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Émerson Gáspari

DUELOS ANTOLÓGICOS EM SÃO PAULO

por Émerson Gáspari


O futebol acrescenta jogos na história praticamente todos os dias.

Ao final de cada campeonato, são centenas de confrontos que viram arquivo, sendo então, rapidamente esquecidos.

A própria falta de televisionamento no passado contribuiu para que muitos deles, num passado mais distante, caíssem no mais completo esquecimento. Outros, dada a época, sequer foram filmados. Várias partidas, no entanto, foram especiais.

Este texto tem por intenção, impedir que algumas se percam para sempre, já que o tempo insiste implacavelmente em tentar varrer a história para debaixo do tapete, cabendo a nós, o dever de perpetuá-la através das gerações.

Como paulista, destaco aqui confrontos realizados em São Paulo – inclusive no interior, em sua fase áurea – sobretudo para conhecimento dos torcedores de outros estados.

São quinze partidas inesquecíveis, por uma ou outra razão.

Algumas, conhecidas apenas nas cidades em que foram realizadas ou exclusivamente pelas torcidas dos clubes nelas envolvidas. Mas que merecem ser conhecidas do grande público, também.

Torço para que após esta minha iniciativa aqui no Museu da Pelada, surjam outros textos, revelando confrontos sensacionais nos demais estados do nosso país, também.

Ou pelo menos, resenhas que abordem jogos maravilhosos ou curiosos que já tivemos.

Obviamente esta pequena lista não tem pretensão alguma de ser um ranking, muito menos, ter qualquer efeito oficial. Pelo contrário: os dois primeiros jogos envolvem o meu clube de coração, o Paulista de Jundiaí.

Trata-se apenas uma lista pessoal, descompromissada, a qual não merece reparos em suas escolhas, mas sim, ser acrescida de outros jogos que possam, eventualmente, serem relembrados pelos queridos amigos leitores.

Portanto, mãos à obra! E boa leitura.

PAULISTANO 5 X 4 PAULISTA (10/10/1920)

“A TAÇA FICOU EM SÃO PAULO, MAS A COMPETÊNCIA FOI PARA JUNDIAÍ!”


Onze vezes campeão paulista e chamado pelos franceses de “Reis do futebol” devido a uma vitoriosa excursão por lá, o Paulistano era franco favorito para conquistar a “Taça Competência”, até então, sempre vencida com extrema facilidade pelas equipes da capital, em disputas diante dos times do interior. A epidemia de gripe espanhola andou atrapalhando demais o calendário futebolístico, com a decisão dessa versão 1919 só ocorrendo no final do ano seguinte, ficando marcada (e manchada) em relação a todas as demais, pelo ocorrido ao final da partida. O estádio do Floresta ficou apinhado de senhores de terno e chapéu torcendo pelo Paulistano, então o primeiro (e até hoje único) tetracampeão paulista (1916/7/8/9): o alvi-rubro de Arnaldo, Orlando e Carlito; Sérgio, Rubens e Benedicto; Formiga, Mário Andrada, Friedenreich, Zecchi e Netinho. O tricolor (campeão do interior) com Bruno, Paulino e Lilo; Bertolini, Rosa e Tatu; Bueno, Miguelzinho, Camargo, Minguta e Lamaneres. A torcida paulistana, fã de Friedenreich, ficou satisfeitíssima com os três gols assinalados pelo artilheiro durante a partida. Só não contava que o Paulista iria endurecer, com o centroavante Camargo “Gigante de Ébano” (maior artilheiro de sua história) e suas arrancadas fabulosas, que terminavam dentro do gol adversário. A apreensão dos torcedores cresceu muito com o placar se mantendo em 4×4 até os minutos finais do prélio. Até que Fried – com a triste conivência da arbitragem – empurrou para as redes com a mão, estabelecendo o placar final de 5×4, que deu o título da Taça Competência para o Paulistano. No dia seguinte, o “Estadão” da capital publicou a seguinte manchete: “A taça é do Paulistano, mas a competência foi para Jundiaí”.

PORTUGUESA SANTISTA 1 X 2 PAULISTA (14/10/1984)

“O DIA EM QUE AILTON LIRA PERDEU O ÚNICO PÊNALTI DE SUA CARREIRA”

É considerada a mais emocionante partida do Galo em sua centenária história: o time não podia sequer empatar, se quisesse prosseguir na luta pelo acesso à Primeirona.

Mas a Santista era páreo duro e obtivera um empate de 2×2 em Jundiaí, dias antes, graças a um penal cobrado pelo experiente e infalível Ailton Lira. Dramático, o jogo aconteceria no acanhado estádio Ulrico Mursa, diante de seis mil torcedores, naquela tarde de domingo. A Portuguesinha de Marquinhos, Balu, Arouca, Orlando e Claudinho; Zé Carlos, Tadeu e Ailton Lira; Fernandinho, André e Josemar. O Paulista com Luiz Fernando, Benazzi, Marco, Alexandre e Caíca; Gerson Andreotti, Carlos e Célio; Tata, Ricardo e Zé Roberto. O Paulista começou a todo vapor, até que aos 18 minutos, após cruzamento de Caíca, Arouca cortou de cabeça e Benazzi, que entrava em diagonal pela direita, na corrida, acertou de fora da área, um tremendo “pombo-sem-asas”: 1×0. Quatro minutos depois, numa jogada ensaiada, Ailton Lira cobrou escanteio da direita, no primeiro pau, de onde Fernandinho desviou para Orlando completar, no segundo, empatando: 1×1.  Apesar disso, o Paulista continuou melhor até a metade da segunda etapa, quando então a Lusinha começou a pressionar, ficando o Galo, com os contra-ataques.  Finalmente, num deles, quase aos 46 minutos, Célio lançou Ricardo, que serviu Carlos. Ele invadiu a área e tocou com categoria, para vencer Marquinhos: 2×1. No desespero e com chuveirinhos, o time da casa aperta, até que aos 49 minutos, a bola bate nas mãos de Tata e Marco e o juiz dá o pênalti, para desespero do saudoso locutor Hélio Luiz, que se recusa a olhar a cobrança dizendo que “o Paulista será desclassificado”. Ailton Lira bate com a costumeira classe e violência aos 50 minutos, mas a bola estoura na trave direita de Luiz Fernando e Hélio, agora chorando, berra, nos microfones da rádio Difusora: “Ailton Lira perdeu o único pênalti de sua vida! Eu não aguento… Adilson!”. Enquanto isso, Adilson Freddo – repórter de campo e no banco de reservas do time – é alvejado por sacos de urina, arremessados pela furiosa torcida da casa. Mas a euforia jundiaiense é tamanha, que os torcedores jundiaienses chegam até, a comprar um bolo confeitado com o escudo da Portuguesa numa padaria defronte ao estádio e o levam para Jundiaí, onde permaneceria em exposição – feito um troféu – por uma semana na vitrine da lendária panificadora “A Paulicéia”, então o ponto mais tradicional de Jundiaí.

BOTAFOGO 1 X 1 COMERCIAL (19/12/1954)

“QUANDO O CLÁSSICO DA CIDADE FOI BATIZADO DE COME-FOGO”


Um belo domingo de sol emoldurou o estádio “Luiz Pereira” para o jogo que marcava a volta do clássico da cidade após 18 anos de ausência comercialina dos gramados, fase na qual obtivera amplo predomínio sobre o rival. Mas agora eram tempos mais difíceis, com o clube jogando em campo alugado, sem os barões do café para sustenta-lo. Teria pela frente um adversário melhor estruturado e o confronto seria na “toca” inimiga. O saudoso jornalista Lúcio Mendes captou a atmosfera do duelo e cunhou para a partida, a célebre denominação de “Come-Fogo”, quando escrevia sobre o clássico prestes a acontecer, no jornal “Diário da Manhã”. O “Pantera da Mogiana” veio para o jogo, com Ênio, Mexicano e Kelé; Diógenes, Oscar e Nascimento; Dorival, Neco, Ponce, Américo e Fernando. O “Leão do Norte” alinhou Mário, Toninho e Sula; Assunção, Bié e Laércio; Sígulo, Ademarzinho, Maneca, Mairiporã e Clive. O Bafo começa melhor, perdendo boa chance aos sete minutos. As oportunidades se alternam para os dois quadros, mas o Comercial continua superior e aos 35, sai na frente: o lateral Assunção cobra falta pela direita, Kelé fica indeciso, Ênio sai atrasado e o esperto Mairiporã cabeceia firme por cobertura, bem no meio do gol, fazendo 1×0. Em vantagem, o Bafo se assenta ainda mais no gramado, tocando melhor a bola. Mas a velha garra botafoguense ressurge no segundo tempo e, mesmo criando as melhores oportunidades, o Comercial vai sofrendo uma pressão crescente, até que aos 18 minutos acontece o tento de empate, numa tabela bem executada entre Fernando e Américo; este último apanha um chute firme, à meia-altura, para as redes. Belo gol! Depois disso, o Botafogo acredita na virada, a torcida empurra, o juiz não assinala um pênalti para o tricolor e o primeiro Come-Fogo da era profissional terminou mesmo num justo – e diplomático – 1×1, entrando para a história.

PONTE PRETA 3 X 2 GUARANI (05/8/1981)

“O CHAMADO DERBY CAMPINEIRO DO SÉCULO”

O Derby Campineiro é considerado o grande clássico do interior do país. Houve uma fase em que Guarani e Ponte atingiram o ápice futebolístico e protagonizaram jogos memoráveis, mas um em especial é tido como o maior de todos: o da decisão do 1º turno do Paulistão, em 1981. O ponte-pretano Luciano do Valle narraria o confronto ao vivo, pela TV. Após um equilibrado 1×1 no “Brinco de Ouro”, a decisão havia ficado para o “Moisés Lucarelli”, naquela noite em que o melhor ataque (do Guarani) e a melhor defesa (da Ponte) se enfrentavam. O Bugre pisou no gramado com Birigui, Chiquinho, Mauro, Edson e Almeida; Jorge Luís, Éderson e Jorge Mendonça; Lúcio, Careca e Ângelo. Téc. Jair Piceni. A Macaca, com Carlos, Toninho Oliveira, Juninho, Nenê e Odirlei; Zé Mário, Humberto e Dicá; Osvaldo, Chicão e Serginho. Téc. Zé Duarte. Foi uma batalha emocionante do começo ao fim, cheia de alternativas. Apesar disso, o primeiro gol demorou a sair: aos 37 minutos, Osvaldo fez um belo gol por cobertura, depois de um cruzamento de Odirlei pela esquerda: 1×0 Ponte. Oito minutos mais tarde, Ângelo empatou, após um bate-rebate na entrada da área. Na volta do intervalo, novamente a Ponte passou à frente: aos 4 minutos, numa falha clamorosa de Birigui, que quis evitar um escanteio e soltou a bola nos pés de Osvaldo, presenteando-o com o segundo tento: 2×1. Só que o Guarani não desistia e aos 8 minutos do segundo tempo tornou a igualar, após escanteio pela esquerda e três cabeçadas consecutivas, sendo a última delas, de Jorge Mendonça: 2×2.  A partir daí, o jogo ficou aberto e sucessivas chances foram surgindo, podendo definir o duelo. E a Ponte Preta seria mais feliz: aos 36, Odirlei arrancou e numa bela jogada pela meia, invadiu a grande área, batendo cruzado, no cantinho e selando a vitória de 3×2.  A Ponte, campeã do 1º turno, estava classificada para a final do Paulistão. Campinas era o centro futebolístico estadual, naquele momento.

XV DE PIRACICABA 2 X 2 SANTOS (11/9/1949)

“BATEU O ESCANTEIO, CORREU E CABECEOU!”


Parecia apenas mais um jogo do Campeonato Paulista, mas o que aconteceu no final beirou o inacreditável. Aconteceu no antigo estádio Roberto Gomes Pedrosa, em Piracicaba, diante de 4.300 testemunhas. O Santos com Chiquinho, Hélvio e Dinho; Nenê, Paschoal e Alfredo; Nicácio, Antoninho, Juvenal, Simões e Odair.  O XV, com Ari, Elias e Idiarte; Cardoso, Armando e Strauss; Russo, De Maria, Sato, Gatão e Rabeca.

Odair marcou os dois gols da equipe praiana, enquanto De Maria descontara para o

“Nhô Quim”. O Santos controlava a pressão da equipe piracicabana, até que aos 41

minutos do segundo tempo, cedeu um escanteio. Ventava muito, naquele instante.

O lépido ponta Russo apressa-se para bater. Cobra em direção à marca penal, bem alto – propositalmente – para ganhar tempo de correr para a área, na intenção de talvez, apanhar algum possível rebote e (quem sabe) ajudar a equipe. Por mais incrível que possa parecer, a bola sobe muito, porém, empurrada pela força da ventania, começa a cair, voltando na direção do ponta, que à esta altura, já vai entrando na área. Russo sente a oportunidade e salta no meio de um bolo de atletas, conseguindo cabecear, mesmo desequilibrado, na meta inimiga, vencendo o atônito goleiro Chiquinho. Ou seja: bateu o escanteio, cabeceou e fez o gol! O árbitro inglês PercySnap – que jamais havia visto um lance assim na vida – validou o tento, equivocadamente. Os santistas ficaram indignados – é lógico – ainda mais, porque o jogo terminaria empatado. Curioso que Mr. Snap viera para São Paulo, porque a FPF, “importara” árbitros ingleses, a fim de diminuir os erros e reclamações frequentes com relação às arbitragens brasileiras. Deu no que deu… Para os mais céticos – é bom ressaltar – o gol foi devidamente documentado pelo mais respeitado historiador do interior paulista: Delphin da Rocha Netto, que foi, inclusive, testemunha ocular do fato. Outro que presenciou a jogada, trabalhando como locutor de uma rádio que transmitia o jogo, foi o apresentador esportivo Léo Batista. O lance inclusive está descrito no livro do centenário do XV de Piracicaba e foi explicado pelo professor Francisco Guimarães da USP de São Carlos. Segundo ele, apesar do ângulo da trajetória da bola ter sido de 60 graus na trajetória do chute, o fato só foi possível, devido à ação dos ventos. E para quem ainda não se convenceu, na Internet mesmo, há um gol semelhante, assinalado numa pelada no exterior – em campo menor, é verdade – mas que revela a influência determinante do vento, nesse tipo de jogada. 

FERROVIÁRIA 6 X 2 PALMEIRAS (20/5/1962)


“O CONFRONTO DAS DUAS ACADEMIAS”

Tarde de domingo na “Morada do Sol” e jogão no estádio da Fonte Luminosa, válido pelas quartas-de-final da Taça Cidade de SP, sob a arbitragem de Anacleto Pietrobon.

De um lado, a grande “Academia”, com Rosan, Jorge, Sebastião e Mané; Flávio e Jurandir; Gildo, Americo, Geraldo, Chinesinho e Fernando. Do outro, a “Academia do Interior”, com Toninho, Ismael, Antoninho e Zé Maria; Dudu e Rodrigues; Laerte, Aurélio, Parada, Bazzani e Benny. A “Locomotiva”, entusiasmada, saiu na frente, aos sete minutos, com seu astro, o meia Bazzani.  O jogo prosseguiu favorável à “Ferrinha”, que aos 30 ampliou, com Ismael. O Verdão conseguiu então diminuir com Américo, aos 35 minutos, dando a falsa impressão de que o duelo poderia ser equilibrado. Entretanto, dois minutos depois, o craque Bazzani ampliou para 3×1 e antes mesmo que o primeiro tempo se encerrasse, o meia Aurélio estabeleceu arrasadores 4×1. Expectativa e muita apreensão da imprensa paulistana no intervalo e o alviverde volta para o segundo tempo reforçado de Valdemar Carabina, além do jovem Ademir da Guia, o “Divino”. Mas divino mesmo acabou sendo o futebol da equipe grená, no confronto. Por alguns minutos, o jogo até se tornou equilibrado. Tanto, que Geraldo II ainda diminuiu para o Palmeiras, aos 24. Mas Bazzani – um mito em Araraquara – estava terrível nesse dia, aumentando para 5×2 e liquidando qualquer pretensão esmeraldina.  E, para não deixar dúvida sobre qual “Academia” era a maioral em campo naquele dia, Laerte deu o “tiro de misericórdia” aos 41 minutos, estabelecendo números finais no marcador: 6×2. Esta seria uma das doze goleadas aplicadas pela Ferroviária ao longo de doze temporadas seguidas – e isso apenas em cima de clubes grandes – entre 1960 e 1971.

BANDEIRANTES DE SÃO CARLOS 3 X 0 SANTOS (04/11/1957)


“A MAIOR VITÓRIA DE UMA CIDADE NO DIA DE SEU CENTENÁRIO”

O futebol na cidade de São Carlos sempre viveu de ciclos, com clubes se sucedendo, ao longo da história. Por ocasião dos festejos no dia do centenário da “Cidade Sorriso” além da visita do então governador de São Paulo Jânio Quadros às instalações da USP – que ocorria simultaneamente, a duzentos metros dali – foi programado um amistoso contra o Santos, então bicampeão paulista, tendo Pelé como atração. Na véspera – um domingo – ele havia feito três gols no empate por 3×3 diante do Corinthians, o que acabaria dando ao Timão, a “Taça dos Invictos”. Naquele feriado de segunda-feira e com o charmoso estádio do Paulista de São Carlos completamente lotado, o confronto se iniciaria às 15 horas. Entre os presentes nas arquibancadas, o grande artilheiro Zuza, já veteraníssimo – mas ainda em atividade – que simpaticamente teria recusado convite de atuar na peleja, por alguns minutos que fosse. Uma pena! O Santos veio a campo, escalado com Manga, Mauro e Mourão; Geovanni, Brauner e Urubatão; Baiano, Jair Rosa Pinto, Ciro, Pelé e Pepe. Téc. Lula. O Bandeirantes de Lito Mariutti, Jarbas e Kelé; Piana, Fabião e Bibi; Cabelo, Wilson Pimentel, Ademar Ferrari, Zé Luiz e Ruy Dinucci. Téc. Hugo “Che” Ferrari. A estratégia de impor um ritmo forte e veloz aos visitantes, logo surtiria efeito: aos três minutos, o ponta-esquerda Ruy abriu a contagem, aproveitando bem um centro na área e tocando sutilmente, entre os zagueiros santistas, para as redes do Peixe. Com Fabião marcando Pelé em cima e permanecendo no ataque, o time são-carlense conquistou um escanteio a seu favor aos 10 minutos, pelo lado esquerdo. Encarregado da cobrança, Ruy – que era ambidestro – cobra com a perna direita, forte, fechado e cheio de efeito, encobrindo o goleiro Manga, que acabou surpreendido pelo belíssimo gol olímpico: 2×0. Naquele dia, o “Pelé” em campo parecia atender pelo nome de Ruy Dinucci. Aturdido com a disposição dos donos da casa, o Peixe ainda leva o terceiro, aos 33 minutos, depois de um bate-rebate na zaga, que terminou com um lindo chute de primeira, de fora da área, agora do meia Zé Luiz. Satisfeitos pela “fatura liquidada” em apenas meia hora, os anfitriões diminuem o ritmo, enquanto Fabião não desgruda de Pelé. Tanto, que no segundo tempo Lula resolve tirá-lo de campo, promovendo a entrada de Darci e também a de Dorval, no lugar de Baiano. Porém, nem a contusão do goleiro Lito (substituído por Flávio) alterou alguma coisa a favor dos visitantes. E Ruy e Fabião ainda seriam sondados pela diretoria santista, para irem jogar no Santos, após a histórica partida.

AMÉRICA/SP 6 x 0 RIO PRETO (07/6/1953)

“A GRANDE GOLEADA DO DERBY RIO-PRETENSE”


O Derby rio-pretense sempre dividiu a cidade. O Rio Preto viveu quase toda a sua história na segunda divisão (embora mais antigo), enquanto que o América, mais novo, permaneceu maior tempo na divisão de elite. Isso acaba impactando diretamente no retrospecto do clássico, onde o número de confrontos é reduzido, revelando nítida vantagem do “Diabo”: 34 vitórias do América contra apenas 14 do Rio Preto.  E pensar que no início, o América chegou a ser esnobado pelo Rio Preto, que se recusava a emprestar seu campo, alegando que o rival lhe subtraía torcedores, obrigando-o a ter que atuar até, na cidade de Mirassol… Dentre todos os clássicos, vale destacar este, o qual, mesmo em se tratando apenas de um amistoso, entrou para a história por ser o de placar mais elástico. O confronto foi disputado no estádio Mário Alves de Mendonça, o “Caldeirão do Diabo” e o Rio Preto veio a campo com Barrela, Cotia e Dimas; Bem, Odilon e Prates; Zachi, Pé de Chumbo, Miranda, Orestes e Zito, sob o comando do técnico Chiquinho. O América, com Garito, Xatata e Martin; Tuca, Aldo e Dicão; Nelinho, Vicente, Dozinho, Osmar e Orias. Téc. Pepino. Mas quem teve um “pepino” nas mãos naquele dia, foi mesmo o técnico Chiquinho, pois seu time acabaria impiedosamente goleado. Bastaram apenas 35 segundos para que o ponta Nelinho arrancasse e fizesse o primeiro do América. O Rio Preto ainda conseguiu se equilibrar e sair para o jogo. Mas Dozinho aumentou para 2×0 aos 20 minutos e as coisas começaram a se complicar, porque a partir daí, a zaga rio-pretense começou a bater cabeça e o ponta-esquerda Orias, que havia acabado de chegar ao clube americano, aproveitou a facilidade oferecida e marcou dois gols em sequência, aos 30 e 31 minutos, estabelecendo 4×0 no marcador. A torcida mal podia acreditar naquilo: quatro gols em meia hora! No intervalo, o preocupado técnico Chiquinho resolve trocar de goleiro, colocando Hugo em campo. Mas a produção da equipe não melhorava. Como consequência disso, aos 12 minutos, o centroavante Dozinho não teve “dózinha” (me perdoem o trocadilho), ampliando para 5×0. E aos 32, Osmar, numa bela jogada, “fecharia a tampa do caixão”, em sonoros 6×0. Parte da torcida adversária até, havia ido embora. Mais uma proeza do América de Rio Preto em sua história, clube do inesquecível presidente Benedito Teixeira, o eterno “Birigui”.

SANTOS 4 X 6 JABAQUARA (31/7/1957)

“O TERREMOTO DA VILA”


Tratava-se de uma partida válida pela fase de classificação do campeonato paulista.

O Jabuca, clube pioneiro de São Paulo, não vinha bem das pernas. O Santos – ao contrário – firmara-se como clube grande, onde pontificava o famoso “ataque dos três pês” e era o atual bicampeão paulista. Por isso, naquela chuvosa noite de quarta-feira, menos de seis mil pagantes se atreveram a irem até a Vila Belmiro, para assistirem outra óbvia vitória do Peixe. O Santos com Laércio, Hélvio e Ivan; Fioti, Urubatão e Zito; Tite, Álvaro, Pagão, Pelé e Pepe. Téc. Lula. O Jabaquara com Fininho, Pavão e Getúlio; Dom Pedro, China e Oswaldo; Ari, Hélio, Washington, Melão e Bugre. Téc. FilpoNuñes. Ao anunciarem a escalação do “Leão do Macuco”, os torcedores estranham o lateral-esquerdo, dizendo se tratar do tesoureiro do clube, o popular “Oswaldo Malcriado”, por pura farra. Na verdade, tratava-se de um juvenil, que trabalhava na secretaria do clube e que entrou em campo para completar o quadro, pois o treinador não tinha jogador para aquela posição.  Como se esperava, o Santos começou com tudo e foi logo “atropelando” o adversário, com Pagão abrindo a contagem, aos 8 minutos. Três minutos depois, Wilson Osório (o popular “Melão”, que havia sido devolvido pelo Santos ao Jabaquara) empatou, em que pese seu time não estar jogando bem. Tanto, que aos 15, Pepe fez 2×1 Santos. E aos 22, Tite ampliou, encaminhando mais uma vitória santista no retrospecto amplamente favorável ao Peixe, diante do Jabuca.  Mas esqueceram de combinar isso com o adversário. Foi daí, que o inacreditável começou a acontecer: aos 32, o ponta Bugre diminui e aos 44, o centroavante Washington empata, para surpresa geral. Algo de estranho estava ocorrendo. Mais estranho ainda, foi que a reação prosseguiu, na segunda etapa: o meia Melão desandou a fazer gols (ele que já havia aberto a contagem) anotando mais três em sequência: aos 5 minutos, aos 25 e aos 28, estabelecendo estarrecedores 6×3! Começam então, a surgir alguns torcedores santistas – vizinhos da Vila Famosa – até de pijamas, para conferir se era mesmo verdade o que ouviam pelo rádio. No finalzinho, aos 42, China tenta interceptar um chute de fora da área e acaba marcando contra, diminuindo o vexame santista para 4×6. Mas houve troco após aquele confronto. Isso porque o rubro amarelo, não tendo estádio, guardava todo seu material esportivo nas dependências da Vila Belmiro, além de mandar suas partidas, lá. Revoltado com a derrota, o presidente Modesto Roma mandaria botar tudo na rua, no dia seguinte.  Após essa vitória (além de uma outra diante da Portuguesa Santista) o Jabaquara passou a ser chamado por um tempo, de “O Dono da Cidade” em Santos e o episódio é até hoje lembrado no litoral pelos torcedores mais antigos, como “O Terremoto da Vila”.

PORTUGUESA 2 X 0 PALMEIRAS (05/6/1955)

“SAUDADES DA GRANDE PORTUGUESA DE DESPORTOS”


No início dos anos 50, Oswaldo Brandão começou a montar aquele timaço da Lusa, na fase áurea do clube, até então, apenas bicampeão paulista de 1935/6. Na primeira metade daquela década, a Portuguesa ganhou os títulos do Rio-SP (52 e 55), a Taça San Izidro (51), os torneios de Salvador e de BH (ambos em 51), além de se sagrar tricampeã Fita Azul no exterior (em 51, 52 e 54). E teve atletas como Cabeção, Noronha, Djalma Santos, Brandãozinho, Ipojucan, Servílio, Pinga, Simão, Julinho Botelho, entre outros, além de impor goleadas como os 7×3 em cima do Corinthians ou os 8×0 sobre o Santos. Portanto, os quarenta mil torcedores que lotaram o Pacaembu, sabiam que aquela decisão de Rio-SP seria um “jogaço”, ainda mais após o empate de 2×2 na primeira partida. O Palmeiras veio de Laércio, Manoelito e Mário; Belmiro, Valdemar Carabina e Gérsio; Rento, Humberto, Nei, Ivan e Rodrigues. Téc. Cláudio Cardoso. A Portuguesa, com Cabeção, Nena e Floriano; Djalma Santos, Brandãozinho e Zinho; Julinho Botelho, Ipojucan, Airton, Edmur e Ortega, agora sob o comando de Délio Neves. Foi uma partida bem disputada, cheio de oportunidades perdidas e jogadas bem concatenadas, mas que aos poucos, demonstrou predomínio técnico da Lusa. Aos 36 minutos, o habilidoso Julinho Botelho fez bela jogada pela direita e abriu a contagem, iniciando a festa lusitana. Na volta para o segundo tempo, imaginava-se que o Palmeiras fosse pressionar, mas o que se viu, foi uma Portuguesa mais assentada em campo, que foi aos poucos tomando novamente conta do jogo, em especial após a marcação do segundo gol, aos 18 minutos, quando o meia Ipojucan anotou também o seu, fechando o placar em 2×0 e coroando a belíssima campanha daquela equipe que deixou saudades no coração dos torcedores paulistanos.

PALMEIRAS 1 X 1 SÃO PAULO (28/01/1951)

“O INESQUECÍVEL JOGO DA LAMA”


Este foi o jogo que deu ao Palmeiras, o título paulista de 1950 e quebrou um tabu: pela primeira vez, uma equipe conseguia vencer a Taça Cidade de SP e também o Paulistão, no mesmo ano, entrando para a história como o “Jogo da Lama”. A disputa do campeonato havia sido postergada – devido à Copa do Mundo de 1950 – iniciando apenas no segundo semestre, daí a decisão ocorrer só em 1951. Foi um campeonato emocionante, pois apresentou alternância dos dois times na ponta da tabela, durante o seu desenrolar. A três rodadas do fim, o tricolor tinha três pontos de vantagem, mas conseguiu perdê-la, tropeçando em Ypiranga e Santos. Na última rodada, passaria a

ter obrigação de vencer os palmeirenses, que jogavam pelo empate. Jair Rosa Pinto, grande craque alviverde que fora afastado da equipe três rodadas antes numa derrota para o Corinthians, voltou a ser relacionado, após “acabar” com um treino, antes da decisão. Um Pacaembu absolutamente lotado e encharcado por uma torrencial chuva que atingira a capital, horas antes, recebeu o São Paulo de Mário, Savério e Mauro; Bauer, Rui e Noronha; Dido e Remo; Friaça, Leopoldo e Teixeirinha. E também o Palmeiras, de Oberdan, Turcão, Palante e Waldemar Fiúme; Luiz Villa, Sarno e Lima; Canhotinho, Aquiles, Jair Rosa Pinto e Rodrigues. Teixeirinha inaugurou o marcador logo aos quatro minutos e os são-paulinos martelaram a meta esmeraldina o primeiro tempo todo, com Oberdan intervindo várias vezes, salvando a equipe de um placar mais elástico. O São Paulo dominava todas as ações em campo e o 1×0 saiu barato para aquela estranha apatia verde. Nos vestiários, Jair pediu a palavra ao treinador e aos gritos, conclamou os companheiros a resgatarem a velha garra palestrina, lembrando a todos, da grandeza do uniforme que envergavam. Aliás, todos muito enlameados, pois a chuva tornara o espetáculo quase impraticável. A bronca deu certo, mexendo com os brios da rapaziada: o Verdão voltou com tudo, pressionou e empatou numa jogada magnífica e dramática de Jair, fruto de uma arrancada do meia, na qual driblou praticamente toda a defesa tricolor (além das poças d’água) e serviu com um passe açucarado, para Aquiles apenas empurrar para as redes inimigas. Um gol genial, que decidiu o título a favor de quem demonstrou no fim, mais vontade de conquista-lo e que acabaria sendo a “pedra fundamental” para o título mundial do time, meses depois, pois aquele triunfo credenciaria o Verdão para as disputas da Copa Rio-1951.

SÃO PAULO 4 X 1 SANTOS (15/8/1963)

“O DIA EM QUE O SANTOS FUGIU DE CAMPO”

Houve um período em que o São Paulo ficaria 13 anos sem títulos. Tempos difíceis, de construção do Morumbi e economia na formação de plantéis competitivos. Foi nessa fase complicada do tricolor, que o alvinegro praiano vivia seu auge futebolístico, com o bicampeonato mundial e aquele que é tido como o maior time da história do futebol.

Naquela quinta-feira à noite, 60 mil torcedores no Pacaembu viram o São Paulo vir a campo com Suly, Deleu, Bellini e Ilzo; Dias e Jurandir; Faustino, Martinez, Pagão, Benê e Sabino. O Santos veio de Gylmar, Aparecido, Mauro e Geraldino; Zito e Dalmo; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Mal o clássico começa e aos 5 minutos, Martinez entrega para Faustino, que invade em diagonal, finta dois adversários e fuzila Gylmar: 1×0. Mas aos 21, num cruzamento de Dorval pela direita, Pelé sobe mais que os zagueiros e empata o jogo, de cabeça. Só que aos 37, Pagão e Benê tabelam, envolvendo a defesa santista, até o centroavante bater à queima-roupa, diante de Gylmar. Até aí, tudo bem, jogo normal. Mas aos 40 minutos começa a confusão, tendo o polêmico árbitro Armando Marques, como um dos personagens. Tudo porque o ponta-esquerda Sabino, recebendo um lançamento de Martinez, amplia para 3×1 e o bandeirinha sinaliza impedimento. Mas Armando prefere ignorar o auxiliar e confirmar o tento. Os santistas protestam e o árbitro expulsa Coutinho, no meio da discussão. Pelé se enerva e instantes depois, desacata o juiz, seguindo também mais cedo para os vestiários. Com 3×1 na cabeça e sua grande dupla de atacantes expulsa, Lula teria uma missão complicadíssima para o segundo tempo. Assim, Aparecido estranhamente não retornou, permanecendo “contundido” nos vestiários, deixando o time santista agora, com apenas oito atletas em campo. Claro que se tratava de uma situação irreversível.

No comecinho da segunda etapa, num choque entre Bellini e Pepe, o ponta-esquerda (adivinhem?) também saiu machucado, deixando o Santos agora, com sete. No sétimo minuto, Roberto Dias faz uma ligação direta com Pagão, que entrou como quis na área, estabelecendo 4×1. Uma goleada ainda mais elástica se desenhava. Foi daí, que na saída de bola, Dorval levou um chute numa dividida, deixando o gramado, também.

Com apenas seis atletas pelo lado do Peixe, Armando Marques não tem outra solução a não ser encerrar a partida naquele momento, a qual ficaria conhecida como “o dia em que o Santos fugiu de campo”.

CORINTHIANS 4 X 3 PALMEIRAS (25/4/1971)

“O FAMOSO CLÁSSICO DO VIRA-VIRA”

Era mais um clássico pelo campeonato paulista e que encerraria o primeiro turno. Mesmo com um tabu de 15 anos sem títulos pelo Paulistão, o Timão havia acabado de faturar o “Torneio do Povo” enquanto o Verdão era respeitosamente chamado de “Segunda Academia”. Perante 61 torcedores, o Corinthians entrou em campo com Ado, Zé Maria, Luís Carlos, Sadi e Pedrinho; Tião e Rivellino; Lindóia, Samarone, Mirandinha e Peri. O Palmeiras foi de Leão, Eurico, Baldocchi, Luís Pereira e Dé; Dudu e Ademir da Guia; Fedato, Héctor Silva, César e Pio. Uma partida empolgante, do começo ao fim!  Tanto, que com apenas 35 segundos jogados, Ademir vem para a área e César conclui com êxito: Palmeiras, 1×0. Nove minutos mais tarde, em outra descida pela meia-direita, o mesmo “César Maluco” amplia o marcador em favor dos esmeraldinos, para 2×0. O placar não é mais alterado, até o intervalo.  O segundo tempo trouxe mudanças para as equipes. No Corinthians, Adãozinho e Natal.  No Palmeiras, Leivinha. Logo aos 5 minutos, Rivellino bateu uma falta com muita violência e no rebote de Leão, Mirandinha descontou. Aos 24, Adãozinho pegou um “pombo sem asas” no ângulo, de fora da área e de canhota, empatou o clássico. Já na saída de bola, o Verdão desceu e Leivinha, de fora da área e também de canhota, mandou no ângulo, longe do alcance de Ado, recolocando seu time em vantagem: 3×2. O mais incrível é que, assim que foi dada novamente a saída, o alvinegro deu o troco, numa jogada construída por Natal e concluída na arrancada de Tião: 3×3, aos 26 minutos. Não perca a conta! Cansadas, as equipes procuraram se resguardar um pouco mais e quando todos apostavam num belo empate, veio a histórica virada corintiana: aos 42 minutos, Natal e Mirandinha tabelaram em alta velocidade; o passe na medida veio para Mirandinha, que chutou em cima da zaga. Ele mesmo apanhou o rebote e inapelavelmente arrematou para as redes alviverdes: 4×3. Um jogo digno da grandeza do Derby.

SANTOS 2 X 3 PEÑAROL – 02/8/1962

“O ÁRBITRO QUE ENGANOU TODA UMA CIDADE”

Após uma vitória de virada por 2×1 sobre o Penãrol no Uruguai, o Santos necessitava agora de um simples empate em casa, para se sagrar campeão da Libertadores-62. O Peñarol era o campeão mundial e vinha em busca do tricampeonato sul-americano.

O time de Lula, desfalcado de Pelé, contundido, veio a campo com Gylmar, Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pagão e Pepe. Já a equipe de Bela Guttmann, com Maidana, González, Lezcano, Cano e Caetano; Carranza (Golçálvez), Matosas e Pedro Rocha; Sacia, Spencer e Joya. A Vila parecia um barril de pólvora prestes a explodir naquela noite, especialmente pela presença do já conhecido

árbitro Carlos Robles, o qual, logo no início, tratou de ir ignorando uma penalidade em Coutinho. Até que aos 15 minutos, Spencer abriu o placar. Ainda bem que Dorval empatou, aos 19, serenando um pouco os ânimos, com um belo chute cruzado. E aos 36, com um petardo bem no ângulo, Mengálvio pôs o Santos na frente. Festa santista! Mas o Peñarol não era campeão mundial à toa e logo aos três do segundo tempo, empatou num escanteio que terminaria com uma cabeçada firme de Spencer, o “maior goleador das Américas”. Só que no lance, Sacia teria jogado areia nos olhos de Gylmar. Ignorando a reclamação santista, o juiz chileno validou o lance e o tento. Com o empate, os uruguaios começaram a pressionar e conseguiram – numa jogada faltosa de Sacia sobre Calvet – marcar o terceiro, aos 11 minutos. Era demais: a torcida, revoltada, atira uma garrafa na cabeça do árbitro, ferindo-o. O jogo é interrompido. Após uma longa paralisação, os ânimos se acalmaram e o Santos passou a pressionar, em busca do empate. E ele viria num chute de rara felicidade de Pagão, de fora da área. O resultado dava o título ao Peixe. Eram decorridos 22 minutos. No meio da festa, eis que a torcida alveja agora o bandeirinha, com um baita parafuso arrancado da estrutura das arquibancadas. A “batalha” é novamente interrompida. O trio de arbitragem se recolhe para os vestiários e volta só depois de dez minutos, afinal reiniciando aquela tumultuada peleja. Agora Pepe é quem é derrubado na área e o juizão manda seguir. Até que aos 38, Mauro faz falta em Pedro Rocha fora da área, mas Robles assinala penalidade máxima. Porém, com a chuva de garrafas no gramado, primeiro reconsidera sua decisão e marca falta, até que, por fim, vendo o pandemônio que se instalara nas arquibancadas, decide por “encerrar o espetáculo” aos 40 minutos do segundo tempo. Festa da torcida e volta olímpica dos brasileiros, mas… De repente, o lateral González avisa Pepe (a quem marcara, durante o jogo) que eles estavam todos, fazendo “papel de bobos”: o Peñarol havia vencido por 3×2. “Mas como?”; quis saber o atacante santista. Daí o jogador do Peñarol lhe explicou que, assim que a partida foi interrompida pela primeira vez – aos 11 minutos da segunda etapa – naquela garrafada que o juiz levara; ele (secretamente) decidiu por encerrar o jogo, passando a realizar todo um “teatro” a seguir e prosseguindo com a disputa apenas em “caráter amistoso”, com medo de não sair “vivo” do estádio. Estranho que os uruguaios tivessem ficado sabendo daquela tramoia, enquanto que os brasileiros, não. Enfim: não havia valido o gol de empate de Pagão. E muitos santistas foram dormir felizes, só descobrindo que ainda não eram campeões, no dia seguinte, quando o árbitro já estava bem longe dali. Ainda bem que depois, na partida-desempate – em campo neutro – o Santos (já com Pelé e sem esse juiz) goleou o Peñarol por 3×0, ficando com o título da Libertadores, merecidamente.

PALMEIRAS 6 X 7 SANTOS (06/3/1958)

“O MAIOR CLÁSSICO DE TODOS OS TEMPOS”

Para mim, a mais disputada de todas as partidas que conheço e por isso mesmo; deixei-a propositalmente para o final. Este é um daqueles jogos que não decidem campeonato – tratava-se apenas de mais uma partida pelo Torneio Rio-SP – mas que entrou para a história, pelo fino futebol apresentado em campo e seu desenrolar. Cinco torcedores teriam morrido, devido a infartos provocados pelo confronto (um deles, inclusive, no próprio estádio). Também, pudera: foram 13 gols e três viradas, ao longo dos 90 minutos! O Pacaembu recebeu 43 mil torcedores que viram o Santos entrar em campo com Manga, Hélvio e Dalmo; Fioti, Ramiro e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Pagão, Pelé e Pepe. Já o Palmeiras, com Edgar, Edson e Dema; Valdemar Carabina, Waldemar Fiúme e Formiga; Paulinho, Nardo, Mazzola, Ivan e Urias. O jogo iniciou “pegado” e a “tempestade de gols” demorou um pouco a sair. Mas quando

começou… Somente aos 18 minutos, a contagem foi aberta, através do ponta-esquerda Urias. Mas Pelé (sempre ele!) empatou dois minutos depois. E Pagão, aos 24, virou o marcador a favor do Peixe. Nardo empatou para o Verdão, um minuto depois.

Mas aí, começou aquele Santos “arrasador”: Dorval aumentou a vantagem para 3×1. Pepe – o melhor jogador em campo naquele dia – aumentou para 4×2, aos 38 e Pagão, antes que os times descessem para os vestiários, aos 46, anotou o quinto, “matando” o Palmeiras. Acontece que Oswaldo Brandão “ressuscitou” a equipe no intervalo, dando uma sacudida psicológica em todos, mudando o esquema para o segundo tempo, fazendo entrar o gringo Caraballo na linha e sacando o goleiro Edgar, que havia falhado e chorava nos vestiários, promovendo a entrada do arqueiro Vitor. As equipes reiniciaram o jogo a exemplo do segundo tempo: num confronto muito “pegado”, sem darem muito espaço. Aos poucos, o Palmeiras começaria a predominar e Paulinho descontou aos 16 minutos. O grande Mazzola empatou o confronto, com dois gols. Um deles, apanhando rebote da zaga aos 20 minutos e o outro, aos 28, de cabeça: inacreditáveis 5×5; fruto daquela incrível reação.  Mas não parou por aí: Urias – aquele que marcou o primeiro gol – virou o jogo, aos 34 minutos. “Milagre no Pacaembu!” – berrava Edson Leite, ao microfone da rádio. Só que o tal “milagre” durou pouco, pois Pepe (o melhor da partida, lembram-se?) empatou, num raro gol de cabeça, aos 38 minutos. E so-bre-na-tu-ral! Aos 43 minutos, marcou mais um – o da virada definitiva – selando a vitória praiana por 7×6. É bom lembrar que nenhum dos dois foi campeão daquele Torneio Rio-SP: o Vasco seria o campeão e o Flamengo, o vice. Mas o Santos se tornaria em pouco tempo, o maior time do planeta. Quanto aos palmeirenses; os dirigentes, sensíveis ao fato do que eles também haviam jogado, resolveram pagar o bicho, como se fosse uma vitória. Afinal de contas, naquele dia, todo mundo mereceu!

Eram realmente outros tempos no futebol…

REVELANDO UM SÓCRATES DESCONHECIDO

por Émerson Gáspari               


Dito e feito.

Basta eu começar a ler qualquer texto sobre o Dr. Sócrates, seja em livros, revistas, jornais, sites e – invariavelmente – todos descambam para um lugar comum: seu engajamento político, suas convicções, sua luta pela democracia plena.

Não que eu ache que jogador ou torcedor deva ser alienado. Ninguém deveria ser.

Mas, para mim ao menos, é uma chatice só. Mais do mesmo, sempre! E nada de se falar daquilo que realmente nos interessa: seus feitos em campo, numa partida de futebol.

Apesar disso, boa parte dos leitores já deve conhecer razoavelmente a carreira do “Magrão”: seus títulos pelo Corinthians, seus gols e jogadas na Seleção. E a luta pelas “Diretas Já”, a “Democracia Corintiana” e aquele “blá, blá, blá” político todo, que não acaba mais, ocupando sempre a maior parte do texto, infelizmente.

Embora respeitando o direito de quem queira abordar mais política do que futebol, meu objetivo aqui é diferente: contar jogos e casos memoráveis do querido Doutor Sócrates – do qual fui fã de carteirinha na juventude – que sejam desconhecidos pela maioria dos torcedores brasileiros, ocorridos muitas vezes na cidade em que moro, a Ribeirão Preto que ele adotou como terra natal.

Sim, porque embora a família de Sócrates vivesse na minúscula Igarapé-Açu – interior do Pará – o menino nasceu mesmo, foi na capital Belém, em 19/02/54.

Primeiro de seis filhos homens, ele receberia o exótico nome, devido às leituras do pai, sobre filosofia grega. Seu Raimundo amava os livros em geral e foi através deles, que aos poucos, conseguiria passar em concursos, melhorando a vida da família e vindo terminar sua saga em Ribeirão, para onde se mudariam, quando Sócrates tinha seis anos. O garoto já era santista.

Um dia (04/9/65), assistiram o Santos de Pelé golear o Botafogo – ainda no antigo Luiz Pereira – pois Raimundo se tornara botafoguense e frequentava o estádio. Já Sócrates, ficou bem satisfeito com a goleada de 7×1 imposta pela equipe praiana.


Para desespero do técnico tricolor Oto Vieira, sua dupla de zaga naquele dia – Baldochi e Veríssimo – levou um tremendo baile da dupla atacante sensação do Peixe: Pelé marcou três gols e Coutinho, outros dois.

Foi um período mágico para o menino, que adorava jogar bola na rua com a garotada, diante de sua casa. Usavam o próprio portão da garagem como gol. Sócrates já estudava no tradicional Colégio Marista e atuava por um time amador da cidade, o Raio de Ouro.

Além de excelente revelação do amador, ele também disputava jogos de futebol de salão no colégio e foi assim que o professor de educação física Haroldo o conheceu e o encaminhou para o Botafogo, até por ter estreitas relações com o clube.

Foi nesse período das quadras, que o craque desenvolvera rara habilidade no toque de calcanhar. Por ser alto, magro e lento, percebia que demorava muito tempo para virar o corpo e se acostumou a tocar a bola de primeira, recorrendo a essa estratagema, com frequência.

O ano de 1970 marcou os primeiros jogos dele, nas categorias inferiores do Bota. Tudo ia bem, até que a Faculdade de Medicina entrou em sua vida dois anos mais tarde e ele precisou se esforçar muito para conciliar as duas obrigações, a partir dali.


Devido aos estudos, era dispensado de vários treinos ou mesmo atividades físicas, para fortalecer a musculatura, pois sempre havia aulas ou plantões a comparecer, na USP. Por causa disso, certa vez viajou às pressas para São Paulo, chegando em cima da hora de uma partida contra o Corinthians (29/5/75), tendo que pagar ingresso (!) para poder entrar no estádio e assim, se aproximar do túnel dos vestiários do Botafogo, de onde foi visto e afinal, incorporado à delegação. O Botafogo até perdeu por 4×1, mas o gol de honra foi dele, após apanhar o rebote de uma bola na trave chutada por Geraldo, igualando o marcador, naquela altura do jogo. Mais uma de suas peripécias!

Obviamente isso atrapalhou sua carreira por um tempo.

No ano de 1972, participaria de suas primeiras partidas pela equipe de cima (quando até marcaria seu primeiro gol), porém, sempre com um déficit no preparo físico, ainda não conseguia se destacar, apesar dos lampejos de inteligência que já exibia em campo. Foram eles, que mantiveram o Botafogo interessado naquele jogador tão frágil e ao mesmo tempo, tão promissor. Parecia ser impossível alguém com 1,91 m. de altura e pesando pouco mais de 70 quilos, conseguir jogar futebol em alto nível. Ainda mais, sendo fumante.

Às vezes criavam-se situações muito embaraçosas, pois seu Raimundo jamais descuidou da rigidez paternal exercida pelo bem do filho. Se por um lado, cobrava-lhe para que priorizasse os estudos, por outro, ficava em cima de suas atuações nos gramados, desde o começo.

Daí ocorrerem casos como o do dia em que tinha prova num cursinho daqui da cidade e – no mesmo dia e período – Come-Fogo decisivo da categoria de base.

Raimundo o deixou de carro na porta do colégio, pouco antes da prova. Mas Sócrates não entrou: saiu de lá, atravessou boa parte da cidade a pé e foi para o jogo, onde teve destacada atuação, definindo a vitória botafoguense com dois gols. Só que o pai descobriu sua peraltice, pois os amigos vieram lhe cumprimentar pelo desempenho do filho, naquela decisão. Imaginem só o tamanho da bronca que ele ouviu!

Como disse, as exigências do pai ocorriam ao mesmo tempo, pelo outro lado: nos jogos, ele costumava berrar para que o filho saísse da sombra que se formava na lateral do gramado, geralmente no segundo tempo dos jogos. Explique-se: digamos que a temperatura da “Califórnia Brasileira” sempre foi inescrupulosamente quente e abafada (a ponto de dizermos que aqui só existem duas estações: verão e “inferno”).

O problema térmico é agravado pelo fato da cidade ficar numa depressão que pode ser facilmente notada por quem chega de São Paulo, pela Via Anhanguera.

Isso se complica ainda mais no estádio Santa Cruz, escavado na encosta de um morro, sendo fechado por todos os lados e tendo suas arquibancadas bem altas, o que parece dificultar a circulação dos ventos e ampliar a sensação de intermitente mormaço. Uma espécie de “panela quente” a céu aberto.

Daí Sócrates buscar um “refresco” na sombra das numeradas, às vezes, para irritação de seu exigente pai. Bem diferente do modo como alguns pais tratam seus filhos jogadores hoje em dia, não é mesmo?


A partir de 1974, Sócrates passaria a entrar mais assiduamente no time titular, depois que o meia Maritaca se contundiu durante uma partida e ele ajudou na vitória de 1×0 diante do América/SP, em casa, no estádio Santa Cruz (06/02/74).

Assumindo a condição de titular, esteve nas vitórias em cima da Ponte Preta por 2×0 (10/02/74), do SAAD por 2×1, quando marcou um gol (10/3/74) e do Paulista por 4×1, quando fez dois pela primeira vez. Dali por diante, deslanchou.

Logo de cara, se tornaria o principal articulador de jogadas e também o craque do time, fazendo do raçudo e pouco talentoso centroavante Geraldão, o artilheiro do Paulistão, com 23 gols na temporada. O meia já demonstrava toda a sua genialidade em campo, com toques surpreendentes e clássicos, além de incrível visão de jogo, bem como, noção exata do valor das assistências que distribuía.

Foi um atleta que sempre preferiu dar o passe para um companheiro melhor colocado, que tentar ele mesmo, um gol. Era o avesso do chamado “fominha”.

Apesar disso, não deixava de assinalar muitos gols, também, pela meia-direita: em 1974 faria 12, em 1975 seriam 21, em 1976 foram 27, em 1977 também 27 e em 1978, outros 13 gols, desta vez em pouco mais de meia temporada, pelo Botafogo.

Só não marcaria quando de sua última (e curta) passagem pelo clube, já em 1989, para encerrar a carreira. Ao todo, 101 gols em 271 partidas pelo Fogão. Em 1976, por exemplo, ele foi artilheiro do Paulistão, com 15 tentos assinalados.

Formidável, ainda mais em se tratando de um time de interior e de um atleta que preferia conceder gols aos outros. Aos poucos, suas atuações foram empolgando mais e mais a torcida, pois ele começou a desequilibrar partidas a torto e a direito. 

O meu Paulista de Jundiaí mesmo, que foi o primeiro clube a ter a “primazia” de levar dois gols dele, acabaria sendo também, o primeiro a tomar quatro, na vitória do Bota por 5×3 no Santa Cruz (21/5/75). Nem a presença do ótimo goleiro Edson Borracha adiantou para o “Galo da Japi”, naquele dia. 

Outros times, como o Juventus e o São Bento, também levaram dois gols de Sócrates numa só partida, mais de uma vez, enquanto ele esteve no Botafogo.


Foram vários jogos com dois gols marcados por ele, contra vários clubes; inclusive num compromisso pelo Brasileirão, Botafogo 4 x 0 Goiás  (17/10/76)  que parte da torcida panterina considera o melhor da equipe em todos os tempos, porque ele e Zé Mário (outro fenômeno daquele time) “gastaram a bola”, naquele dia.

Mas, três dias mais tarde (20/10/76) fariam também aquela que “a maioria” dos botafoguenses considera a “obra-prima” daquele time: o 1×1 em casa, diante da poderosa “Máquina do Prof. Horta”, o Fluminense bicampeão carioca de 1975/6, gerando recorde de público “oficioso” no “Santão”, inclusive.

Aos 8 minutos, Zé Mário abriu a contagem, pela direita, num belo gol por cobertura e aos 43 do segundo tempo, PC Caju trouxe pelo meio e serviu à Rivellino na ponta-esquerda, que pegou um lindo chute de três dedos, livrando o time da derrota em cima da hora.

O Botafogo estava “jogando muito”, mesmo quando Sócrates não marcava.

Imaginem então, no dia em que ele desembestou a marcar gols sem parar!

Isso ocorreu naquele mesmo ano, só que pelo Campeonato Paulista. A vítima seria a     

Portuguesa Santista e antes, cabe aqui uma explicação, pois a partida guarda alguma relação com outras três. Eu explico.

Em 06/9/64, o Santos (desfalcado de Pelé) perdeu por 2×0 para o Bota em Ribeirão, que quis dar “olé” em campo. Pois bem: no jogo de volta pelo Paulistão, em 21/11/64, Pelé vingaria o Santos, marcando oito gols na goleada de 11×0 sobre o Fogão. Seu treinador, Oswaldo Brandão, que acabou demitido e indo parar no Corinthians; teria dito antes do jogo, que Pelé “não estava mais no auge, marcando menos gols”.

Duas semanas depois daquele massacre (06/12/64), o Santos enfrentou o Timão e tome nova goleada, dessa feita por 7×4, com Pelé marcando mais quatro, fazendo com que Brandão se arrependesse do que teria dito e levando doze gols do Rei, em poucos dias. Mas o que Sócrates tem a ver com isso tudo, afinal?

Acontece que a traumatizada torcida botafoguense jamais esqueceu o vexame (até porque os comercialinos os gozavam sempre) e doze anos depois, no campeonato paulista de 1976, a pobre Portuguesa Santista é que acabaria “pagando o pato”.


Nesse dia (13/6/76), Sócrates esteve impossível: aos 16 minutos, fez seu primeiro gol. Aos 20 ampliou, num golaço que merece ser recordado em todos os detalhes (eu mesmo o ilustrei, para uma série com os maiores gols dele, publicada por um jornal daqui), tal sua plasticidade.

O jogador Alfredo veio com a bola dominada pelo meio e à cerca de quinze metros da grande área a lançou, por elevação, para Sócrates que estava na meia-lua, tendo dois beques colados por trás, “fungando em seu cangote”.

O craque, ainda de costas para o gol e seus marcadores, saltou e a matou no peito, direcionando a bola para o lado direito, a fim de ludibriar a marcação. Girou o corpo e assim que o espaço para o chute se abriu, naquela fração de segundo, o Doutor acertou um tiro seco, de direita, sem deixar a pelota sequer quicar no gramado. Indefensável! Entrou no ângulo esquerdo da meta do goleiro Pedro Paulo, que sequer esboçou reação. Um gol para aplaudir de pé!

Só por isso, já teria valido o ingresso, mas Sócrates não parecia satisfeito: decidiu “acabar” com o jogo, na segunda etapa, marcando mais cinco gols!

Aos 15, 25, 27, 31 e 44 minutos. Como se não fosse o bastante, deu também as três assistências para os demais gols da equipe, que massacrou a Portuguesa Santista por 10×0, com sete gols dele. Os outros tentos – com passes dele – saíram aos 25’/1º com João Marques, aos 37’/1º com Zé Mário e aos 16’/2º com Alfredo.

Acharam pouco? Pois a torcida botafoguense achou. Tanto, que no último lance do jogo, uma bola foi cruzada na área e Sócrates chegou atrasado, perdendo a chance de marcar o oitavo dele, devolvendo o escore de 11×0 para a cidade de Santos. Na sequência da jogada, o juiz encerrou a partida e (acreditem!) começaram a surgir algumas vaias das arquibancadas, por ele não ter conseguido o mesmo feito de Pelé.

Pensam que foi coisa de torcida? A própria imprensa, insatisfeita, acabou elegendo o meia-esquerda Alfredo, como “o melhor do jogo” e Alfredo acabaria por faturar o prêmio oferecido ao maior craque em campo. É mole ou querem mais?

Isso revela o quanto o futebol podia ser exigente com seus jogadores. Lembro vocês, que Zico declarou certa vez numa entrevista, que no tempo deles, era preciso marcar uns três gols e fazer umas dez jogadas legais num jogo, pra ganhar uma nota 10.

Hoje – segundo Zico – bastam um gol e uma jogada legal e o “carinha” leva o dez, numa boa. Concordo com o Galinho: é exatamente isso!

Outro clube que sofreu horrores com Sócrates no Botafogo, foi o rival da cidade, o Comercial. O tradicional “Come-Fogo” hoje apresenta retrospecto equilibrado: em 170 jogos, 61 vitórias do Fogão (212 gols), 57 empates e 52 vitórias do Bafo (208 gols).


Mas vejam a importância de Sócrates nessa rica história que já dura quase um século: na primeira fase do confronto, quando o Comercial era o time da elite, chegando a vencer o primeiro clássico por 8×0, o “Leão do Norte” estabeleceu larga vantagem de vitórias. Porém, a partir de 1954, essa diferença foi caindo, inverteu-se e foi ampliada, em especial nos tempos do Doutor, à favor do “Pantera”, durante a década de 70.

Depois dele, se reequilibraria novamente.

Em mais de cinco anos de participação, Sócrates disputou 19 clássicos, marcando seis gols ao longo de nove vitórias, sete empates e três derrotas.

Entretanto, talvez nenhuma delas tenha sido tão incrível quanto a que “profetizou” a vitória e seu gol. Na verdade, uma coincidência muito grande, que vale à pena ser contada para vocês.

Após decidir com gols, os dois últimos clássicos “Come-Fogo” por 1×0 (em 07/12/75 e 01/02/76), o Doutor, provocado por amigos comercialinos às vésperas de mais um clássico, “vaticinou” que repetiria a dose, com “requintes de crueldade”, marcando no último minuto da partida. E não é que aconteceu mesmo?

O jogo era em Palma Travassos, estádio do Comercial e o 0x0 modorrento, que já se arrastava principalmente nos dez minutos finais, sob um sol escaldante, estava prestes a terminar. 

Sócrates já havia marcado antes, no decorrer da partida, mas o juiz assinalara impedimento, invalidando o tento. Satisfeito com o empate – mesmo em casa – o Bafo trata de “fazer o tempo passar”: são 43 minutos e a bola, lançada ao ataque pelo Botafogo, é dominada pela zaga comercialina.

Nisso, surge a figura do goleiro Lula, que sai de sua meta e segura a bola, com as duas mãos. Aguarda alguns segundos e quando praticamente todos se afastam, solta a bola e se aproxima da risca da grande área, pelo lado esquerdo da zaga, tocando rasteiro, para o quarto-zagueiro Gonçalves, próximo dele.

Gonçalves, tendo apenas a presença de Sócrates – a uma segura distância – hesita por um instante e resolve devolver para o goleiro (numa época em que isso era permitido). Chegamos aos 44 minutos. O árbitro Almir Laguna observa o lance, ali da meia cancha,

aguardando um chutão para o círculo central. Vaias eclodem da torcida, em direção ao gol “dos fundos” do estádio (aquele que fazia fronteira com o antigo poliesportivo do alvinegro).

Lula recolhe a bola e por um instante, faz de conta que vai descarregá-la para o campo de ataque, mas decide tocar outra vez para Gonçalves, chegando agora até a linha da grande área. Sócrates se aproxima preguiçosamente do zagueiro. Gonçalves recebe a pelota e sente o botafoguense de repente se aproximar por trás, correndo. Pressionado, recua às pressas para o goleiro, mas a precipitação faz com que o passe não seja perfeito e Sócrates mantém o trote, agora atrás da bola.

Lula se assusta e corre na direção da redonda, que adentra a área, seguindo quase na direção da marca penal. O Doutor acelera, passa pela meia-lua e parece que vai chegar atrasado, um segundo após o arqueiro. Mas Lula escorrega ligeiramente e quando se atira, não consegue alcançar o craque, que de carrinho, empurra a bola para as redes, de pé direito. A “profecia” se cumpria. E tome gozação botafoguense, depois disso.

Mais um gol que ilustrei para a tal série de gols dele, num jornal daqui de Ribeirão.


Obviamente esta não foi a única história entre Sócrates e o rival, o Comercial.

Houve de tudo um pouco: do dia em que o treinador Alfredinho Sampaio mandou o time recorrer ao “cai-cai” com medo de uma goleada, até jogo decidido com gol dele, após uma briga generalizada que durou praticamente dez minutos.

Sócrates ainda não era exatamente aquele jogador frio e calculista que vocês se acostumaram a ver no Corinthians e na Seleção.

Jovem, às vezes dava mostras de instabilidade emocional, nos momentos em que o clássico mais esquentava. Num deles (09/10/77), novamente disputado no campo do rival, acabaria sendo agredido pelo arqueiro. Caído ao solo, seria agora, pisado por um zagueiro, na sequência. Eram outros tempos no futebol…

O goleiro foi expulso e, com a saída providencial de um atleta da linha, entrou o arqueiro Lula, que estava na reserva.

Poucos minutos depois, pênalti para o Botafogo! Sócrates, ainda intranquilo com o ocorrido e molestado pela vaia intensa da torcida, mais a catimba do novo goleiro, acaba chutando para fora, pegando mal na bola.

Algo difícil de ocorrer, pois o Magrão tinha certas particularidades em campo e uma delas, era justamente sua incrível vocação de chutar no canto, sem desperdiçar. Não só nos penais: nos gols que fazia, Sócrates costumava tocar seco, no canto e a bola, bater na lateral da rede, pelo lado de dentro. Quer dizer: difícil para o goleiro pegar e com uma margem de segurança, até a trave.

Naquela época, apesar da altura, Sócrates ainda não cabeceava bem. Chegou a jogar na Seleção de Cláudio Coutinho com a camisa 9, mas não tinha no cabeceio, uma virtude, ainda. Foi a perseverança de Telê Santana em fazê-lo treinar esse fundamento, que o tornaria um bom cabeceador, com o tempo.

Poucos se lembram, mas Sócrates ainda ajudava na marcação. Ele era um dos poucos que davam carrinhos perfeitos, rasteiros, com os pés bem juntos, sem ocasionar faltas e no tempo preciso de desarme. Dava até gosto de ver. No Corinthians, apenas ele e Wladimir faziam isso de maneira precisa e perfeita. Essa precisão fazia com que o desarme não fosse perigoso, por mais difícil que seja acreditar, para quem não viu.

Naqueles tempos de Botafogo, Sócrates já era ótimo cobrador de faltas, também.

Não bastasse isso, o Magrão possuía privilegiada visão de jogo e uma virtude que poucos atletas tiveram: o sentido de antecipação de jogadas fabuloso.  Impressionante a facilidade com que, num único toque, conseguia ludibriar a zaga e colocar um companheiro na cara do gol. Os passes denotavam um jogador de rara inteligência.

Agora, o “ponto fora da curva” do Doutor, era mesmo o toque de calcanhar. Em qualquer situação, com grande variação de força e precisão absurda, ele o utilizava e praticamente nunca errava. Impunha respeito em qualquer partida e em quaisquer circunstâncias. Não há registro, em todo o planeta, de algum outro jogador que o tivesse usado com tamanha habilidade, em qualquer período da história do futebol.

O próprio Pelé (ídolo o qual Sócrates conseguiria enfrentar em campo, na Vila Belmiro, em 14/8/74, num Santos 2×1 Botafogo), afirmava achar o Doutor um jogador “melhor de costas do que muito jogador, de frente”.


Muitos se lembram do golaço de calcanhar que ele fez pelo Timão, contra o Guarani, em Campinas, após um rebote da zaga. Alguns, de um treino no Parque São Jorge, em que brincou de bater pênaltis contra o goleiro Solito.

Mas poucos sabem que ele já havia usado sua especialidade jogando pelo Botafogo e frente a um clube grande, o Santos. E na Vila Belmiro! Claro que acabou sendo mais um gol que ilustrei para o jornal daqui de Ribeirão.

Foi numa virada sensacional e que é considerado por muitos, o jogo que “revelou para o país”, aquilo que Ribeirão já sabia: que o Bota era um timaço com dois craques fenomenais: o ponta Zé Mário e o meia Sócrates. Antes, é preciso que eu abra um pequeno parêntese e explique para os que não o conheceram quem foi Zé Mário.

Um craque! Um extraordinário ponta-direita. Rápido, driblador; tem até, quem julgue que ele foi melhor que Sócrates, porque se tornou o primeiro jogador do clube, a ser convocado diretamente para a Seleção Brasileira.

Exageros à parte, a grande verdade é que ambos – ele e Sócrates – atuavam na meia-direita. Por Magrão ser mais cerebral e articulador e Zé Mário, mais rápido e driblador, acabou o primeiro virando o dono da camisa 8 e o segundo, o dono da 7. Sobrava para Paulo César Camassuti, reserva de dois cracaços e que mais tarde, acabou indo jogar no São Paulo, Corinthians e outros clubes.

Mas o destino seria cruel para Zé Mário: após dois jogos nos quais entrou e mostrou virtudes na Seleção Brasileira (onde Gil era o titular), exames diagnosticaram que ele tinha leucemia. Morreu poucos meses depois e seu enterro causou uma consternação inesquecível na cidade. Uma perda irreparável!

Isso posto voltemos ao tal Santos x Botafogo (23/3/77): o Peixe vencia por 2×0, quando o Doutor diminuiu a vantagem santista, aos 42 minutos da primeira etapa. Lançado por Zé Mário, Sócrates correu para a área, perseguido pelo zagueiro Neto. Invadiu a área e, diante da saída do goleiro Wilson, tocou por sobre o defensor, aplicando-lhe um chapeuzinho. Só que Neto correu pelo outro lado e prensou com o craque, contra a trave. Sócrates, mais esperto, tocou de calcanhar para dentro do gol, enquanto Neto se desequilibrava para fora do campo. Um gol com a marca registrada do Doutor.

Dois minutos depois, outra bela jogada de Zé Mário – agora pela direita – e o Magrão, num lindo peixinho, empatou. No segundo tempo, após uma disputa de bola pelo alto entre ele e o goleiro adversário, o Botafogo viraria.

Aquele ano de 1977 acabou sendo iluminado para o clube. Após uma excelente campanha no primeiro turno, no qual perdeu uma única partida (para a Ferroviária), o time, treinado pelo experiente Jorge Vieira e que contava também com o goleiro Aguilera, o lateral Mineiro, o meia Lorico, entre outros, acabou dando “liga” e chegou à final do primeiro turno daquele Paulistão, diante do São Paulo, no Morumbi.


Após uma brilhante partida na semifinal diante do Guarani – na qual perdeu um gol incrível – Sócrates repetiu a dose contra o São Paulo e o empate de 0x0 após a prorrogação, daria o Título da Cidade de São Paulo ao clube ribeirão-pretano. Pena que o juiz viu uma falta dele onde ninguém havia enxergado e anulou um belo gol dele.

A festa na chegada do time a então “Capital do Café” (19/5/77) acabaria sendo a maior de que se tem notícia, até hoje, na cidade.  A conquista seria capa do jornal Gazeta Esportiva e da revista Placar.

No segundo turno, o Botafogo acabaria perdendo a chance de uma final contra o Corinthians, num jogo frente a Ponte Preta em Campinas, onde valeu até, apagarem os refletores, para impedirem o empate iminente do Botafogo.

Mas a campanha tricolor foi elogiável e isso atraiu o interesse dos clubes pelos atletas panterinos. A equipe acabaria sofrendo algumas mudanças.

Sócrates se formou meses depois e finalmente decidiu por continuar sua carreira de jogador – uma decisão que ele havia deixado para tomar mais tarde – renovando com o Botafogo. O Doutor não foi convocado para a Copa de 1978, mas chegou a estar na lista dos 40 “selecionáveis” do então treinador da Seleção, Cláudio Coutinho.

Em agosto daquele mesmo ano, numa manobra espertíssima de Vicente Matheus, o Corinthians “passou a perna” no São Paulo (que já estava de olho no atleta fazia tempo) e contratou o Doutor primeiro por 5,860 milhões, a segunda contratação mais cara do futebol brasileiro, até então.

Um ano depois, a revista Placar já publicava uma edição especial dele, sob o título, na capa: “Sócrates – O melhor jogador do mundo”. 


A partir daí, todos praticamente já sabem, o Doutor se tornaria nacionalmente conhecido como o grande ídolo do Timão e mais tarde, através da Seleção Brasileira, seria mundialmente respeitado, como o capitão daquele selecionado que encantou o planeta, com seu futebol-arte.

O restante da história, também: que Sócrates atuou pela Fiorentina, onde não se adaptou muito ao futebol (e ao frio) italiano. E que um problema de hérnia de disco o prejudicaria mais tarde, na Seleção de 1986 e no Flamengo.

Chegou a parar de jogar, encerrando a carreira prematuramente. Mas retornaria, quase dois anos depois, para atuar no Santos, seu time de infância, já aos 34 anos.

Sua estreia se deu na partida Santos 4 x 2 Cerro Porteño. Apesar de ter já ter feito um gol no primeiro tempo e de ser o melhor em campo (mesmo sentindo falta de ritmo de jogo), Sócrates comandaria a virada dos santistas sobre os paraguaios, ficando na lembrança dos torcedores, o lance maravilhoso que protagonizou na segunda etapa, momentos antes de deixar o gramado, quando foi substituído.

O Magrão recebeu um passe praticamente no meio-campo, pela direita. Deu um drible da vaca no primeiro marcador que surgiu pela frente e acelerou, levando também, a marcação do segundo, passando entre os dois.  Arrancou com vontade e quando o terceiro zagueiro chegou para enfrentá-lo, enfiou-lhe a bola por entre as pernas.

Invadiu a área pela meia-direita, perseguido por esse último zagueiro e tocou ante a saída desesperada do goleiro Roverano, numa jogada simplesmente cinematográfica!

Por um capricho dos deuses, a bola – matreiramente – encobriu o travessão, saindo pela linha de fundo. Foi aplaudido de pé por uma torcida acostumada com as jogadas geniais de Pelé, no passado.

A propósito, assim como o Rei, o Doutor merece ser lembrado não apenas pelos gols geniais que marcou em sua carreira, mas também, pelos que perdeu.

Com a carreira praticamente encerrada, na temporada seguinte – a de 1989 – ele topou fazer algumas poucas partidas, apenas para ajudar o Botafogo no Brasileiro da Segunda Divisão e se despedir do clube, como os torcedores tanto pediam.

Fez uma meia dúzia de partidas e fui com meu saudoso pai, assistir sua despedida dos gramados em jogos oficiais, aqui em Ribeirão Preto, no “Santa Cruz”. Foi um 0x0 diante do São José, sem maiores emoções (11/10/89), no qual ele procurou armar o time e arriscou dois chutes de fora da área, que saíram por sobre a meta adversária.

Notei que colocava a mão nas costas ao fazer esse tipo de esforço maior, após chutar de longe e comentei com o velho, de que ele certamente sentia dores lombares, ainda. Fruto de sua hérnia de disco na coluna operada e de uma joelhada que levara nas costas, logo no início de sua reestreia com a camisa botafoguense.

Entretanto, apesar dos 35 anos e das limitações físicas, nos pareceu o único com alguma lucidez em campo, naquele dia. Tecnicamente então, era um absurdo a disparidade que o distanciava dos demais.

Sócrates ainda fez mais um jogo – amistoso – despedindo-se sem festas, nem alarde. Sempre foi avesso a esse tipo de badalação nos gramados.

Estava encerrada uma carreira pela qual marcou mais de 330 gols, proporcionando outros mil aos seus companheiros. Alguns desses parceiros ficaram na memória, em tabelinhas sensacionais com ele, como Zé Mário, Geraldão, Palhinha, Casagrande, Zico.

Vestiu as camisas do Botafogo, Corinthians, Seleção Paulista, Seleção Brasileira, Fiorentina, Flamengo e Santos.

Ele ainda colaborou com o Botafogo, tendo uma breve passagem como treinador da equipe. Foi também secretário de esportes do governo de Antônio Palocci por pouco tempo, mas algumas de suas medidas eram, digamos, “socialistas demais” para que a população pudesse compreender e aceitar.   

Começou a exercer sua profissão de médico, procurando ampliar seus conhecimentos e, além da ortopedia, se especializou na área de fisiologia esportiva. 


Montou a “Medicine Sócrates Center”, uma bela clínica fincada na Avenida Nove de Julho – então o endereço mais concorrido de Ribeirão Preto – e foi lá mesmo, que ele autografou algumas revistas e cards, para mim. Era uma pessoa afável, embora não curtisse muita tietagem futebolística.

Absolutamente desligado da fama, demonstrou sequer conhecer uma revista especial toda dedicada a ele, esboçando surpresa, quando a folheou, dizendo: “- Puxa, que revista legal; nunca a havia visto, antes!”.

Claro que ele não quis ficar com a revista, de presente. Assim como não cultuava o

hábito de tantos futebolistas, de guardar recortes de matérias e fotos de sua carreira. Sua secretária me presentearia, tempos depois (acreditem!) com um troféu já todo oxidado, que ele recebera no passado e uma camisa da Seleção Brasileira de Masters.

Havia acabado de jogar fora, duas caixas repletas de recordações pessoais do craque, após muito relutar – até que, receosa por uma bronca do patrão que insistia para que ela descartasse aquilo logo – cumpriu enfim o “sacrilégio” que ele havia determinado.

Após alguns anos, deixou também essa vida de lado e passou à militar na cultura, trabalhando num cine cultural de um amigo, bem no centro da cidade. Por um tempo, quase todas as manhãs, passava a pé, junto de sua última companheira em vida, na calçada de meu sebo, a caminho do trabalho.

Jamais o interpelei nessas oportunidades, mesmo tendo em meu modesto sebo, uma carga incrível de material futebolístico dele, com direito, inclusive, a pôsteres na qual envergava o uniforme do Botafogo, em um tempo no qual ele ainda usava aquelas borrachas para evitar que o “meiões” acabassem arriados, descendo por suas canelas tão finas. Sei que ele se sentiria incomodado; que não iria curtir.

Preferia ouvir suas análises sem aborrecê-lo, toda semana, no programa “Cartão Verde”, da TV Cultura.

Sócrates havia se tornado uma espécie, digamos, de “embaixador cultural” da cidade e muitas celebridades e intelectuais que por aqui passavam, adoravam visita-lo, ocasiões em que geralmente uma boa mesa regada à chopp era dividida com os novos amigos.

Um hábito que ele já cultivava há muito tempo.

Até que a cirrose hepática ceifou sua vida, em 04 de dezembro de 2011. Nesse dia, vi muito amigo botafoguense chorar. E eu – mesmo um comercialino nas horas vagas – também fui às lágrimas naquele domingo, já que sempre fui muito fã do Magrão.

A ponto de, na infância, chegar a apanhar de minha mãe por tanto fanatismo pelo futebol, pelo simples fato de saber absolutamente tudo sobre a carreira dele e até, de sonhar – ainda pequeno – com um inusitado encontro com meu ídolo.


Há quase sete anos, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o craque dono de futebol tão gigantesco quanto seu próprio nome, se tornaria uma espécie de “vizinho” meu, pois seu corpo, sepultado, repousa até hoje no Cemitério Bom Pastor, muito próximo de minha residência, aqui no Jardim Zara, periferia de Ribeirão Preto.

Enquanto isso, sua personalidade fascinante continua sendo relembrada pela mídia e seus lances geniais permanecem na memória dos torcedores, órfãos de seu futebol.

TRIBUTO AO QUERIDO “ENCICLOPÉDIA”

por Émerson Gáspari


Eu te amo, Nilton Santos!

Se pudesse encontrar o “Enciclopédia do Futebol” por aí, vivo e cheio de histórias pra contar, juro que esta seria a primeira frase que eu lhe diria, antes de abraça-lo.

Talvez ele até se assustasse a princípio, com um desconhecido lhe dizendo isso logo de cara, mas duvido que não fosse me receber com a costumeira ternura que destinava a todos os que o procuravam.

Percebam a sabedoria de alguém conseguir ser assim, mesmo convivendo ao longo da vida, no carregado meio futebolístico. É para poucos. Nilton conseguiu marcar sua trajetória não apenas como um dos melhores jogadores do mundo ou um dos mais camaradas. Deixou também um exemplo de profissionalismo e amor com sua história, a qual, mesmo após sua morte, continua a angariar novos torcedores para o Botafogo. 

Qualquer um dos personagens daquela época de ouro do clube que você imaginar; tiveram estreita relação e histórias legais com ele; Garrincha, Carlito Rocha, Didi, Neném Prancha, João Saldanha, Amarildo, Zagallo, Manga… até o cãozinho-mascote Biriba! E não apenas no time da “Estrela Solitária”, mas também nas Seleções Carioca e Brasileira, únicas equipes que defendeu, ao longo de dezessete anos.

De 1948 a 1964, atuaria em 825 partidas ao todo, marcando 15 gols e conquistando 35 títulos. Venceu 26 decisões e só perdeu uma. Algumas tiveram sabor especial, como as Copas do Mundo de 1958 e 1962 pela Seleção e os Campeonatos Cariocas de 1948, 1957, 1961 e 1962 pelo Botafogo.

Nada mal, para aquele garoto humilde nascido em 16 de maio de 1925, filho de pescador e morador no antigo bairro de Flexeiras, na Ilha do Governador, o qual, mais tarde, daria lugar ao aeroporto do Galeão (hoje “Tom Jobim”).

Quando garoto, após a aula, Nilton adorava jogar bola com os meninos da vizinhança. Chegaram até a formar um time, com uniforme e tudo: chamava-se “Fumo”. As bolas eram de meia ou de borracha e geralmente jogavam de pés descalços, tanto na grama quanto na areia. Nilton era o dono da ponta-esquerda.

Anos depois, passaria a integrar a respeitada equipe do Flexeiras Atlético Clube – atração daquela região – e aos poucos, se tornaria muito conhecido no pedaço, já que foi crescendo e desenvolvendo um futebol vistoso, atuando agora, a pedido do treinador, na posição de “centro-médio”.

Quando foi servir na Aeronáutica, Nilton acabaria escalado no time dos oficiais e sargentos – tremendo privilégio para um mero soldado – na meia-esquerda, armando o jogo e fazendo a festa de um major que lhe acenara com uma proposta: a cada assistência dele que redundasse em gol do tal oficial, Nilton receberia dois dias de folga. Acabaria ganhando um montão de folgas com isso!

Foi dali que surgiriam pedidos e indicações para que tentasse a sorte no profissional.  Dessa forma, acabou indo fazer testes no Botafogo, em 1948. De um grupo de jovens testados naquele dia em General Severiano, só ele acabou aprovado.

Lá, treinaria pela primeira vez, entrando no lugar do volante Ávila. Seu desempenho agradou muito o técnico Zezé Moreira e especialmente o presidente Carlito Rocha que, olhando para o seu tamanho e porte atlético (media 1,83 m.), perguntou se ele jogava “com a cabeça”. Depois, pediu para que ele saltasse e vaticinou: “Meu filho, você não vai jogar no ataque, não: seu lugar é na defesa; jogando lá, você será campeão carioca, brasileiro, sul-americano e mundial”.

Passou então a morar no alojamento do clube, após assinar seu primeiro contrato (de gaveta) ganhando quatrocentos cruzeiros. Estrearia num amistoso (21/3/48) frente ao América/MG. Antes da partida, ouviu comentários de um jogador, de que sua escalação não seria interessante para a equipe.

Pensou em desistir e discretamente, já ia se evadindo do clube, quando topou com o presidente Carlito Rocha, o qual – sem nada saber – o botou pra dentro, dizendo que ele iria jogar dali a pouco. Não sairia mais do time.


Logo, viria a estreia no “Cariocão” e suas atuações foram encantando a torcida, pois Santos (como era chamado na época) tinha muita segurança, primoroso domínio de bola e sabia sair jogando como ninguém. Na lateral então, adorava apoiar e até chutar a gol. Um consolo para ele, que no fundo, não gostava muito de jogar atrás. Mas, dada imposição de Carlito Rocha, preferia não discutir.

O Botafogo já curtia um indigesto jejum de treze anos sem conquistar um título carioca, mesmo contando em suas fileiras com o artilheiro Heleno de Freitas. Para azar dele, acabaria deixando o clube justamente naquele ano, antes da conquista do título de 1948, da qual “Santos” viria a fazer parte, ainda como quarto-zagueiro.

O plantel contava com bons jogadores, como o goleiro Osvaldo Baliza e o meia Geninho, mas Heleno – apesar do temperamento difícil e vaidoso – era o “craque” do time. Mandava e desmandava. Num treino, tentou recuperar uma bola perdida para Nilton, que fingiu recuá-la para o goleiro, mas, passando o pé por cima dela, rodopiou e deu uma “meia-volta” no atacante, saindo com tranquilidade.

Heleno, apelidado pelas torcidas adversárias de “Gilda” (personagem temperamental de Rita Hayworth, no cinema) não gostou do drible e quis partir pra cima de Nilton, que o encarou, dizendo: “Ih, ‘Gilda’, não vem não: quem sabe de você, é o Zizinho”,

insinuando um inverídico homossexualismo do atacante, na época talvez, o galã mais badalado do Rio de Janeiro.

Nilton Santos era assim: um camarada bacana, legal com todo mundo, mas que desde cedo, sabia impor-se diante da dura vida de jogador profissional.

A frase “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”  parece ter sido feita sob medida para ele.

Seu jeito contrastava de certa forma, com o ambiente futebolístico, geralmente “prostituído” por palavrões, vaidades e até concorrência desleal.

Mesmo seus adversários, eram tratados com o maior respeito e consideração.

O célebre meia Zizinho, por exemplo – então o maior craque no futebol brasileiro – sempre teve sua admiração, apesar de atuar pelo Bangu.

Certa vez, o Botafogo precisando muito de um meia-armador de ofício; Nilton insistiu que chamassem “Mestre ZIza” para resolver o problema.

Esbarrou na inflexibilidade de Carlito Rocha, que não o contratava por tentar “chutar o Biriba”, mascote do Botafogo, numa invasão de campo do cãozinho alvinegro.

Vejam se pode uma coisa dessas!

Só que a admiração passou a ser mútua com o passar do tempo, pois em certa ocasião, Zizinho se referiu a Nilton Santos com deslumbramento, dizendo que, num Argentina x Brasil (08/07/56), no Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, ele teria realizado uma partida absolutamente perfeita, sem vacilar ou errar um único passe e ainda por cima, policiar e corrigir os erros cometidos pela defesa brasileira, diante dos atacantes Sansone, Conde, Angelilo, Grilo e Cruz. Nem mesmo as entradas de Sívori e Michele alterariam o panorama daquela partida. Assim era Nilton Santos.

Um craque tão completo, que sabia usar até, as forças da natureza a seu favor.

Não era preciso, por exemplo, num Maracanã à tarde, avisá-lo sobre a presença de um “ladrão” por perto, caso ele estivesse de posse da bola e de costas para o inimigo: pela sombra do rival projetada no gramado, ele antevia a aproximação, saindo sempre com elegância pelo lado oposto, deixando o adversário “na saudade”.

Outro lance “ecológico” de Nilton ocorreu no início dos anos 60, numa partida contra o Palmeiras. Tudo porque um verdadeiro “dilúvio” desabou sobre o Pacaembu, levando a drenagem do estádio literalmente “por água abaixo”, especialmente na região da ponta-direita palmeirense, que se transformou num autêntico “piscinão”.

Pois em dado momento, a bola teimou em cair exatamente lá e Gildo do Palmeiras e Rildo do Botafogo tentavam tirá-la daquela “lagoa”, sem sucesso, enquanto a torcida zombava das tentativas frustradas de ambos.


Então, Nilton Santos abandonou a grande área, aproximou-se correndo e pôs a mão no peito de Rildo, afastando-o por um instante, enquanto Gildo apenas observava. E, como nem mesmo o mais experiente peladeiro saberia fazer, deu um violento pisão na água, bem ao lado da bola, a qual, atraída pelo “empuxo” subiu, pulando para o peito do pé de Nilton. Ele a levantou, amaciando-a na coxa e, notando um companheiro livre às suas costas, emendou uma bicicleta maravilhosa, entregando-a certinha, nos pés do colega. A torcida alviverde aplaudiu de pé!

Seu futebol era tão vistoso, que até no exterior lhe tomavam como exemplo.

Num torneio disputado no México, o célebre volante e meia argentino Nestor Rossi mandou o lateral Vairo (que estava tomando um baile de Garrincha) passar a mão nas pernas de Nilton Santos disfarçadamente, pois segundo ele, “nelas estaria contido o melhor futebol do mundo e quem sabe assim, ele não se contaminava um pouquinho e conseguia melhorar sua atuação?”.

Até mesmo fora das quatro linhas, Nilton exibia categoria e estupendo controle de bola, como quando gravou um comercial para uma famosa loja de roupas que vendia ternos sob a medida e no qual sua tarefa era equilibrar uma moeda e fazê-la cair dentro do bolso de seu terno.

Acontece que confeccionaram um terno especial, com bolsos maiores, para que ele pudesse cumprir a tal missão. Envergonhado pelo tamanho dos bolsos, pediu se a peça não poderia ser trocada e como teriam que ir buscar outro terno longe e isso iria demorar muito tempo, decidiu então, ele mesmo, resolver o problema.

Ao som do “gravando”, soltou a moeda e a controlou no pé, fazendo duas ou três embaixadinhas. De repente, deu um chute mais forte e alto, puxando o bolso de níquel da calça e fazendo a moedinha cair lá dentro, de primeira.

Ao som do diretor gritando “corta!”, só se ouviam aplausos no estúdio.

Pelé foi outro que tinha enorme respeito pelo lateral. Geralmente, no maior clássico do país daqueles tempos – Santos e Botafogo – Nilton era o marcador do Rei e cumpria sua missão sempre com lisura e esportividade. Certa vez, em partida no Maracanã, Pelé arrancou pela meia-direita, tentando aplicar-lhe um drible pelas costas, mas foi surpreendido quando Nilton puxou a bola com o calcanhar, com extrema precisão, impedindo a progressão da jogada e servindo ao companheiro mais próximo.

O próprio Pelé o cumprimentou na sequência, com um tapinha nas costas. 

Era uma reverência que o Rei não costumava conceder a muitos, diga-se de passagem.

Até porque, Nilton foi uma referência para o “negão”, ainda no início de carreira, no ambiente de Copa do Mundo, vivido pela Seleção Brasileira. Há inclusive uma foto belíssima de Pelé emocionado, chorando copiosamente após a conquista do título, abraçando fortemente Nilton Santos, o qual lhe retribui com um afago na cabeça, enquanto ostenta um sorriso iluminado na face, de pura satisfação. 

Mais de uma vez, Nilton Santos chegou a ser questionado quanto à “fórmula” para se marcar Pelé e Garrincha. Rindo, ele costumava responder o mesmo que João Saldanha: para parar Pelé e Mané, só na bala!

Segundo ele, o melhor a fazer, no caso de Pelé, seriam dois marcadores posicionados lado-a-lado, alguns metros antes da grande área, de frente para ele, aguardando sua aproximação. Mas não apenas isso: com um terceiro marcador, acompanhando-o de perto, por trás, a fim de tirar-lhe a concentração, aquele raciocínio antecipado da jogada, causando-lhe com isso, certa insegurança e preocupação, no lance.


Já com o “imarcável” Garrincha, a solução seria não aceitar sua provocação costumeira de oferecer a bola para que você desse o bote e acabasse driblado: o ideal seria ir recuando e procurando, ao mesmo tempo, encurralar o “torto”, direcionando-o para um canto do gramado, onde as chances de desarmá-lo aumentariam um pouco.

Mas – sempre fazia a ressalva – isso tudo teria que ser num dia em que ambos não estivessem muito inspirados. Porque senão…

Supersticioso desde jovem, Nilton Santos começaria com o pé direito no profissional, dando sorte logo em seu primeiro ano de Botafogo, tornando-se campeão carioca.

Isso após o Botafogo ter sido quatro vezes vice consecutivamente!

A partida final foi diante do Vasco e aquela seria uma “prova de fogo” para o craque, pois embora jogando no estádio de General Severiano e tendo aberto dois à zero no marcador, o recém-denominado “clube da Estrela Solitária” correu riscos em sua vitória, quando o zagueiro Gérson deixou o gramado após violenta pancada na cabeça, logo no primeiro minuto do segundo tempo, deixando a equipe com dez, até o final.  Porém, o “Enciclopédia” jogou por ele e pelo companheiro de zaga, sabendo controlar o ímpeto do ataque adversário, que ao final, saiu de campo derrotado por 3×1, para delírio botafoguense (12/12/48).

Ao longo das temporadas seguintes, o jovem Nilton Santos foi mostrando todo seu fantástico talento, a ponto de certo dia, ao chegar em casa, o pai lhe questionar, espantado: “Meu filho, o locutor do rádio disse que desde Domingos da Guia, não aparecia um jogador que atuasse tão bem, com tanta classe,  quanto você, na quarta-zaga. É verdade isso, querido; você está jogando tão bem assim?

Apesar de todo o seu potencial, o fato é que nos anos seguintes tudo seria mais difícil, até porque, ele se tornaria o único craque do time. Alguns torcedores chegavam a dizer que na verdade, “ele” é quem era a “Estrela Solitária” da equipe.

Brincadeiras à parte, Nilton jamais cogitou sair do Fogão, recusando propostas por seu bom futebol. Até que, após a chegada de Garrincha, Didi e outros craques, as coisas foram entrando nos eixos e em 1957, viria mais um título carioca para as mãos dele, dessa vez, com a maior goleada da história das finais daquele certame estadual: 6×2 em cima do Fluminense, no Maracanã (22/12/57).

Foi uma vitória tão marcante e alegre, que Nilton e Didi combinaram que a cada gol alvinegro, rasgariam um pedaço de suas próprias camisas. Terminariam com os uniformes quase que em frangalhos.

Mas nem tudo eram flores: pouco tempo depois (23/3/58) num dos amistosos disputados pelo Glorioso, desta feita no estádio Independência, em Minas Gerais, o time atuava diante do Atlético/MG e perdia por 4×0 no primeiro tempo, com gols de Tomazinho e mais três de Alvinho.

Tomado pela cólera, o técnico João Saldanha, naquele dia, fez com o time o mesmo que faria onze anos depois com a Seleção, numa partida pelas Eliminatórias. Simplesmente, trancou o vestiário no intervalo e disse para os atletas que não iriam entrar para tomar banho; que ficassem no gramado – de castigo – para resolverem entre eles mesmos, os problemas que estavam apresentando em campo.

A punição valeu: o Botafogo voltou “aceso” para a etapa final e com gols de Edson,

Garrincha, Paulo Valentim e mais dois de Quarentinha (além de uma atuação bastante destacada de Nilton Santos, lá atrás), virou inacreditavelmente para 5×4. 

Nesses tempos, Nilton Santos já era o dono da lateral-esquerda do Botafogo e das Seleções Carioca e Brasileira.

O selecionado nacional, inclusive, ele já frequentava e colecionava títulos desde 1949. Em 52, por exemplo, “destruiu” o ponta Gigghia, no Pan-Americano no Chile, dando dribles secos no atacante, chegando ao desplante de dar “rolinho” e tudo o mais à que tinha direito, vingando a Copa de 1950 de uma maneira toda pessoal, já que fora obrigado à assistir o “Maracanazzo” de fora, pois o técnico Flávio Costa o deixou na reserva, pelo simples fato de Nilton não usar chuteiras de bico duro, próprias para dar chutões, como ele exigia. Nilton gostava de sair jogando, de tratar a bola com carinho.

Flávio foi um eterno desafeto do nosso lateral, que jamais o perdoaria por isso, assegurando muitas vezes em entrevistas que o Brasil poderia até perder aquela final pro Uruguai, mas não pelo setor dele, caso enfrentasse Ghiggia. 

Como duvidar de um atleta que integrou a Seleção Brasileira nas Copas de 50, 54, 58 e 62, tendo sido campeão nas duas últimas? E que foi eleito o lateral-esquerdo da Seleção Mundial do Século XX?


Um craque que possui duas estátuas erguidas em sua homenagem; uma na sede do clube em General Severiano e a outra no estádio olímpico Nilton Santos (de quatro metros de altura). Um ídolo que empresta seu nome a dois estádios: um em Palmas (aliás, o maior do estado do Tocantins) e o outro, justamente o “Engenhão”, no Rio.

Mais do que um craque, um ídolo, Nilton Santos foi um monstro sagrado do futebol brasileiro, indiscutivelmente.

Pelo Botafogo, além das conquistas dos Campeonatos Cariocas, houve também a dos Torneios Rio/SP de 62 e 64. O de 1962 foi particularmente marcante, sendo obtido após dois vices seguidos do Glorioso.

Aquela final diante do Palmeiras (17/3/62) teria ingredientes bem especiais: o Fogão sairia na frente, logo no primeiro minuto. Mas acabou surpreendido com o empate palmeirense quase em seguida. Daí por diante só deu Verdão, que dominou o meio-campo, mas não conseguiu traduzir sua superioridade em números.

Adivinhem a razão? Exatamente!

Nilton Santos destruía cada nova investida de Vavá, Chinesinho & Cia, com sua costumeira classe. Assim, a pressão palmeirense simplesmente acabou após o primeiro tempo. Daí por diante, Amarildo e Garrincha tomariam conta do jogo, que terminou com o placar de 3×1 para o alvinegro e mais um troféu na prateleira no clube.

A trajetória do “Enciclopédia do Futebol” (apelido dado por Waldir Amaral e que dispensa maiores explicações) foi pontuada por essa e muitas outras histórias impagáveis, que nos enchem de orgulho e uma certeza: jogador assim, nunca mais. Um cara que sabia como romper barreiras e ir além, com simplicidade e atitude.

Foi desse modo, que na Copa de 58, contrariou as ordens de Vicente Feola, quando resolveu avançar para o ataque, numa época em que isso era explicitamente proibido.

– Volta, Nilton, volta! – berrava o preocupado Feola, do banco.

Mas ele não esmoreceu: continuou avançando, seguro, agora pela meia-esquerda, por entre a zaga inimiga. Entregou a bola para Mazzola e a pediu de volta. Recebendo-a, tocou com categoria, por sobre o goleiro austríaco Szanwald, que saía desesperado da meta, na vã tentativa de fechar o ângulo.

– Boa, Nilton!!! – berrava agora Feola, satisfeitíssimo com sua ousadia e o gol marcado.

Estava sacramentada nossa primeira vitória rumo à conquista da Jules Rimet. Estava revolucionada a função dos laterais, no planeta. Era o fim da “trincheira” imposta pelos treinadores, que limitavam os laterais a meros “zagueiros periféricos”, marcadores de ponta, até então.

Se naquela Copa de 1958, Nilton foi importante, na de 62 ele seria crucial.


Tudo porque perdíamos o jogo diante da Espanha e num avanço do ponteiro Collar, Nilton avançou sobre ele e o tocou na corrida, ocasionando um pênalti, o qual, convertido, provavelmente liquidaria com as pretensões brasileiras.

Ato contínuo, ele completou sua passada, ficando com os dois pés sobre a linha da grande área, induzindo o juiz a assinalar falta. Depois disso viriam a virada, as vitórias, o bicampeonato mundial. 

Mas poucos lembram que esses dois lances em duas Copas diferentes, foram o ponto de partida rumo aos nossos primeiros títulos. Nessas ocasiões – é bom lembrar – Nilton estava com 33 e 37 anos de idade, respectivamente. Assombroso, não?

Há também a recordação dos mais antigos, de seu papo – juntamente com outros craques experientes da Seleção Brasileira de 58 – com Paulo Machado de Carvalho, a respeito da inclusão de Pelé, Garrincha e Zito na escalação do time que precisava se classificar e que acabaria sendo campeão.

Bem como, seus conselhos todas as noites para Amarildo, quando Pelé se contundiu na Copa de 62 e o “Possesso” soube que iria substituir o Rei, pressionado por uma tremenda responsabilidade alimentada pela imprensa.

Hoje, nossas maiores lembranças em Copas, tem sido outras: o gol contra de Fernandinho, as quedas de Neymar, os alemães passeando pela nossa área e se fartando de fazer gols, a famigerada trombada entre Júlio César e Felipe Melo ou até o Roberto Carlos ajeitando sua meia, enquanto uma bola era cruzada na área brasileira.

É; os tempos realmente mudaram. Para pior.

Nilton Santos atuaria profissionalmente até os 39 anos de idade.

Despediu-se do futebol em 16/12/64, na partida Botafogo 1 x 0 Bahia. Pouco antes, o Botafogo – já sem chances no campeonato – enfrentou o Flamengo, que precisava da vitória para continuar com esperanças de conquistar o título.

Nos instantes que antecederam aquele jogo, ele recebeu um troféu por parte da diretoria do Mengão homenageando-o e um dos cartolas tentou intimidá-lo, dizendo “veja lá o que você vai aprontar”. Sem pestanejar, Nilton respondeu-lhe apenas: “Já, já, você vai ver o que eu vou aprontar”.

Fim de jogo e o Botafogo venceu o rival por 1×0, em mais uma atuação espetacular de seu maior ídolo e assim, desclassificando também o Flamengo no campeonato.

Nilton Santos foi grandioso no futebol brasileiro, a tal ponto de ser respeitado pelas torcidas rivais, que demonstravam carinho pelo craque, mesmo sabendo que estavam diante de um botafoguense roxo. 

Algumas pessoas podem estranhar o fato de eu considerar Nilton Santos, o maior ídolo do Botafogo. Explique-se: até a revista Placar o elegeu como o maior – mais até do que seu “compadre” Mané Garrincha – por sua importância e identificação com o Glorioso. Além das 17 temporadas pela agremiação, há de se salientar que jamais Nilton vestiu a camisa de outro clube em toda a sua carreira. Não é para qualquer um. Tampouco para qualquer clube. Pelo prazer de ajudar o Botafogo e por entender e confiar em seus dirigentes chegou a assinar por três vezes, contratos em branco.

Ficar rico nunca lhe passou pela cabeça. Não foi à toa que apenas em 1962, conseguiu comprar um fusquinha importado, 1948.


Depois que parou com o futebol, foi treinador por pouco tempo e chegou até a montar uma loja de material esportivo, que inclusive fornecia o uniforme do Botafogo. Mas acabou quebrando – entre outras razões – porque tinha o hábito de não cobrar para os muitos amigos que o procuravam em seu comércio. Alguns, que conheciam seu coração grande, até queriam pagar, mas ele insistia que não era necessário. Quantas pessoas no mundo vocês conhecem assim?

Um fato curioso é que Nilton fazia tudo o que fazia em campo pelo setor esquerdo, mas usando a perna direita. Porém, ele mesmo sustentava que no fundo, era ambidestro, pois sabia sair jogando, driblando adversários pelos dois lados e usando ambas as pernas, demonstrando possuir igual habilidade, nelas.

Seu estilo de jogo consistia basicamente em se antecipar ao atacante numa jogada, ficando com a bola e, assim que pressionado, girar o corpo habilmente para qualquer um dos lados, saindo limpamente com a pelota, fazendo esse “volteio” de maneira veloz e natural, se mantendo sempre a uma distância segura do atacante, que parecia ficar um tanto surpreso e desnorteado, com o drible levado. Isso lhe evitava sofrer faltas e contusões mais graves. O incrível é que não perdia nunca a bola, mesmo executando isso dentro de sua grande área, com frequência!

Nessa altura do texto, fica uma certeza: ninguém foi melhor do que Nilton Santos, na lateral-esquerda. Ninguém!

Não é porque uma revista especializada colocou o R6 na capa chamando-o de “melhor de todos os tempos”, que ele seja. A propósito, a própria revista nem existe mais.

Nessa última Copa mesmo, quiseram criar uma onda em cima do Marcelo.

Depois das atuações dele não muito exuberantes e de sua falha de marcação no gol que nos eliminou, ficou mais difícil defender esse argumento.

Tem um grande jornalista que ousou escalar, esses dias mesmo, o Marinho Chagas em sua Seleção Brasileira Eterna. Nada disso! Marinho foi um grande lateral, sem dúvida, mas deixava uma avenida aberta, às vezes, quando descia para o ataque. Leão, que sofreu com ele no jogo que nos custaria o terceiro lugar diante da Polônia de Lato em 74, sabe disso melhor que ninguém. 

Esse mesmo defeito tinha Junior, “cracaço” indiscutível de bola, tanto na grama, quanto na areia, mas que não pode ser equiparado ao “Enciclopédia”. E nem é por ter falhado naqueles três gols de Paolo Rossi, que nos eliminou da Copa de 82, viu?!

Então, “teimosinhos de plantão”, o dono absoluto da lateral-esquerda no Brasil – e no mundo – é Nilton Santos. Ponto final.

Se na direita, existe a eterna celeuma entre Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, do outro lado, essa dúvida sequer deve existir.

E pensar que ele não gostava de jogar lá atrás, gente!


Se pudesse ter sido o ponta-esquerda que sonhou ser em seus primeiros anos de futebol e tivesse tido essa sua vontade respeitada quando iniciou no profissional, poderíamos ter testemunhado um ataque com Garrincha, Pelé e Nilton Santos, por exemplo. Já sonharam com isso?

Pois eu já, e muitas vezes!

Seria o maior ataque de todos os tempos, creio eu. Mas às vezes, podia ser que sem alguém tão competente e seguro lá atrás, talvez não tivéssemos conquistado nossos dois primeiros títulos.

Porque quando a coisa apertava, na base da pressão, lá estava o “Enciclopédia” para, com todo seu talento e experiência, contornar a situação e nos livrar do pior. E fazia isso sem “chiliques”, sem estrelismos, sem vaidades, na Seleção ou no Botafogo.

Por isso foi tão respeitado e quando o tempo passou e a idade avançada começou a cobrar seu preço, ele era amparado exemplarmente pelos companheiros e pelo clube, que custeou seu tratamento contra o Alzheimer e mais tarde, também o seu sepultamento, em 27 de novembro de 2013, aos 88 anos de idade, numa bela prova de gratidão.

Nilton Santos teve ainda um irmão que se tornaria jogador profissional e que também atuou no Botafogo e na zaga – inclusive bem parecido, física e fisionomicamente – com ele. Mas as semelhanças param por aí, porque a diferença técnica era absurda.

De temperamento amistoso, Nilton Santos perdeu algumas vezes a cabeça com certos árbitros, especialmente Armando Marques, a quem chegou inclusive a agredir. Numa das vezes em que se desentendeu com ele, foi por uma bola cruzada na área do Botafogo e que encobriu um companheiro de equipe, mas o juiz inventou um pênalti. Ao perguntar a ele o porquê da marcação, foi recebido com o característico “dedo na cara” que o apitador costumava utilizar.

Por ter filho pequeno e não admitir esse tipo de desrespeito, Nilton chegou às vias- de- fato, com ele. Em outra ocasião, já como supervisor de futebol, acabou por agredi-lo, pelo que vinha fazendo ao Botafogo, novamente. Mas foram raras oportunidades em que acabaria expulso de campo, porque não costumava cometer faltas duras, nem reclamar.

Aliás, também não reclamava de nada que o clube lhe dava e isso era motivo de exemplo para os demais. Quando chegava um jovem atleta ao Botafogo, que por uma razão ou outra resmungava de alguma coisa, como o uniforme não estar legal, por exemplo, o roupeiro Aluísio – até para persuadir o novato – saía-se com essa: “veja só o grande Nilton Santos que nunca protesta, jamais deu uma de ‘mascarado’; como é que você vai querer ter moral pra reclamar aqui, rapaz?”.

Até que um dia, durante uma partida, a chuteira de Nilton estourou e ele pediu socorro a Aluísio, que atirou em sua direção, a de outro jogador, que usava dois números maior e além do mais, pisava torto. Então o “Enciclopédia” reivindicou: “Aluísio, me arranja outra, porque essa não dá!”.

E lá veio a bronca, da lateral do campo: “Ih, vai me dizer que agora virou ‘mascarado’ também?”. Não teve jeito: foi obrigado a terminar a peleja, com aquelas chuteiras horríveis, mesmo.

Imaginem só uma cena dessas no futebol de hoje com toda a tecnologia de ponta empregada no uniforme dos atletas? Impensável!

E ainda tem quem ache que esses craques de antigamente não jogariam com os atletas de hoje. É como recentemente disse o nosso Gérson, “Canhotinha de Ouro”, para uma bela resenha, no Museu da Pelada: “Não jogaríamos mesmo… de vergonha de jogar com uns camaradas desses, de hoje”. Gênio sabe mesmo das coisas…

Por seu comportamento exemplar e desempenho invejável em campo, Nilton Santos era uma espécie de “filho” preferido do presidente Carlito Rocha, o que viria a provocar diversas histórias hilárias.

Numa delas, o dirigente invocou de desafiar – sem mais, nem menos – os atletas de uma equipe estrangeira de que nenhum deles teria mais fôlego do que Nilton Santos. E tome nosso pobre herói ser obrigado a vencer a todos, num exótico teste de Espirometria.

Maníaco por vitaminas, Carlito as distribuía fartamente entre os jogadores.


Nilton, com o tempo, secretamente passou a não tomar todas. Um dia, elas estavam em falta no mercado e diante da preocupação de Carlito com isso, ele – querendo agradar – disse para que o presidente não ficasse aflito e foi buscar todas que havia escondido. Acabou por deixar o presidente aborrecido por não tê-las tomado. Mas claro que isso foi logo esquecido.

A única tristeza profunda foi quando ele não aceitou o encerramento de carreira do lateral, apesar dos 39 anos, deixando por isso, de conversar com o craque.

Para ele, Nilton possuía futebol para mais algumas temporadas ainda e aparentemente se magoou pelo fato do “Enciclopédia” ter tomado tal decisão sozinho, sem consulta-lo (até porque, o cartola sempre o convencia de que ainda era jovem e vendia saúde). 

Explique-se: Carlito foi jogador, treinador, presidente e eterno apaixonado pelo Botafogo. Industrial, gastou praticamente tudo o que tinha, empatando a grana no clube. Acordava os jogadores, dando-lhes bolachas e gemadas, todo santo dia, como um pai faz com seus filhos. E Nilton era seu “filho” mais querido.

Uma pena que no final tivesse que ser assim!

A exemplo de Pelé, que atuou ao lado de três gerações de craques no Santos, Nilton também teve (e deu!) esse privilégio à muitos companheiros de Botafogo, em diferentes épocas.

Chegou a pegar a época de Heleno, Geninho, Pirillo. Depois, foi contemporâneo de Garrincha, Didi, Quarentinha. E no fim, já estava atuando ao lado de Jairzinho, Gérson, Roberto.

Nada melhor que encerrar este texto, com a deliciosa historinha de Nilton Santos, em sua última “partida” na vida; por ironia, na areia da praia, como começou, na infância. 

Numa manhã ensolarada, Nilton caminhava tranquilo pela praia de Copacabana quando, subitamente, ouviu alguns rapazolas gritarem para ele:

– Tio! Quer completar o time pra gente?

Nilton olhou para eles, todos com idade por volta de 14, 15 anos e topou a brincadeira. Por um momento se esqueceu de que possuía 61 anos. Há mais de duas décadas, portanto, aposentado do futebol.

Ali, naquele instante, ele não era nada mais do que sua alma pura e juvenil, misturada às outras, numa simples pelada de praia. Desconhecida por eles; aquela figura consagrada mundialmente, de repente era apenas mais uma, fazendo troça com a rapaziada, num joguinho descompromissado.

Vai começar o “match” e Nilton (que finalmente podia atacar como tanto gostava), renuncia a ficar no ataque, indo para a defesa, pedindo para que seu companheiro de equipe vá para frente, naquela prazerosa brincadeira de “dois-contra-dois”.

O confronto – totalmente surreal – enfim, se deu: no primeiro ataque adversário, um garotão chegou com pinta de ponteiro driblador. Partiu pra cima dele e… ficou sem a bola. O velho lançou a redonda na medida para o “amiguinho” abrir a contagem.

Mas o adversário é matreiro: seus parceiros trocam de posição e agora é outro rapazinho quem se aproxima, tentando ludibriar o veterano marcador, saracoteando para os dois lados. Quando vai passar com bola e tudo até passa: mas a bola não.

Nilton Santos o desarma também, rodopia em torno dele e sai jogando; como cansou de fazer em quase duas décadas de carreira, diante de adversários digamos, bem mais qualificados.  E – sem perder tempo – enfia mais uma bola caprichada para seu parceiro, que marca outro gol.

Então os inimigos combinam a melhor estratégia e decidam vir juntos, para o ataque. Nilton dá sinal para que seu “parceirinho” permaneça lá na frente, que ele cuida da situação.

O inevitável se consuma: enquanto o primeiro procura atrair sua atenção, o segundo se movimenta desmarcado, para receber a bola livre. De repente, sai o passe – prontamente interceptado – e Nilton arranca ao ataque, como nos velhos tempos.

Mas daí se recorda de que não está envergando a camisa do Botafogo: para e dá a assistência “na manteiga” para o amigo juvenil, que na “banheira”, faz o terceiro.

O s rivais vão desanimando, até que – com a goleada se dilatando cada vez mais – decidem enfim, encerrar o prélio e ir embora.

É quando o garotão que o chamou e foi seu parceiro naquele “clássico das areias”, ainda surpreso com o desempenho dele, se despede com uma pergunta, todo curioso: – Valeu tio! Como é seu nome?

– É Nilton! Nilton Santos!

O adolescente, com ar desconfiado o olha de cima em baixo e comenta; descrente:

– O senhor, o Nilton Santos “Enciclopédia”? Tá bom que eu acredito! Eu, hein?!

Nosso herói dá um sorriso, balança a cabeça como que a pensar nas experiências que a vida nos oferece ao longo de nossa existência e volta calmamente para o calçadão, com mais um “causo” para contar, em sua rica biografia.

Embora fosse uma pessoa simples, Nilton estudou, sempre foi inteligente e ligado na dura realidade do futuro do futebol brasileiro.

Preocupava-o, sobretudo, o caminho errado que nosso esporte bretão havia tomado, nesse século. Demonstrando certo desencanto, alertava que no Brasil só ficava “o resto”, pois os craques saíam todos para o exterior, ainda muito cedo.

Além disso, percebia que o conceito “futebol-força” estava sendo novamente absorvido por nós, fruto da sorrateira influência europeia e que a continuar assim, os europeus iriam acabar dominando o cenário futebolístico, o que de fato veio a acontecer.

Mas procurou deixar o seu legado, dando sua contribuição, já na terceira idade.

Quem diria que um dia estaria treinando crianças carentes no Rio, em Minas, Distrito Federal e até no Tocantins? Tirou muita criança do mau caminho, das drogas, da violência, da marginalidade nas ruas. 

Nilton teve grandes amigos em sua vida. Dentre eles, alguns jornalistas e escritores, que foram excelentes profissionais e pessoas. É aquela velha história do “dize-me com quem andas e eu direi quem és”.  Maneco Muller foi um deles. Sandro Moreyra outro, do tipo inseparável. E Armando Nogueira, a mesma coisa, um verdadeiro irmão.

Três amigos e fãs de carteirinha do “Enciclopédia”.

Dali só saía coisa boa e para mim, a melhor definição que um escritor concebeu para Nilton Santos, partiu justamente de Armando Nogueira:

“Tu em campo, parecias tantos e, no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.

Perfeito, não acham? É por tudo isso e muito mais, que Nilton Santos se tornou meu maior ídolo no futebol, o personagem que mais gosto nessa aparentemente infindável constelação de craques brasileiros do passado.

A foto dele que mais aprecio foi colhida a partir das arquibancadas de General Severiano e revela o time do Botafogo ainda em campo, momentos após a partida final de 1948.

Nela, os vascaínos derrotados, vão deixando o gramado, de costas, enquanto o time botafoguense prepara-se para vir de encontro aos torcedores. No canto do retrato, o cãozinho Biriba se aproxima de Nilton Santos, cheirando-lhe a ponta do pé direito, como que a reconhecer seu maior craque, enquanto Nilton se abaixa para acaricia-lo.

A imagem, tão singela, é de uma profundidade de sentimentos impressionante e se faz necessária sensibilidade apurada para captar sua simbologia tão grandiosa: de um lado a mascote, símbolo vivo do clube e do outro, o craque mais identificado com a agremiação em toda a sua rica história, num momento de amor e cumplicidade.

O futebol mundial, ao longo de mais de 150 anos, conseguiu produzir bilhões de peladeiros, milhões de jogadores, milhares de diferenciados, centenas de craques, dezenas de gênios… mas  apenas “um” Nilton Santos, o qual, merecidamente, está incluído entre os onze que alinham na seleção mundial de todos os tempos.

Obrigado “Enciclopédia”, por você ter existido e nos representado com tamanha dignidade. Mais do que ninguém, você merece todo nosso respeito e reconhecimento. Um grande abraço, onde quer que você esteja; meu velho.

Torço para que seja nos campinhos celestiais da eternidade e que estejas feliz, batendo uma bolinha ao lado do compadre Mané Garrincha, de Didi, Quarentinha, Osvaldo Baliza, Pampolini e tantos amigos teus, companheiros de diferentes épocas, que infelizmente há muito já nos deixaram.

Todos, observados por João Saldanha, Zezé Moreira, Neném Prancha e Carlito Rocha, este último, segurando o cãozinho Biriba no colo, doido para entrar em campo.

Um dia, Deus há de me permitir estar também nessa arquibancada divina, para aplaudir a poesia que sabiamente soubeste escrever pelos gramados da vida e perpetuas pelos céus.

Enquanto esse dia não chega, rendo-lhe minha mais profunda homenagem, dedicando-lhe este humilde tributo, em forma de texto colaborativo para o Museu da Pelada; até para que as futuras gerações possam conhecer tua história tão gloriosa.

Todas as vezes que vislumbro aquela estrela solitária brilhando de maneira singular e intensa na profunda negritude das noites de céu límpido, sinto a mais absoluta certeza de que é você que está lá, agraciado por Deus, em razão do ser humano fantástico que foi um dia, aqui na Terra. A reluzente “Estrela Solitária”.

Descanse em paz e seja feliz para todo o sempre, amigo.

Amém.

O GÊNIO QUE DRIBLOU O MUNDO

por Émerson Gáspari


Imaginem vocês, alguém que possua a seguinte distrofia física: a bacia, descolocada seis centímetros de seu prumo, com uma perna mais curta do que a outra, fazendo-o mancar. Pernas tortas, sendo um dos joelhos virado para dentro e outro para fora, causando uma inclinação que altera o próprio centro de gravidade dessa pessoa para um dos lados.  Imaginaram?

Agora me expliquem como um sujeito desses pode se tornar um atleta profissional de ponta por duas décadas, apanhando muito – justamente nas pernas – convivendo com artroses, dores e infiltrações, sem perder o dom de divertir multidões pelo mundo todo e ter a capacidade de se tornar o maior driblador de todos os tempos?

Esse fenômeno da natureza tem nome e existiu: Manuel Francisco dos Santos, nosso querido Mané Garrincha, carinhosamente apelidado também de “Alegria do Povo”.

Nascido em 23 de outubro de 1933, Mané viveu em Pau Grande, distrito de Magé/RJ.

Na prática, um vilarejo com uma centena de casinhas simples, espalhadas pelo meio da mata e dos rios, lugar aprazível para um garoto crescer feliz, caçando passarinhos (garrinchas) e jogando peladas com os coleguinhas. Seu jeitão desligado e engraçado conquistava a todos e se prolongou por toda a sua vida.

Próximo de sua casa havia um platô (apelidado de “Barreira”), no qual fizeram um campinho de futebol careca e estreito, por fazer fronteira com um imenso barranco.

Foi ali, naquele arremedo de terra, que nasceria o gênio que desequilibrou o mundo.

Por jogar como meia bem aberto, Mané permanecia rente à lateral durante a maior parte dos jogos e desse modo, aprendeu naturalmente à driblar seus marcadores em um espaço mínimo, sem deixar que a bola (e ele) rolassem ladeira abaixo.

Conforme foi crescendo e participando de times amadores da região, passou a despertar a atenção de todos pela incrível habilidade no drible e acabou fixado na ponta-direita.

Garrincha trabalhava numa tecelagem e como diversão, incluiria agora os constantes namoricos e o bate-papo com os amigos num boteco da vizinhança. Mas era o futebol que o diferenciava dos demais jovens, tornando-o famoso naquele povoado e região.

Há histórias fabulosas dessa época, desde uma em que o lateral Atinha se contundiu seriamente ao cair após tentar pará-lo na violência; passando por outra na qual ele deixou a bola e correu sem ela, arrastando toda a defesa pra fora do gramado, voltando à seguir para apanhá-la; e até mesmo a da goleada na qual marcou um gol de placa, saindo de sua área defensiva e só parando de driblar, dentro do gol adversário.

A fama repentina e o estímulo dos amigos, o faria tentar a sorte em alguns clubes profissionais do Rio. Num deles, o da “Estrela Solitária”, fez sucesso, sendo aprovado.

O que para muitos seria difícil, para Mané aconteceu naturalmente.


Treinar num clube grande como o Botafogo não era para qualquer um. Quando o viram chegando pela primeira vez em General Severiano, alguns maldosamente duvidaram que um “manco” pudesse jogar futebol direito. Além disso, o atleta incumbido de marca-lo seria Nilton Santos, estrela maior do time e que acabaria por se tornar mundialmente conhecido como “Enciclopédia do Futebol”.

O primeiro teste acabou sendo um duelo equilibrado – ao contrário das lendas que se

espalhariam depois – cujos lances se sucederam em ritmo frenético.

No primeiro deles, Garrincha recebeu uma bola e a dominou, parando diante de Nilton Santos, o qual partiu em sua direção, esperando desarmá-lo. Acabou driblado por fora e Mané disparou em direção à linha de fundo, com Nilton a persegui-lo, até que emparelhassem.

Então o ponta de repente estancou, ambos se encararam mais uma vez e o lateral resolveu investir com mais firmeza, sendo driblado da mesma forma. O “duelo” seguiria assim, com um levando vantagem em certas ocasiões, enquanto em outras, acontecia o desarme. Equilibrado, mas um dos feitos de Mané acabou sendo passar – numa de suas investidas – a bola entre as pernas de Santos (como ele era chamado, na época).

Definitivamente, não era pra qualquer um.

Desse modo, ao final do treino, por recomendação do próprio “Enciclopédia” e do capitão da equipe Geninho, além é claro, do impressionado técnico Gentil Cardoso, os dirigentes se apressaram em fazê-lo assinar o primeiro contrato, em junho de 1953.

O Botafogo pagou quinhentos cruzeiros ao Serrano (equipe de Petrópolis) pelo passe dele, dinheiro equivalente ao valor de uma simples bicicleta na época e acertou com Mané, dois mil reais por mês, em seu primeiro ano de contrato.

Estrearia diante do Bonsucesso e após o time estar perdendo por 2×1, empatou o jogo cobrando um pênalti com a maior tranquilidade, liderando a reação com três gols na goleada de 6×3 para o Fogão. No último deles por sinal, acertou um tiro cheio de efeito, sem ângulo, da linha de fundo, vencendo novamente o goleiro Ary.

Os gols passariam a se suceder e as goleadas da equipe idem, a partir dali.

Na goleada de 3×0 em cima da Portuguesa/RJ, fez mais dois. No clássico diante do Flamengo, uma vitória tranquila por 3×0 e mais um dele. Seguiria nessa toada pelos jogos restantes do campeonato carioca, destacando-se os dois que fez em cima do Bonsucesso, novamente (vitória por 2×0), todos os três sobre a Portuguesa/RJ (3×0), além de outros três, na goleada de 6×0 disparada no Bangu de Zizinho. Naquele sábado, no Maracanã, a festa seria completa, com direito a gol olímpico dele (o primeiro) e até mesmo um gol marcado pelo “compadre” Nilton Santos. 

Ao todo, assinalou 20 tentos em 26 jogos. Nada mal, para um principiante que iniciara tarde no profissional, com quase 20 anos de idade.

O Botafogo tinha apenas em Nilton Santos e Garrincha, nos anos que se seguiram, figuras que podiam ser consideradas craques. Mesmo assim – e apesar de um jejum de títulos cariocas que vinha desde 1948 – a equipe seguiu fazendo boas campanhas, com a popularidade de Mané crescendo muito em razão de seu estilo empolgante, no qual exibia farto repertório de dribles, alguns até, desmoralizantes.

Seu “modus operandi” consistia em aproximar-se do marcador em velocidade e de repente, estancar diante dele, oferecendo-lhe a bola num gesto provocativo. Então, colocava-a numa distância tal, que o adversário pensava ser possível roubá-la. Até que finalmente se atrevia a dar o “bote” e Mané, mais rápido, puxava a redonda e saía pela direita, deixando-o para trás, com extrema facilidade, muitas vezes provocando-lhe um tombo e as gargalhadas da torcida.

As excursões ao exterior que o clube realizava, renderam muito sucesso e dinheiro, tendo Garrincha como atração, especialmente quando se metia a driblar os gringos de cintura dura. Era um verdadeiro acontecimento e numa dessas excursões, nasceu o “olé” gritado pela torcida a cada um de seus dribles, como se fosse uma tourada.

Sua ingenuidade provocava casos hilários, como na partida diante do Reims, em Paris, em que o alvinegro vencia por 5×1 e o técnico Zezé Moreira gritou para o time se poupar, prendendo a bola nos seis minutos finais. Pois Mané confundiu tudo: pegou a pelota e não a largou mais, driblando os adversários e depois recuando, não passando nem mesmo para os próprios companheiros. Terminaria a partida com a posse da bola e a torcida o aplaudindo de pé.


A mesma confusão ele fez, quando o pobre Zezé quis ensiná-lo a ser mais objetivo nas jogadas. De cada dez lances em média, levava vantagem em uns oito. Problema era que a zaga adversária tinha tempo de se recompor e assim, rechaçar parte dos cruzamentos que ele executava. Zezé chamou-o ao gramado a sós e, colocando uma cadeira na ponta, explicou-lhe para que passasse por ela depressa e cruzasse logo para a área, sem ficar “enfeitando o pavão”, como se dizia.

Obediente a seu modo, Mané apanhou a bola, parou diante da cadeira, enfiou-lhe a bola por entre as pernas “apenas” uma vez e só então partiu rápido para a ponta, de onde cruzou, para desânimo de seu treinador.

Zezé nem falava mais nada: só pegava no pé, quanto às farras do ponta, com a mulherada. Mesmo casado, Garrincha não sossegava. Ao todo, teve doze filhos, entre esposas e namoros. Isso sem falar nas “moças-de-família” com as quais se envolvia. 

Mas não perdia oportunidade de ficar com as filhas e de estar em sua terra natal.  Assim que os jogos do Botafogo terminavam no Rio, ele se mandava para Pau Grande e ficava por lá, no boteco com os amigos, ouvindo discos em casa ou mesmo disputando peladas e até jogos por algum clube amador da região. Simples, jamais se deu conta de sua fama e sua popularidade entre os conterrâneos só fazia aumentar.

Até que em 18 de setembro de 1955, convocado pela Seleção Brasileira, estrearia com a “amarelinha”, no empate de 1×1 diante do Chile; a partir de 1957, passaria a fazer partidas mais regulares pelo selecionado nacional e finalmente em 1958, ganharia a condição de titular incontestável, se tornando dono da camisa “7”.

Mas voltemos aos amistosos: aos poucos, o time da “Estrela Solitária” foi acumulando vitórias estrondosas em jogos internacionais e as excursões iam se sucedendo: em 22/5/55, 4×1 no Tenerife, em 14/6/55, 5×2 na Dinamarca, em 19/6/55, 6×1 na Holanda, em 29/6/55, 4×0 no Torino, em 07/02/57, 6×1 no Honved, em 09/7/57, 4×0 no Sevilla. Nessas partidas (e em muitas outras) Mané foi destaque, marcando um ou mais gols.

Em 1956 o Botafogo procurara reforçar seu plantel, visando conquistar mais títulos e a chegada do célebre meia-direita Didi foi fundamental para que o futebol de Mané crescesse ainda mais, com os passes e lançamentos que recebia do “Príncipe Etíope”.

Mas a equipe chegaria mesmo ao seu ideal, na temporada seguinte, no Carioca/57.

Nele, o Botafogo realizou ótima campanha e fez a finalíssima diante do favorito Fluminense, que “cantava a vitória” antecipadamente.

Só que aquele domingo, 22 de dezembro, reservava muitas surpresas para o Flu, que não contava com a infernal atuação da dupla Garrincha-Paulo Valentim. E eles acabaram com o jogo, impondo ao tricolor, a derrota mais dilatada numa final de Campeonato Carioca em todos os tempos.

O Maracanã mal podia acreditar no que via: Mané aniquilou com a ala esquerda do rival, criando inúmeros lances de perigo, vários deles, aproveitados pelo artilheiro. Logo aos três minutos, Valentim abriu a contagem.

E aos 35 ampliou, após Garrincha – que vinha humilhando seu marcador Altair – ludibriou Clóvis e Pinheiro e encobriu Castilho, com Paulinho completando para as redes. Ele mesmo aumentou para 3×0 e assim terminou a primeira etapa.


No segundo tempo o “show” prosseguiu. Paulo Valentim marcou outros dois, totalizando cinco. Garrincha deixou o seu, aos 12 minutos: recebendo lançamento de Pampolini, ele venceu Clóvis e bateu em diagonal, ao entrar na área.

No último gol alvinegro então, aprontou um verdadeiro “salseiro” na zaga inimiga, antes de entregar de bandeja para Paulo Valentim. Final da contenda: 6×2 e o time saiu de campo, carregado pela torcida.

Assim era o futebol de Garrincha: ele jamais desejou ser a “vedete” do time. Jogava para a equipe, servia aos companheiros e parecia se divertir, fazendo seus marcadores de bobo. A torcida é que se divertia!

Mané era um sujeito tão desligado, que sequer sabia o nome de quem iria marca-lo; não que fosse menosprezo, mas pura inocência, mesmo. A um repórter que o questionou sobre isso antes de uma partida, ele respondeu:

– Não sei o nome dele, não: escreve aí que é um tal de João. 

O apelido ficou para todos os marcadores de Mané, a partir daí. Os “Joões” sofreram muito com os dribles do nosso herói, enquanto ele jogou.

Talvez até estivesse se referindo a João Berruga, zagueiro que melhor o marcara – segundo ele mesmo dizia – nos tempos de mocidade, em Pau Grande.

Um felizardo, diga-se de passagem, pois Mané infernizou muitos zagueiros por aí.

Que o digam os soviéticos, na terceira partida da Copa do Mundo de 1958.

A situação era a seguinte: sem Pelé (contundido) e Mané (afastado por ter driblado demais a zaga da Fiorentina, num gol em amistoso!), o Brasil precisou recorrer a eles, no jogo que valia a nossa classificação para as oitavas (15/6/58).

Eles desmantelaram o temido “futebol científico” apregoado pelos russos em três minutos de partida, apenas. Garrincha foi o mais espetacular deles, sem dúvida.

Nos vestiários, o técnico Vicente Feola explicou a Mané, qual sua missão em campo: “Mané, você recebe a bola e dribla o seu marcador. Quando aparecer o segundo, você o dribla também e corre para a linha de fundo. Uma vez lá, quero que cruze com força para trás, no pé do Vavá, que vai estar entrando de frente, pronto pra finalizar… alguma dúvida? E o ponta, sem maldade, respondeu: “Mas o senhor já combinou tudo isso com os russos também, ‘seo’ Feola”? Era mesmo de uma ingenuidade absurda.

Mas em campo…  

Em campo, com a bola começando a rolar, Didi lançou Garrincha, que gingou à frente do lateral Kuznetsov, fazendo-o cair pela primeira vez. O russo se recompõe. Mané aguarda. De novo, investe sobre ele e o dribla para dentro, ultrapassando-o. Mas freia e o deixa se recuperar. Então, o dribla novamente, desta vez, para os dois lados e penetra pela diagonal, sob a escolta de Voinov e Krijeviski, que acabam vencidos. Mané acerta então uma “tijolada quente” no poste esquerdo do “Aranha Negra” Yashin, já batido no lance.  Ou seja: na “primeira volta dos ponteiros”, os inimigos já estavam desmoralizados.

Mas Mané queria mais: no minuto seguinte, tabelou com Pelé, que acertou um chute no travessão. Mais um minuto e afinal, Vavá abre a contagem para o Brasil.

Pensam que ficou nisso? O “pânico” foi ainda maior aos 12 minutos, quando Zagallo cobrou um escanteio bem aberto pela esquerda: a bola caiu no bico da grande área e Mané driblou em zigue-zague, nada menos do que os quatro defensores russos que tinha pela frente. Yashin, maior goleiro do mundo de todos os tempos, se arrojou para evitar o pior.

O Brasil estava começando, sem saber, a ganhar sua primeira Copa do Mundo. Com Garrincha, é claro!

Na volta para casa, com a Taça Jules Rimet conquistada, o cartaz de Garrincha ganhou notoriedade também no mundo e o Botafogo prosseguiria com suas intermináveis excursões – especialmente pela Europa – tomando parte de alguns torneios – e assim, reforçando o plantel, com o dinheiro obtido. Apenas o Santos de Pelé mostrava-se páreo para a equipe no país, naquela época. Foi um período que marcou o “auge” do futebol brasileiro, sem dúvida alguma.

Nessa época, os adversários usavam de diversos expedientes, na tentativa de parar Garrincha. Alguns apelavam em geral para as faltas e até acabavam expulsos, especialmente quando se tratavam de equipes menores.

As maiores, geralmente com atletas de maior recurso técnico, promoveram grandes duelos em suas laterais, contra Mané.

Os três “Joões” mais conhecidos de Garrincha, foram Altair do Fluminense, Jordan do Flamengo e principalmente, Coronel, do Vasco. Até porque eram os rivais diretos do Botafogo, no Rio de Janeiro. Há boas histórias contra esses times, tendo o “Anjo das Pernas Tortas”, como protagonista, inclusive.

Numa delas Pinheiro, zagueiro do Flu, se contunde ao tentar marcar Garrincha. Ao invés de se aproveitar disso, ele chuta a bola para fora, para que o colega de profissão seja atendido, num gesto que é aplaudido por todo o Maracanã. Até então, ninguém havia visto um gesto de esportividade como aquele. Assim era Mané Garrincha. 


Já o lateral rubro-negro Jordan, era considerado por ele, como seu marcador mais leal.

A vítima preferida de Garrincha atendia pelo apelido de Coronel. Explique-se: o Vasco armava um esquema diferenciado na vã tentativa de parar Mané. Criaram uma marcação batizada de “fila”. Ela geralmente começava com o centroavante ou o ponta-esquerda bem recuado, dando combate assim que Garrincha recebia a bola.

Em média ficavam quatro adversários aguardando sua vez, um atrás do outro, para enfrentá-lo. Pacientemente, eram atendidos pelo “torto”. A torcida adorava, é lógico. E lá iam os marcadores se esborrachando pelo chão, um a um! Mas houve um dia, em que Garrincha exagerou e marcou talvez o gol mais bonito de sua carreira.

O Botafogo vencia o jogo, obrigando o Vasco a atacar. Foi daí que a zaga botafoguense roubou a bola e executou um passe longo para Garrincha, que estava um passo atrás da linha do meio-campo, pela direita.

Mané recebeu o primeiro combate de Coronel, mas gingou o corpo para a esquerda e saiu pela direita, lépido, agora pela meia-direita, em direção à grande área. No meio no caminho, topou com Orlando, que viera para a cobertura. Livrou-se dele, aplicando outro drible desmoralizante, mas adiantou demais a bola e o goleiro Miguel saiu desesperado, na esperança da defesa.

Feito um raio, Garrincha chegou primeiro e gingando novamente para a direita, saiu do goleiro também, que desabou com as pernas abertas. Acabou alcançando a bola, já bem próxima da linha de fundo. O zagueirão Bellini, experiente, correu pelo centro da área e optou por colar na trave, para fechar-lhe o ângulo de chute. Mané, de posse da bola, finge arrancar para o meio da área e ficar com a meta escancarada. Bellini então cai na cilada e desencosta da trave momentaneamente.

Neste exato instante, Garrincha chuta de direita, no mínimo vão que se abre, entre ele e o poste. Tremendo golaço e a torcida foi à loucura.

Mais uma das muitas diabruras de Mané Garrincha em campo. Mas e fora dele?

Mané era um cidadão pacato, simples, brincalhão, que se comportava feito moleque nas concentrações; não deixava ninguém em paz, brincando com os companheiros, o tempo todo. Se o goleiro Manga queria um bife, por exemplo, ele apanhava a travessa com carnes e berrava para ele, na outra ponta da mesa:

“Você quer o bife ‘expresso’?”. E atirava a bandeja, rente à mesa, em sua direção: pelo caminho, a travessa ia colidindo com pratos e talheres dos jogadores e espalhando os bifes por todos os lados, causando gargalhadas aos montes.

Mesmo os mais sérios e experientes, ele não poupava: se “passava a mão” em Didi, por exemplo, para tirá-lo do sério, ouvia do companheiro constrangido, o sermão merecido: “Não faça isso, Mané! Veja, não fica bem para mim, que tenho mais idade, sou casado, um chefe de família”. Garrincha instantaneamente ficava sério, abaixava a cabeça e pedia desculpas, aparentemente envergonhado.

Assim que Didi virava as costas, repetia o gesto, provocando-o novamente, enquanto os colegas de elenco morriam de rir. Como “consertar” um “meninão” desses?

Certa vez, em viagem pelo exterior, mal o Botafogo se instalou num hotel e ele simplesmente sumiu. Já sabendo de suas travessuras, Zezé Moreira teria apanhado um

táxi e mandado seguir para a “zona do baixo meretrício” , com o intuito de busca-lo e à tempo, inclusive, de ver Mané combinando, na calçada, o valor de um “relax” para dali a pouco.

Ao vê-lo descendo do táxi, todavia, Garrincha teria gritado: “Aí hein, seu Zezé… até o senhor por aqui?!”. Segundo a lenda, Zezé Moreira, envergonhado, teria entrado no veículo novamente e mandado o taxista retornar para o hotel.

Numa outra oportunidade, valendo-se de que o goleiro Manga não sabia ler, apanhou um jornal do saguão do hotel em que se encontravam e fingindo estar lendo, disse ao amigo: “Puxa, Manga! Você viu o que este jornalista escreveu à seu respeito? Que você só quer farra, não treina, nem quer nada com nada”. Pouco depois, o tal jornalista chegou ao hotel para fazer a cobertura do Botafogo e foi difícil segurarem Manga, que queria dar uma lição no cidadão, enquanto Mané morria de rir, escondido.

Os apelidos que ele criava para todo mundo com quem convivia, eram impagáveis.

Várias histórias do Botafogo – sobretudo de Garrincha – foram contadas pelo saudoso jornalista Sandro Moreyra. Outras, não.


A melhor de todas, para mim, talvez seja a que teria ocorrido numa partida diante do São Cristóvão, na qual, após uma tremenda arrancada de Garrincha – perseguido de perto pelo árbitro Amílcar Ferreira – ele resolve frear de maneira brusca.

Tão brusca, que o juiz acaba escorregando e leva o maior tombo, levando a galera ao delírio. Nervoso, Amílcar se levanta e –dedo em riste – foi logo avisando Mané: “Mais um drible desses e te boto pra fora!”. Assim era Mané Garrincha, “Alegria do Povo”.

Por outro lado, as atuações do ponta impressionavam quem nunca o havia visto jogar e surpreendiam muitos adversários. Seu estilo imprevisível era ajudado, em parte, por seu problema físico. A tal inclinação de seu corpo para um dos lados, fazia com que partisse sempre para o lado direito, com a vantagem de pelo menos um segundo em relação ao seu marcador. Isso, naquela corrida de 15, 20 metros, era considerável.

Mas nem sempre era assim.

Na Copa de 1962, no Chile, com a contusão prematura de Pelé, Mané tomou para a si a responsabilidade de jogar por ele e pelo amigo. Foi daí que, nas partidas diante da Inglaterra e Chile, abandonaria sua característica de jogar pela direita, geralmente rente à lateral.

Completamente diferente do jogo de estreia diante do México, quando se manteve ali o tempo todo, levando terror à zaga mexicana. Há inclusive uma foto colhida, dessa partida, em que ele, sozinho, avança com a bola na área diante de oito adversários que o cercam, além do goleiro, atentíssimo ao lance. Um deles, inclusive já está caído, driblado. Algo surreal.

Mas a contusão do Rei o faria atacar por todos os lados e de todas as formas, após o empate sem gols diante da Tchecoslováquia.

No complicado compromisso frente à perigosa Espanha, ele ainda se manteve em seu setor, sendo decisivo para o triunfo de virada, com dois cruzamentos precisos para Amarildo marcar os gols.

Já contra os ingleses, começou o “show”: corria por todos os lados do campo e não dava ouvidos à Aymoré Moreira, que lhe pedia para guardar posição. Se nem Bobby Moore conseguia contê-lo, o que dizer dos demais zagueiros? Viraram fantoches nas mãos – ou, melhor dizendo – aos pés de Garrincha.

Aos 32 minutos, aproveita um centro na área e abre a contagem de cabeça, fato raro, em se tratando dele. A esforçada Inglaterra empatou pouco depois e assim acabou o primeiro tempo.

No segundo, Vavá desempata após uma falta muito bem cobrada por Mané, com tamanha força, que estoura no peito do goleiro e ricocheteia para Vavá desempatar.

Agora são 14 minutos; Mané de novo está pelo meio e recebe uma bola de Amarildo. De fora da área, emenda um chute de curva, que entra no ângulo de Springett.

Pronto: a Inglaterra está derrotada e começa o “baile” inglês, onde Garrincha vai tirando os ingleses para dançar: Norman, Wilson e especialmente Flowers, vítima de uma fofoca mentirosa soprada no ouvido de Garrincha na véspera, dando conta de que o pobre lateral haveria dito que iria pará-lo, sem dificuldades. Na verdade um truque para mexer com seus brios e fazê-lo arrebentar com a zaga inglesa.  E foi o que acabou acontecendo.

O desafio seguinte seria contra os donos da casa, os chilenos, na semifinal. Pois ele não tomou conhecimento do adversário e “passou o trator” pela defesa inimiga.

Logo no começo, abriu a contagem, com um chute de canhota. O treinador chileno resolveu deixar três jogadores na cobertura, para marca-lo. Não adiantou.

Mais um gol de Mané (de cabeça!) encurta o caminho para a vitória. O Chile desconta, mas no início da etapa complementar, Garrincha se livra da marcação e centra para Vavá ampliar. O Chile diminui de novo e tenta envolver o Brasil, na base da correria.

Mas aí nossa Seleção era mais time e Vavá faz 4×2.

No final, após ser agredido com um tapa no rosto, Garrincha revida a agressão do lateral Rojas, com um chute nos fundilhos e acaba expulso pela primeira vez em sua carreira. Desorientado, demora-se para deixar o gramado e é alvejado por uma pedra na cabeça, arremessada pela torcida. Fica magoado com isso.

Mas Paulo Machado de Carvalho mexe seus pauzinhos e obtém uma espécie de “efeito suspensivo” para que ele jogue a final.

Mesmo febril, ele entra em campo e prende os marcadores adversários com suas jogadas de efeito, abrindo espaços para que os outros atacantes liquidem a fatura. Final de jogo e o Brasil é bicampeão mundial. Graças principalmente, a aquele verdadeiro “Chaplin” do futebol.

O ano de 1962 ficaria marcado para sempre, como a apoteose da carreira de Mané. Foi uma temporada pródiga de conquistas e que culminaria com aquela que é considerada

talvez, a maior atuação em sua carreira: a final do campeonato carioca, contra o Flamengo.

Logo no início da temporada, no dia 03 de janeiro, o Glorioso enfrentou o Santos, num jogo de “entrega de faixas”, com destinação de parte da renda para fins beneficentes.


Foi um “jogão”, reunindo a nata do futebol brasileiro da época. De um lado Pelé, Pepe, Coutinho, Zito, Mauro, Calvet, Lima. Do outro, Manga, Nilton Santos, Rildo, Didi, Quarentinha, Amarildo, Zagallo e ele. Deu 3×0 Fogão, com direito a novo “show” de Mané Garrincha.

Momentos antes dessa partida, aliás, ele recebeu um moderno Simca-Chambord, então o veículo nacional mais luxuoso na praça – ali mesmo, no gramado – fruto de um concurso promovido pela revendedora Simcar e o Jornal dos Sports, para eleger o jogador mais querido do Rio. Foi durante este concurso que angariou o apoio da grande intérprete Elza Soares, com a qual viveria uma história de amor por dezesseis anos.

Do início ao final daquele ano, tudo foi perfeito para Garrincha e para o Fogão.

E, se o ano se iniciara com uma goleada de 3×0 em cima do poderoso Santos, se encerraria ainda melhor, com placar igual, sobre o Flamengo, no dia 15 de dezembro, após belíssima campanha, na grande decisão do campeonato carioca.

Público de praticamente 159 mil pessoas no Maracanã, naquele sábado inesquecível!

Flávio Costa monta um esquema no qual Gérson é escalado como falso ponta-esquerda, com a principal tarefa de dar o primeiro combate a Mané.

O Flamengo começou tentando tomar a iniciativa, mas foi logo surpreendido pela grande superioridade técnica do adversário e pela atuação histórica de seu camisa 7.

Aos 10 minutos, após uma ação ofensiva fracassada do rubro-negro (o qual, aliás, jogava com a vantagem do empate debaixo do braço), Amarildo executa um longo passe para Mané, próxima da lateral, já em seu campo de ataque.

Ao invés de parar e encarar seus marcadores um a um, Garrincha prefere arrancar em altíssima velocidade, deixando Jordan para trás e passando ao lado de Vanderlei que chega atrasado, enquanto Fernando deixa a meta em desespero, mas é tarde: o “torto” já invadiu a área pela direita e bate rasteiro, à queima-roupa: 1×0. E no próprio impulso de sua incrível disparada, Garrincha acaba saindo pela linha de fundo e saltando por sobre os fotógrafos postados atrás da meta. Sua felicidade transborda. A vantagem do Mengo se desfizera em meros 10 minutos.

Depois disso o que se viu foi o talento ante o desespero. Por um lado, um time perdido em campo, tentando ombrear na base da raça, mas sem condições visíveis para isso. Do outro, uma equipe que tocava a bola consciente e que acionava sua estrela maior, toda a vez que queria fustigar o adversário.

Por alguns instantes – enquanto Amarildo se contunde, deixa o gramado e ao voltar, tenta trocar sem sucesso de posição com Garrincha – o Flamengo ainda tem descanso.

Todavia, passada essa breve interrupção, se restabelece a superioridade alvinegra e o segundo gol parece mera questão de tempo e capricho, apesar de Amarildo ainda não estar 100%, o que na teoria significaria o Fogão ficar momentaneamente com dez.

Na teoria, porque com Garrincha endiabrado, quem na prática estava em vantagem era o Glorioso.

Tanto isso era verdade, que aos 34 minutos, o Flamengo desperdiçou nova descida ao ataque e na recomposição, o Botafogo desceu com Ayrton, que serviu Edson. O meia não teve dúvidas: acionou Garrincha pela direita. A torcida se inflamou.

Mané arrancou e já ao lado da risca da grande área, aprontou um carnaval pra cima de Jordan e Gérson (ninguém segurava o homem!). Ao invés de chegar ao fundo, prefere atirar com violência para dentro da pequena área, surpreendendo o goleiro Fernando que se atira ao chão, mas não alcança a bola e também do zagueiro Vanderlei, que aparvalhado, quase tromba com o goleiro e acaba levando uma bolada na cara, pois a redonda havia tocado no solo e ganhado altura.

A bola explode no rosto do pobre zagueiro e vai para as redes, entrando no ângulo: 2×0 Botafogo. A torcida do Flamengo se cala. A do Botafogo começa a pedir “mais um”, antevendo uma goleada.

E a goleada se materializaria logo após o intervalo: passava dos dois minutos de jogo naquele segundo tempo, quando Zagallo desce pela esquerda e centra para Quarentinha que mesmo marcado, acerta um voleio magnífico.  A bola explode no peito de Fernando, que não consegue segurar e no rebote, Garrincha liquida a fatura: 3×0 e a torcida não se contêm mais, aos gritos de “É, campeão!”.

Somente aí o Flamengo “acordou para o jogo”, abortando os inofensivos cruzamentos para a área e passando a jogar com objetividade. Com o Botafogo já desinteressado na partida e Garrincha aparentemente satisfeito, o rubro-negro criou algumas chances de perigo, parando na trave e em algumas defesas de Manga.

Mas não passou disso e o caneco levantado pelo Botafogo fez jus a uma campanha das mais formidáveis, encerrando com “fecho-de-ouro”, uma temporada perfeita.

Ao todo, a equipe de General Severiano realizou 66 partidas em 1962. Venceu 46, empatou 12 e perdeu apenas oito. Fez 147 gols e sofreu 65. O artilheiro do time foi Amarildo “Possesso” com 37 gols. Garrincha marcou 18, fora os tantos que proporcionou em assistências fabulosas, para os companheiros.

Aliás, muita gente se beneficiou com os passes e cruzamentos de Mané, ao longo de sua carreira. Quem precisava se firmar no time, quem sonhava com uma transferência durante alguma excursão do Glorioso pelo exterior, costumava recorrer a Garrincha nessas horas, pedindo sua ajuda com assistências “na manteiga” para que fizessem os gols necessários e assim, atraíssem os holofotes da imprensa e conseguissem seus intentos.

Pergunte quantos deles deram um único tostão para o “Anjo das Pernas Tortas” como gratidão pela ajuda concedida?

Mas Mané jamais cobrou nem ficava magoado. Aliás, mesmo em campo, quando era atingido com violência pelos adversários, não reclamava: levantava-se, arrumava o “meião” e prosseguia, sem piruetas espalhafatosas, nem gestos desnecessários. Parecia conformado até, com seu destino de apanhar.

O estilo de jogo de Mané atraía os marcadores e contribuía para esse tipo de situação. Aos poucos, no entanto, as seguidas contusões e principalmente o desgaste daquele corpo torto cobravam seu preço: desenvolveu uma artrose crônica nos joelhos desgastados pela dura vida de atleta profissional, impondo-lhe a necessidade de uma cirurgia que ele procurava evitar.

E tome Garrincha no “estaleiro”, tentando poupar o que ainda lhe restava de saúde nas pernas, precisando jogar apenas uma vez por semana, enquanto a necessidade do Botafogo era maior: duas ou até três vezes, no mesmo período.

As excursões, fonte importante de receita da agremiação para manter o melhor elenco possível, exigiam isso. Em algumas oportunidades, Mané submeteu-se a infiltrações no joelho, que tiravam a dor por um período, mas definitivamente não resolviam o problema, possibilitando apenas que ele jogasse.

As dores só faziam crescer. O joelho inchava, sofria derrames, até.

Foi um período difícil no relacionamento entre o clube e o atleta. O compadre Nilton Santos procurava sempre ajuda-lo e às vezes acabava até indo à Pau Grande, para convencê-lo a voltar, evitar alguma punição ou interceder por ele junto ao clube. 

Com o tempo, Garrincha passou a exigir pagamentos maiores. Em certos casos, queria equiparar-se a prêmios que Pelé recebia no Santos.


Parecia justo, pois Mané, assim como o Rei, era a atração maior de seu time e dessa forma, o valor cobrado por apresentação numa turnê, crescia. E o Fogão (geralmente após uns dias de ausência de Mané nos treinos, emburrado e escondido em sua Pau Grande) acabava cedendo e pagando o que ele reivindicava com justiça.

Mas suas atuações em alto nível já não eram reeditadas, pelo problema físico. Após driblar a cirurgia por algum tempo, acabaria operando, depois do médico lhe garantir que, se ela não resolvesse o problema, ao menos não o agravaria.

E foi o que aconteceu: operado, o problema acabou não sendo solucionado e Mané entrou numa fase complicada de desentendimentos constantes com o clube, não participando de muitos jogos e treinos e já com 32 anos, acabaria indo para o Corinthians, que ofereceu um bom valor por ele, no início de 1966: 220 milhões de cruzeiros.

Mas no Parque São Jorge, Mané não conseguiria reeditar suas atuações dos tempos de Botafogo, clube pelo qual marcou nada menos do que 245 gols em 614 partidas.

Embora fosse o jogador mais famoso do elenco (que contava com o novato Rivellino em suas fileiras), Garrincha pouco pôde fazer pelo Timão.

Após uma estreia frustrante em 02/3/66, perdendo por 3×0 para o Vasco no Torneio Rio-SP, ele atuaria em mais alguns jogos naquele mesmo mês, fazendo gols diante do Cruzeiro e do São Paulo.

Mesmo atormentado pelo problema nos joelhos, acabaria sendo o único no elenco, convocado para a Copa de 1966. Após uma campanha decepcionante da Seleção, pela qual marcaria seu último gol (de falta, sobre a Bulgária) e depois sofreria sua única derrota pelo Brasil (3×1 para a Hungria), Garrincha retornou ao Timão e realizou suas últimas partidas pelo clube.

Numa delas, levou um pontapé no joelho, desferido por Zito, que chegou a ser acusado de encerrar a carreira de Mané. Não é verdade: a carreira de Garrincha já se arrastava e continuou se arrastando, mesmo após ele deixar o Corinthians, com passe livre no final daquela temporada, após apenas treze partidas disputadas.

Começaria então, uma peregrinação por clubes do Brasil e até do exterior. Retornou ao Brasil no finalzinho de 1968, para atuar pelo seu time de infância, o Flamengo.

Entretanto, sua passagem pela Gávea foi semelhante à do Corinthians e o Mengão decidiu usá-lo mais em partidas amistosas pelo interior do Brasil, numa excursão cujo objetivo maior era tornar o clube ainda mais popular pelo Norte e Nordeste.

Atuaria quinze vezes ao todo, marcando quatro gols. Deixou o rubro-negro depois de seis meses e rodou pelo Brasil, buscando talvez, reencontrar o futebol do passado, sempre em clubes mais modestos.

Terminou no Olaria, em 1972, realizando dez partidas. Seu único gol pela equipe (e o último de sua carreira profissional) foi marcado aqui em Ribeirão Preto, no confronto diante do Comercial (22/5/72), num empate de 2×2. Foi aos 20 minutos do segundo tempo, quando ele apanhou uma rebatida da defesa e fez o segundo do Olaria.

Atuaria os 90 minutos da partida e ao final, recebeu um troféu em agradecimento por sua presença naquele amistoso. Retribuiu agradecendo a todos, sempre com seu sorriso sincero no rosto. Nem precisava.

Em dezembro de 1973, realizou-se no Maracanã o “Jogo da Gratidão”, no qual um combinado brasileiro enfrentou outro, estrangeiro, num Maracanã com casa cheia, tudo para ajuda-lo financeiramente. Ele atuou por trinta minutos e fez o publico se transportar no tempo, ao driblar o zagueiro Bruñel como nos velhos tempos, apesar de já ser um quarentão aposentado.

Ao final, com o dinheiro arrecadado, pôde comprar uma casinha para cada uma das filhas, outra para ele, um carro usado e fazer sociedade numa churrascaria.

Depois disso, o “Alegria do Povo” rodou o Brasil, atuando em times de todos os rincões deste país. Times modestíssimos, sem tradição, mas que tinham interesse em tê-lo em suas fileiras, uma partida que fosse.

Simplório, Garrincha não costumava rejeitar convites e cumpria sua missão de levar alegria às comunidades mais distantes.

Por um bom tempo, atuou ao lado de craques do passado, na badalada equipe de veteranos do Milionários, o qual se apresentava por todo o Brasil, em jogos festivos. Djalma Santos talvez tenha sido seu maior companheiro em campo, nessas partidas.

Mas além de sua limitada condição atlética e o peso da idade, o alcoolismo aos poucos começavam a comprometer sua saúde, minando seu fígado e pâncreas.

Até que em 20 de janeiro de 1983 viria a falecer, vítima de cirrose hepática. Tinha apenas 49 anos de idade. 

Ao todo, alegrou a torcida em 771 partidas, nas quais assinalou 301 gols (incluindo os jogos não oficiais) além de outras centenas, que proporcionou aos companheiros nas equipes pelas quais passou.

Garrincha serviu até mesmo de inspiração para o saudoso compositor e poeta Vinícius de Moraes, que em 1962 compôs um soneto denominado “O Anjo das Pernas Tortas”.


Por isso tudo e muito mais, este texto visa homenagear o mestre dos dribles, que jamais deixou que os pontapés dos adversários o fizessem abdicar de seu futebol moleque, alegre, mambembe, até.

Feito um palhaço de circo obrigado a fazer a plateia sorrir mesmo quando está triste, Mané aceitou muitas vezes apanhar em campo, apenas por mais um drible debochado, pela alegria incontida provocada na multidão que o assistia. Sem ele, o espetáculo perdeu sua própria razão de ser para muita gente, inclusive para mim.

E é por isso que eu sempre repito meu querido Mané Garrincha: maldosamente, muitos te consideravam um aleijado, um bêbado, um matuto. Outros ainda, um inconsequente, um atrevido, um tolo. Nada disso.

Para mim e para a esmagadora maioria da torcida brasileira e mundial, você foi, é e sempre será um gênio driblador; simplesmente o jogador mais espetacular que este apaixonante esporte chamado futebol já conseguiu produzir.

EXPLICANDO PELÉ ÀS FUTURAS GERAÇÕES

por Émerson Gáspari


Este texto tem por objetivo maior, esclarecer aos jovens que não puderam ver Pelé jogar ao vivo, o porquê dele ser o maior de todos os tempos e ao mesmo tempo servir como testemunho para que a magnitude de sua obra jamais seja esquecida.

Fiquem tranquilos: não estou aqui para repetir o que vocês já se cansaram de ouvir e ver por aí, como o Tri no México, o milésimo gol e tudo o mais que parte da mídia lhes ensinou a duvidar. Narrarei atuações incríveis dele em jogos desconhecidos por vocês.

Mas como eu ia dizendo, nas redes sociais, por exemplo, é um assombro a quantidade de gente que destila seu veneno contra Pelé.  Em geral, fãs de algum craque atual ou pessoas que insistem em julgá-lo por episódios extracampo, misturando as coisas.

Aqui, neste texto, tratarei apenas do atleta Pelé.

Quanto ao cidadão Edson Arantes do Nascimento; trata-se de um ser humano comum, passível de erros e acertos, como todo mundo. Não focarei neste assunto.  Ponto final.

Saibam também, que possuo o maior respeito por todos os jogadores descritos neste texto e se faço citações, é no sentido de legitimar tudo o que afirmo aqui, apenas.

O propósito é apresentar histórias e informações incomuns, sobre a carreira do Rei.

Comecemos por alguns números: aos jovens que curtem tanto falar em “hat-tricks”, saibam que Pelé já fez “alguma coisa” nesse sentido; sendo oito gols num só jogo, cinco em seis jogos, quatro gols em outros 31 e três gols em 92 oportunidades.

Dos seus 1284 gols, 180 foram de bola parada, sendo 109 de pênalti, 70 de falta e um olímpico. Em três temporadas, superou a marca centenária: em 1959 fez 126 gols, em 1961, 111 gols e em 1965, 106 gols. Só pela Seleção Brasileira, marcou 95 tentos.

São apenas curiosidades, antes de abordarmos assunto mais sério: as comparações!

Sim, porque um dos maiores pecados da humanidadeé o da comparação, já que cada indivíduo é “uno” e como tal, não mereceria ser comparado a outro.

Mas sempre haverá a tentadora e deliciosa ideia de se discutir quem é o melhor.

Só que com Pelé, trata-se de pura blasfêmia.

Vejam os argentinos, por exemplo, sempre à tona, com a velha fixação de possuírem o melhor jogador de todos os tempos.

É bom que eu diga que sempre admirei o futebol argentino. De talento, garra, técnica, disciplina tática, posse de bola e boa transposição do meio para o ataque, além de outras virtudes, que não vem de hoje.Mas na verdade, às vezes, forçam um pouco.

Sejam alegando que devido a II Guerra deixaram de ganhar duas Copas, sejam especulando desde essa época, possuírem o “número um” do planeta.

Isso começou com José Manoel Moreno – ídolo do River Plate “La Máquina” – nos anos 40, mas, sinceramente? Não creio que nosso Zizinho, na época, ficasse atrás.

Mais tarde, inventou-se que seria Di Stéfano,porém o húngaro Puskas, seu parceiro de Real Madrid, me parecia um pouco melhor. Mais espetacular, sem dúvida. Boa parte da crítica mundial inclusive considerava Puskas o maior, até o surgimento de Pelé.

O próprio Puskas, imparcial e humilde, dizia que o melhor jogador do mundo era Di Stéfano, pois se recusava a classificar Pelé como um simples jogador.

Já Cruyff, considerado por muitos o maior craque europeu da história (e grande treinador, também) sempre repetiu quando atleta, que até poderia vir a ser um Di

Stéfano, mas nunca um Pelé, pois ele era o único que ultrapassava os limites da lógica.

Para o companheiro de Pelé no Santos, Pepe, ele sempre foi um extraterrestre, já que as coisas que fazia não cabem na compreensão humana.

Tempos depois, surgiu Maradona. Era de uma habilidade impressionante e para mim, sua melhor fase foi no Argentino Juniors, mas levou azar: aos 17 anos, preterido por Menotti na Copa, perdeu a chance de ser campeão mundial, feito Pelé na mesma idade.Ganhou sozinho o Mundial de 86 e revolucionou o Napoli, nos anos 80.  Só que engordou e prejudicou a carreira com as drogas. Poderia ter sido maior. Não foi.

Costumo fazer analogias entre futebol e boxe; penso que Diego estaria assim, mais para um Mike Tyson, enquanto Pelé se aproximaria do perfil de Mohammad Ali.

Agora, nesse século, o “concorrente argentino” mudou: passou a ser Messi.

Eleito melhor do mundo várias vezes,já viveu dias melhores. Enfrenta a concorrência de Cristiano Ronaldo, enquanto Neymar e agora Mbappé e Salah tentam se aproximar. Mas daí a querer comparar qualquer um deles com Pelé vai uma distância enorme.

Só que, mesmo assim, para Messi desbancar Pelé nessa disputa, bastaria ganhar apenas uma Copa, de modo convincente e decisivo, para que toda a gigantesca indústria marqueteira se incumbisse de promover uma injustiça.

Haverá gente da própria imprensa brasileira defendendo a tese de que ele passou a ser o maior. Até esta última Copa, havia uma meia dúzia escrevendo essa bobagem por aí. Depois do novo fracasso, ficou mais difícil acha-los.

Como a lei da probabilidade aponta para que Pelé e seus contemporâneos partam desse mundo antes que Messi e toda esta nova geração, basta uma Copa,muito marketing em cima e algum tempo. Estará feito o sacrilégio.

Marcar mil gols, por exemplo, ele não precisa. Ainda mais depois que uma revista portenha publicou um “levantamento de gols relevantes”, republicada em todo o mundo e no qual Messi deve superar Pelé, logo. Francamente! 

Um absurdo tão grande quanto uma revista brasileira, que tempos atrás afirmou – com matéria de capa e tudo – ser Roberto Carlos, o maior lateral-esquerdo que já existiu, acima até, de Nilton Santos. Triste! Acho que nem o R6 concordou com isso.

Mas voltemos às eternas comparações com Pelé. E sem patriotada!

Não é porque um seja brasileiro e o outro argentino, pelo amor de Deus!

Mas porque denota que compramos as ideias que chegam de fora, mesmo que absurdas. Vamos dar um exemplo (peço aos flamenguistas que me perdoem).

Zico foi um monstro como jogador, eu diria extraordinário; mas não foi um Pelé. Entendem o que eu quero dizer? Na época do “Galinho” mesmo, não dava pra cravar que ele fosse o melhor do mundo. Naqueles anos 70/80, no Brasil, havia Sócrates, que até me parecia às vezes, ligeiramente superior na criação das jogadas, enquanto Zico era mais decisivo e goleador, sem dúvida alguma. No restante do mundo então, nem se fala: havia Boniek, Rummenigge, Platini, Lato, Falcão. E Maradona.

Hoje a concorrência diminuiu. Só tem Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e agora, Mbappé e Salah chegando: Iniesta já é carta fora do baralho.

Jogar no Barça hoje em dia, dá mil vezes mais repercussão do que atuar no Santos. Imagine então, no Santos dos anos 50, 60, 70?

Querem a verdade? Cruyff por exemplo, não foi inferior à Messi, mas para a mídia (inclusive a europeia), é como se fosse. A propósito, nessa altura do texto, sou tentado a fazer também o meu ranking pessoal de melhores jogadores de todos os tempos.

Em primeiro lugar, vem Pelé, e nem poderia ser diferente.

A alguma distância, depois dele, está Maradona e colado nele, um seleto grupo, com

Puskas, Cruyff, Beckenbauer, Di Stéfano, Zidane, Garrincha, Yashin, Bobby Moore, Eusébio, Stanley Matthews e no qual estariam entrando o Messi e o Cristiano Ronaldo.

Se não conseguirem, permanecerão no grupo abaixo,maior, com Iniesta, George Best, Gullit, Van Basten, Robin, Neeskens, Kocsis, Zamora, Meazza, Baggio, Rossi, Zoff, Masopust, Liedholm, Beckham, Lato, Platini, Rummenigge, Matthaws, Gerd Muller, Mathias Sindelar, Moreno, Mario Kempes, Hugo Sanchez, Planika, Obdúlio Varella, Manco Castro, Gordon Banks e claro, “Ronaldos”, Romário, Zico, Sócrates, Falcão, Rivellino, Gérson, Tostão, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Zizinho, Nilton Santos, Djalma Santos, Didi, Leônidas da Silva, Friedenreich, entre outros e é neste grupo que Neymar está inserido. 

Claro que tudo isso é muito discutível, pois como disse, é complicado comparar, ainda mais jogadores de posições, países e épocas diferentes e é impossível lembrar de todo mundo. Mas sinceramente, é o que penso a respeito dos maiores craques que este planeta já produziu. Não sou dono da verdade.

E a verdade, é que tenho ouvido muitas bobagens futebolísticas, nestes últimos anos.

Algumas; já contei aqui, no Museu da Pelada: tem aquela do rapaz que insistia que Beletti foi o maior lateral-direito do Brasil de todos os tempos e “sem discussões”. Então, com modos, perguntei se havia ouvido falar de Zezé Procópio, Djalma Santos, Carlos Alberto, Leandro (fazendo de conta que o Cafu, naquela época, não existia).  Diante da negativa, questionei se pelo menos Nelinho ou Zé Maria.  Depois de mais um “não”, respondi, com toda a ironia do mundo que então ele estava certíssimo: “Beletti era mesmo, o maior de todos os tempos”. E sem discussões, como ele queria. 

Aposto que nem mesmo o sensato Beletti concordaria com uma afirmação dessas, até porque sua posição de origem era volante, mudando várias vezes durante a carreira.

Outro torcedor, trintão, insistia comigo que Serginho Chulapa foi muito melhor do que Ronaldo Fenômeno. Concordei: como discutir com quem pensa assim? Prefiro conversar com pedras, elas ao menos não me dizem essas bobagens.

Quando envolve Pelé, a coisa fica ainda pior: um rapazola – não sei se querendo me provocar ou por pura tolice mesmo, vinha sempre ao meu antigo sebo, para afirmar com entusiasmo, que Robinho já havia passado Pelé para trás. Um dia, extasiado por Robinho ter assinado com o Real Madrid (a pedido do Wanderley Luxemburgo, quando trabalhou lá), ele veio dizendo, sério, que “agora sim, Robinho iria arrebentar e talvez fizesse até mais gols do que o Rei”. Preferi responder com uma pergunta:

– Você sabe quantos gols tem Robinho hoje, com pouco mais de 21 anos?

– Não! Quantos?

– Setenta! Exatamente setenta gols, tem Robinho hoje.

– Puxa, que legal! E Pelé, quantos gols tinha feito, com a mesma idade, hein?

– Quinhentos! Aos 21 anos e dez meses, Pelé já havia feito 500 gols pelo profissional.


O moço arregalou os olhos, ficou em silêncio, aturdido. Minutos depois, saiu de fininho da minha loja, sem se despedir, para nunca mais voltar. Mais um cliente assim – que também fiz questão de perder – era um argentino fã de futebol, que aporrinhava a paciência, fazendo citações agressivas (entre os pôsteres de times na parede da loja, havia um de Pelé). Até que num belo dia, exagerou nas provocações:

“Este não jogou nada! Viveu de mídia! Foi sempre um enganador: tive pena quando vi seu filme, todo editado, cheio de cortes”. E prosseguiu:

“Não jogou nem 10% do que jogou Maradona! Outra mentira inventada, por aqui!”

Ouvi tudo em silêncio, sem nada responder. Quando ele se despediu, disse-lhe apenas:

“Desejo que na próxima encarnação, Deus lhe conceda a dádiva da visão, para que consiga ao menos enxergar futebol direito”. O gringo fez uma cara feia e saiu pisando duro.

Perdi mais um cliente, mas ganhei minha tranquilidade de volta. Porque cansa ouvir essas coisas, sabe gente? Quanto ouço essas asneiras (e só lhes contei algumas), chego à conclusão que meu ouvido definitivamente virou penico. E a mídia, com essa “babação” em cima do Messi, vem dando sua generosa contribuição para enchê-lo.

Com todo respeito que possuo pelo grande Mané Garrincha (de quem sou fã e farei meu próximo texto, homenageando-o), mas costumo sempre mensurar o grau de conhecimento futebolístico de alguém, quando me diz“Mané foi melhor que Pelé” ou“Pelé não seria nada, sem o Mané” ou ainda: “sem Mané, Pelé não faria tantos gols”. Bem, só pelo Santos, foram 1091 gols. E não me recordo do querido Garrincha ter vestido a camisa do Peixe. Se alguém viu, por favor, me avise.

“Ah, mas o Gérson disse que Garrincha foi o melhor de todos!”, dirão alguns.

Verdade, e ele é um dos caras que mais conhece futebol. Além do craque que foi, dava uma aula de conhecimento, nos comentários que fazia para a TV e eu adorava assistir.

Mas talvez diga isso, por ter levado o maior baile de sua vida, ao ser impelido a marca-lo, naquela célebre final do “Cariocão” de 1962, em que o Botafogo (ou Mané) fez três à zero em cima do Flamengo, deitando e rolando. Ficou o trauma. Depois, ele até foi jogar no Botafogo, ao lado do “Anjo das Pernas Tortas”. Melhor ter um cara desses no seu time, do que enfrenta-lo, como dizia o próprio Nilton Santos, cheio de sabedoria.

Mané foi único. Mas também não era um Pelé. E Messi, muito menos.

É bom que eu diga que não ganho um centavo pra defender o Rei.

Meu compromisso é com a verdade. Apenas isso. Contra fatos, não há argumentos.

Foram 59 títulos em 22 anos de profissão e 1284 gols em 1365 partidas.

Para tecer uma comparação com Maradona, por exemplo, basta lembrarmos que o portenho anotou 345 gols em 695 partidas. Metade dos jogos e um quarto dos gols do negão. Melhor seria compararmos Maradona à Garrincha. Aí sim, daria uma briga boa, equilibrada. Como Maradona, Mané ganhou uma Copa sozinho,a de 1962.

Já Messi, tem média excelente de gols na sua carreira. Computando a Copa de 2018, havia assinalado 618 gols, em 763 partidas. CR7, seu concorrente contemporâneo, fez 658, em 916 jogos. Aliás, o Cristiano Ronaldo tem boas chances de superar Eusébio, que marcou 773 gols em 745 jogos, não acham?

Daqui a pouco, a mídia inventará alguma contagem regressiva, até que Messi “supere” Pelé, nos “tentos válidos”. Nas redes sociais, a campanha por isso e os ataques ao Rei já começaram, com gente dizendo que a lista de Pelé é inflacionada com gols em amistosos de casados contra solteiros, numa prova de total desrespeito.

Fato foi que o Santos disputou inúmeros amistosos pelo planeta, tendo Pelé como atração principal. Se disputasse outros jogos e torneios, não marcaria gols, também? Vocês acreditam mesmo, que se um sujeito como o Rei fosse jogar na Europa, iria ficar sem marcar muitos gols? Não disputaria sempre a artilharia, ao menos?

Ora!  Não considerar gols em amistosos, é uma manobra vil, para diminuir sua marca.

Seria como considerar que todas as lutas de um campeão de boxe, na qual ele não colocou o cinturão em disputa, deveriam ser retiradas de seu cartel. Seria justo?

Mas criar polêmica gera venda de jornal, revista, acessos nos sites. Vende!

Messi conseguiu pelo menos 618 gols, aos 31 anos? Lembro-lhes que Pelé chegou ao milésimo gol, aos 29 anos. A partir daí diminuiu o ritmo; chegou a se aposentar e voltou pouco depois, no Cosmos. Aos 36 anos, estava com 1280 gols.

É, quem sabe um dia, Messi chegue ao nº 1000. Talvez consiga,na mesma idade de Romário. E digo isso sem deboches, pois o “Baixinho” foi outro “monstro” do futebol mundial e ambos merecem meu mais profundo respeito.

Messi sabe ser profissional, é obediente taticamente, talentoso, muito veloz, protege bem a bola e faz parecer fácil fazer os gols que faz. Desequilibra. Lembra aquele personagem, o Sonic correndo, quando parte em velocidade com uma bola dominada.

Recentemente, um internauta ficou argumentando horas comigo, que Messi é o maior jogador “de clube” ao menos, de todos os tempos. Olha, honestamente? Para mim, essa história de “jogador de clube” é um atestado de jogador que não é completo.

É como no automobilismo: nós tivemos na F-3 nos anos 80, uma grande rivalidade entre o Senna e o Martin Brundle, que pareciam ser pilotos parelhos (poucos sabem disso). Mas quando chegou a hora “da onça beber água” na F-1, deu no que deu!

E outra: como ignorar que o Pelé marcou mais de mil gols e ganhou uma pancada de títulos só pelo Peixe, tornando-o mundialmente famoso?

Em Copas então, é brincadeira: Pelé, em quatro edições, marcou 12 gols em 14 jogos, com 12 vitórias, um empate e uma derrota. No tal empate, saiu contundido, com uma distensão, logo no início e na única derrota, foi “caçado” pelos zagueiros portugueses, saindo carregado de campo. Dá pra comparar?

Agora, tirando o comportamento que citei a pouco de Maradona (e que o prejudicou seriamente na carreira) não sou o tipo que fala mal de craque estrangeiro, apontando seus defeitos. E eles sempre os tiveram.

Para alguns, faltava uma boa perna direita, noutros a esquerda. Outros eram lentos, gordos. Outros ainda, fracos no cabeceio ou excessivamente práticos, enquanto que havia também, aqueles que se perdiam em infinitas firulas e malabarismos.  Enfim, todos os candidatos ao posto de melhor do mundo, sem exceção, tinham ou tem defeitos. Que eu não preciso aqui relembrar. Basta pensar e vocês também se lembrarão. De cada um deles.

Com Pelé isso não acontece. Ele era completo e beirava a perfeição. E por causa disso, criaram-se algumas lendas a seu respeito. Algumas falsas, outras verdadeiras.

Uma delas: Pelé seria ambidestro? Não!

Pelé nasceu destro. Ocorre que treinou tanto a perna esquerda, que no final da carreira, já a estava usando melhor do que a direita, conforme ele mesmo diz.

Para comprovar o que digo, lembro a vocês, que batia pênaltis com a direita, certamente por ter mais segurança e precisão nela. Mas creio que se quisesse, poderia cobrar com a esquerda, também, sem maiores problemas.


Porque o gênio é também isso. É transpiração. E Pelé treinava muito. Soube aprender e se aprimorar. A tal “paradinha” no pênalti, mesmo.

Aprendeu com Dalmo Gaspar, lateral-esquerdo santista, que já a executava antes mesmo de ir para o Santos e foi seu companheiro de quarto na concentração do clube.

Em faltas e lançamentos, ele teve dois mestres à disposição: Jair Rosa Pinto e Pepe.

E aprendeu muito bem, treinando com os dois. Fora as broncas do capitão Zito, que às vezes gritava pra ele, ainda jovenzinho, ao partir na direção errada, num lançamento: “Crioulo burro: é olho pra um lado e bola pro outro”.

Longe de ser racista, Zito tinha o maior carinho por Pelé e apostava nele todas as suas fichas, como o grande craque que logo iria se tornar.  

Outra lenda: Pelé, por ter olhos puxados, teria visão periférica privilegiada e por isso enxergava os companheiros em volta, sem sequer precisar olhar?

Não, de novo! Caso contrário, qualquer seleção oriental levaria sempre vantagem, neste quesito, concordam comigo?

Pelé fora ensinado por seu pai, Dondinho (centroavante do Atlético-MG, que prematuramente encerrou a carreira, devido a uma contusão) à, toda vez que fosse pedir a bola a um companheiro, olhar antes em volta, para decorar o posicionamento dos demais jogadores. Assim, pensava melhor a jogada, antes de recebê-la. Reside aí também, a explicação para o fato dele muitas vezes antecipar as jogadas.

Acredito que o segredo de tudo foi que Dondinho se revelou um excelente professor particular ao ensinar bem os fundamentos ao filho. Por outro lado, não podemos deixar de considerar o diamante que ele possuía diante de si para lapidar, sempre atento e esperto; só podia dar no que deu!

Eu nunca quis Pelé para técnico da Seleção Brasileira, como algumas vezes quiseram fomentar. Ah! Mas na seleção de novos; essa eu pagava pra ver. Imaginem-no ensinando uma leva de garotos talentosos? Teríamos em pouco tempo, não apenas um jogador diferenciado, como hoje em dia: teríamos toda uma seleção diferenciada.

Mais uma lenda a respeito do Rei: Pelé seria fisicamente privilegiado, a ponto de levar vantagem, jogando futebol, naquele tempo? Depende.

Aparentemente, não. De estatura mediana (1,72 m, o que hoje já seria considerado baixo), Pelé possuía detalhes que de fato, faziam alguma diferença, sem que isso chamasse a atenção. No auge da forma, pesava 70 quilos.

Para começar, sua compleição física e engenharia muscular eram formidáveis. Raramente se contundia. Possuía espetacular impulsão e velocidade (o prof. Júlio Mazzei, em 1972, aferiu que aos 31 anos, ele corria 100 metros em 11 segundos cravados, conseguia no salto em altura atingir 1,80 m e no salto em distância, 6,50 m). Isso, calçando chuteiras, sem sapatilhas e piso especiais, usados para melhorar as marcas no atletismo. E olhem que nem levaram isso em consideração, quando o elegeram o “Atleta do Século”, viu?

Às vezes, mesmo um defeito seu, ele tratava de transformar em virtude: Pelé calçava nº 39, sempre teve pé chato e pra que sua chuteira não rachasse, ele usava uma trava, bem no meio dela. Por detalhes como esse, possuía mais equilíbrio que os demais e era difícil de derrubá-lo, naquelas jogadas disputadas, em que aos trancos e barrancos, ele prosseguia e marcava os gols que hoje vocês podem ver em filmagens antigas.

Certa feita, ele ganhou um par de chuteiras emborrachadas europeias, mas não gostou das mesmas, ao calçá-las. E decidiu jogá-las fora. O companheiro Dalmo as herdou e por algum tempo, tornou-se o primeiro atleta no país, a utilizar este tipo de calçado.

Hoje, o craque tem à sua disposição, chuteiras “escaneadas” em seus pés, garantindo leveza e ajuste perfeitos, além de toda uma parafernália de inovações tecnológicas no uniforme, equipamento esportivo, gramado e principalmente, na medicina esportiva.

Além de saltar muito, Pelé havia aprendido com o pai, a arte de cabecear (Dondinho chegou a fazer cinco gols de cabeça numa única partida), posicionando-se no melhor lugar, tomando impulsão, saltando com olhos e braços abertos e girando a cabeça e golpeando a bola com força, procurando direcioná-la.

Quando nada disso é feito, podem ocorrer falhas clamorosas, como aquela bola em que Gabriel Jesus e Fernandinho se atrapalharam sozinhos e que acertou o braço do volante, no gol contra que afundou o Brasil diante da Bulgária, dias atrás.

Eu, que pude ver Pelé ao vivo, já veterano, com mais de 30 anos, posso lhes dizer, como testemunha ocular: parecia que você estava assistindo a um desses vídeos educativos, que ensinam a jogar futebol.

Chegava a ser engraçado, até! Como dar um passe corretamente, executar um drible, uma ginga, um lançamento, dominar uma bola, cobrar uma falta, ajudar a fechar um espaço, escolher a melhor conclusão para o lance, antecipar uma jogada.

A matada de bola dele então era algo simplesmente sensacional!

Aí os mais jovens irão me perguntar: “Mas como assim? Uma simples matada de bola é para tanto?”. Meus queridos: só vendo, só vendo!

A bola podia vir enviesada, quadrada, com força, pelo alto, pingando. Não importava: ele a dominava instantaneamente, sem problemas. É como se a bola obedecesse a seu rei, quando se dava conta de sua presença, entendem o que quero dizer? Colava nele!

Certa vez, num programa de futebol na televisão, alertou Raí para não estufar o peito ao dominar uma bola, evitando assim, perdê-la. Bom moço que sempre foi; Raí agradeceu o conselho, prometendo usá-lo. Curioso, que sendo irmão mais novo de um gênio da bola como Sócrates e tendo um técnico da qualidade de um Telê Santana no banco, não tivesse tido esse fundamento corrigido, antes.

E o sentido de antecipação? Perfeito! Pelé pressentia onde a bola iria cair, não errava o tempo de bola no cabeceio.No drible, usava aquele recurso de tabelar com a perna de apoio do adversário para driblá-lo, quando se encontrava cercado, lembram? Sim, o negão tinha saída para tudo quanto era situação. E fazia isso de modo veloz, com genialidade e precisão notáveis.

Como Sócrates, antevia uma jogada e possuía visão absurda do campo de jogo, mas tinha muito melhor condicionamento físico e era mais completo, sem dúvida.

Era feito Zico, um elemento definidor de jogadas, mas driblava com maior velocidade e batia com a mesma precisão usando os dois pés, além de cabecear melhor.


Possuía o mesmo faro de gol e arranque de Romário, porém, maior força física e variedade de dribles e jogadas que o Baixinho. 

Seus “rushes” lembravam os de Ronaldo Fenômeno, mas ele marcava mais gols, se contundia menos, cabeceava melhor e ainda cobrava faltas com maestria.

Como Neymar, possuía enorme impetuosidade ao encarar adversários e invadir a área, mas além de melhor porte físico, fez mais gols e ajudava a marcar com mais empenho.

Diante dos craques de seu tempo ou não, dá pra dizer seguramente: se não era o melhor em determinado fundamento, estava sempre entre os melhores.

Talvez Baltazar “Cabecinha de Ouro” tenha sido o maior cabeceador da nossa história. Leivinha, Escurinho e Jardel sempre são lembrados, nessa hora. E Pelé, idem.

O Brasil teve excelentes cobradores de falta, como Jair Rosa Pinto, Didi, Pepe, Nelinho, Zico, Zenon, Neto, Marcelinho e muitos outros. E Pelé está entre eles.

Tivemos meias cerebrais, que armavam, pensavam o jogo, feito Zizinho, Gérson, Rivellino.  Ou meias audaciosos, que arrancavam em velocidade e só paravam dentro do gol, o ponta-de-lança, como Romeu Pellicciari, Ademir de Menezes,  Ademir da Guia, Dener. E em ambos os casos, também Pelé.

Nosso país teve jogadores habilidosos aos montes, que sabiam dar espetáculo, como Garrincha, Canhoteiro, Manoel Maria, Renato Gaúcho, Denílson, Ronaldinho Gaúcho, Dener, Robinho, Neymar e outros tantos, mas sem esquecermos o “Rei do Futebol”.

O “país do futebol” sempre teve artilheiros até dizer chega: Romário, Zico, Roberto Dinamite e até craques mais folclóricos, como Dadá e Túlio “maravilhas”. E quem é o maior em gols, dentre todos eles? 

Até a bicicleta, jogada mais arriscada e plasticamente mais bonita, teve em Leônidas da Silva seu mestre e em Pelé, seu legítimo sucessor.

Parece piada, mas Pelé, não contente em ser tão bom na linha, ainda abusaria indo em algumas poucas partidas, para o gol. Isso mesmo: o Rei “quebrou o galho”, em jogos nos quais algum goleiro precisava sair, a poucos minutos do fim, num total que, somado, dá 55 minutos debaixo das traves. Pois adivinhem quantos gols tomou, mesmo com os adversários sabendo que ali não havia exatamente um especialista? Nenhum! E olhem que ele chegou a praticar umas três ou quatro defesas de relativa dificuldade, se somadas essas atuações. Quer dizer: Pelé não “brincava nas dez”, ele “se virava nas onze”. Seus concorrentes ao trono conseguiriam fazer o mesmo?

É engraçado, porque o DNA pode ou não, ter algo a ver, nessas horas. O Edinho, filho do Rei, até foi bom goleiro no Santos. Já o irmão de Pelé, Zoca, não foi feliz quando tentou atuar na linha, apesar de ter um bom passe. Coisas que não se explicam. Mas cabe uma reflexão: não deveria ser nada fácil querer atuar, sendo parente do “Rei do Futebol”, porque a imprensa e o público colocavam uma pressão enorme, em cima.

A constatação é a de que Pelé, de fato, não foi o melhor em tudo. Mas foi o mais completo. E isso o aproximava da perfeição.

Pelé chegava a ser perfeito em campo, em vários jogos seguidos. Se não fazia mais, é porque era um só e o jogo se faz com 22 no gramado. Por melhor que você seja, existe muita gente em volta, também.

Por outro lado, mesmo repleto de adversários ao redor, nenhum possuía a qualidade do maior jogador de todos os tempos, por melhor que fosse ou por mais que se esforçasse. Alguns técnicos quebravam a cabeça, bolando um esquema para pará-lo. Certos zagueiros então, não dormiam direito, na véspera de marca-lo.A Itália (que organizou o jogo dos cinquenta anos dele, inclusive), talvez tenha sido o país que mais se esforçou nesse sentido. No Milan dos anos 60 ressuscitaram o líbero, função que havia sido criada em 1938 pela Seleção da Suíça, justamente para deixar um zagueiro na sobra e assim, anular Pelé, quando ele rompia a linha de zaga.

 O escolhido para a tarefa foi o grande zagueiro Trapattoni. Pois sabem o que o negão fazia? Chutava a bola contra o pé de apoio do zagueiro e a pegava mais à frente, fazendo tabelinha na perna do adversário. Trata-se de uma jogada arriscada, sem dúvida, porque obriga saber em qual parte do corpo do inimigo a bola deve bater, para ricochetear numa posição favorável, para você. Pelé a realizava com frequência.

Já o zagueiro Burgnich, incumbido da tarefa de marca-lo na final de 70, procurou fazer a função de “carrapato”. Pois Pelé subiu muito mais do que ele num cruzamento e de cabeça, abriu o caminho do Tri, naquele dia. E Burgnich dizia a todos, depois da partida, admirado: “Achei que ele fosse de carne e osso como eu, mas me enganei”.

Outro marcador dele numa final que sofreu assim – porém sueco e na Copa de 1958 – foi o zagueiro Sigge Parling, que declarou, após ter perdido o título de goleada, em casa: “Depois do quinto gol, senti vontade de aplaudi-lo em campo”.

Vocês entendem agora o tamanho da minha indignação ao ver essa turma comparando outros craques com ele?

Mas deixemos esse assunto um pouco de lado, por enquanto.

Porque, como havia prometido, irei lhes contar histórias (e não “causos”) que ele protagonizou nos gramados, mas a TV não registrou, nem se encontram escritas por aí. Algumas; fruto de leituras minhas e outras, de depoimentos idôneos, acima de qualquer suspeita, de quem o viu ou o enfrentou, acabando por testemunhar toda a realeza e magia que o homem tinha nos pés. 

Numa delas, nos anos 60, o Palmeiras “da Academia” contava com um de seus mais famosos marcadores, Waldemar Carabina, para pará-lo. Mas oque se viu foi um show do Rei em campo. Primeiro, invadiu a área, esquivando-se de um pênalti que seria cometido pelo zagueiro e ainda chutou-lhe a bola contra a própria perna estendida e apoiada no gramado, antes de fuzilar o goleiro Valdir de Moraes.

Pouco depois, falta para o Santos em dois lances, na entrada da área. Barreira de seis

homens. Pelé e Pepe, na bola. O juiz apita e o Rei vem correndo, feito um raio – após pisar na bola – e invade a área, passando ao lado da barreira, que se desmancha, pois os adversários saem em sua perseguição. Esqueceram-se por um instante, de que a bola, já tocada e praticamente no mesmo lugar, estava toda à disposição de Pepe, que vinha de trás e acertou “aquela” bordoada no gol, graças à barreira aberta.

São “tempos românticos” como se diz hoje em dia, meus caros, mas a vida era dura do mesmo jeito ou até mais. Ainda mais no futebol do antigo interior paulista.


Ao menos, como torcedor estoico do Paulista de Jundiaí, o que posso dizer é que contra Pelé, não sofremos tanto, pois meu clube só chegou à “Primeirona” em 1969. Então, não deu tempo, embora jamais tivéssemos vencido o Santos, com ele no time.

Até hoje o recorde “oficioso” de público no Jayme Cintra, é o de sua estreia contra nós, na vitória santista por 2×1 (02/3/69).  As bilheterias registraram 22.540 pessoas, mas estima-se que tenham entrado 28 mil. Todo mundo queria ver Pelé ao vivo.

Certa feita, meu pai estava em viagem de negócios em Presidente Prudente e viu num cartaz, que o Santos iria se apresentar lá, no dia seguinte. Não teve dúvidas: pediu à telefonista uma ligação para Jundiaí e avisou minha avó, que não tomaria o trem à noite: iria pernoitar ali, para assistir à partida e voltaria apenas na noite seguinte.

Comprou o ingresso e não se arrependeu, por ter assistido ao vivo, o que considerava ser o “maior gol de Pelé”, entre tantos. Segundo meu pai, o Santos ficou preso na marcação e Pelé não encontrava espaços na defesa adversária. Mas, na única chance que teve, fez valer o ingresso: num contra-ataque, Mengálvio dominou uma bola no meio-campo, enquanto o Rei disparou em direção à área, espremido por dois zagueiros mais altos. Então veio um lançamento longo, alto, pelas costas deles.

Pelé, ainda na corrida, salta e com sua impulsão, supera os beques. Mas a bola vem curta e parece que vai acertar-lhe a nuca. Então, ocorre o inusitado: curvando-se para trás, em pleno “voo”, Pelé recebe a bola que desce rolando, colada naquele corpo envergado e numa fração de segundos, ele troca de pé e fuzila de direita, antes de tocar o solo. Dá sorte: ela passa entre as pernas do goleiro, que saía para a defesa.

Espetacular! E meu pai não via a hora de voltar para casa, para contar o gol que havia presenciado, aos amigos.

E olhem que ele não viu poucas vezes Pelé ao vivo em campo, não: pegava o trem para São Paulo constantemente para assistir partidas do Rei na capital, nos antigos Pacaembu do tempo da “concha acústica”, Palestra Itália, Canindé, Fazendinha e até Morumbi, ainda no “primeiro anel”. Detalhe: isso, mesmo sendo um corintiano roxo!

Outra história bacana ocorreu durante o tabu de onze anos sem vitórias no Paulistão, que o Santos de Pelé impôs ao Corinthians. O Timão, aliás, foi quem mais levou gols do Rei em sua carreira: foram 50 tentos, ao longo de 48 partidas. 

Em 1962, cinco anos depois de iniciado, o jejum já incomodava os corintianos. Tanto, que o presidente do clube exigiu que o clássico marcado para o dia 04 de novembro, diante do Santos, em São Paulo, fosse disputado no acanhado estádio da Fazendinha, no Parque São Jorge, para pressionar o adversário e os 27.384 torcedores que se espremeram ali – em sua maioria – não deu tréguas à equipe santista.

Quando Cássio abriu a contagem para o Timão – aos 16 minutos do segundo tempo – iniciou-se um verdadeiro carnaval. Foi quando surgiu uma falta para o Peixe e Pelé cobrou, pegando mal na bola e atirando para longe. Recebeu uma sonora vaia dos torcedores, que o provocavam.

Então, fez aquele seu costumeiro gesto, como que a dizer pra torcida “esperem um pouco que vocês vão ver”. E não deu outra: aos 21, deu passe para Coutinho empatar. E aos 35 minutos, marcou o segundo, indo comemorar no alambrado, junto à torcida adversária, que atirou toda a sorte de objetos no gramado, incluindo um peixe morto. Alguns sustentam que ali nasceu o gesto de socar o ar, na comemoração de um gol, imortalizado por ele. Nada disso: ele “nasceu” num gol marcado diante do Juventus, após dar quatro chapéus em sequência, na Rua Javari (02/8/59).

Mas isso pouco importa.

Como também não importou o estar juiz “engavetado” e querer evitar a derrota do Noroeste em Bauru, diante do Santos, na época do  “ataque dos três Pês”, que contava com Pagão, Pelé e Pepe. O time da casa até abriu a contagem, com um gol impedido.

O Santos empatou. Só que o juizão arrumou também um pênalti pro Norusca, que convertido, encerrou o primeiro tempo em 2×1. Mas no segundo… Meu Deus! Na etapa complementar, o Santos empatou novamente e pressionou muito em busca da vitória, até que o “fenômeno” ocorreu.

Escanteio para o Santos. Pepe cobra na área e Pelé, de cabeça, desempata o jogo. Mas o árbitro impugna o tento, dizendo não ter autorizado ainda a cobrança. Volta o lance.

Pepe repete a cobrança: Pelé – sensacional – marca (de novo!) de cabeça. Pois creiam: na maior cara-de-pau do mundo (não havia TV transmitindo, nem haviam inventado o VAR), o juiz, alegando que a bola estava fora do quarto-de-círculo, volta a anular, o que acaba por levar a um tremendo bate-boca no gramado.

Afinal, após bom tempo perdido com reclamações – sua autoridade, o juiz – autoriza pela terceira vez a cobrança. Pepe levanta a bola na área. E Pelé – inacreditável – marca (pela terceira vez seguida) de cabeça. O jogo terminaria 4×3 para o Santos.

Honestamente? Acho que quantas vezes o juiz anulasse, o negão faria o gol de cabeça!

Hoje, com toda a tecnologia de transmissão disponível, um lance desses não ocorreria e um juiz assim, iria para uma “geladeira” daquelas. Mas naquela época…

Pelé tinha que lidar com certas animosidades, quando ia jogar contra determinados adversários. No caso do Noroeste, havia uma rixa, devido ao fato dele ter atuado pelo jovem time do Baquinho, quando garoto (do BAC – Bauru Atlético Clube), rival do Norusca. E também por ter atuado pelo Noroeste antes do profissional, em três partidas, em 1956, mas o pai, auxiliar técnico do time, contaria com a ajuda do treinador e compadre Waldemar de Brito, para levá-lo para o Santos, naquele ano.

É bom lembrar que o garoto Pelé já era “sobrenatural”, quando atuava no Baquinho, pelo qual jogou no infanto-juvenil, recém-criado. Em sua segunda partida, enfiaram 21×0 no São Paulo, com ele fazendo sete gols. Em 33 partidas, o time marcou 148 gols e já era o campeão, seis rodadas antes do fim do torneio. Adivinhem quem era o responsável maior pela proeza?

Como recompensa, fizeram em São Paulo, a preliminar de ADA x América/SP.  Antes de pisar no gramado, Pelé saiu do estádio para comprar amendoins e foi barrado na volta, por um segurança que não acreditava que ele era um jogador-mirim. Resultado: o “penetra” fez seis gols na goleada sobre o Flamengo da Vila Mariana, por 12×1.

Nem é preciso dizer que no ano seguinte eles seriam bicampeões, né?

Se na infância já era assim, a coisa não se modificaria muito, com Pelé já veterano. 

Com o tempo, ele aprendeu a se valer da picardia para se defender ou levar seu time à vitória. Às vezes simulava ser agarrado para cavar um penal, noutras, devolvia com esperteza, a violência que praticavam contra ele.

Foi assim com um alemão chamado Geiseman, que chegou ao Brasil dizendo que iria parar Pelé, num jogo de sua seleção contra a nossa, no Maracanã. E durante o jogo, “baixou o sarrafo” no Rei. Até que, numa de suas entradas desleais, Pelé entrou firme na dividida também e o alemão teve a perna quebrada. Algo tão discreto e sem maldade, que a arbitragem considerou como um lance comum, de disputa de bola.

Outro caso foi com o jogador Fontes, que na Copa de 70, após derrubar Pelé, fingiu pedir desculpas apenas para pisá-lo, no chão. Lembraram o lance parecido ocorrido com Neymar nessa última Copa? Com o Rei a solução foi diferente: minutos depois, o mesmo uruguaio entrou com tudo nele, mas levou uma sutil e violenta cotovelada na cara que o árbitro, além de não perceber, ainda apitou falta contra o Uruguai.

Pelé era assim, quando necessário: sabia impor respeito.

Nem mesmo o VAR talvez conseguisse flagrá-lo, quando colocava algum árbitro que o perseguia, contra a torcida. Armando Marques foi um que sofreu com isso. Enquanto o advertia chamando-lhe a atenção em campo (pelo nome próprio, inclusive) Pelé fingia aceitar a bronca passivamente, de cabeça baixa. Mas na verdade se aproveitava disso para provocar, resmungando que ele não teria coragem de expulsá-lo, isso sem que os torcedores notassem.  Imaginem o que aconteceu no dia em que o juiz puxou o vermelho, aparentemente sem motivos? Ele nunca mais o expulsou, depois disso, pois o público não entendia nada e se revoltava contra a arbitragem.

Assim como se revoltou demais na Colômbia, durante um amistoso em que Pelé foi injustamente expulso, pelo Santos. Não houve jeito: o público não parou de vaiar e começou a arremessar objetos no gramado. Até que Pelé retornou ao campo, com o árbitro sendo providencialmente substituído por um dos bandeirinhas. Quer dizer: o juiz foi “expulso” indiretamente, por Pelé. Só que o juizão (um ex- pugilista), que agrediu Lima e depois acabou agredido por alguns jogadores no meio da confusão e expulsara o Rei por engano, registrou um B.O. e parte da delegação santista teve que passar a noite na delegacia. Incrível, não?

Aqueles corpos negros, vestindo imaculadamente a camisa branca santista, causavam realmente confusão. Coutinho, após um mau jeito no pulso que lhe exigiu usar uma bandagem ali, continuou usando-a por um bom tempo, para diferenciá-lo de Pelé e a imprensa, assim, não se enganar quanto à autoria dos gols que ele e Pelé marcavam.

Mais uma história interessante ocorreu num jogo no Morumbi, apenas quatro meses antes dele se despedir do Santos, numa partida diante do São Paulo, pelo Brasileirão de 1974, na noite de 02 de junho. O tricolor vencia e num ataque santista, a bola foi lançada muito à frente para Pelé. O goleiro Waldir Peres ficou com a bola e deixou-a no chão, antes de repor em jogo, gritando e orientando a zaga, primeiro.

Lentamente, Pelé ia deixando a grande área sem tirar os olhos da bola, tendo a escolta do zagueiro Samuel, este de costas para Waldir. Subitamente, Pelé corre na direção do goleiro, como se ele tivesse perdido a bola e passa ao lado do pobre Samuel que, infantilmente, o agarra pela cintura, derrubando-o. Ao juiz só restou marcar pênalti e ao zagueiro reclamar muito, ao ver que o goleiro estava com a bola em suas mãos.

É essa sagacidade de saber fazer as coisas, que falta hoje ao craque brasileiro, numa Copa, por exemplo. Nem mesmo o VAR teria como anular um penal desses.

Às vezes, a torcida adversária pegava tanto no seu pé, que ele gesticulava. Geralmente estendia a mão direita num sinal de “esperem um pouco que vocês vão ver” (e viam mesmo!). Noutras, era o puro deboche de um jovem obrigado a enfrentar tudo: a violência em campo, gramados medonhos, clima hostil, arbitragens tendenciosas.

Exemplo desse deboche ocorreu em Piracicaba (10/12/61) contra o XV, cuja torcida passou a persegui-lo, após o “Nhô Quim” virar o jogo no primeiro tempo, depois dele ter aberto a contagem.

Nem é preciso falar muito: na etapa final foi um “chocolate”, com incríveis arrancadas e tabelinhas diabólicas com Coutinho. Quando o Santos marcou o último e completou a goleada de 7×2, a torcida inconformada, começou a vaiá-lo. Ele, que saía do bolo de jogadores comemorando o gol, passou a mão no cotovelo, como que dizendo para os torcedores: “é dor-de-cotovelo”. Compreensível: tinha apenas 21 anos.

Três dias mais tarde, nova goleada – desta vez em cima da Ferroviária de Araraquara – em plena Vila Belmiro por 6×2 (dois gols do Rei), daria o título por antecipação daquele campeonato ao Santos. Fechando a campanha, no jogo seguinte, um 4×1 no São Paulo.

Tentar pará-lo na violência, geralmente dava resultado contrário, também.

Vítor, ex-jogador do São Paulo, confessou certa vez, que três jogadores combinaram bater nele, uma vez cada, durante um clássico. Pelé saiu de maca, para alívio geral. Só não contavam que ele fosse voltar pro segundo tempo e com raiva, passasse a invadir a área pelas pontas, sempre na diagonal. Placar final: São Paulo 3 x 6 Santos (03/9/61).


O mais incrível talvez seja o fato de que Pelé fazia tudo isso numa frequência absurda, pois o Santos precisava disputar seus campeonatos, intervalando-os com inúmeras excursões por todas as partes do planeta, numa carga excessiva de jogos e viagens. 

A sequência de partidas gerava preocupações e pode ser sentida num diálogo entre o presidente da CND, Mendonça Falcão que procurava explicar, quando questionado pelo presidente da República Jânio Quadros, sobre o que se passava com o craque.

Mendonça confidenciou que Pelé estava com a clavícula fora do lugar, um tornozelo inchado, um dedo do pé quebrado e que mesmo assim, não parava de jogar.

Jânio então mandou preparar a “Lei das 72 horas”. Não adiantou: o Santos passaria a entrar em campo, para “jogos-treinos” (que de fato não eram). Não por maldade, mas uma dura realidade do futebol brasileiro na época, pois os clubes tinham que manter os seus plantéis, pagando bons salários e premiações e essa era a única solução.

Mesmo assim, seria impossível imaginar que Pelé não fosse assediado com propostas milionárias tentadoras. Vários clubes europeus tentaram seduzi-lo, sem sucesso.

Em 1961, o presidente Jânio, preocupado com a evasão de atletas para o exterior, enviou um memorando à Mendonça Falcão, manifestando toda a sua preocupação com o fato, bem como o assédio a Pelé e que o mesmo causaria enfraquecimento na seleção campeã mundial, o que não interessava ao país. Pedia providências.

No fim, acabaria por declarar Pelé como “tesouro nacional”, para justamente impedir que ele deixasse o Brasil. É mole ou querem mais?

Imaginem se Jânio fosse presidente, nos dias atuais? Isso dá uma dimensão de que o problema de exportarem nossos craques já existia. E suscita aqui, mais uma questão:

Quanto valeria o passe de Pelé, com essa “indústria futebolística” que temos, hoje? 

Pelé tem inúmeras histórias ocorridas ao longo de sua história. Tantas, que seria preciso uma enciclopédia, para contar todas, com riqueza de detalhes.

Aqui, neste texto, opto por relembrar as menos conhecidas ou mesmo desconhecidas, para não cansar os mais velhos com repetições e obrigar os mais novos a pesquisarem fatos mais relevantes, fáceis de serem encontrados numa Internet, por exemplo.

Há tamanha quantidade de partidas dele verdadeiramente sensacionais, perfeitas, que fica impossível de se eleger a melhor. Poderia ser, por exemplo, a final do Mundial Interclubes, diante do poderoso Benfica de Eusébio & Cia., em que ele simplesmente “destruiu” o adversário com três gols empolgantes. Tanto, que o juiz da partida não resistiu e cumprimentou Pelé, após a marcação de um deles.

Havia mesmo árbitros tão extasiados pelo seu futebol, que se rendiam e por um momento se esqueciam de sua tarefa ali em campo. Num deles, ocorrido contra o América de São José do Rio Preto, Pelé deu um chapéu dentro da área num zagueiro e emendou com um lindo chute que passou pelo goleiro, acertando o travessão, quicando sobre a linha e voltando para o campo de jogo. E não é que o juizão deu o gol? O engraçado é que os jogadores adversários o cercaram, reclamando e ele respondeu que “o lance do Pelé foi tão bonito que merece ser gol!”.

Mas voltemos às tais partidas, que poderiam ser escolhidas como a de sua melhor atuação em campo: que tal o jogo dos oito gols que marcou em cima do Botafogo/SP?

Ou o dos 7×1 em cima do Guarani, com quatro gols dele e a conquista antecipada do Paulistão/58? Dá pra elencar aqui, os 3×0 sobre o Vasco na final do Torneio Rio-SP de 1959 e também os 5×1 impostos ao Bahia, na decisão da Taça Brasil de 1961.

O que dizer então das finais nas Libertadores de 63 e 62, quando ele derrotou o temível Boca Juniors em “La Bombonera” ou o Peñarol por goleada?

Nesse confronto com os uruguaios, a propósito, um dos zagueiros o agarra com tamanha força, por trás, para impedir um contra-ataque, que lhe rasga completamente o calção e ele é obrigado a trocá-lo ali mesmo, no meio de campo, protegido por um “biombo” humano improvisado pelos próprios companheiros de equipe. 

Outra atuação memorável: a da conquista da Taça Brasil de 62, com os 5×0 diante do Botafogo de Garrincha! Ou que tal os impiedosos 5×1 em cima do Barcelona, em 1959 em pleno Camp Nou? Aquele foi o ponto de partida para as tantas excursões que fizeram do Santos, o clube brasileiro que mais partidas realizou, fora do país.

Talvez ainda, quem sabe, a vitória por 5×2 diante da perigosa França, na Copa de 1958, quando ele marcou três vezes, aos 17 anos, pela Seleção Brasileira.

Em visita ao “Museu Pelé” em Santos, pude ver um de seus gols, numa dessas partidas “históricas” do Rei: foi no Torneio Exagonal do Chile, em 16/1/65, no qual o Santos encarou nada menos que a Seleção da Tchecoslováquia, vice-campeão mundial, com Masopust e tudo. Ele marcou um gol por cobertura no goleiro Schmueker, que merecia ser imortalizado numa tela. Depois, acertou um petardo de fora da área e por fim, saiu driblando todo mundo e fechou o placar em 6×4 para os santistas que, claro, ficaram com a taça. Até hoje muito chileno considera essa, a maior partida realizada no país.


Enfim, são muitas candidatas e não dá, definitivamente, para se chegar a um consenso. Porque Pelé, em várias oportunidades, simplesmente não parecia humano. 

Às vezes – como Ali no boxe – fazia as coisas acontecerem segundo sua vontade, como se fosse um Deus.

Se provocassem nele a ira então, podiam esperar pelo troco, dobrado. Ou mais do que dobrado, como fez com o Botafogo, daqui de Ribeirão Preto, onde resido e coletei uma série de depoimentos a respeito. 

O “Pantera” tinha bom time no Paulistão de 1964, treinado por Oswaldo Brandão. Mas cometeu um erro fatal e foi surrado impiedosamente por Pelé e sua turma.

No primeiro turno, em Ribeirão, o Santos – desfalcado de Pelé – perdeu por 2×0 e o adversário e sua torcida quiseram dar “olé” na equipe. Não sabiam com quem mexiam.

No jogo do segundo turno, precisamente em 21 de novembro, na Vila Belmiro, Pelé – já sabendo de tudo – resolveu vingar os companheiros: fazia gols sem parar e corria para ir buscar a bola no fundo das redes, para recomeçar logo a partida.

Numa dessas vezes, teria dito aos adversários: “Agora vocês vão se ferrar, aqui!”.  No primeiro tempo, marcou cinco gols. No segundo, mais três. Com os oito gols, assumiu a artilharia daquele campeonato. O placar foi de notáveis 11×0.

Botafoguenses como o lateral Carlucci, nem gostam de relembrar a partida: “Depois daquele jogo, acabei sendo emprestado ao Atlético Goianiense, porque me acharam verde, ainda”. Já o artilheiro Antoninho, se diverte com as lembranças: “Entrei pra história, porque acabei dando a saída nada menos do que doze vezes, naquela partida”, ri. Quanto ao goleiro Machado, apesar de aparentemente assustado pelos três gols de Pelé nos minutos iniciais – o que talvez explique o gol olímpico que sofreu de Pepe, em seguida – acabaria eleito o melhor em campo pelo lado do Botafogo, por fazer defesas que impediram um desastre ainda maior.

Pelo lado do Santos, não é preciso dizer quem foi eleito o melhor em campo, certo?

Sobrou para o técnico Oswaldo Brandão, que antes do confronto teria dito que “Pelé não era mais o mesmo”. Após a goleada, acabou demitido, indo treinar o Corinthians. Pois adivinhem quem ele encararia duas semanas depois, num clássico? Exatamente! Imaginem o que aconteceu? Outra “sova” daquelas: o Timão até jogou bem, mas sucumbiu diante de Pelé, que fez quatro gols, enquanto Coutinho marcava outros três, em pleno Pacaembu. No último gol, a dupla literalmente “passou por cima” da zaga adversária. O placar foi de 7×4 e Brandão acabou assistindo seus times tomarem doze gols do Rei, num intervalo de duas semanas. Quatro no Corinthians, oito no Botafogo, equipe que levou quarenta gols do Rei Pelé, se somados todos os confrontos.

Já o rival Comercial/SP, teve experiências menos traumáticas. Uma das razões, a presença daquele que Pelé citou certa vez, como um de seus melhores marcadores: Píter “Rocha Negra”. Zagueiro “classudo”, que jamais ficou no banco ou foi expulso, ele conquistou a amizade do Rei, porque não apelava nem dava pontapés.

“Mas o homem corria muito; eu perdia dois, três quilos por jogo, de tanto suar. Sei que consegui anulá-lo por umas cinco, seis partidas. Já nas outras, não teve jeito, mesmo”, recorda-se Piter, que confessa sua “fórmula”: “Eu ficava de frente para ele, com as pernas não muito abertas (pra evitar ‘caneta’) e só olhava a bola, pois ele era como o Garrincha. Se olhasse pros seus movimentos, você era induzido à acompanha-lo e acabava fintado”.  

O lateral-direito daquele time, Ferreira, sintetizou o que era Pelé, num único lance: “Jogávamos em casa e Pelé puxou um contra-ataque, passando pelo zagueiro Jorge, arrancando pelo meio. O Píter foi nele e tomou entre as pernas. Eu, que deixei a lateral para dar cobertura, percebi que a bola ficou mais para mim: corri na diagonal e me atirei nela, com as pernas abertas, para “rapar” a bola. Quando percebi, estava caído, sentado, sem ela. Pelé – não sei como – deu um jeito de tocá-la antes, dando um “drible da vaca” (que eu nunca havia levado), sem que eu sequer percebesse ele passar pelas minhas costas, numa velocidade absurda. Ao olhar de lado, vi apenas a bola batendo na rede pelo lado de fora (por sorte!) e o goleiro passar uma ‘senhora’ bronca em todos, dizendo que nós ‘não pegávamos o homem’. Mas pegar de que jeito?”, finaliza, com um largo sorriso no rosto.

E olhem que este problema da velocidade dele, podia ser sentido por todo zagueiro. Ninguém menos do que Bobby Moore, após um amistoso no Maracanã em 1965, relatou, ao descrever um lance da partida: “Ele avançou e o encurralei junto à bandeira de escanteio, pensando que iria desarmá-lo; mas de repente, me vi sozinho: ele me deixou lá, parado e foi embora, com a bola e seu talento devastador para outro lado; a rapidez com que fez isso até hoje me deixa intrigado… como conseguiu?”.

Deixei para a parte final deste texto, o depoimento de um jogador, que por ser minucioso, oferece um retrato perfeito da dificuldade em se marcar o Rei, em campo.

Rodarte foi um centroavante que chegou a participar inclusive de um treino, formando na linha de frente da Seleção Brasileira ao lado de Garrincha e Pelé, pouco antes da Copa de 58. Nessa época atuava no Palmeiras, mas depois jogou por vários clubes, inclusive no Juventus, onde viveria essa história.

“O técnico Homero, do Juventus, bolou uma marcação especial para conter Pelé, no complicado compromisso diante do Santos, na Vila Belmiro. Treinamos a semana toda o posicionamento defensivo: eu viraria volante e ficaria de costas para ele, colocando a mão na sua cintura constantemente (como no basquete) para me assegurar de que ele continuava ao meu alcance, mesmo sem olhá-lo. Atrás do Pelé, quase que o ‘encoxando’ ficaria o Hidalgo. Dois passos atrás dele o Milton Buzzeto, na cobertura. As ordens eram claras: se ele passasse por nós, que o estávamos ‘ensanduichando’, era pro Milton baixar o sarrafo mesmo; dar na ‘medalhinha’, sem dó, parando-o na falta. 

Tudo certo, logo no início do jogo, Zito veio com a bola até o círculo-central, vendo a melhor alternativa de jogada e ouço do banco a voz de Homero: ‘Rodarte, olha a marcação!’. Até olhei para trás, conferi o Rei nas minhas costas, prensado entre eu e o Hidalgo e vi, inclusive, a cabecinha do Buzzeto, atento. Tudo sob o controle, portanto.

Um instante depois, Zito abriu um lançamento para Pepe na esquerda, que começou a descer. Nisso, vem uma tremenda bronca de Homero, lá do banco: ‘Rodarte, seu filho da p…! Eu falei pra você colar nele e não deixar passar!’.

Foi daí que me virei e não pude acreditar: Pepe estava cruzando pra área e Hidalgo feito bobo, olhando pra mim, perplexo. Pelé havia escapado da nossa marcação tripla, estando à quase quarenta metros de nós, saltando na área, tendo Buzzeto e Clóvis a acompanha-lo. Como se fosse numa câmera lenta; vi os zagueiros subindo muito, aparentemente, no controle da situação. Porém, quando atingiram o ponto mais alto, começaram a descer, quando a bola se aproximava. Nisso, vem surgindo a cabeça de Pelé por trás, que se choca violentamente contra a bola, enviando-a para o fundo das redes e abrindo a contagem, para delírio da torcida. Não foi um dia fácil pra gente!

Prova disso, é que, ainda naquele jogo, ele aplicou em nós, também um ‘drible de boca’, ou seja; num lance de ataque, na entrada da nossa área e diante de quatro adversários a marca-lo; eu, Dario, Milton e Hidalgo, de repente ele parou com a bola nos pés, falseou um passe na esquerda e gritou: Pepe! Mas passou mesmo, foi para o Coutinho, livre na direita, assim que ameaçamos perseguir o Pepe, que sequer participou (fisicamente) da jogada”, conclui Rodarte.

Entendem porque ele fazia coisas que a nós, pareciam impossíveis?

Pelé foi tão grandioso que sua história se funde à vezes, com a de outros jogadores.

Caso do lendário Jair Bala, cujo apelido se deve a uma bala alojada em sua coxa; fruto de um tiro acidental disparado por um funcionário do Flamengo, em uma brincadeira. Quando foi jogar no Botafogo, ele e Jairzinho causavam certa confusão nos treinos, por terem o mesmo nome e Gérson, ao gritar “Jair”, completava, após os dois olharem juntos: “é o da bala!”. Acreditem ou não, com o tempo acabou ficando Jair Bala.

Jair foi para o Santos onde virou “reserva de luxo” de Pelé, entrando também em várias partidas, pra jogar lado-a-lado com ele. Viveu de perto toda a sua angústia em busca do milésimo gol e que tirava a tranquilidade do Rei.

Rei que geralmente era calmo e que, quando levantava assoviando, no dia de um jogo, era certeza para os companheiros de que a peleja já estaria ganha.

Até que, na partida frente o Bahia (antes do histórico jogo com o Vasco, no Maracanã), aquele em que o zagueiro Nildo foi vaiado pela própria torcida após evitar o que seria o milésimo – Jair entrou em campo no lugar de Abel, na etapa final.  Aos 43 minutos, ele e Pelé iniciaram uma tabela pela meia-esquerda, envolvendo a defesa contrária.

Jair rolou para Pelé na entrada da área, que ao invés de invadi-la e driblar o arqueiro, preferiu chutar com o peito do pé. O goleiro Jurandir conseguiu espalmá-la para o alto, na direção de Jair, que vinha chegando e emendou numa meia-bicicleta espetacular, bem no ângulo. Um golaço! Quando o Rei correu para cumprimenta-lo – ainda caído ao solo – foi surpreendido por Jair que disse, dando-lhe um tapinha na orelha: “Negão, agora sossega, que eu já marquei o milésimo gol pra você!”. Surpreso, Pelé caiu na risada.  Essa partida ocorreu no dia 16/11/1969.

Perdoem-me por fugir um pouco do foco, mas isso serve para ilustrar a importância que ele sempre teve também entre os companheiros de profissão. Seu milésimo gol (contra o Vasco) acabaria sendo comemorado pela maioria dos jogadores em campo, naquela noite no Maracanã e na sequência, ele deixaria o gramado, sendo substituído justamente por Jair Bala.

Os que com ele tiveram oportunidade de atuar, sempre falam a respeito de seu jeito bacana, humilde, avesso a estrelismos e acima de tudo, um bom parceiro fora dos gramados. E melhor ainda, dentro dele.


Pelé era tão genial, que mesmo sem querer, obrigava os companheiros a ficarem mais atentos, para entenderem sua velocidade de raciocínio em campo e acompanha-lo nas jogadas.

Assim, talentosos craques fizeram duplas memoráveis com ele: no Santos, sem dúvida, as melhores tabelinhas foram com Coutinho. A dupla “Pelé-Coutinho” fez “gato e sapato” de muitos adversários. Pelé marcou 1091 gols e Coutinho, outros 370, lá.

Por aí, já se tem uma noção do que eram capazes de fazer juntos, no time praiano.

Pelé tivera antes a companhia de Pagão – centroavante de estilo clássico – em seus primeiros anos de Vila Belmiro. Após Pagão e Coutinho, outro bom artilheiro que jogou com ele na equipe peixeira, foi Toninho Guerreiro, único jogador pentacampeão paulista consecutivo da história, inclusive.

Na Seleção Brasileira, seu maior parceiro foi Garrincha, com quem compôs uma dupla invencível, que ganhou 35 jogos e empatou cinco, dos quarenta que disputou. Outro grande companheiro foi Tostão, de quem chegaram a duvidar que pudesse jogar com Pelé. A genialidade dos dois mostrou que isso era perfeitamente possível.

Mesmo no finalzinho da carreira, ainda brindaria o público com lances memoráveis, como em 19/6/73, um ano antes de se aposentar pelo Santos, quando marcou dois gols – e o único olímpico de sua carreira – na vitória de 4×0 sobre o Baltimore Bays. 

Como se não bastasse, ainda substituiu o goleiro Cláudio, que acabou se contundindo naquele jogo. A torcida americana foi ao delírio!

A mesma torcida americana que parecia não acreditar no que via, em 19/6/77, exatamente quatro anos depois, quando Pelé, atuando agora pelo Cosmos de Nova York na liga norte-americana, marcou um gol do meio de campo, diante do Tampa BayRowdies. E também deu show nesse jogo, marcando os três gols da vitória de sua equipe, por 3×0. Estava feito o gol que não havia conseguido na Copa de 70, diante da Tchecoslováquia. 

Em 22 anos de carreira, ele atuou na verdade, ao lado de várias gerações de craques, ao longo do que se convencionou chamar de “Era Pelé”.

Na Seleção, jogou primeiro naquela que teve Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Vavá, Amarildo, Zagallo. Depois, esteve ao lado de Piazza, Gérson, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Paulo Cézar Caju.

No Santos, mais ainda: na primeira geração, esteve ao lado de Jair Rosa Pinto, Formiga, Del Vecchio, Urubatão, Ramiro, Vasconcelos, Tite, Pagão.  Na segunda, com Gylmar, Lima, Dalmo, Zito, Mauro, Calvet, Almir, Mengálvio, Dorval, Coutinho, Pepe. Na terceira, teve parceiros como Clodoaldo, Carlos Alberto, Joel, Toninho Guerreiro, Edu, Rildo, Ramos Delgado, Cejas, Abel, Manoel Maria, entre outros. Alguns aqui citados participaram de mais de uma geração, é bom deixar claro.

Vocês estão entendendo queridos, porque com Pelé não pode haver comparações?Daí a intensão deste texto: a de que vocês tomem consciência da grandiosidade de Pelé e se tornem um agente multiplicador de sua história. Pelé é um patrimônio futebolístico nacional e mundial e compete a nós, brasileiros, preservarmos sua memória.

Muito menos aceitar o que parte da mídia dissemina por aí, tentando passar Pelé para trás e endeusando qualquer novo craque que surge na praça, representando vendas, publicidade, dinheiro, como se fosse o maior de todos os tempos.

Por isso, me dirijo em especial aos jovens, nessa cruzada para defender Pelé. Compartilhando esse texto com o maior número de pessoas que vocês puderem, ao menos. E depois, se tiverem interesse, procurem na literatura esportiva, conheçam outras histórias, as quais eu propositalmente, não contei aqui, porque nós, mais velhos, já as conhecemos, enquanto parte de vocês ainda não teve esse prazer.

Pesquisem por aí, sobre o “Gol de Placa”, o “Gol na Rua Javari”, o “Milésimo Gol”. Assistam com atenção, aos vídeos dele na Internet, sobretudo os golaços na Copa de 1958 e os lances geniais, na de 1970. Nunca viram o DVD “Pelé Eterno”?

Pois ele é obrigatório, para dar uma visão mais completa do que estou lhes falando.

A falta de patriotismo nos leva às vezes, a relativizar nossos ídolos, coisa que em geral não ocorre em outros países. Vejam por exemplo, a devoção com que os argentinos cultuam Maradona, com direito a exageros, como a fundação de uma “Igreja Maradoniana”. Mas fazem isso por paixão, por respeito. Cultua-se sua enorme importância como jogador; como ídolo. Não o julgam por sua conduta pessoal.

Pelé é um ídolo que nunca morrerá, mas deve preservar-se inalterada a grandeza de sua incomparável carreira. No exterior mesmo, me parece muitas vezes haver para com ele, mais respeito e noção do que este homem representou para o mundo da bola.

Dias atrás, logo após a final da Copa na Rússia, uma revista especializada lá da Europa trouxe uma edição especial com as 50 melhores histórias das Copas do Mundo.

Com Pelé, na capa, é claro!

O brasileiro mais famoso do planeta, em nossos mais de 500 anos de história, merece no mínimo, o mesmo culto à sua memória, que seus principais rivais possuem, em seus respectivos países.

Sobre ele, muito se falou ou se escreveu e para encerrar, gostaria aqui de relembrar algumas frases a seu respeito.

Primeiro, uma definição perfeita do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Pelé 1000”, de 20/10/69:

“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé”.

Já o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, impressionado com sua desenvoltura aos 17 anos, o descreveu assim, quando o viu pela primeira vez, antes da Copa da Suécia e de nosso primeiro título mundial, em sua crônica “A Realeza de Pelé”, de 08/3/58:

“… dir-se-ia um rei, não sei Lear, se Imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor…”.

O jornalista, técnico e comentarista João Saldanha, que inclusive foi treinador de Pelé em 1969 na Seleção Brasileira, fez uma analogia interessante sobre ele:

“Pelé é um fenômeno da natureza; só assim você explica um Pelé, um Picasso, um Neruda, um Chopin, um Da Vinci”.

Outro jornalista memorável, Armando Nogueira, dizia brincando que:

 “Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”.  

O jornal londrino “SundayMirror” admirado com seu desempenho, o descreveu assim:

“Pelé nunca será superado, porque é impossível haver algo melhor do que a perfeição; ele teve tudo: físico, habilidade, controle de bola, velocidade, poder, espírito, inteligência, instinto, sagacidade”.

A respeito do homem com quem se casou, sua ex-esposa, Rose Cholby, disse:

“Às vezes deliro e digo para mim mesma que estive casada com uma estátua viva”.

Quanto a mim, humildemente arrisquei uma definição sobre a origem de Pelé, quando elaborava um texto, certa vez:

“E Deus, em sua infinita e divina sabedoria, ao concluir o mundo no sexto dia, deu-lhe também a bola, para com ela romper com todo o silêncio que se apoderara de sua obra; porém, vendo-a tão inerte e silenciosa, como que não tendo vida, decidiu-se por conceder-lhe um rei, para que assim se espalhasse alegria e encantamento aos quatro cantos da Criação”.  Gostaram?

Sabem meus queridos, não posso deixar de certa maneira, de considerar Pelé um Deus, na medida em que ele provocava “o diabo” na defesa adversária.

Daí me entristecer tanta bobagem dita por aí, tanta sandice. Já tentaram rebaixar Pelé e seus feitos de todas as formas possíveis e imagináveis. Há listas que o contabilizam com 757 gols e até (creiam!) 290. Alguém aí acha, em sã consciência, que daria pra sustentar uma fraude tão grande por várias décadas, de que um jogador com menos de 300 gols foi o “Rei do Futebol”?

Quando me perguntam sobre como seria uma partida entre Pelé e seu maior rival, Maradona, digo para que leiam meu texto (inclusive publicado aqui no Museu da Pelada): “A Copa Virtual de Todos os Tempos”. Nela, ambos se defrontam numa incrível final e tem que decidir o jogo nos pênaltis.

Na vida real, aconselho que vocês se divirtam assistindo à “caneta” que o Romário deu em Maradona, na Copa América de 1989. Pra que vou discutir a majestade de Pelé contra súditos que passaram por esses vexames?

Parte deste texto foi escrito originalmente em um 1º de outubro, (mesmo dia em que ele encerrou a carreira) e não consigo deixar de me lembrar, todo santo ano, do dia em que ele se despediu e os gramados do mundo inteiro perderam esta magia tão grande.

Com o passar do tempo, não apenas meu amor pelo futebol foi crescendo, mas também minha admiração por Pelé. Tanto, que recentemente me tornei membro da ASSOPHIS por causa dele.

Peço desculpas a todos, pelo tamanho deste artigo, mas (por favor) compreendam que ele acabou ficando proporcional à dimensão de Pelé, na história do futebol mundial.

Fiz questão de que este meu décimo texto publicado aqui no Museu da Pelada, fosse uma singela homenagem ao maior camisa dez que já existiu.

Um “dez” tão importante, que revolucionou a própria posição, fazendo com que este número passasse a ter um peso diferente na camisa, em relação às outras, no mundo do futebol, até hoje.

Então minha gente, é isso!

Eu poderia ficar aqui contando mais partidas e jogadas do Rei, indefinidamente. Que interrompeu guerras (para que o vissem jogar) protagonizou histórias sensacionais, rivalizando em popularidade com papas, presidentes, ídolos pop, atuando muitas vezes até, em causas humanitárias e diplomáticas.

Que acabou sendo celebrizado inclusive, pelos gols que perdeu na Copa de 70. Que fez gols assim e assado, em muitas outras histórias curiosas, interessantes e até divertidas, às vezes. Eu poderia mesmo ficar. Mas não ficarei.

Porque amanhã – a não ser que alguma contusão séria comprometa sua carreira ou ele não ganhe Copa alguma – a mídia vai inventar que Messi (ou outro craque qualquer, que chegar com pinta de usurpar-lhe a coroa) foi melhor do que Pelé. Paciência!


Eu, de minha parte, vou dormir com a consciência tranquila, por não me deixar levar por interesses puramente comerciais, marqueteiros. Ninguém influencia minha opinião, muito menos rege o que eu penso.

E o que eu penso, sinceramente, é que sou muito grato a Deus, por ter tido a feliz oportunidadede viver num tempo em que ainda me foi possível ver Pelé jogar.