Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Guerrero

ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM

por Zé Roberto Padilha


Quem o julgou, Guerrero, não sabe o que faz
Impedir um menino simples e talentoso
Criado em um país humilde das Américas
Ter o direito de passar toda uma vida lutando
Para realizar seu sonho de criança
Que é jogar uma Copa do Mundo

Difícil para eles, os sabidos, filhos dos sabidos
Procriados nos primórdios das Américas, enviados à Coimbra
Enquanto os colonizados sofriam e pagavam impostos à matriz
Não convidados ao açoite, poupados ao submisso
Entender o que é ter um filho seu, nativo, sobrevivente e excluído
Ser convocado a jogar uma Copa do Mundo

Porque seus filhos, os filhos das elites
Tiveram acesso aos melhores salões, as mais belas cortesãs, cargos de chefia
Os melhores brinquedos
Do autorama ao videogame, de ultima geração
A serem escolhidos por méritos, conquistas pessoais, gols marcados
Não acordos escusos, indicações, bocadas, fisiologismos

Ao não terem como única opção, à sua disposição
Apenas um campo de terra batida, no Peru, Argentina ou Vila Maria
Uma bola de futebol, como única diversão
Jamais aos seus rebentos fora permitido uma topada sobre pés descalços,
Numa pelada a céu aberto, pois estes calçariam mais tarde, na posse, 
Mocassins italianos pela manutenção da ordem e sobrevida
De suas eternas oligarquias


Essa semana, a FIFA acabou de impedir, no alto do seu poder absolutista
Que a arte de um exímio artista, seu raro domínio sobre os quiques
E o rumo da razão maior de toda a festa do futebol
A bola de futebol bonita, colorida e atrevida, 
Que aos poucos foi cedendo seu encanto, sua magia e empatia
A quem melhor aprendeu, como Paolo Guerrero,
A alinhá-la nas redes que perseguia, seu alvo, sua razão maior de existir

Para eles, Guerrero, que estudaram Direito desde cedo para serem justos
Mas precisam ser justos apenas com os seus e consigo mesmo
O chá de coca que você toma, desde menino, virou cocaína na festa deles
E acaba de estragar a festa do seu povo, peruano
E outra festa da sua nação, rubro-negra
Apenas porque o mundo é sempre injusto com o sul da América
E incapaz de reconhecer o valor dos seus heróis e guerreiros.

Eles não sabem o que fazem, e o artista da festa que estão perdendo.

TRIBUNAIS DE PADARIA

por Zé Roberto Padilha


Em 5 de outubro de 2017, Paolo Guerero, jogador de futebol, então gripado, utilizou uma medicação para melhorar sua respiração. E ganhar fôlego para enfrentar a Argentina em busca da classificação do seu país, o Peru, para a próxima Copa do Mundo de Futebol. Jogo decisivo, segundo ele, não poderia lhe faltar uma só partícula de oxigênio parta lutar pelo seu país.

Em outubro de 2009, na Dinamarca, segundo o jornal Le Monde, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, recebeu a propina de 1 milhão de euros pela compra de votos para a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Segundo Nuzman, que não estava gripado, não poderia faltar um só corrupto a ser comprado para não perdermos esta oportunidade única de receber a festa maior do esporte. “Custe o que custar!”, afirmou.


Guerrero, que vive dos seus salários e gratificações, queria apenas, segundo ele, respirar melhor. Já Nuzman, que violou os desígnios olímpicos pregados pelo Barão de Cobertin, segundo a imprensa, e leva uma vida abastada acima dos seus rendimentos, não quis se pronunciar. Mas enquanto um acaba de ser condenado em um café da manhã na padaria ao lado (“Certamente era cocaína, disse um torcedor!”; “Logo desconfiei de tanta luta e correria”, afirmou um vascaíno), o outro, embora preso preventivamente, foi solto porque quem se interessa, nos bares e nas esquinas do nosso país, pelos rumos do vôlei, basquete, handebol, judô e natação?

Somos latinos e passionais. Capazes de convocar às pressas, nas cadeiras de uma padaria, uma sessão extraordinária para julgar um jogador de futebol. E esperar, passivamente, quatro anos para que a chama olímpica seja acesa, ilumine nossa consciência e exija exames de fezes, porque urina é pouco, dos nossos dirigentes esportivos. A questão é: quem fez falta, anteontem, no comando de um ataque para dar orgulho, não vergonha, a uma nação? Paolo Guerrero ou Carlos Nuzman?