Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Geral

AS SAUDOSAS MANHÃS DE DOMINGO NO CAMPEONATO ITALIANO

por André Luiz Pereira Nunes


por André Luiz Pereira Nunes

Durante a década de 80, o Campeonato Italiano era a mais valiosa competição do futebol mundial. Para se ter uma ideia, em 1989, três times do País da Bota venceram os torneios mais importantes do Velho Continente. O Milan ganhou a Copa da Europa (hoje Champions League), a Juventus bateu a Fiorentina na final da Copa da UEFA (hoje Liga Europa), enquanto a Sampdoria arrematou a extinta Recopa, que era disputada entre os vencedores das Copas da UEFA e Europa.

Não só era o mais glamuroso certame, como ainda atraía os melhores e mais valorizados jogadores do planeta e, obviamente, o maior número de telespectadores e admiradores do mundo inteiro. Por conta disso, foi o primeiro campeonato internacional a despertar o interesse do público brasileiro.

A Globo, em 1984, uma única vez, transmitiu os jogos da competição depois de tentativas anteriores da Bandeirantes.. Era a temporada em que Falcão já desfilava seu refinado talento pelo principal time da capital, ganhando inclusive o título de “Rei de Roma”. Na época seus principais rivais eram o francês Michel Platini (Juventus), Zico (Udinese), Maradona (Napoli), Sócrates (Fiorentina) e Rummenigge (Inter de Milão). O campeão foi o valente Verona, do dinamarquês Elkjaer-Larssen, que dois anos depois seria um dos destaques da Dinamarca, apelidada Dinamáquina, na Copa do México. Curiosamente, Elkjaer também se notabilizou pela coluna de uma revista erótica em seu país. 

Nos anos seguintes, a TV Bandeirantes assumiu com força as veiculações esportivas através da extensa faixa dominical conhecida como “Show do Esporte”. Na época, grandes nomes como Luciano do Valle, Jota Júnior, Sílvio Luiz, Juarez Soares, Ely Coimbra, Januário de Oliveira, Alexandre Santos e Marco Antônio Matos davam o tom nas jornadas históricas do “Canal do Esporte”.

Egresso da Globo, após a Copa de 82, Luciano do Valle tentava viabilizar uma grade de esportes na televisão aberta. Após tentar sem sucesso o seu empreendimento na Record, encontraria as portas abertas na Bandeirantes para realizar o seu intento. No que tange ao Campeonato Italiano, ficaram famosas as transmissões conduzidas pela irreverência de Sílvio Luiz, o qual era brilhantemente acompanhado pelos comentários de Silvio Lancelotti, notável chef de cozinha, que detinha muito conhecimento acerca dos times e atletas italianos. Já, Giovanni Bruno, um dos mais simpáticos e aclamados donos de restaurante de São Paulo, eventualmente também comparecia ao estúdio e, com seu belo e típico sotaque, conferia ainda mais qualidade ao espetáculo.

Com o advento da TV por assinatura, as partidas passaram a ser transmitidas em até 4 canais. Incrivelmente, em apenas um final de semana existia a chance de se assistir a até 5 jogos ao vivo da Série A e até da Série B. Porém, mesmo  dispondo do conforto do streaming, canais fechados e das redes sociais, as transmissões matinais de Luciano do Valle e Sílvio Luiz jamais serão esquecidas. Eram memoráveis os clássicos como o Napoli, de Careca, Alemão e Maradona defrontando o magnífico trio holandês do Milan, composto por Gullit, Van Basten e Rijkaard.

O MELHOR QUE EU VI

por Paulo Roberto Melo


Eu nasci em março de 1966. Por força dessa data, posso dizer que sou do tempo dos Beatles. Não posso dizer, no entanto, que acompanhei o quarteto de Liverpool, afinal, eu tinha apenas quatro anos quando eles decidiram se separar e só fui apresentado aos seus clássicos pelo meu irmão, alguns anos mais tarde.

Por assim dizer, também sou do tempo em que Pelé desfilava seu reinado pelos gramados do mundo, mas, infelizmente, não o vi jogar. Minha noção real de futebol começou a tomar forma quando eu tinha dez anos e, nessa época, os desfiles do Rei aconteciam nos gramados sintéticos dos Estados Unidos e sem a mídia que temos hoje, o soccer da terra do Tio Sam (porque para esses doidos, football, apesar do nome, é um esporte jogado com as mãos, o que nós aqui chamamos de… futebol americano),bem, eu dizia, o tal de soccer era um quase nada que nem passava na televisão.

Mesmo não tendo visto Pelé jogar, acredito e concordo de que se trata do maior jogador de futebol de todos os tempos. Os relatos, as crônicas e os vídeos me convenceram disso há muito tempo. Mas meus olhos, coitados, não viram Pelé jogar e o título deste texto é “O melhor que eu vi”. Então, é… hum… o que eu quero dizer é que, ainda que seja um vascaíno de boa cepa, o melhor jogador que vi jogar foi o… Zico!

Tanto tempo depois da aposentadoria do Galinho, essa declaração pode ser feita hoje tranquilamente, mas, olha, nem sempre foi assim. Tendo nascido e vivido em uma casa vascaína com certeza,houve época em que tal afeto podia ser comparado ao beijo de Judas em Jesus, ao romance proibido de Romeu e Julieta, ou a delação de Joaquim Silvério dos Reis. Traição em último grau. Mas, se é verdade que quem tem um bom advogado tem tudo, Renato Russo diria em minha defesa:“quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

A verdade é que sou um vascaíno convicto, mas sou também um apaixonado pelo futebol bem jogado, o que significa dizer: com talento, habilidade, raça, dribles, lançamentos e gols, muitos gols. Quem em sua sã consciência pode dizer que essa não é uma perfeita definição do jogo do Zico? É claro que sofri vendo-o fazer gols contra o Vasco, mas esse sofrimento foi ficando menor, à medida em que fui entendendo que em um jogo, assim como na vida, se ganha e se perde e depois tudo vira história.

Em 1982, pelo campeonato brasileiro, houve um Flamengo x Guarani, em Campinas, que foi transmitido pela TV. O Guarani tinha um timaço, com Careca e Jorge Mendonça jogando muito! Sobre esse jogo, convém lembrar que o bairrismo, hoje diluído por causa do êxodo dos craques, naquela época era bem mais acentuado. Vários jogadores cariocas sofreram com vaias intensas durante jogos inteiros, em São Paulo, mesmo jogando pela seleção, casos de Paulo César Caju e Roberto Dinamite, por exemplo. Com isso, quase dez anos depois de ter aparecido para o futebol e apesar de contar com uma profusão de gols e de conquistas Brasil e mundo afora, orquestrados pela imprensa de São Paulo, as torcidas de lá diziam que o Zico era jogador só de Maracanã. Ou seja, o Galo ia ter que provar mais uma vez que eles estavam errados. Pois bem, então, naquela noite de quinta feira, o Brinco de Ouro da Princesa virou Estádio Mário Filho. O Flamengo venceu por 3×2, com três gols do Zico, que eu considero a maior atuação de um jogador em uma partida de futebol. Foi incrível!

Mais tarde, vendo o Zico jogar pelo modesto Udinese, da Itália, nas manhãs de domingo, pela TV Bandeirantes, o Brasil inteiro pôde constatar, inclusive as hostes inimigas, o que um craque como ele podia fazer contra adversários do quilate de Maradona, Platini, Falcão e outros, que jogavam em times muito mais fortes que o dele e em condições atmosféricas completamente desfavoráveis para um atleta brasileiro (e carioca).


Com o pessoal lá de casa, aliás, acontecia uma coisa engraçada. Parecia aquele negócio de filho bagunceiro: é verdade, mas ninguém pode falar do garoto, só os da família. Para meu pai e meus irmãos, o Zico só fazia gol de pênalti ou na banheira, mas diante da perseguição da imprensa de fora do Rio ou quando ele sofreu aquela entrada criminosa de um zagueiro do Bangu que quase o inutilizou para o futebol, os protestos foram unânimes e veementes. Nem aquele lance infeliz do pênalti contra a França na Copa de 1986 foi capaz de manchar minimamente a sua reputação de craque. Nada mais justo. Somos vascaínos, mas gostamos de futebol – ou melhor, somos vascaínos, por isso gostamos de futebol.

Claro, não posso deixar de dizer que o ápice da minha admiração aconteceu em 1993, quando ele aceitou jogar com a camisa do Vasco, na despedida do Roberto Dinamite. Sim, eu estava no Maracanã naquele jogo contra o Deportivo La Coruña. A derrota do Vasco para um time que na época era mais forte não significou nada. Grande mesmo foi ver eternos rivais que sempre se respeitaram, jogando juntos como amigos.

Ah, Zico, só você para me fazer sentir saudade e alívio, tudo junto.

Num tempo em que há por aí tantas “estrelas” milionárias supervalorizadas pela mídia, eu me lembro de uma coisa que o meu pai dizia, se não me engano falando do Ademir Queixada e parafraseando o profeta João Batista sobre as sandálias de Jesus: nenhum deles serviria sequer para amarrar as chuteiras do Zico.

Triste Copa: o Zico disputou três e não ganhou nenhuma – mas foi o melhor que eu vi jogar.

Tristes gerações Y e Z que não viram: há trinta anos, o Zico parou de jogar e continua sendo o melhor que eu vi.

Resumindo: o Dinamite foi o maior ídolo; o Zico, o maior craque.

E o seu maior craque, quem foi?

A propósito, mesmo sem ter visto os Beatles, eu declaro: eles são os melhores! Mas isso é papo para uma outra conversa.

BOTARAM FOGO NO CHUCRUTE DELES

por Pedro Barcelos


Matéria de capa do Jornal “A Noite”,

No último domingo, o mundo do futebol parou para assistir a final da Champions League. Ganhou o melhor time. Nenhuma surpresa para aqueles que acompanham o futebol do Bayern nos últimos anos. No entanto, o que pouca gente lembra é que o mesmo Bayern só despontou no esporte depois de duas aulas alvinegras. São dois episódios que nós, que batemos, pouco recordamos. Já eles…

O primeiro baile foi em 26 de maio de 1961, em Munique. O Botafogo esmagou um combinado do T.S.V. 1860 e do Bayern, chamado na época de “Seleção da Baviera”. Amarildo precisou de 11 minutos para marcar dois gols e adiantar a vitória botafoguense. O adversário tentou reagir, mas Garrincha e Amoroso fecharam o placar.

O Santos de Pelé já havia jogado em Munique em duas ocasiões, ambas com vitórias, mas os bávaros gostaram mesmo foi do Botafogo. Em matéria do jornal “A Noite”, podemos ver que os alemães “apontavam o Botafogo como equipe superior ao Santos” e que Garrincha era “o melhor jogador que jamais passou por aquela cidade”. Eu, apenas um torcedor de videoteipe, prefiro não argumentar sobre essas discussões e acreditar nos compatriotas do Einstein. 

Dizem que no final daquele jogo, Garrincha perguntou se os alemães estavam com o chucrute assado. Se essa história é verdade ou folclore, nunca saberemos. Fato é que Amarildo substituiu Pelé na Copa de 1962 e, junto com seus colegas de time, levou o Brasil ao seu segundo título mundial. Botafogo e Bayern demoraram 11 anos para se reencontrarem, tempo suficiente para as duas equipes estarem em situações completamente diferentes. O Bayern, depois da primeira aula, começava a crescer, sendo campeão alemão pela primeira vez em 1969. Já o Botafogo, repleto de problemas internos e com horizonte nebuloso, ficava cada vez mais distante dos títulos que se acostumou a ganhar.

Em 1972, o Botafogo foi convidado para participar do tradicional Torneio Ramón de Carranza. Não seria uma edição qualquer. Aquela foi a única edição, em 64 anos de história, que apenas um time espanhol jogou (normalmente eram dois clubes espanhóis e dois estrangeiros). Os organizadores se esforçaram ao máximo para levar boas equipes atéCádiz. A equipe anfitriã (Athletic Bilbao) receberia o Benfica de Eusébio, o Botafogo de Jairzinho e o Bayern de Beckenbauer. Possivelmente as melhores equipes mundiais da época. 


Eusébio e Beckenbauer em 1972

O Benfica era a base da seleção portuguesa, time que havia surpreendido o mundo na Copa da Inglaterra, ficando em terceiro lugar e eliminando o time bicampeão (Brasil). O Bayern era praticamente a seleção da Alemanha que havia conquistado a Eurocopa apenas dois meses antes e que tinha ficado em terceiro lugar na Copa de 70, após perder para a Itália em um dos maiores jogos de todos os tempos. Esses seriam os dois adversários do Botafogo naquele final de agosto.


Beckenbauer voando baixo em 1972

O Botafogo, por sua vez, já não era mais a base da seleção nacional, como em 1961. As convocações do Brasil estavam mais pulverizadas entre os clubes, mas mesmo assim ainda contávamos com jogadores excelentes, tais quais Wendell, Brito, Marinho Chagas (estreando no time), Nei Conceição, Carlos Roberto, Jairzinho, Fisher e Roberto Miranda. No entanto, duas grandes questões teriam que serresolvidas: o cansaço e o treinador, Tim.

O Botafogo chegou ao local do torneio na véspera do jogo contra o Benfica após 23 horas de viagem. Para piorar, o hotel era muito tumultuado. O movimento era tanto que até Vavá, que na época treinava um time da segunda divisão espanhola, visitou os jogadores alvinegros no hotel com dicas sobre o adversário. Pelo visto as dicas não foram muito boas e o Botafogo tomou 3 gols dos portugueses. Aquela foi a gota d’água para o crescente desentendimento entre Tim e o elenco. 

Assim que a partida acabou, os jogadores se juntaram para criticar o Tim. Reclamavam das suas escolhas táticas e pediam o óbvio: fechar o time na defesa e explorar a velocidade de Zequinha e Jairzinho no ataque. Não tinha erro. A briga cresceu tanto que até Vavá, que pouco tinha a ver com aquilo tudo, resolveu se meter a falar que o time era lento, desentrosado e ultrapassado.  


Zequinha e Marinho Chagas peloBotafogo

Tim podia ser muita coisa, mas calmo e humilde não eram algumas de suas virtudes. No dia seguinte, não teve o mínimo pudor de ir até Paulo César Pereira, jornalista histórico do Jornal dos Sports, reclamar dos jogadores, dos dirigentes e do clube inteiro. “O Botafogo é o clube mais liberal do mundo. Lá os jogadores são vedetes. Existe até hippies no elenco e os dirigentes não tomam nenhuma atitude contra isso. Sou técnico e não tenho que ficar me preocupando com detalhes disciplinares. Agora, de esquemas eu conheço mais do que qualquer um”.

Enquanto isso, o Athletic Bilbao vencia o Bayern por 4 a 3. Os anfitriões jogariam pelo título contra o Benfica, enquanto o Botafogo enfrentaria os bávaros para a disputa de terceiro lugar. Se existia ambiente pior para aquele jogo, o Botafogo desconhecia. A solução encontrada provavelmente desagradou Tim, mas quem levou a pior não foi ele. 


Gerd Müller com o primeiro troféu do tricampeonato da Bundesliga

Os jogadores botafoguenses, cascudos de competições internacionais, se juntaram, ignoraram as exigênciasdo treinador e organizaram seu próprio esquema tático. Jairzinho, com problemas no rim, não entraria em campo. Naquele 27 de agosto de 1972, o Botafogo foi escalado com Wendell, Edmilson, Brito, Valtencir (c) e Marinho; Carlos Roberto e Nei; Zequinha, Fischer, Roberto e Dorinho. O Bayern escalou todos os seus craques: Sepp Mayer, Paul Breitner, Franz Beckenbauer e Gerd Müller, artilheiro da Copa de 70. Dois baitas times.

O jogo começou acelerado e com apenas dois minutos, Fisher abriu o placar. Aos 30, Roberto entrou, literalmente, com bola e tudo. Müller descontou no final do primeiro tempo e empatou na metade da segunda etapa. Foi aí que a chave virou e o Botafogo cresceu na partida.


Chamada da matéria na capa Do Jornal dos Sports

Jairzinho, no banco de reservas, praticamente obrigou que Tim sacasse Fisher e colocasse Ferreti para jogar. O primeiro já não tinha velocidade para os contra-ataques e aquela seria a única possiblidade de vitória. Na primeira bola que Ferreti recebeu: gol. Aos 40 do segundo tempo, mais um gol dele, dessa vez driblando o excelente goleiro alemão e sendo aplaudido de pé pelos torcedores espanhóis. Sandro Moreyra, no JB, descreveu que “O Bayern se desesperou”.Normal, quando um time igual ao Botafogo se unia daquele jeito, era difícil o adversário entender o que estava acontecendo. Não tinha pra ninguém.

A crônica esportiva mundial foi ao delírio com aquele baile. Carlos Roberto não deixou Beckenbauer encostar na bola. Nei Conceição, com mais liberdade do que nas apresentações anteriores, brincou. Brito teve certo trabalho com Müller, mas o alemão jamais esqueceria daqueles pontapés. Roberto coordenou o ataque na ausência do Jairzinho. Fisher deixou até o FGTS em campo e Ferreti foi o craque do jogo (20 minutos e dois gols).


Botafogo em destaque no jornal “El Mundo Desportivo”, de Barcelona

Depois daquele dia, o futebol do Bayern nunca mais foi omesmo. O time ganharia a Champions League por três edições consecutivas (de 1973 a 1976), se consolidando no cenário europeu como referência de trabalho de equipe e frieza. Nenhum jornal do mundo, nunca mais, usou a expressão “desespero” na mesma sentença que “Bayern de Munique”. E aquele time ainda foi a base da Alemanha campeã do mundo em 1974. 


Gerd Müller e Franz Beckenbauer pelo Bayern

Beckenbauer continuou admirando o Botafogo e dizendo ser torcedor do clube, tanto que o parabenizou pela conquista da Taça Guanabara em 2013. Outra figura de Munique que também jamais esqueceu o Botafogo foi o cineasta Werner Herzog, que tinha apenas 18 anos quando viu o show de Amarildo em 1961.

Mas nada disso é comparável com a sequência do Botafogonaquela temporada de 1972, talvez o último grande ano do Botafogo naquela década. Nem mesmo o torcedor mais otimista conseguiria prever o feito dos meses seguintes. Assim que o time retornou da Europa, Leônidas assumiu o comando no lugar de Tim, levando o Botafogo ao vice-campeonato nacional. Porém, o que os alvinegros jamais esquecerão será daquele 15 de novembro de 1972, quando Jairzinho, Fisher e Ferreti, já cansados de assar chucrutes, resolveram botar fogo em outro lugar.

JUIZ PERDE A CONTA E SANTOS PERDE METADE DO TÍTULO PAULISTA

por Gabriel Santana, do Centro de Memória


Os 116 156 pagantes, um recorde no futebol paulista, presenciaram no dia 26 de agosto de 1973 o Santos ser campeão paulista pela décima terceira vez e viram um erro de arbitragem que ficou marcado na história do futebol.

Para chegar até a decisão diante da Portuguesa de Desportos, o time santista foi campeão invicto do primeiro turno, acumulando oito vitórias e três empates, assinalando 23 gols e sofrendo outros cinco. Destaque para as goleadas de 6 a 0 diante do Juventus da Moóca e de 5 a 1 contra a Ponte Preta. Já no segundo turno, o time luso sagrou-se campeão.

Na grande, no Estádio do Morumbi, o Peixe foi escalado pelo técnico Pepe, o Canhão da Vila, com Cejas, Zé Carlos, Carlos Alberto, Vicente e Turcão; Clodoaldo e Léo Oliveira; Jair da Costa (Brecha), Euzébio, Pelé e Edu.

A Portuguesa, comandada pelo experiente Otto Glória, entrou em campo com Zecão, Cardoso, Pescuma, Calegari e Isidoro; Badeco e Basílio; Xaxá, Enéas (depois Tatá), Cabinho e Wilsinho, escalada pelo experiente Otto Glória.

Tanto o público já citado, de 116 156 pessoas , quanto a renda, de 1,5 milhão de cruzeiros, foram recordes no Estado de São Paulo, superando a final do Paulista de 1971, em que o São Paulo bateu o Palmeiras por 1 a 0 diante de 103 887 torcedores e renda de  913 196 cruzeiros.

Santos no ataque 

A partida iniciou com o Santos tentando marcar um gol rapidamente. O Alvinegro dominou a partida e foi muito mais ofensivo que o time da capital. O Rei Pelé mandou três bolas na trave, mas o placar insistiu em permanecer 0 a 0 e o jogo foi para a prorrogação.

No tempo extra a Portuguesa equilibrou a partida e teve uma grande oportunidade no finzinho, com Basílio, mas Cejas conseguiu defender. Com a falta de gols, a partida se encaminhou para a decisão por penalidades.

Os cinco cobradores escolhidos do Santos foram Zé Carlos, Carlos Alberto, Edu, Pelé e Léo Oliveira. Os da Portuguesa, Isidoro, Calegari Wilsinho, Basílio e Tatá.

Zé Carlos bateu primeiro e o goleiro Zecão fez grande defesa. Isidoro inaugurou as cobranças da Portuguesa e Cejas manteve o 0 a 0 no placar, saltando para tirar a bola do ângulo.

Enfim a rede balançou na tarde daquele domingo. Carlos Alberto colocou no canto esquerdo, rasteiro, e fez 1 a 0. Calegari chutou fraco, no canto direito, e  Cejas fez mais uma defesa.

Edu fez 2 a 0 para o Peixe após cobrar com violência, no lado direito, e a Portuguesa errou seu terceiro pênalti quando Wilsinho acertou o travessão. Após esse terceiro erro do time paulistano, o goleiro Cejas começou a vibrar e contagiou seus companheiros e a torcida. Empolgado com a comemoração do time santista, o árbitro Armando Marques encerrou a partida, declarando o Alvinegro campeão.

Mas cada equipe havia cobrado três penalidades, portanto, restavam ainda duas cobranças para cada lado. Se o Santos errasse as duas e a Portuguesa acertasse as suas duas, a decisão ficaria empatada em 2 a 2.

O erro não foi identificado por nenhum atleta ou dirigente, e o Peixe comemorou o título como legítimo campeão. Já no vestiário a diretoria da Portuguesa foi alertada e antes que obrigassem a equipe a voltar ao campo, a delegação da Lusa rapidamente entrou no ônibus e seguiu em direção ao Canindé.

Erro matemático?

Ao sair do Morumbi, acusado de ter cometido um “erro de direito”, Armando Marques se justificou:

Não foi um erro de direito. Foi um erro matemático. Pensei que o Santos tinha uma vantagem matemática insuperável sobre a Portuguesa. A culpa foi toda minha. 

Cogitou-se marcar uma nova partida, mas três dias depois já começaria o Campeonato Brasileiro. A Portuguesa também ameaçou pedir a anulação do jogo. Sem datas para uma nova decisão, os dirigentes dos clubes e o presidente da Federação Paulista de Futebol, José Ermírio de Morais, decidiram lá mesmo nos vestiários a divisão do título.

Armando Marques teve seu erro “matemático”, mas a verdade é que as chances matemáticas do time santista perder a decisão por pênaltis, se ela continuasse, eram baixíssimas. Os dois batedores restantes do Peixe eram Pelé e Léo Oliveira. O Rei tinha um aproveitamento excelente em pênaltis, e Léo Oliveira era o cobrador oficial. Ambos teriam que perder seus pênaltis, e Basílio e Tatá teriam que superar Cejas, que já havia defendido duas cobranças.

Portanto, Santos e Portuguesa foram os campeões paulistas em 1973, repetindo o ano de 1935, quando ambas as equipes também foram campeãs paulistas, mas cada uma por uma liga diferente: o Santos pela Liga Paulista de Futebol (LFP) e a Portuguesa pela Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA).

SÃO CRISTÓVÃO COMEMORA 45 ANOS DA TAÇA ABELARD FRANÇA

por André Luiz Pereira Nunes


O São Cristóvão, tradicional clube do bairro imperial do Rio de Janeiro, embora esteja relegado à quarta divisão, em nível regional, também tem as suas glórias e todas foram devidamente documentadas e imortalizadas graças ao empenho de um torcedor que foi um dos maiores historiadores do futebol fluminense. Falecido no ano passado devido a um infarte fulminante, o tijucano Raymundo Quadros, pessoa a quem tive o prazer de desfrutar da amizade durante cerca de três décadas, teve o cuidado de criar e manter um rico acervo de seu time do coração, sobre o qual ainda lançou dois livros que tenho a honra de ter devidamente autografados em minha estante.

Além do título carioca de 1926 e do Torneio Municipal de 1943, a agremiação cadete comemora nesse ano 45 anos da conquista da Taça Abelard França, vencida no Maracanã. O certame foi um dos inúmeros organizados naquele tempo, o qual se assemelhava muito a atual Copa Rio, disputada por equipes de menor investimento. Participaram sete clubes divididos em duas chaves. No grupo A: São Cristóvão, Olaria e Bonsucesso. No grupo B: Campo Grande, Portuguesa, Madureira e Bangu. O homenageado Abelard França era um dirigente da Federação Carioca e ex-administrador do Maracanã que falecera em agosto de 1973.

Na primeira fase, os cadetes se classificaram em primeiro ao vencer o Olaria por 2 a 1 e empatar em 1 a 1 com o Bonsucesso. O Campo Grande foi o ganhador da outra chave. O cotejo final foi então realizado, em 16 de fevereiro de 1975, no Maracanã, diante de um público estimado de 75 mil pessoas. Todo esse apelo, embora pareça exagerado, se justificava, haja vista que se tratava de uma preliminar de Seleção Carioca x Seleção Paulista. Após um 0 a 0 muito disputado, a decisão, enfim, foi para os pênaltis com vitória do São Cristóvão sobre o Galo da Zona Oeste por 4 a 3. A equipe de Figueira de Melo não só levou um belo troféu, como ainda teve direito ao prêmio de 10.000 cruzeiros pagos pela loteria esportiva. Bons tempos em que as taças eram de metal maciço e ainda havia um bônus em dinheiro destinado aos times campeões.

Destacava-se entre os atletas vencedores, o carismático Sena, um habilidoso meia-direita da década de 70 e começo dos anos 80. Em 1981, fôra o principal artífice do Palmeiras na conquista da Taça de Prata do Campeonato Brasileiro. Na final contra o Guarani marcou os dois gols da vitória por 2 a 0. Ainda desfilou seu talento por America, Atlético de Madrid, Rayo Vallecano, Vitória, Bahia, Palmeiras, Santa Cruz, Uberlândia, Americano, Goytacaz, Leônico, Flamengo (PI), Taguatinga e Guarapari. Atualmente vive em São João da Barra, cidade na qual chegou a treinar a modesta e extinta equipe local que atuou durante um curto período na segunda e na terceira divisão do Campeonato Estadual.

Outro campeão foi Jorge Madeira, morto aos 72 anos, em 2018, cuja vida foi toda dedicada ao São Cristóvão. Jogou como lateral-esquerdo e volante, entre 1970 e 1976. Após sua aposentadoria, prosseguiu no próprio clube como preparador-físico, técnico e supervisor. Comandou à beira do campo os atletas em várias temporadas, a partir dos anos 80 e, mesmo após a sua retirada oficial ainda ajudaria o clube em diversas ocasiões, entre 2009 e 2012, seu último ano na função de treinador. Em 2015, recebeu o título de sócio emérito, graças aos inúmeros e inestimáveis serviços prestados à agremiação.

Vale frisar que a Taça Abelard França seria restaurada, em 2013, durante a administração do então presidente José Augusto Quintas Nascimento, pois se encontrava bastante deteriorada pela ação do tempo.

A festa pela conquista do torneio, em pleno Maracanã, só não foi completa porque no vestiário o atacante Sinvaldo urrava de dor devido a uma perna fraturada. Ele jogaria posteriormente no Vitória da Bahia.