita, um outro Fagner tão fiel às suas limitações, não passamos das quartas de final eliminados pela França. A história, implacável, diz que Aquiles, e quem mais fosse vestir a camisa 2, seriam banhados e protegidos pela Deusa Tétis nas água do rio Etige. E apenas o calcanhar direito, e os ocupantes da lateral direita, ficariam do lado de fora.

Agora, só nos resta marcar um amistoso contra a Grécia. E banhar a cabeça do Tite que também esqueceram do lado de fora.