Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Doval

ÍDOLO DOVAL

por Elso Venâncio


Aqui no Brasil, Narciso Horácio Doval jogou no Flamengo e no Fluminense. Na Argentina, destacou-se também em dois clubes rivais: San Lorenzo e Huracán.

O gringo tinha alma carioca. O Clarín, principal jornal de Buenos Aires, certa vez abriu a seguinte manchete para falar dele:

“DOVAL É PARA O RIO O QUE PELÉ REPRESENTA PARA O RESTO DO BRASIL”

Com certeza, Doval foi tão ídolo e tão famoso quanto Zico.

O futevôlei, que surgiu em meados dos anos 60 na praia de Copacabana, logo chegaria a Ipanema. Sérgio Noronha, o “Seu Nonô”, vizinho de Doval na Rua Vinicius de Moraes, antiga Montenegro, me disse que nesse esporte Doval exigia que seus jogos valessem dinheiro. E ganhava quase sempre. Hoje, na quadra próxima à barraca do Pepê, na Barra da Tijuca, vários craques como Romário, Djalminha e Edmundo seguem à risca as regras criadas pelo “Diabo Loiro”.

Doval era o Rei de Ipanema e dono absoluto do pedaço que hoje é ocupado por Renato Gaúcho. Tomava café nas padarias do bairro, sempre de graça. Chamava o gerente e falava:

– Cheguei e não tinha ninguém aqui… De repente encheu. Ídolo é atração. Ídolo não paga.

Elba de Pádua Lima, o Tim, foi técnico do atacante na Argentina e responsável por trazê-lo para o futebol carioca. Brilhava na Gávea, por sua raça e talento. Contudo, em 1970, o atacante discutiu com o técnico Yustrich, que queria cortar seus longos cabelos e mudar a sua forma de vestir. Por isso, viu-se obrigado a deixar a Gávea. Acabou sendo emprestado ao Huracán.

Retornou em 1972. Zagallo era o treinador e Doval pôde formar uma dupla histórica com Zico.

Em campo, parecia um leão saído de uma jaula. Mas sabia jogar, tinha técnica e raça incomuns. Sem câmeras de TV – muito menos VAR –, o jogo era bruto. Doval encarava os zagueiros e avisava:

– Vou dar a primeira!

Brigava, xingava os adversários, cavava  faltas para Zico cobrar. No Fluminense, fazia o mesmo para Rivellino. Em 1976, marcou de cabeça, na prorrogação do jogo decisivo com o Vasco, diante de 127.052 pagantes que superlotavam o Maracanã, o gol que deu o bicampeonato carioca à “Máquina Tricolor”.

Doval se naturalizou brasileiro. Nas entrevistas, se autoproclamava:

– Nós, brasileiros,…

George Helal, vice de futebol rubro-negro no início da década de 90, sempre recebia a imprensa após os treinamentos. Sala cheia, de repente alguém bate à porta. O dirigente pede para entrar e surge uma cabeleira loira inclinada, com seus pequenos mas marcantes olhos azuis.

– Entra, Doval!

Ele já tinha parado de jogar, mas continuava indo muito à Gávea .

– No… mas tarde yo hablo.

– Pode falar – retrucou Helal.

– Um cerrajero…

– O quê?

Doval indicou com os dedos algo pequeno. Falava rápido, um portunhol difícil de entender…

– Um chaveiro?

– Si, si, como Zico.

Helal se lembrou que realmente tinha feito um personalizado do “Camisa 10 da Gávea” para presentear torcedores, sócios e conselheiros. Zico já era o “Galinho de Quintino”.

– Mas o que coloco? Zico é o Galinho…

De bate-pronto, o gringo respondeu:

– Doval, O Fenômeno!

A gargalhada foi geral, inclusive por parte do próprio.

A noite de 9 de outubro de 1991, particularmente, ficou marcada. O ex-atacante foi convidado para chefiar a delegação rubro-negra num jogo contra o Estudiantes, em La Plata. A diretoria fez o convite com o objetivo de acalmar os adversários, sobretudo a temível torcida argentina. Além disso, se um time brasileiro vencesse lá, o jogo não terminaria bem. Invariavelmente, as partidas acabavam em briga generalizada.

O ônibus da delegação entrou no estádio e o primeiro a descer foi Doval. Calça e jaqueta jeans, com o habitual sorriso e bom humor, me atendeu falando por uns 10 minutos ou mais:

– Passei a ser profissional do futevôlei, desafiava qualquer um. Tinha voltado a jogar tênis, mas gostava mesmo era da praia e das cariocas, as mais bonitas do mundo.

Falou do tempo de ídolo nas Laranjeiras e que quase vestiu a camisa do Botafogo. Só não jogaria no Vasco. O porquê?

– São Januário é longe da praia – explicava aos risos.

Estava de bem com a vida. Lembrou-se da infância do garoto de classe média em Palermo e disse que só vestiu a camisa da seleção argentina uma única vez:

– Aqui me acham indisciplinado.

No jogo, válido pela Supercopa, os argentinos foram violentíssimos, mas perderam por 2 a 0 – gols de Zinho e Gaúcho. O Flamengo deixou o estádio Jorge Luis Hirschi na madrugada do dia 10, já que a polícia retirou, aos poucos e com total segurança, todos os torcedores presentes.

O retorno ao Rio aconteceu na noite seguinte, com chegada marcada para o dia 12, cedinho, no Galeão. Sem Internet, ficamos sabendo pelos jornalistas, no saguão do aeroporto, da trágica notícia: Doval, aos 47 anos, tinha ido a uma boate na noite anterior e por lá teve uma parada cardíaca fulminante na saída.

Era um sábado de manhã. O táxi que peguei estava ligado na Rádio Globo e reproduzia a sua última entrevista. Seus depoimentos se repetiram por diversas vezes ao longo da programação, durante todo aquele dia.

O taxista virou-se para mim:

– Morreu um ídolo.

– De todos nós… – respondi.

Doval faria aniversário terça que vem, dia 4 de janeiro.

Faria, não. Fará.

Afinal, ídolos são sempre eternos.

E Feliz Ano Novo!

VALORES ASTRONÔMICOS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Torcedor adora uma resenha e volta e meia ouço alguém perguntar “quanto valeria um Rivellino hoje, um Zico, um Evaristo?”. Se um Arrascaeta, que nem titular da seleção uruguaia é, vale todos esses milhões que o Flamengo está oferecendo, imagine um desses três!

O Flamengo está agindo como esses emergentes que ficam milionários de um dia para o outro e saem esbanjando. Só falta os dirigentes gravarem um clipe imitando os rappers americanos, em carrões de luxo. Dá-lhe, ostentação!! Também lembram o apresentador Silvio Santos transformando cédulas em gaivotas e arremessando ao público: “quem quer dinheiro???”, Kkkkk!!!!

Fico imaginando quanto valeria o saudoso Doval hoje. Narciso Horacio Doval, que aniversariou no dia 4 de janeiro. Não falo em técnica, mas de entrega e identificação com a torcida. Outro centroavante que incendeia a torcida como ele é Carlitos Tévez, agora em fim de carreira. Os argentinos tem esse poder. Isso não se ensina em treinos, é próprio de cada um.

Doval entrava em campo e se transformava, cansava os zagueiros com seus piques e não tinha medo de cara feia. Foi trazido do San Lorenzo para o Flamengo por Tim, após se destacar em um poderoso ataque batizado de Los Carasucias, Caras Sujas, expressão argentina para moleques. Ele era o El Loco e os outros Fernando Nano Areán, Héctor Bambino, Victorio Manco Casa e Roberto Oveja Telch. No Flamengo, encantou a torcida em poucas partidas.

Nos conhecemos nas noitadas da Montenegro, em Ipanema, onde morava. Eu estava no Botafogo. Aprontamos muito, ele com sua Honda 400 e eu com minha Fiat Spider conversível, abóbora e preta, importada da Itália. Ele era um galã e as mulheres ficavam enlouquecidas quando ele chegava aos eventos. Os homens odiavam porque não sobrava nenhuma para contar a história, Kkkk!!! Mas o negão aqui tinha swing e também não decepcionava, Kkkk! Mas o playboy argentino era imbatível!

Depois jogamos juntos no Flamengo e em um dos troca-trocas do Horta ele foi para o Fluminense e nos encontramos novamente. Até me enviaram outro dia o vídeo do lance em que bato o escanteio e ele faz o gol do título do Carioca de 76. Que saudade do gringo!!! Amava o Rio como poucos cariocas amam, se naturalizou brasileiro e era considerado o mais carioca dos argentinos. Não lembro de quem é a frase, mas diziam que Doval era para o Rio o que Pelé era para o Brasil.


Sandro Moreira contou uma vez que, durante um jogo, ele perguntou para um companheiro de time porque a torcida do Flamengo gritava o nome do zagueiro Tinteiro se ele, Doval, era o melhor em campo. “É com você mesmo, Louco, e não é Tinteiro, mas chincheiro”, Kkkk!! E ele não se drogava, só lança-perfume, de leve. Sua morte foi uma pancada em nossos corações. Passou mal em Buenos Aires saindo de um restaurante com a família.

Poucos meses antes, já veteranos, nos encontramos em um torneio de futebol de salão, na Argentina. Ele jogou no combinado entre Flamengo e Santos, contra Boca/River e Nacional/Penarol. No início do campeonato, me chamou e disse que não queria perder a artilharia para o Artime, rival histórico. Fizemos um pacto, pelos velhos tempos! Ganhamos a competição e, claro, Doval foi o artilheiro. À noite, levou nosso time para passear por Buenos Aires e rimos muito relembrando os tempos espetaculares na Cidade Maravilhosa. Foi uma noite inesquecível, como tantas outras que passamos nas boates de Ipanema e nas Noites Cariocas, no Morro da Urca.

Hoje ele não está mais entre nós, não tenho mais minha Fiat Spider, a Montenegro virou Vinicius e o Arrascaeta vale milhões.