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Festa de Futebol

UMA FESTA DE FUTEBOL

por Claudio Lovato


Começou assim: havia uns meninos jogando bola no campo que ocupava a maior parte da praça. Era um bando de garotos de nove, dez, onze anos correndo atrás da bola numa bela manhã de sábado, como crianças devem fazer.

Em volta, nas mesas que cercavam o quiosque do Mazinho, os velhos jogavam dama ou dominó.

Encostado ao balcão do quiosque, tomando a segunda cerveja do dia, Albério de repente disse para o velho amigo Mazinho:

– Vou lá bater uma bola com os meninos.

Mazinho riu e disse:

– Rapaz, você não tem mais cinquenta anos… Nem sessenta nem setenta…

Albério já estava com quase oitenta. 

Lá no terrão, a criançada adorou quando viu o vovô se aproximando, e logo a bola lhe foi passada. Albério ainda guardava traços de sua antiga majestade e fez uma irretocável dúzia de embaixadas.

O pessoal que jogava nas mesas começou a fazer as piadas inevitáveis e, então, Carlinhos da Matriz, que havia sido contemporâneo de Albério nos tempos de profissional, calçou os mocassins e começou a trotar, as pernas tomadas pelas varizes, em direção ao campo. Quando chegou, logo recebeu a bola enviada por Albério, e os dois deram início a uma troca de passes, sem deixar a bola cair. 


(Foto: Wildes Barbosa)

A gurizada que estava por ali, em volta do campo, fazendo outras coisas, notou a movimentação. O mesmo ocorreu com os adultos – casais, grupos de amigos – que estavam em frente às casas, conversando, ouvindo música, tomando cerveja, e, em pouco tempo, vários deles se aproximaram do alambrado para assistir a brincadeira, da qual agora já participavam alguns adolescentes, rapazes e moças.

No campo, pelo menos três bolas já eram usadas, e foi então que os outros veteranos decidiram – uns mais entusiasmados que outros – se divertir também, e se juntaram a Albério e Carlinhos da Matriz, e depois quem veio foi o próprio Mazinho, que deixou o quiosque sob os cuidados do filho, mas o filho logo foi para o campo também, porque era o que todos estavam fazendo, até as mães e as avós estavam agarradas no alambrado, e uma delas era a mulher de Albério, Rosália, que não sabia se achava graça ou se ficava preocupada por causa do coração do marido, e lá pelas tantas o que se viu era que havia mais gente dentro do campo do que fora, as calçadas quase vazias, as casas deixadas para trás com as portas abertas, as mesas esquecidas com as peças de dama e dominó abandonadas sobre elas, e a folia corria solta no terrão, e tudo estava tão bom que ninguém se preocupou em fotografar ou filmar ou fazer relatos por WhatsApp, e dali a pouco um sapato voou, um pé de mocassin marrom, mas isso não impediu que Carlinhos da Matriz continuasse batendo bola, e as crianças corriam pra lá e pra cá, e os velhos trocavam seus passes, e os jovens tentavam organizar rodas de altinha, e então os mais jovens passaram a trocar passes com os mais velhos, e os mais velhos iam para as rodas de altinha, e a essa altura alguém já havia colocado para funcionar o sistema de som do quiosque do Mazinho, e aquilo virou uma festa que durou a tarde toda, varou a noite, invadiu a madrugada, e, para alguns deles, tornou-se lembrança que ardeu em chama linda e inextinguível pelo resto de suas vidas.