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Ganso

UM GANSO FORA D’ÁGUA

por Zé Roberto Padilha


Será que não lhe alertaram que o futebol arte acabou?

Que precisa parar de insistir com que a classe, a habilidade, o domínio e a assistência persistam em meio ao futebol moderno?

Quando os garotos chegam às divisões de base, os gritos dos treinadores trogloditas, que tomaram o lugar dos ex-atetas nos clubes, começam a soar: toca, pega, marca, dá um chutão nessa porra!!!

Eles estão salvando seus empregos. E castrando gerações.

Não se formam mais craques, potencializam seu dom ou dão asas às suas infinitas inovações. Cerceiam na fonte ao priorizar a correria. A marcação forte, se possível, um carrinho voador.

Ganhar, por uma bola, como missão também nos infantis, são barricadas que se estendem para evitar a ousadia.

E o garoto vai chegando à graduação com medo de dar um drible. Uma caneta? Vai levar uma porrada porque, tão rara, vai parecer um acinte. Um deboche.

Luiz Gustavo, Fernandinho, Casemiro, Fred, Arthur, Fabinho, todos chegaram craques em seus clubes. Mas só foram convocados porque foram catequizados para deixar, gradativamente, sua classe pelo caminho.

Sabe quando o Ganso vai ser convocado depois que a Era Dunga veio forte e consagrou Felipão?

Quando entrar no Du Lorean do Dr. Brow e desembarcar na década de 1970. Com Ademir da Guia, Gerson, Geraldo, Cléber, Clodoaldo e Carlos Alberto Pintinho, iria entrar para a história do nosso futebol.

Como nasceu ontem e joga hoje, sem Telê Santana no comando da seleção, vai ser sempre um Ganso fora d’água.

Pobre água.

“O TIME DE 92”, DIEGO, GANSO E JEAN CHERA

por Paulo Silva Junior


The Class of ’92 é um documentário dirigido por Ben e Gabe Turner que conta a história de David Beckham, Nicky Butt, Ryan Giggs, Gary Neville, Phil Neville e Paul Scholes, seis jogadores revelados pelo Manchester United que alcançaram não só longevidade, mas grande sucesso no clube, principalmente com a conquista do título europeu de 1999.

Os quatro primeiros levantaram a FA Cup Juvenil em 1992, enquanto os dois últimos chegaram pouco depois. Em média, os caras desta turma jogaram 15 temporadas pelos Diabos Vermelhos, das 24 de Giggs às 12 de Beckham, por exemplo. Exemplo raro de geração que protagoniza, da base ao torneio máximo dos profissionais, as conquistas de um clube gigantesco. E que marca, por consequência, também a presença enquanto núcleo da seleção inglesa – à exceção do galês Giggs, claro.


Se fosse rotina não viraria filme. E nem precisa recorrer ao cinema para encontrar histórias de grandes craques adolescentes que não vingaram, estrelas precoces que resumiram à subida aos profissionais a um brilhareco cadente, ou duplas de ataque encantadoras desfeitas no primeiro clássico com derrota e vaias da torcida. Imagina uma turma toda? No Brasil do futebol-exportação então, mais fácil ainda de enxergar. O que um dia se resumiu a um resmungo no boteco pela peneira mal aproveitada no terrão, hoje ganha contornos de série policial com empresários suspeitos no Oriente Médio ou contratos curtos para ligas alternativas na Índia, nos Estados Unidos.

Mas se o assunto é cinema, vale acompanhar a saga bem filmada em Futebol, série dos anos 1990 de João Moreira Salles e Arthur Fontes cujo terceiro episódio mostra garotos atrás do sonho no São Cristóvão (e tão difícil de achar quanto a história de um menino que repetiu nos profissionais todos os gols marcados nos infantis), ou Mata Mata, do alemão Jens Hoffmann, um contemporâneo que acompanha brasileiros, hoje na faixa dos 20 e pouquinhos, jogando e negociando com engravatados do futebol-negócio.

Diego


O ano devia ser 1999, por aí. Eu jogava no clube da fábrica da Volkswagen, tradicional em São Bernardo do Campo, ABC Paulista. Durante meses, o único assunto nos treinos da molecada era o camisa 10 do Santos que tinha acabado com um jogo-treino realizado no nosso campo. Eu, numa categoria abaixo, não assisti, mas tinha amigos entre os volantes nossos, derrotados: os dois levaram cartão amarelo em botes ainda no primeiro tempo; substituídos, viram os dois reservas repetirem a cena, bote seco, falta feia no 10, amarelo de cara.

O camisa 10 era Diego, nascido em 86. Pouco depois ele subiria aos profissionais ainda aos 16 anos para ser uma das estrelas do improvável time campeão brasileiro de 2002, que de quase eliminado teve na estrela dos garotos o grande trunfo para superar São Paulo, Grêmio e Corinthians. O protagonismo no time de cima se deu com o técnico Emerson Leão, que recorreu aos meninos diante de um elenco de poucas opções. Por muitíssimo pouco – o rebaixado Gama venceu o Coritiba na rodada final da primeira fase – as revelações não terminam num discreto nono lugar (viva o mata-mata!). 

Para os padrões brasileiros, a Classe de 2002 até que durou bastante. Os jovens não eram necessariamente formados no clube, mas tinham ali um primeiro grande destaque: Renato, 23, Alex, 20, e o próprio Diego, 17, ficariam no clube até o meio de 2004, jogando só o início da campanha do título brasileiro daquele ano, além de alcançarem dois vices na temporada anterior, da Libertadores e da própria Série A; Elano, 21, foi para a Ucrânia no final do ano e Robinho, 18, ainda ficou até os 21, quando seguiu para o Real Madrid no meio de 2005.

Doze anos depois, Diego está voltando, mas para o Flamengo. É o típico caso de brasileiro talentoso em tempos de futebol-mercado: em uma década teve ótimos e maus momentos em Portugal, Alemanha, Itália, Espanha e Turquia, conquistou Copa América, jogou Olimpíada, mas nunca foi à Copa do Mundo – saiu do Brasil aos 19 para retornar aos 31, saudoso e incógnita, chegando num Campeonato Brasileiro pegando fogo, quarta e sábado, quando não segunda e quinta e domingo e quarta, com a sensação, para muitos, de que poderia ter sido mais do que foi. Poderia?

Ganso


Paulo Henrique Lima, o Ganso, é de 89. Subiu aos profissionais de contrato novo no início de 2008, aos 18 anos, mas teve atuações apenas regulares. No ano seguinte, virou titular na campanha de final estadual e foi bem no Campeonato Brasileiro, jogando mais de 30 partidas e marcando 8 gols. Em 2010, arrebentou: campeão paulista, da Copa do Brasil e convocado entre os suplentes dos 23 da lista de Dunga para a Copa do Mundo. 

Símbolo da renovação da seleção pós-Mundial, era o camisa 10 da amarelinha quando passou por cirurgia no joelho. Sem o mesmo ritmo de antes, teve importância pontual na conquista da Libertadores de 2011. A turma também durou o que dá para durar diante dos euros que passam sob a porta a cada verão: Rafael, nascido em 90, ficou até o meio de 2013, Alex Sandro, 91, saiu após a Libertadores, assim como Danilo, 91, vendido na mesma época, mas que ainda jogou o Mundial no final do ano. Neymar, 92, tão ponto fora da curva quanto estrela de negociações tumultuadas, quando não casos de justiça, deixou a Vila no meio de 2013, aos 21 anos. Ganso, em atrito com diretoria e fatiado por empresários, seguiu para o São Paulo no segundo semestre de 2012, completando 23.

Tal como Diego, jogou Copa América, jogou Olimpíada, e teve seus vários momentos de grande meia brasileiro. No Morumbi, jogou muita bola em 2014, mais ainda nesta metade de 2016, até ser negociado com o Sevilla deixando a sensação, para muitos, de que poderia ter sido mais do que foi. Poderia?

Jean Chera


Jean Chera nasceu em 1995, mas nem chegou a subir com a sua turma. Com salários altíssimos para um adolescente, bebeu da fonte de Diego e Robinho – o clube que revela talentosos jogadores e oferece espaço entre os profissionais -, depois da de Ganso e Neymar – não só revela, como se esforça para mantê-los com salários altíssimos e planos de carreira ousados. Mas a ruptura se deu cedo, mais cedo possível, aliás. Em 2011, foi para o Genoa, da Itália.

Ainda uma criança, passou por Flamengo, Atlético-PR, Cruzeiro, Oeste e outras aventuras no futebol europeu. Voltou para o Cuiabá e ganhou nova chance no Santos, sob remuneração modesta e empréstimo à vizinha Portuguesa Santista. Com torção no tornozelo, abandonou o tratamento para acompanhar a família e o nascimento de seu segundo filho, previsto para agosto. 

Anunciado enquanto novo aposentado, negou, em conversa com o UOL nesta terça-feira, 19, que desistiu de tentar. Disse que vai ainda vai resolver seu futuro, ainda que seja difícil que o vínculo com o Santos seja mantido, mesmo que os R$900 mensais estejam bem distantes dos R$30 mil que chegou a receber quando deveria estar brincando de bola.

Na repercussão da decisão de momento de Chera, a sensação, para muitos, é de que poderia ter sido mais do que foi. Poderia?

Mais do que jogadores de futebol, esses três meninos, cada um a seu tempo, preenchendo buracos que se abriam e tentando agarrar as efêmeras oportunidades, foram e são repositórios de expectativas. O que separa Diego, de Ganso, de Chera, que se não seja uma arrancada num dia certo, um belo passe numa tarde de time desfalcado, uma tabela que dá certo numa noite de vitória? Detalhes mínimos que separam sua turma entre o Ulrico Mursa e o Vicente Calderón, deixando claro que não necessariamente seja melhor viver em Bremen ou Itápolis. A expectativa, quem cria, somos nós. As hierarquias, comparações e julgamentos, também.

DE VOLTA AO PASSADO

por Zé Roberto Padilha

Dr. Emmett Brown, que no épico De Volta para o Futuro, de Steven Spielberg, levou Martin McFly em seu DeLorean de volta para o passado, poderia fazer um favor ao futebol brasileiro se repetisse a viagem e embarcasse, desta vez para o ano de 1982, o Ganso. Ele desembarcaria no Estádio Sarriá e seria escalado na meia-esquerda da seleção brasileira  ao lado de Toninho Cerezzo, Falcão e Zico. Telê Santana avançaria o Sócrates para formar o ataque ao lado do Éder. E a máquina do tempo traria Serginho de volta ao presente do nosso futebol, onde mal sentiria a mudança. Nosso grande centroavante jogaria como titular em qualquer equipe. Já o Ganso, não.

Sua classe, habilidade e cadência, definitivamente, não são compatíveis com a correria desenfreada e impensada que se estabeleceu atualmente naquela faixa nobre do campo. Neste filme, dos melhores sonhos dos amantes do futebol-arte, Paulo Rossi não seria protagonista. Seria apenas um coadjuvante que enfrentou a equipe que mais simbolizou em campo a arte do futebol brasileiro. Faltou-lhe apenas o título. Se tivesse o Ganso, quem sabe?


Ganso recebe muitas críticas por ser considerado lento (Foto: Reprodução)

Ontem, durante a transmissão de Flamengo x São Paulo, o futebol refinado de Paulo Henrique Ganso, de toques suaves e passadas cadenciadas, que parecia que alguma criança na sala apertava a tecla Slow Motion toda vez que a bola chegava aos seus pés, não agradava aos comentários do Edinho. No SporTv, o comentarista exigia que ele fosse mais participativo na partida. Um carrinho, por exemplo, como os do Sheik, seria sinal de luta. As roubadas de bolas do Marcio Araújo, então, simbolizaria a glória. A mediocridade jogada tem sido irradiada através das cabines de rádio e televisão, e ela tem contaminado locutores e comentaristas e alcançado dia seguinte às bancas de jornais. Ganso, jogando na década de 80, mereceria toda semana uma crônica de Armando Nogueira no Jornal do Brasil. E outra do Nelson Rodrigues no Jornal dos Sports. Mas os cronistas literatos desapareceram junto à arte do nosso futebol. No seu lugar, ficaram colunistas que por mais que tentem, seus textos não são mais inspirados  nas jogadas dos grandes craques, mas produzidos junto a garra e a luta de alguns gladiadores. Os cada vez mais quilômetros percorridos pelos fundistas que insistem em correr mais que a bola.

Ganso, que parece atuar de smoking, não foi escalado para jogar a Copa América porque não há no comando da seleção um treinador com o bom gosto de Telê Santana. Para jogar no time do Dunga, e do Felipão, o meio-campista tem que marcar, baixar a cabeça, correr e trocar passes com seus zagueiros. Luiz Gustavo, Fernandinho, Elias, Godzila, Homem de Ferro e Volverine crescem à frente dos telespectadores e do ataque adversário. Mas não evitam que voltemos mais cedo para casa para ver a Argentina se exibir inteirinha na tela presente.

Aos 20 minutos do segundo tempo, Ganso caiu de mau jeito na área do Flamengo. Quando o massagista chegou, torcemos para ele tirar daquela bolsinha Iodex, ou um tubo de Balsámo Bengué, aquele com salicilato de metila. Até Gelol, do Pelé, nos daria esperança. Seriam símbolos dos anos 80. Dr. Emmet Brown já teria conseguido transportá-lo. Mas o massagista do São Paulo, e o médico que o atendeu, tirou um tubo com anestésico de ultima geração de aerosóis e borrifou em suas costas. Estávamos mesmo de volta ao presente. Mas se Spielberg recuou McFly no tempo para mudar a vida dos seus pais, levar o Ganso de volta ao passado, a idade em que ele merecia ter nascido e jogado, mudaria seu destino. E do próprio futebol brasileiro.