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Joel

JOEL, O MELHOR PONTA-DIREITA DA HISTÓRIA DO MENGÃO

por André Felipe de Lima


E pensar que um dia, levado pelo irmão João, Joel quase iniciou a carreira no Vasco. Não o fez por um motivo torpe: ao tentar um gol de letra durante o teste em São Januário, teria humilhado ninguém menos que o goleiro Barbosa. Nunca mais retornou ao clube da Colina. O jovem poderia ter desistido de tudo após o decepcionante desfecho com o Vasco. Mas não. Quis seguir adiante. Sabia que algo bom o destino lhe reservara. Se um dia chove, no outro reluz o sol. Esse clichê, diria Nelson Rodrigues, é “batata”.

Em 1951, ainda juvenil, Joel começou a mostrar o seu valor.  O Botafogo, clube onde iniciou a carreira em 1948, e o Flamengo travaram uma belicosa batalha pelo passe do rapaz. O embate era um prato cheio para a imprensa da época, que estampava manchetes sobre os porquês de uma briga pelo passe de um garoto que consistia apenas em uma “promessa de craque”. Questionamento que o cronista Geraldo Romualdo da Silva fazia constantemente: “Por causa de um moço calmo, não ainda um nome feito em sua promissora esportiva, pelejam ardentemente, tenazmente, demagogicamente, furiosamente, dois grandes clubes. Dois clubes. Dois clubes que deveriam constituir poderosos alicerces morais de um regime. Dois clubes que juntos, sinceramente unidos e sinceramente entendidos, muito poderiam fazer pela boa causa e pela causa justa do futebol nacional”.

Na mesma crônica, Geraldo Romualdo da Silva cita o que o primeiro técnico de Joel no Botafogo, Newton Cardoso, dissera sobre a “promessa” de craque: “Pra que negar? É um craque de extraordinário futuro! Tão bom é que já havia ultrapassado a categoria de aspirantes, numa idade em que não é comum o aproveitamento de aspirantes nos quadros efetivos dos chamados grandes clubes. Dos clubes que só gostam de craques feitos. Este ano Joel deveria ser o nosso ponteiro titular, pela alta capacidade demonstrada nos amistosos que disputou no Rio Grande, Porto Alegre, Pelotas e Bagé, quatro ao todo, dois em Pelotas, um em Bagé e um em Porto Alegre — além de mais dois que cumpriu em São Paulo — um contra o Corinthians e um contra o Santos”.

Veja o que o craque Geninho, do Botafogo, achava do então menino Joel ao vê-lo reluzente em campo: “Craque inato, de clara percepção nos lances, talentoso e extremamente valente a despeito da idade e do físico um pouco frágil. Tinha um maravilhoso futuro pela frente [nota: no Botafogo]. Acredito que ainda o tenha e torcerei para que triunfe. Mas se por ventura não chegar ao que promete, culpa não será somente sua, e sim, acima de tudo, de quem o conduziu pelos tortuosos caminhos do escândalo”. Escândalo esse a que se refere Geninho a briga de bastidores pouco, muito pouco, ortodoxa, entre cartolas dos dois clubes para ter o garoto. Ou seja, não é primazia do século 21, a briga de foice entre os clubes por jovens talentos.


Interessante reportagem de Alfredo Curvelo mostrava a preocupação da imprensa com o “Caso Joel” e as consequências que tal disputa poderia provocar na relação entre os clubes de futebol dali em diante. “Joel, na qualidade de amador, menor, vítima inclusive da modalidade com que lhe poderiam ter deformado a condição de amador, tinha e tem o direito de ficar onde está ou transferir-se para onde bem quiser. O tribunal equivocou-se na recusa ao reconhecimento desse direito que lhe conferem as leis desportivas, mesmo conhecida a situação, de fato, do dinheiro recebido, no que não existe exceção, sabendo-se que a própria Federação assim o premiara como premiara os seus outros companheiros de seleção. Contrato não se conhece entre o jogador e o seu clube de origem e o contrato é condição essencial para que se reconheça a condição de profissional.”

O passe do ponta-direita acabou comprado por Alberto Borgerth, então presidente do rubro-negro, que pagou 100 mil cruzeiros, uma quantia elevada e comparada a um carro de luxo. Carlito Rocha, que presidia o Botafogo, enfureceu-se com o assédio e levou o caso às raias da justiça. Em vão, porém.

Em 1951, o Botafogo perdera Joel, que estreara no profissional no dia 2 de outubro de 1950, em uma derrota por 2 a 1 do Botafogo para o São Cristóvão, no campo da rua Figueira de Melo. A certeza de Carlito Rocha de que deveria mantê-lo aconteceu em um torneio realizado em Porto Alegre, do qual o Botafogo saiu campeão e Joel, o grande nome da competição.

Batizado Joel Antônio Martins, o ex-craque nasceu no dia 23 de novembro de 1931, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na rua Andrade Pertence, no bairro do Catete. Filho de José Antônio Martins e de Deolinda de Almeida Martins, Joel teve dois irmão mais velhos que também jogavam futebol. O mais velho, José, defendeu os juvenis do Fluminense. Parou logo. O do meio, João, iniciou no Flu e chegou a jogar entre os profissionais do Vasco. O pai não os queria como jogadores. Definia futebol como “um esporte estúpido”. O quiproquó entre Flamengo e Botafogo pelo passe de Joel por pouco não o retirou dos gramados. Seu José não gostava da dimensão que o assunto ganhou na imprensa. O próprio Joel ameaçou desistir da carreira. Pediu 30 mil cruzeiros ao Botafogo, que não o atendeu, mas também não quis liberá-lo. Como ainda era amador, tentou a transferência para o Flamengo via Tamoio de São Gonçalo. Foi o estopim para a crise do Alvinegro com craque.

E que grande craque. Ponta na melhor das definições, Joel sabia driblar e cruzar com perfeição, além de ser bastante veloz. Aliando estas características, ajudou o Mengão a ser tricampeão do Rio de Janeiro, em 1953,54 e 55. Ao lado de Rubens, Índio, Evaristo de Macedo e Zagallo formou um dos melhores ataques da história do time rubro-negro. Logo foi convocado para a seleção brasileira.

Enquanto isso, em General Severiano, um ponta-direita com pernas tortas e apelido de passarinho chegava do interior do Rio para tentar a sorte no futebol. Seu nome? Manoel dos Santos, também conhecido como Garrincha. A sete que seria de Joel foi parar no corpo de Mané.

Joel e Garrincha foram convocados para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia.  Era o titular até o técnico Vicente Feola barrá-lo e em seu lugar escalar Garrincha. Com a camisa da seleção, Joel atuou em 15 partidas. Foram 10 vitórias, três empates e quatro gols.


Joel também defendeu o Valencia, da Espanha, entre 1958 e 1961, ano em que voltou para o Flamengo. Pelo clube da Gávea, disputou 404 jogos, venceu 244, empatou 74 e marcou 115 gols. A estreia do craque foi na derrota de 1 a 0 em um Fla-Flu, no dia 14 de outubro de 1963. A despedida, em um empate cujo placar foi 0 a 0, com CCA Rostov, da Rússia, no dia 28 de maio de 1963. Joel jogou ainda pelo Vitória, de 1963 a 1964, ano em que foi campeão baiano.

O ex-ponta Joel, já em fim de carreira, sofreu uma humilhação do então treinador Flávio Costa, exatamente no dia 15 de dezembro de 1962, a poucas horas do jogo decisivo entre Flamengo e Botafogo. A caminho do estádio do Maracanã, Costa, segundo o cronista Roberto Porto, teria mandando parar o ônibus da delegação rubro-negra na Praia do Flamengo, na rua Silveira Martins, e supostamente disse a Joel: “Pode descer aqui que você não vai jogar”. O jovem ponta Espanhol foi escalado no lugar de Joel. Gérson, de forma equivocada, foi deslocado para a ponta-esquerda para marcar Garrincha e o Botafogo deu um passeio e saiu de campo campeão. 

Joel chegou ao Botafogo por intermédio do irmão João, que o apresentou a Newton Cardoso, que dirigiu João no Fluminense e estava, naquele momento, em 1948, no Botafogo. O início nos juvenis não foi tão fácil devido às brincadeiras de Dino da Costa, que depois tornou-se seu grande amigo. Joel apresentava um corte no lábio que provocava afonia. Dino o apelidou de “Choeim” e de “Cobrinha”. Durante uma partida inteira o chamava pelo apelido. “Felizmente nunca soube [referindo-se a Dino] o verdadeiro sentido da palavra complexo”. Mas Joel e Dino eram grandes amigos. Subiram juntos para os profissionais.

Após pendurar as chuteiras, foi treinador, principalmente das divisões de base do Flamengo. Morreu no dia 1º de janeiro de 2003, uma quarta-feira. Embora sofresse de problemas gastrointestinais, Joel faleceu após uma parada cardíaca. O corpo do ex-jogador foi enterrado no cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio.

VÍDEO/ JOEL, O MELHOR PONTA-DIREITA DA HISTÓRIA DO FLAMENGO