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Eurico Miranda

A NOSSA PORÇÃO EURICO MIRANDA

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Ainda vai levar um bom tempo para levantarmos a nossa Bandeira de Mello da racionalidade esportiva. Porque no Vasco e Flamengo de cada dia carregamos dentro da nossa paixão uma porção Eurico Miranda. Sábado, após toda a confusão provocada pela sua torcida em seu estádio, o presidente vascaíno reuniu a imprensa e pediu desculpas. E foi logo avisando: eu não tenho culpa de nada. E quanto a nós?

Somos habitantes de um país novo convivendo com uma liberdade tardia. Com a última das abolições concedidas e ainda nada independentes do jugo do capital estrangeiro. E escolhemos o futebol para nos vingar da violência, da opressão colonizadora, das imposições imperialistas. De um lado da Faixa de Gaza exigimos a seriedade, a justiça, a democracia. Do outro, o que será preciso para levar a nossa equipe a ganhar o jogo? Qual o preço no mercado para levantar um título? E entre um ídolo a presidir o nosso clube, um cidadão sensato e tranquilo como Roberto Dinamite, e um cartola-torcedor exaltado capaz de afirmar que “não sei se tenho mais prazer numa relação sexual ou quando ganho do Flamengo”, nós votamos no último. E que outra reação poderíamos esperar dos seus torcedores após perder uma partida em casa para o Flamengo? Apertos de mãos entre os jogadores? Respeito aos torcedores adversários que se tornam em 90 minutos vorazes inimigos? Quando Everton parou a sua frente e deu uma pedalada, Nenê deixou de ser bebê porque seu berço fervia. Foi violento e adulto e lhe deu uma violenta entrada porque o mau exemplo estava sentado fumando charuto nos camarotes de São Januário. E o rastilho de ódio foi se alastrando pelas arquibancadas.


(Foto: Reprodução)

Reclamamos da suprema corte quando um dos seus membros, Gilmar Mendes, se reúne tarde da noite para conversar em Brasília com o mandatário investigado de um poder paralelo. Porém, na hora de votar pra presidente do nosso clube optamos por quem tem como lema: “O que a justiça tem que entender é que o futebol brasileiro tem as suas próprias leis!”. Somos todos a favor da igualdade social, do respeito a diversidade étnica, religiosa e sexual, mas para comandar nossa paixão exacerbada, doentia, permitimos ser dirigido por quem carrega a bandeira da segregação. “Futebol é coisa para homem que mantém distância um do outro, por isso sou contra homossexual e mulher no futebol”.

Tão novos enquanto nação, pouco sabemos se já somos povo ou não passamos de uma massa de manobra. Pois se William Bonner nos conclama as ruas para tirar do governo quem apenas pedalou, a exigir a saída de uma incorruptível exceção política eleita pela maioria da população, que cidadania habita dentro de nós que se cala, não bate mais panelas e se omite diante do primeiro presidente da nossa história denunciado por corrupção? Pois se o juiz erra e marca um pênalti contra o nosso time, discutimos com os amigos, brigamos com a patroa e o chamamos de ladrão. Se o erro for a nosso favor, trocamos de canal, procuramos outras imagens, depoimentos nas resenhas que anistie o pobre do coitado.

Em breve a justiça vai se pronunciar nas duas instâncias. Se a merecermos perante nossa incoerência cidadã e esportiva, mais de 173 deputados, entre 513 parlamentares, irão votar pelo arquivamento das denúncias contra Michel Temer. E São Januário tomará apenas dois jogos de suspensão. Enquanto não levantarmos a Bandeira de Mello da coragem cidadã, voltarmos às ruas e aos estádios empunhar a bandeira da democracia, seremos eternamente habitantes do país Eurico Miranda que merecemos.